SUMÁRIO

 

Introdução – 1. Aspectos gerais da prova pericial – 1.1. Conceito de perícia e perito – 1.2. Espécies de prova pericial – 1.3. Classificação da prova pericial – 2. Valoração da prova pericial – 2.1. Procedimentos processuais a serem observados para realização da perícia – 2.2. Sistemas de apreciação da prova – 2.3.Vinculação da decisão judicial ao resultado do laudo pericial – Conclusão: Ponderação Prática

 

RESUMO

 

            O presente artigo versa sobre a possibilidade ou não do juiz se vincular ao laudo pericial, com ênfase sobre a significância da produção e valoração da prova pericial.

 

INTRODUÇÃO

 

            O deferimento ou indeferimento da tutela jurisdicional depende unicamente da atividade cognitiva do juiz, que através do exame dos fatos deduzidos na petição inicial e contestação e das provas produzidas ao longo do processo, forma seu juízo de valor.

 

            Na maioria dos casos, o convencimento do magistrado está atrelado a demonstração e comprovação dos fatos mediante os meios de prova previstos no sistema processual, com observância na regra geral de que aquele que alega deve provar (art. 818 da  CLT e art. 333 do CPC).

 

            Em outras palavras, são as provas colhidas ao longo do processo que esclarecerão o juiz acerca da verdade dos fatos para que ele possa proferir a decisão.

 

            Para se alcançar a verdade dos fatos alegados pelas partes, portanto, o juiz pode se valer de meios como a confissão real, a prova testemunhal, a prova documental, a prova pericial, a inspeção judicial, entre outros.

 

A prova pericial, objeto de nosso estudo, é um meio de prova bastante peculiar, uma vez que a análise do fato a ser provado através desta dependerá de prévio conhecimento técnico ou científico a respeito da matéria, o que obriga a sua apreciação por um expert.

 

            O juiz não está obrigado a ter conhecimento técnico e científico a respeito de toda e qualquer matéria, sendo-lhe permitido, portanto, recorrer a um profissional habilitado e detentor de tal conhecimento para que lhe auxilie na verificação e interpretação técnica de tais fatos.

 

            É daí que nasce a prova pericial.

 

            Este trabalho visa o estudo dos aspectos gerais da prova pericial, bem como o estudo dos aspectos ligados a produção e valoração da prova pericial, com ênfase na possibilidade ou não do juiz se vincular ao laudo pericial às luz dos artigos 131 do CPC e 436 do CPC, trazendo as opiniões de doutrinados de renome, decisões dos tribunais superiores e impressões pessoais sobre o assunto.

 

I – ASPECTOS GERAIS

 

1.1 Conceito de perícia e perito

 

As partes (autor e réu) quando se dirigem o Judiciário, o fazem para que o juiz decida sobre um direito, proclamando-o e fazendo-o cumprir. A decisão final proferida pelo magistrado e que indica a procedência ou improcedência do direito pretendido está baseada, na grande maioria das vezes, nas provas constantes dos autos.

 

A perícia, objeto de nosso estudo, nem sempre tem sido tomada como prova, mas como uma forma de compreensão ou apuração das provas. Nesse sentido, João de Castro Mendes[1] – “Do conceito de prova em processo civil”, Coleção Jurídica Portuguesa, Edições Ética, Lisboa, 1961 diz:

 

“...Esta construção leva Heusler a tira uma conclusão interessante no que diz respeito ao objeto da prova: este só deve abranger factos passados (em relação ao processo). Com efeito, os factos contemporâneos podem – e portanto devem – ser o objeto do conhecimento directo por parte do próprio juiz, ou peritos por ele nomeados, e este conhecimento nunca é prova. Quando aos factos passados, devem ser reconstruídos ao juiz por meios (testemunhas, documentos, juramentos) tão idôneos quanto possível. E então das duas uma: ou esses meios são produzidos pelas partes, e essa produção chama-se prova; ou a sua aportaçao é determinada pelo juiz, e estamos perante Erkenntnistmittel, meios de conhecimento ( e não de prova).”

 

Para Moacyr Amaral Santos, a perícia consiste “no meio pelo qual, no processo, pessoas entendidas e sob compromisso verificam fatos interessantes à causa, transmitindo ao Juiz o respectivo parecer”[2].         

 

Os litigantes têm interesse central na prova dos fatos e a perícia, se não é uma prova, é um meio de se compreender a prova, naquilo que possa ser de difícil entendimento para o julgador[3].          

 

            Assim, quando a prova do fato escapa do conhecimento ordinário do juiz, ou seja, quando a prova do fato exige a análise de questões técnicas que se afastam da esfera jurídica da qual o magistrado é detentor de pleno conhecimento, necessário se faz que o mesmo se valha da prova pericial para dirimir a controvérsia técnica do processo.

 

A prova pericial serve, portanto, para esclarecer o que não está suficientemente claro para o julgador.

 

            Resta claro, portanto, que a perícia não visa pura e simplesmente a verificação de um fato. O laudo pericial aprecia, analisa e interpreta os fatos tecnicamente de modo a facilitar a compreensão e convencimento do juiz quanto a matéria ali tratada. Deste modo, a perícia não é prova, mas sim um meio probante.

 

            Nesse sentido, dispõe o artigo 145 do CPC:

 

Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no artigo 421.

§ 1º: Os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, respeitado o disposto no Capítulo VI, Seção VII, deste Capítulo.

§ 2º: Os peritos comprovarão sua especialidade na matéria sobre que deverão opinar, mediante certidão do órgão profissional em que estiverem escritos.

§ 3º: Nas localidades onde não houverem profissionais qualificados que preencham os requisitos dos parágrafos anteriores, a indicação dos peritos será de livre escolha do juiz”.

 

            Pela leitura do referido dispositivo legal, o perito é pessoa física que atua no processo para auxiliar o juiz na compreensão de determinado fato, em razão de seu conhecimento técnico e científico sobre determinado tema que escapa do conhecimento do magistrado.

 

            Conforme se verifica do artigo supracitado, a escolha do perito é feita pelo juiz entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, e com especialidade na matéria tratada nos autos e que será objeto de perícia.

 

            Como destaca Moacyr Amaral Santos, “os peritos funcionam, pois, como auxiliares do juiz, que é quem lhes atribui a função de bem e fielmente verificar as coisas e os fatos e lhe transmitir, por meio de parecer, o relato de suas observações ou as conclusões que das mesmas extraírem. Como auxiliares do juiz e para funcionarem no processo, os peritos cumprirão leal e honradamente a sua função (Código de Proc. Civil, art. 422)”[4].

 

1.2 – Espécies de prova pericial

 

            Dispõe o artigo 420 do Código de Processo Civil:

 

                        “A prova pericial consiste em exame, vistoria e avaliação”.

 

            Três são as modalidades de prova pericial previstas em lei: exame, vistoria e avaliação.

 

            O exame consiste na inspeção sobre pessoas, semoventes e coisas, para verificação de fatos relevantes para a causa. No processo do trabalho, por exemplo, têm-se as perícias médicas para apuração de doença profissional (exame em pessoas) e perícia grafotécnica (exame em documentos).

 

            A vistoria consiste na inspeção sobre imóveis ou determinados lugares. No processo do trabalho, por exemplo, citem-se as perícias de insalubridade e periculosidade (vistoria no local de trabalho).

 

            A avaliação consiste na estimação de valores de determinadas coisas, bens ou obrigações. A avaliação, por sua vez, implica atribuir-se, estimativamente, um valor monetário às coisas (móveis ou imóveis), e aos direitos e obrigações que constituem o objeto de perícia[5]. No processo do trabalho, por exemplo, tem-se a perícia contábil.

 

1.3 – Classificação da prova pericial

 

            A prova pericial pode ser classificada segundo os seguintes critérios:

 

a) Existência ou não de ação em curso:

 

a.1) perícia judicial: aquela que resulta de ação proposta, sendo determinada de ofício ou a requerimento de uma ou ambas as partes. A perícia judicial está prevista nos artigos 420 a 439 do Código de Processo Civil, artigo 195, § 2º, da CLT e artigo 3º da Lei nº 5.584/70, dentre outros.

 

a.2) perícia extrajudicial: aquela que não resulta de ação judicial, sendo produzida fora do processo, mas que servirão para instrução dos mesmos. Cite-se como exemplo, a perícia requerida pela empresa ou pelo sindicato da categoria ao Ministério do Trabalho para verificação das condições de determinado local de trabalho, tal como faculta o artigo 195, § 1º, da CLT.

 

b) Existência de norma legal impositiva ou não-impositiva:

 

b.1) perícia obrigatória: aquela cuja realização é obrigatória, independente de requerimento da parte interessada ou da iniciativa do juiz. Cite-se como exemplo a apuração e classificação das atividades insalubres ou perigosas, conforme disposto no artigo 195, § 2º, da CLT e 475-J do CPC.

 

b.2) perícia facultativa: aquela cuja realização dependerá de requerimento do interessado ou da iniciativa do próprio juiz.             A perícia pode ser facultativa, sempre que sua existência dependa da necessidade do juiz em melhor se instruir sobre problemas técnicos, que só através do laudo possa vir a conhecer. Mas será obrigatória, quando a lei assim determinar[6].

 

2 – VALORAÇÃO DA PROVA PERICIAL

 

2.1 – Procedimentos processuais a serem observados para a realização da perícia

 

            Verificando a necessidade da perícia, seja na fase de conhecimento seja na fase de execução, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, designará a perícia, nomeando perito de sua confiança, com formação universitária e com conhecimento técnico específico sobre a matéria tratada, e fixará prazo razoável para entrega do laudo concluído.

 

            Determinada a realização da perícia, é facultado às partes, no prazo de 05 (cinco) dias, apresentar quesitos a serem respondidos pelo perito, bem como indicar assistente técnico para acompanhamento dos trabalhos periciais (artigo 421 do Código de Processo Civil).

 

            No processo do trabalho, conforme preceitua o artigo 3º da Lei 5.584/70 – que revogou tacitamente o artigo 826 da CLT[7], as perícias são realizadas por um único perito de confiança do juiz. Confira-se:

 

Os exames periciais serão realizados por perito único, designado pelo Juiz, que fixará o prazo para a entrega do laudo.

Parágrafo único: Permitir-se-á a cada parte a indicação de um assistente, cujo laudo terá que ser apresentado no mesmo prazo assinado para o perito, sob pena de ser desentranhado dos autos”.

           

            Tratando-se de perícia mais complexa e que envolva questões com mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito (artigo 431-B do CPC).

 

            Conforme preceitua o artigo 422 do CPC, “o perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição”.

 

            Embora a lei não exija qualquer formalidade, o perito nomeado pelo juiz e prestará seu encargo sob compromisso, devendo, por essa razão, atuar de forma imparcial e cumprir o oficio que foi designado com diligencia e presteza (artigo 146 do CPC).

 

            As partes também poderão invocar contra o perito as exceções de suspeição e impedimento previstas nos artigo 134 e 135 do Código de Processo Civil, conforme disposição do artigo 138, inciso III, do mesmo texto legal.

 

            Após fazer carga dos autos, o perito, em observância com o que dispõe o artigo 431-A do Código de Processo Civil, comunicará as partes sobre a data, o horário e o local onde terá início a realização dos trabalhos periciais.

 

            Quando da realização da perícia e para fins de elaboração do laudo pericial, o perito ouvirá depoimento de informantes, de paradigmas ou terceiros, assim como poderá se valer de qualquer outra fonte de informação, mediante solicitação de documentos que estejam em poder da parte ou mesmo em repartições públicas, podendo instruir seu laudo com plantas, desenhos, fotografias ou outras peças que julgar necessária para o esclarecimento da questão (artigo 429 do Código de Processo Civil[8]).    

 

            O laudo pericial deve ser escrito, devidamente assinado pelo perito e seus assistentes e rubricados pelo juiz e entregue com pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento (artigo 433 do CPC). Tal procedimento é necessário para a indiscutível autenticidade de tal documento.

 

            Apresentado o laudo pelo perito, no prazo determinado pelo Juiz, as partes deverão ser noticiadas para tomarem ciência do conteúdo das conclusões do “expert” e, se julgarem necessário, apresentarem quesitos complementares, bem como requererem a realização de nova perícia, pela eventual imprestabilidade daquela realizada.

 

            Havendo impugnação de uma ou ambas as partes acerca do conteúdo do laudo pericial, o juiz determinará a intimação do perito para que sejam prestados esclarecimentos sobre o que lhe foi solicitado. Frequentemente, tais esclarecimentos são prestados por escrito antes da realização da audiência de instrução, embora, por lei, deva ser feito através do depoimento do “expert” na audiência de instrução (artigo 435 do CPC).

 

            Ultrapassada todas as etapas do procedimento pericial, o processo retoma seu curso, lógico e cronológico, com a audiência de instrução.

 

            Apenas a título de esclarecimento, tratando-se de ação trabalhista submetida ao procedimento sumaríssimo, o § 4º do art. 852-H da CLT prescreve literalmente que “somente quando a prova do fato exigir, ou for legalmente imposta, será deferida prova técnica, incumbindo ao juiz, desde logo, fixar o prazo, o objeto da perícia e nomear o perito”. As partes serão intimadas a manifestar-se sobre o laudo, no prazo comum de cinco dias. Embora as provas, no procedimento sumaríssimo, devam ser todas produzidas em audiência, o § 7º do art. 852-H da CLT prevê a possibilidade de “interrupção” (rectius, suspensão) da audiência, sendo que o seu prosseguimento e a prolação da sentença dar-se-ão no prazo máximo de trinta dias, salvo motivo relevante, justificado nos autos pelo juiz da causa[9].

 

2.2 – Sistemas de apreciação da prova

           

            A fase probatória é composta pelo ato de produção da prova e pelo ato de apreciação (valoração) da prova.

 

            Valorar a prova nada mais é senão apreciar a capacidade que a mesma possui de convencer o seu destinatário da realidade de um fato ou da verdade de sua afirmação. A apreciação da prova é feita na sentença e se destina a demonstrar a verdade dos fatos e formar o convencimento do juiz acerca dessa verdade.

 

            O ordenamento jurídico passou pela evolução de 03 (três) sistemas de apreciação de prova, a saber: a) sistema da prova legal ou positiva; b) sistema da livre convicção; c) sistema da persuasão racional.

 

O sistema da prova legal teve raízes nas ordálias ou juízos de Deus, muito em voga na antiguidade. De acordo com este sistema, a prova era tarifada segundo critérios previamente fixados na lei, com preferência para o critério quantitativo e não qualitativo. Tome-se como exemplo, o valor probante do testemunho de uma única testemunha que nada valia em contraposição ao testemunho de duas testemunhas que se constituía como prova plena.

 

O sistema da livre convicção surgiu como oposição ao sistema anteriormente vigente. Sua origem é romana e foi amplamente utilizado pelos germânicos. Segundo este sistema, o juiz tinha ampla liberdade para decidir o caso conforme sua íntima convicção, independente da indagação da verdade e da apreciação da prova, sem haver, inclusive, obrigatoriedade de dar qualquer justificativa hábil para tal ato.

 

A verdade surgia na consciência do julgador, sem que ele tivesse de subordinar-se a certas regras legais de valoração da prova. A sua convicção se originava, ademais, não somente do conjunto probatório existente nos autos, mas antes mesmo de certos conhecimentos privados que pudesse ter acerca dos fatos. E a liberalidade desse sistema atingiu sua culminância ao dispensar que o juiz indicasse os motivos que influíram na formação de seu convencimento[10].

 

O sistema da persuasão racional ou do convencimento racional tem origem com os códigos napoleônicos e se constituiu como reação ao sistema da livre convicção aplicado ao processo, posicionando-se como um sistema intermediário entre os sistemas anteriores.

 

No sistema da persuasão racional, embora se permita ao juiz apreciar livremente as provas, isto não significa que possa se deixar orientar por suas impressões pessoais: ao contrário, a sua convicção deverá ser formada com base na prova produzida nos autos (‘iudexsecundumallegataetprobatapartiumiudicaredebet”). O seu convencimento, por isto, longe de ser arbitrário, fica ajoujado a certas regras jurídicas especificas, bem como a regras de lógica jurídica, sem desprezo pelas máximas da experiência. Por esta razão, ele apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas deverá indicar na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento[11].

 

O sistema da persuasão racional foi o sistema recepcionado pelo nosso ordenamento jurídico brasileiro, através do artigo 131 do Código de Processo Civil:

 

“O juiz apreciará livremente a prova, atendando aos fatos e circunstancias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”.

 

            Sob esta mesma ótica, o direito processual do trabalho assim se pronunciou através do seu artigo 832 da CLT:

 

Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão”.

 

            Toda e qualquer decisão proferida pelo juiz deve ser fundamentada, posto que é através da motivação ou fundamentação que “o juiz revela todo o raciocínio desenvolvido acerca da apreciação das questões processuais, das provas produzidas e das alegações das partes, que são os dados que formarão o alicerce da decisão”[12], sob pena de ser declarada nula a luz do que dispõe o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

 

            No que se refere ao sistema de apreciação da prova, se por um lado o juiz tem liberdade de interpretação dos meios probantes apresentados no processo, por outro, é obrigado a indicar na decisão os motivos racionais que formaram o seu convencimento, evitando-se, com isso, o arbítrio na solução do litígio.

 

            Nas palavras de Candido Rangel Dinamarco, essa liberdade de convicção não equivale à sua formação arbitrária: o convencimento deve ser motivado, não podendo o juiz desprezar as regras legais porventura existentes (CPC, art. 334, inc. IV; CPP, arts. 158 e 167) e as máximas de experiência (CPC, art. 335)[13].

 

2.3 – Vinculação da decisão judicial ao resultado do laudo pericial

 

            Dispõe o artigo 436 do Código de Processo Civil que o juiz é livre para apreciar a prova através dos peritos, não estando adstrito ao resultado do laudo pericial. Confira-se:

O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”.

 

            Pela leitura do dispositivo legal supracitado, a decisão judicial não estaria vinculada ao resultado do laudo pericial, haja vista que o juiz poderá formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados no processo.

 

            A questão em tela não tem posicionamento pacificado na doutrina e jurisprudência. Vejamos:

 

            Para os autores e juristas que defendem que a decisão judicial não está atrelada ao laudo pericial, a fundamentação advém do fato de que o artigo 436 do Código de Processo Civil se mostra em plena harmonia com o artigo 131 do Código de Processo Civil, na medida em que ressalva a liberdade do juiz em apreciar livremente a prova pericial juntamente com as demais provas do processo para formação de seu convencimento, devendo quando da decisão final apenas expressar os motivos que o levaram a decidir com base em uma ou outra prova.

 

            Nos dizeres de Coqueijo Costa, citado por José Luiz Ferreira Prunes, “de regra, o perito conhece parte, ou eventualmente toda a questão do fato, e o juiz conhece a questão de direito e sua relação com a questão do fato. O perito encara o tema independente da questão que é objeto do processo. Ele fica alheio aos resultados do processo. Apenas contribui para formar o material de conhecimento que o juiz precisa, sem participar da decisão, que cabe exclusivamente ao juiz, dada a jurisdição a este ínsita, da qual resulta a coisa julgada, garantida constitucionalmente por ser a maior das certezas humanas. O laudo pericial não se impõe ao juiz. Este pode chegar a conclusão diversa, com ase em razões que considere adequadas”[14].

 

Ensina Manoel Antônio Teixeira Filho que:

 

Sabendo-se que as conclusões constantes do laudo constituem mero parecer do perito, seria desarrazoado imaginar-se que pudesse sem constranger o Juiz a acatá-las; fosse assim, estaríamos fazendo uma concessão ao passado, onde o sistema das provas legais imperou por longo tempo; quando menos, se estaria atribuindo ao perito função jurisdicional, em virtude da soberania do laudo elaborado. Tais argumentos, no entanto, não devem ser entendidos como fundamento para que o Juiz decida, sistematicamente, contra o resultado do laudo. Não podemos ignorar que a determinação judicial para que a prova técnica fosse realizada decorreu, exatamente, do fato presumido de o juiz não possuir conhecimentos técnicos ou científicos capazes de propiciar-lhe uma perfeita apreciação da matéria. Pode-se dizer, em vista disto, que haverá algo próximo de um ilogismo se, elaborado o laudo, o juiz dele discordar sem fundamentação jurídica, porquanto a realização da perícia pressupôs a insciência do magistrado em relação ao objeto da prova, ou a sua dificuldade em entende-lo com a segurança que lhe é exigida. Pondera, por essa razão, Pestana de Aguiar (ob. Cit., pág. 140), que não cabe ao magistrado ‘tecer considerações técnicas inteiramente desapartadas da prova, máxime quando é presumido seu menor conhecimento, em relação ao técnico, da especialidade solicitada’, embora admita o douto jurista passa o juiz, com apoio na prova, recorrer diretamente a fontes científicas ‘em sufrágio de sua convicção’”[15].

 

            Para estes, o artigo 436 do Código de Processo Civil tem suporte no adágio latino: “iudex est peritumperitorum”, que equivale a dizer: “o juiz é o perito dos peritos”, posto que “dictumexpertorumnunqumtransit in rem judicatum”, ou seja, o laudo não vale como sentença.

 

            Em outras palavras, o laudo não passa de uma simples peça do processo, como qualquer outro documento, que pode ser criticado e analisado, em confronto com as demais provas dos autos[16].

 

E nesse sentido, segundo o sistema de valoração da prova vigente – persuasão racional - o juiz é livre para valorar a prova, incluindo, neste tocante, a valorar a prova pericial, posto que o que a lei não restringe não cabe ao aplicador do direito fazer.

 

            Nesse sentido, segue jurisprudência:

 

EMENTA: INSALUBRIDADE. NÃO ADSTRIÇÃO DO JUIZO À PROVA PERICIAL. Nos termos do art. 131 do CPC, o juiz apreciará livremente a prova, atentando aos fatos e circunstâncias dos autos, podendo, inclusive, desconsiderar o resultado do laudo pericial (art. 436 do CPC), prova que também se submete ao sistema da persuasão racional, utilizado pelo juiz na formação do seu convencimento. Dessa forma, mesmo diante de prova técnica que concluiu pela existência de insalubridade, poderá ser indeferido o pagamento do respectivo adicional, mormente quando demonstrado que a atividade desenvolvida pelo obreiro não está classificada na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho, como se verifica no caso concreto. Recurso obreiro a que se nega provimento. (TRT 2ª Região. 5ª Turma. Processo nº 00523.2008.075.02.00.3. Relator: Anélia Li Chum. Publicação: 23/10/2009).

 

             Em contrapartida, existem aqueles que defendem o posicionamento de que a decisão judicial está vinculada ao resultado do laudo pericial, sob a alegação de que referida prova envolve questão técnica e científica da qual o julgador não detém conhecimento.

 

            A defesa de tal posição se encontra fundamentada no artigo 145 CPC, que assim dispõe:

 

“Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o disposto no artigo 421”.

 

Nesse sentido, conforme já exposto, a existência da perícia está atrelada a necessidade de compreensão de determinado fato ou prova constante do processo e que exige conhecimento técnico de que o julgador não detém.

 

            Assim, o perito, através do laudo pericial, analisa e interpreta os fatos tecnicamente de modo a facilitar a compreensão e convencimento do juiz quanto à matéria ali tratada.

 

            Pois bem. Segundo os defensores de tal posicionamento, quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz determinará a perícia e ao laudo estará vinculado, o que importa dizer que o artigo 436 do Código de Processo Civil não libera o julgador da prova técnica. Justificando tal entendimento, dispõe o artigo 335 do Código de Processo Civil:

 

“Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial. (grifo nosso).

 

            Nesse sentido, segue jurisprudência:

 

EMENTA: CONDIÇÕES INSALUBRES. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TÉCNICA. Tratando-se de prova obrigatória, em que o juiz depende de conhecimento de técnico, não se pode negar validade ao laudo produzido, a não ser que houvesse erros ou enganos manifestos, o que imporia a realização de outro laudo, mas nunca desprezar a prova pericial necessária, no objeto do conhecimento técnico. O enunciado do artigo 436 do CPC não dá tal elasticidade ao julgador de julgar contra a prova técnica, mas, ao contrário, sendo necessária a atuação do expert, a teor dos artigos 145 e 420 do CPC, conjugados com o artigo 195 da CLT, somente o profissional especializado na área de atuação pode dizer da existência, ou não, das condições perigosas. O artigo 437 do diploma processual vigente tem o sentido de determinar que, não sendo aceito aquele laudo produzido, o juiz mande realizar outro, ou outros, quando a matéria não lhe parecer ter sido suficientemente esclarecida. Esclareça-se, ainda, quanto à afirmação de que o julgador não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do art. 436 do CPC. De fato, o magistrado não está preso ao laudo. Por outro lado, para exercer esta liberdade, há de formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Isto significa que, necessitando de conhecimento de técnico, os outros elementos ou fatos deverão advir de outra prova técnica, outro laudo pericial, por conseqüência. E o juiz, então, permanecerá adstrito ao laudo, ainda que seja outro. Isto, porque, se a questão debatida depende de conhecimento de técnico e o juiz nomeou perito, de conformidade com o artigo 420 do CPC, somente o laudo é esclarecedor. Ou, então, se não dependia de conhecimento de técnico, não poderia ser determinada a realização de prova pericial. (TRT 3ª Região. 3ª Turma. Processo nº 00406.2006.090.03.00.5. Relator: Bolívar Viégas Peixoto. Publicação: 21.04.2007).

 

            Em suma, se determinada a realização de perícia técnica ou científica não está o juiz autorizado a desconsiderá-lo, devendo, diante de eventual discordância, determinar a realização de nova perícia e tantas outras quanto forem necessárias para a elucidação da matéria, segundo prescreve o artigo 437 do CPC.

 

Assim, é lícito ao juiz determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida. Essa segunda rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira e tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira; destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados que a esta conduziu. Cumpre ressaltar, por oportuno, que a segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra[17].

 

CONCLUSÃO

 

A atuação do perito, como auxiliar do juízo, para a produção de prova que dependa de conhecimento técnico e científico de que o julgador não detém, se mostra fundamental para a busca do resultado almejado, qual seja, a justa prestação jurisdicional pelo Estado.

 

            Como destaca Prunes, tomando-se por base que o perito é um técnico de alta qualificação – tanto que por isso foi indicado pelo juiz – pode parecer pouco razoável que venha a mostrar um laudo imprestável. Atos inúteis, praticados por quaisquer pessoas são indesejáveis em todos os setores e, notadamente, no processo. Mas a constatação cotidiana dos tribunais, a deficiência das perícias é frequente[18].

 

Por essa razão, em que pese à especialidade deste meio de prova, o juiz não está obrigado a acatá-la, pois se assim ocorresse o perito passaria a exercer a função jurisdicional, o que não é permitido, já que tal função pertence ao juiz.

 

Não restam dúvidas de que os artigos 131 e 436 do Código de Processo Civil se completam, posto que ambos ressaltam a liberdade de apreciação dos meios de prova pelo julgador, inclusive no que diz respeito a prova pericial, podendo acatá-la, total ou parcialmente, ou desconsiderá-la à luz de uma ou outra prova produzida nos autos, bastando, para tanto, que fundamente sua decisão.

 

Ocorre, porém, que esta outra prova produzida nos autos e que servirá como base para afastar o laudo pericial também deverá abranger a questão técnica e científica ali tratada, haja vista que o juiz não detém tal conhecimento e, por essa razão, não poderá julgar de acordo com sua convicção pessoal.

Em outras palavras, um laudo pericial somente poderá vir a ser desconsiderado pelo juiz desde que sua decisão esteja fundamentada em um segundo laudo pericial, tal como prescrevem os artigos 437 a 439 do Código de Processo Civil.

 

De fato o juiz não está adstrito ao laudo pericial podendo formar seu convencimento com outros elementos ou fatos constantes dos autos, no entanto, tal convicção deve ser embasa em prova técnica e científica, através da elaboração de novo laudo pericial.

 

Tanto é assim, que o artigo 145do Código de Processo Civil é taxativo ao prescrever que quando a prova do fato exigir conhecimento técnico ou científico o juiz será assistido por um perito.

 

Resta claro, portanto, que o artigo 436 do Código de Processo Civil deve ser interpretado em cotejo com os demais artigos que versam sobre a prova pericial, posto que se assim não fosse qual seria a utilidade dos artigos 437 a 439 do mesmo dispositivo legal ao tratar da possibilidade de realização de uma segunda perícia.

 

            O próprio artigo 439[19] do Código de Processo Civil faz menção ao critério da livre apreciação da prova pelo juiz, ao prescrever que o juiz tem liberdade de apreciar e interpretar a prova livremente para fins de formação de seu convencimento. Todavia, como um critério de mão-dupla, deverá indicar os motivos que levaram a escolha de uma perícia em detrimento da outra, o que significa dizer que não está adstrito ao resultado do primeiro laudo pericial, podendo acolher o segundo, ou vice-versa.

 

Em suma, considerando que a existência da perícia está atrelada a necessidade de compreensão de determinado fato ou prova constante do processo e que exige conhecimento técnico ou científico de que o julgador não detém; forçoso concluir que o fato somente poderá ser provado mediante a realização de perícia. Assim, caso o laudo pericial não satisfaça a convicção do juiz, com fulcro no que dispõe o artigo 436 do CPC, poderá o juiz desconsiderá-lo. Todavia, por se tratar de matéria que envolva conhecimento técnico e científico, a prova de tal fato somente poderá ser feita mediante realização de nova perícia (artigo 437 do CPC). Novamente, considerando que o juiz não está adstrito ao laudo e, com fulcro no sistema da persuasão racional e artigo 439 do CPC, este terá plena liberdade para valorar o conteúdo dos laudos periciais para a formação de seu convencimento, bastando, para tanto, que justifique tal decisão.

 

BIBLIOGRAFIA

 

CINTRA, Antonio Carlos Araújo e GRINOVER, Ada Pelegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. Ed. Malheiros: São Paulo, 1999.

 

DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de direito processual civil. Ed. Malheiros: São Paulo, 2005. Vol. 3. p. 102.

 

FILHO, Manoel Antonio Teixeira. A prova no processo do trabalho. Editora LTr: São Paulo, 2003.

 

FILHO, Vicente Grecco. Direito Processual Civil Brasileiro. Ed. Saraiva: São Paulo, 1998.

 

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. Ed. LTr: São Paulo, 2005.

 

MANUS, Pedro Paulo Teixeira e ROMAR,CarlaTeresa Martins. CLT e Legislação Complementar em Vigor. Ed. Atlas: São Paulo, 2009.

 

PRUNES, José Luiz Ferreira. A prova pericial no processo trabalhista. Ed. LTr: São Paulo, 1995.

 

SANTOS, Moacry Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Ed. Saraiva: São Paulo, 1995.

 

SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos e atuais da prova pericial no processo do trabalho. Obtido no site: www.lacier.com.br/artigos. Acesso em: 05.04.11.

                                                          

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2007.



[1] PRUNES, José Luiz Ferreira. A prova pericial no processo trabalhista. Ed. LTr: São Paulo, 1995. p. 14.

[2] FILHO, Manoel Antonio Teixeira. A prova no processo do trabalho. Editora LTr: São Paulo, 2003. p. 384.

[3] PRUNES, José Luiz Ferreira. A prova pericial no processo trabalhista. Ed. LTr: São Paulo, 1995. p. 13.

[4] SANTOS, Moacry Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Volume 2. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p.473.

[5] FILHO, Manoel Antonio Teixeira. A prova no processo do trabalho. Editora LTr: São Paulo, 2003. p. 388.

[6] PRUNES, José Luiz Ferreira. A prova pericial no processo trabalhista. Ed. LTr: São Paulo, 1995. P. 13.

[7] “É facultado a cada uma das partes apresentar um perito ou técnico”.

[8] “Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos fotografias e outras quaisquer peças”.

[9] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. Ed. LTr: São Paulo, 2005. p. 447.

[10] FILHO, Manoel Antonio Teixeira. A prova no processo do trabalho. Editora LTr: São Paulo, 2003. p. 149.

[11] FILHO, Manoel Antonio Teixeira. A prova no processo do trabalho. Editora LTr: São Paulo, 2003. p. 150.

[12] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. Ed. LTr: São Paulo, 2004. p. 470.

[13] CINTRA, Antonio Carlos Araújo e GRINOVER, Ada Pelegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. Ed. Malheiros: São Paulo, 1999. p. 68.

[14] PRUNES, José Luiz Ferreira. A prova pericial no processo trabalhista. Ed. LTr: São Paulo, 1995. p. 91.

[15] FILHO, Manoel Antonio Teixeira. A prova no processo do trabalho. Editora LTr: São Paulo, 2003. p. 410.

[16] PRUNES, José Luiz Ferreira. A prova pericial no processo trabalhista. Ed. LTr: São Paulo, 1995. p. 87.

[17] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. Ed. LTr: São Paulo, 2005. p. 448.

[18] PRUNES, José Luiz Ferreira. A prova pericial no processo trabalhista. Ed. LTr: São Paulo, 1995. p. 83.

[19] Artigo 439: “A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira. Parágrafo único: A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra”.