A PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

A Parábola do Bom Samaritano, por sua beleza e magnitude, prescinde de circunlóquios e eufemismos. Prescinde, também, de todos os métodos de interpretação, porque qualquer pessoa, por mais leiga que seja, consegue entender e extrair dela, mesmo com uma simples leitura, os mais belos ensinamentos nela contidos.

E o texto que a revela encontra-se no Evangelho de Lucas 10:25-37.

Nesta passagem, os versículos de 25 a 29 narram o diálogo entre Jesus e um homem religioso, nestes termos: "E eis que se levantou certo doutor da lei e, para o experimentar, disse: Mestre, que farei para herdar a Vida Eterna? Perguntou-lhe Jesus: Que está escrito na lei? Como lês tu? Respondeu-lhe ele: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. Tornou-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isso, e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo?"

Esse homem religioso, identificado apenas como "certo doutor da lei", faz a Jesus a mais imprescindível pergunta que um mortal pode e deve fazer nesta vida: "MESTRE, QUE FAREI PARA HERDAR A VIDA ETERNA?"

Além dele, outra pessoa fez a mesma pergunta ao Senhor Jesus. Foi o Jovem Rico, cujo episódio foi registrado pelos Evangelistas Mateus (19:16), Marcos (10:17) e Lucas (18:18). Só que, diferentemente do Jovem Rico, esse doutor da lei fez a pergunta com desdém, sem o menor interesse na Vida Eterna. Fê-la apenas para EXPERIMENTAR o Mestre (id.v.25).

Jesus Cristo sempre se viu cercado de inimigos que, objetivando acusações contra Ele, viviam experimentando-o (Mt.16:1; 19:3: 22:15,35; Mc.8:11; 10:2; 12:15; Lc.10:25).

Os doutores da lei eram homens versados nas Escrituras Sagradas. Eles dedicavam as suas vidas ao estudo sistemático das mesmas. Mas, embora "doutores" no conhecimento, eram "calouros" na prática. Certa ocasião, ao censurar os escribas e fariseus por suas hipocrisias, Jesus estendeu a sua censura aos doutores da lei. E, nessa contemplação, "Disse-lhe, então, um dos doutores da lei: Mestre, quando dizes isso, também nos afrontas a nós. Ele, porém, respondeu: Ai de vós também, doutores da lei! porque carregais os homens com fardos difíceis de suportar, e vós mesmos nem ainda com um dos vossos dedos tocais nesses fardos. (...) Ai de vós, doutores da lei! porque tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e impedistes aos que entravam." (Lc.11:45,46,52). É relevante observarmos, que somente depois de o Senhor haver estendido a sua censura aos doutores da lei, colocando-os no mesmo patamar dos escribas e fariseus, foi que Ele disse: "Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?" (Mt.23:33)

Como esse homem religioso era conhecedor das Escrituras, tendo citado os Mandamentos em resposta à pergunta de Jesus, pelo que lhe disse o Mestre: "Respondeste bem" (id.v.28), "Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo?" (id.v.29)

Mesmo percebendo a hipocrisia do doutor, o Mestre Amado, na sua terna complacência, descreve a bela e sempre oportuna Parábola do Bom Samaritano: "Jesus, prosseguindo, disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Casualmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. De igual modo também um levita chegou àquele lugar, viu-o, e passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão; e aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que gastares a mais, eu to pagarei quando voltar." (id.vv.30-35)

Após narrar a Parábola Jesus responde, então, a pergunta do doutor da lei, formulada no v.29: "Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o doutor da lei: Aquele que usou de miserícórdia para com ele. Disse-lhe, pois, Jesus: Vai, e faze tu o mesmo." (id.vv.36 e 37)

Observe que esse doutor da lei, além de hipócrita, era racista. À pergunta de Jesus sobre qual dos três lhe parecia ter sido o próximo do homem maltratado, ele respondeu: "Aquele que usou de misericórdia para com ele" (id.v.37), evitando, assim, dizer que foi o Samaritano, "(Porque os judeus não se comunicavam com os samaritanos.)", informa-nos João 4:9.

Quanto ao assalto seguido de espancamento, nada a estranhar, porque vimos que o que acontecia naqueles longínquos tempos, não difere em nada do que sofremos hoje. Então, a violência não é uma coisa hodierna...

Sacerdotes e levitas eram oficiais do templo. O sacerdote tratava dos assuntos religiosos; e o levita, das diversas funções religiosas, como, por exemplo, dos cânticos. Os levitas eram exímios cantores!

Também hoje temos em nossos arraiais esses cantores, que se revelam exímios levitas!

No caso destes dois religiosos, eles deixaram a teoria sobrepujar a prática, pois, vendo o homem estirado, meio morto, passaram de largo, dando uma volta e tanto...

Será que estamos vivendo hoje situação idêntica?

Eu, que escrevi este artigo, e você, que agora o lê, temos agido conforme o sacerdote e o levita?

Se um desvalido depender de nós, ele será devidamente remediado? Ou morrerá à mingua, esperando pelo exercício da nossa "bondade religiosa"?

O que temos feito pelos órfãos e pelas viúvas, nas suas aflições (Tg.1:27)?

São tantos os orfanatos e albergues em nossas cidades... E nós, sabemos por acaso o nome e o endereço de pelo menos um deles?

Você já se informou sobre a existência de um Leprosário em sua Cidade? Sabia que esse tipo de Instituição é um Hospital?

Há uma Associação de Combate ao Câncer em cada UF, que aceita de bom grado as doações voluntárias... Você sabia?

Por acaso você dá uma roupa usada para um necessitado somente depois de bastante surrada, a ponto de não mais prestar nem para pano de chão? E assim mesmo, quando vai dá-la, sente aquela dor no peito, como se alguém estivesse arrancando um pedaço em você?

Você consegue dar uma mísera moedinha de esmola para alguém, e mesmo assim de forma intercadente?

Porventura você encontra-se robusto, de tanto empanturrar o pandulho, e não lhe dói a fome do próximo?

Acaso você colou em seu carro um adesivo contendo mensagens, tipo: "Jesus te ama, e eu também"; "Jesus a bordo"; "Propriedade exclusiva de Jesus"; "Veículo a serviço do Rei Jesus", mas não o coloca realmente a serviço do Rei Jesus?

Você sabia que"a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma." (Tg.2:17)?

Você já leu, com compunção, o Texto do Evangelho de Mateus 25:41-46?

Você já leu, com regozijo, o Texto de Hebreus 13:1-3?

Há Casas de recuperação de mendigos e de drogados, espalhadas por aí... Você já tomou conhecimento?

Por falar em mendigos, lembrei-me de um fato que muito me entristeceu...

Em minha Cidade há inúmeros templos religiosos e, dentre eles, destacam-se alguns, que podem ser vistos à distância, dos vários pontos da urbe, em virtude da dimensão e da suntuosidade que ostentam. São as chamadas catedrais, igrejas-sedes; igrejas matrizes das suas muitas filiais.

Chefia uma dessas suntuosidades um casal de pastores...

Num belo dia, meu cunhado, que é pedreiro e pintor, executava um trabalho de reforma na mansão pastoral, cuja garagem guarda carros nada populares...

Tocou a campainha um mendigo, em busca de comida para forrar o estômago. Saiu-lhe ao encontro, com cara de "poucos amigos", a "pastora" (acho uma graça infinita esse negócio de mulher "pastora", se bem que já está ficando uma coisa ultrapassada, pois eis que surgem agora as "apóstolas"), e disse ao indigente que o relógio assinalava apenas dez horas da manhã, e que o almoço só sairia lá pelas tantas...

E, assim, ela cumpriu os versículos 15 e 16, do segundo capítulo da Epístola de Tiago, despedindo, de mãos vazias e de estômago desforrado, o pobre maltrapilho...

Ora, almoço pronto as dez da manhã, em qualquer residência, entendemos a dificuldade, mas não tinha lá naquela mansão um pão com manteiga, um biscoito, uma fruta?

Mendigo não possui relógio, e por isso não tem noção de tempo; mendigo só tem noção de fome. E bota fome nisso!

Resultado: Meu cunhado, que é um homem sério e observador, escandalizado com o que presenciou, nunca mais quis pôr seus pés na Igreja da Prosperidade da "pastora"...

Você sabia que existem orfanatos dirigidos por diversas denominações religiosas?

"Ah!" - vociferam uns -, "eu sou católico, não posso contribuir para orfanatos evangélicos!". E outros dizem: "Ah, eu sou evangélico, não posso doar para orfanatos espíritas!"

Enquanto isso, crianças inocentes amargam o abandono, a desnutrição e o analfabetismo que cega...

Certa vez, encontrava-me no trabalho, quando adentraram a minha sala duas freiras católicas, pedindo doações para a Creche dirigida por elas. Prontamente, o meu coração correspondeu à graça de Deus, e levou-me a doar uma quantia considerável, para inocultável espanto da colega que dividia a sala comigo, e também das freiras, que não conseguiram ocultar o contentamento. É que essa minha colega era protestante e, sabedora de que eu sou crente evangélico, confessou-se surpresa e triste pelo meu gesto. E desatou-se a citar a Bíblia...

Então eu disse-lhe: Prezada colega, eu passei cinco anos da minha doce e memorável infância internado num Orfanato Espírita, em virtude de extrema pobreza do meu pai, que tinha acabado de perder minha mãe, em decorrência de um suicídio; suicídio presenciado por mim! Lá, durante todo esse tempo, eu nunca dormi uma noite sequer com fome; em tempo nenhum me despertei para um novo dia, sem ter à mesa o pão com manteiga e o leite; jamais andei descalço; nunca fiquei desnudo; o sabonete e a pasta dental em tempo nenhum me faltaram; jamais me faltaram o lápis, o caderno e a cartilha; nunca sofri privação de um brinquedo para os meus sonhos infantis; em tempo nenhum me faltou o lenitivo para a dor; jamais me faltaram as ferramentas de trabalho, que lapidaram o homem que sou hoje...

E o mais maravilhoso: Eu jamais soube das confissões religiosas das pessoas responsáveis pela minha felicidade ali; se elas eram espíritas, católicas, muçulmanas ou evangélicas; mas Deus sabia de tudo e, no seu Amor Inexplicável, Ele movia os corações dessas pessoas mantenedoras, verdadeiramente boas samaritanas, e isto me bastava!

Religiões...

E por falar em religião, qual era mesmo a religião do Samaritano?

A do reverendíssimo sacerdote, do levita e do doutor da lei, já sabemos...

Mas, quanto ao Samaritano, aprouve ao Senhor Deus não nos revelar...

Ora, e para quê precisamos da identidade religiosa desse homem? Acaso o seu feito não é mais que qualquer rótulo de religiosidade? O seu testemunho de fé viva e praticante não falou mais alto do que quaisquer capas religiosas? Qual o religioso, hoje, é digno de desatar-lhe a correia da alparca?

Eu mesmo não sou!

Notável e digno de imitação sois vós, Samaritano! Vós, que para mim, sois Jesus Cristo por antonomásia! Vós, que não fostes compreendido naqueles idos, e tampouco hoje sois. Vossa ação de genuíno amor ao próximo tem atravessado séculos ensinando aos homens que o amor fraterno é praticado com fé e com a evidência das obras! Vós, que fostes vergonhosamente discriminado pelos judeus, raça eleita, separada...

Quando João Batista apareceu pregando o Evangelho, os judeus enviaram de Jerusalém duas classes de religiosos para que lhe perguntassem quem ele era. E quais são as classes que os judeus enviaram?

Sacerdotes e levitas! (Jo.1:19).

Pois é, mas quando um desses judeus caiu nas mãos de salteadores e foi achado meio morto, não quiseram prestar-lhe socorro os seus irmãos de raça, entregando-o à sorte...

Não fosse a providência divina em mover o coração de um segregado Samaritano...

Não fosse a providência divina em mover os corações dos espíritas...

Meu amado pai havia percorrido toda a Cidade, à cata de orfanatos. Um deles alegou a falta de cama como empecilho para configurar uma nova vaga. Mas, indo por último ao Orfanato Espírita motivo deste inadiável encômio, o mesmo informou passar por idêntico problema de falta de cama, com a agravante de não possuir também o colchão, só que me acolheu assim mesmo, ficando acertado que eu dormiria no chão, sobre um cobertor, durante os três primeiros meses, até que uma cama e um colchão fossem providenciados, o que de fato aconteceu.

E o mais incrível: Acolheu, no mesmo dia, a mim e a outra criança, além de dar ao meu pai um emprego, no próprio Orfanato...

Esta Parábola de Jesus Cristo é tão bela, tão perfeita; de valores morais e espirituais tão elevados; ela é tão carregada de verdadeiro amor ao próximo, que a Bíblia apresenta o seu título como "O Bom Samaritano". O Texto original, escrito pelo Evangelista Lucas, diz apenas Samaritano, mas os tradutores das Escrituras, no notável múnus de inserir títulos, colocaram o adequado título de BOM SAMARITANO, visto tratar-se de um homem com um quilate espiritual muito superior ao meu, se é que a minha espiritualidade atinge ao menos a centelha de um quilate...

A verdade incontestável é que, de tão MAU que sou, um homem como esse, em comparação a mim, só pode mesmo ser chamado de BOM!

"Mestre, QUE FAREI para herdar a Vida Eterna? (...) AMARÁS AO SENHOR teu Deus (...) e AO TEU PRÓXIMO como a ti mesmo (...) FAZE ISSO, e viverás (...) Aquele que USOU DE MISERICÓRDIA para com ele (...) Vai, e FAZE TU o mesmo."

Ó Senhor Deus, sê servido de abençoar-me com as mesmas bênçãos inauditas que derramastes sobre o Bom Samaritano, desarraigando do meu coração toda hipocrisia, presunção e repugnante farisaísmo, tornando-me, também, humilde e misericordioso como ele, porque foi o Senhor mesmo quem disse; "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia." (Mt.5:3,7).

Lázaro Justo Jacinto