A MANIPULAÇÃO IDEOLÓGICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Tema: Sociedade, Educação e Cultura.
Adilson Paula de Oliveira 1
Jean Carlos Neris de Paula 2

RESUMO
Este artigo pretende realizar uma reflexão teórica sobre a manipulação ideológica na cultura educacional brasileira. A discussão tem como objetivo abordar questões socioculturais manifestadas no decorrer da história e nos dias atuais, em que as estratégias de dominação se mostram altamente persuasivas diante dos desafios do mundo moderno, o qual exige uma educação capaz de combinar o pensar e o fazer, bem como a cidadania com espírito analítico, crítico e criativo. Diante de tais propósitos, os caminhos adotados neste trabalho têm o intuito de oferecer sugestões para o melhoramento da educação brasileira em nível de leitura crítica de mundo.
PALAVRAS-CHAVE: Ideologia, Manipulação, Educação, Trabalho, Governo, Meios de Comunicação, Escola, Religião, Aparelhos Ideológicos de Estado.

HANDLING THE IDEOLOGY

ABSTRACT
This article intends to undertake a theoretical reflection on the ideological manipulation in Brazilian culture. The discussion aims to address social issues raised in the course of history and today, in which the strategies of domination become highly persuasive in the face of the challenges of the modern world, which requires an education able to combine thinking and doing, and citizenship with spirit analytical, critical and creative. Faced with such purposes, the paths used in this work have the aim of offering suggestions for the improvement of education at the
level of Brazilian critical reading of the world
KEYWORDS: Ideology, Tutorial, Education, Labor, Government, Media, School, Religion, ideological apparatus of state.

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1 Professor, Graduado em Geografia pela Ufes. Secretaria Municipal de Educação de Cariacica. E-mail: [email protected]
2 Professor, Especialista em Linguística pela Ufes. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo - Campus Cariacica. E-mail: [email protected]


1. INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende expor os principais conceitos de ideologia, enfatizando o sentido de falácia, o qual serve para mascarar a realidade e manter a dominação burguesa.
Para tanto, serão focalizadas questões atuais e cotidianas que evidenciam como a ideologia permeia a sociedade, difundida através dos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE): religião, trabalho, família, escola, governo, meios de comunicação.
Revelar-se-á como a consciência ingênua permite a manipulação ideológica, utilizando vários recursos: dito popular, crença, preconceito, moda e símbolo, propaganda, visto que tudo isso é usado para dominar a maioria das pessoas, impedindo-as de perceberem as injustiças das quais são vítimas. Apresentar-se-ão, também, possíveis medidas de combate à ideologia e esclarecimentos de contrapontos que possibilitem, pela educação, a negação de ideias falsas e a valorização do espírito crítico.
Todas essas trilhas serão rastreadas dialeticamente, com análises de teses e antíteses, visando a uma síntese de crítica social coerente, projetada para incentivar o pensamento reflexivo, como estimula o pensador Bertolt Brecht:

Desconfiai do mais trivial,
Na aparência do singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
Não aceiteis o que é de hábito natural,
Pois em tempo de desordem sangrenta,
De confusão organizada,
De arbitrariedade consciente,
De humanidade desumanizada,
Nada deve parecer natural,
Nada deve parecer impossível de mudar. (1)


2. O QUE É IDEOLOGIA?

Uma mesma palavra pode ter diversos significados, dependendo do contexto em que ela é empregada. O vocábulo ideologia, por exemplo, recebe historicamente várias acepções. Cazuza, em sua música, cantou: "Meus heróis morreram de overdose / Meus inimigos estão no poder / Ideologia, eu quero uma pra viver". (2) Procurando explicar os fenômenos que produzem interferência na formação dos argumentos, o pensador francês Deustutt de Tracy (1754-1836) considerou a ideologia como ciência da gênese das ideias. (1) Diante do Conselho de Estado, em 1812, Napoleão empregou o termo ideologia para designar ideia falsa ou ilusão (1), rotulando seus adversários políticos como metafísicos e sofistas, pois o que afirmavam não correspondia à realidade dos acontecimentos. Para o positivista Augusto Comte, a ideologia é o conjunto de ideias de determinada época. (1) O sociólogo Émile Durkheim entende a ideologia como o contrário de ciência (1), embutida nas ideias de subjetividade, tradição, vulgaridade. Karl Marx atribui à ideologia a concepção de inversão da realidade (1), tão presente na luta de classes. O filósofo italiano Gramsci, embora reconhecendo também o sentido pejorativo de ideologia, dizia ser importante não considerar de antemão toda ideologia como arbitrária e, portanto, inútil para transformar a realidade, porque há ideologias historicamente necessárias que "organizam as massas humanas, formam o terreno sobre o qual a humanidade se movimenta, adquirindo consciência de sua posição". (3) Mas, neste trabalho, a palavra ideologia será empregada com o seguinte conceito:
Conjunto de inverdades difundidas através de ideias falsas, símbolos, preconceitos, propagandas e slogans para neutralizar e dominar aqueles que historicamente pertencem à classe dos dominados, sem que se percebam como sendo dominados. (4)

3. FAMÍLIA

Família, família
Papai, mamãe, titia
Almoça junto todo dia
Nunca perde essa mania
Mas quando a filha quer fugir de casa
Precisa descolar um ganha pão
Filha de família se não casa
Papai e mamãe não dão nenhum tostão
Mas quando o neném fica doente
Procura uma farmácia de plantão
O choro do neném é estridente
Assim não dá pra ver televisão
A mãe morre de medo de barata
O pai vive com medo de ladrão
Jogaram inseticida pela casa
Botaram um cadeado no portão. (5)

As primeiras formas de ideologia se apresentam, em frases preconceituosas, nas relações familiares: "O homem é o cabeça da casa"; "Lugar de mulher é na cozinha". Essas expressões populares ilustram recursos utilizados para justificar a dominação do marido sobre a esposa e, consequentemente, o domínio do homem no mundo, explicitando o poder hierárquico. Muitos ditos servem para transmitir o conformismo no ambiente familiar: "Se conselho fosse bom ninguém dava de graça"; "Quem espera sempre alcança"; "Quem brinca com fogo amanhece queimado"; "Faça como eu digo, não faça como eu faço"; "Pense duas vezes antes de agir"; "Devagar se vai longe"; "Quem semeia vento colhe tempestade".
A música Bom Conselho, de Chico Buarque de Holanda, é um ótimo exemplo de como se pode questionar a ideologia com muita criatividade:

Ouça um bom conselho / Que lhe dou de Inútil dormir / Que a dor não passa / Espere sentado / Ou você se cansa / Está provado / Quem espera nunca alcança. / Venha, meu amigo, Deixe esse regaço / Brinque com meu fogo / Venha se queimar / Faça como eu digo / Faça como eu faço / Aja duas vezes / Antes de pensar / Corro atrás do tempo / Vim de não sei onde / Devagar é que não se vai longe. / Eu semeio o vento / Na minha cidade / Vou pra rua / E bebo a tempestade. (6)

Nessa música, o autor refuta a ideia de conformismo presente nos ditados populares, amplamente divulgados na família, e convida os ouvintes à ação.
Outra questão a se considerar é a diferença econômica entre as famílias, que impõe ao indivíduo o contato com a injustiça social. Pensando sobre a relação familiar e sua ligação com a sociedade, Platão propôs:

A reorganização da cidade, para transformá-la em reino da justiça, exige naturalmente reformas radicais. A família, por exemplo, deveria desaparecer para que as mulheres fossem comuns a todos os guardiães; as crianças seriam educadas pela cidade e a procriação deveria ser regulada de modo a preservar a eugenia; para evitar os laços familiares egoístas, nenhuma criança conheceria seu verdadeiro pai e nenhum pai seu verdadeiro filho; a execução dos trabalhos não levaria em conta distinção de sexo, mas tão-somente a diversidade das aptidões naturais. (7)

As ideias de Platão revelam um fato importante: a família deve ser situada historicamente pela caracterização de conflitos, contradições, diversidade e complementaridades, e não pela falsa harmonia propagada. Os conflitos familiares devem ser abordados, democraticamente, pela busca de justiça e respeito aos direitos de todos. Para que a democracia, portanto, se espalhe pelo mundo, ela precisa ser estimulada no lar, combatendo ideologias que atravancam o desenvolvimento da plena cidadania.

4. RELIGIÃO

Eu aprendi
A vida é um jogo
Cada um por si
E Deus contra todos
Você vai morrer
E não vai pro céu
É bom aprender
A vida é cruel
Homem primata
Capitalismo selvagem. (5)

Muitas religiões contribuem para manter a dominação burguesa, já que historicamente reproduzem ideologias conformistas e alienantes: "Todo o poder vem de Deus e só a ele o governante deve prestar conta"; "Foi castigo de Deus"; "Quem dá aos pobres empresta a Deus"; "Lugar de padre é na igreja".
Essas frases refletem a mentalidade da burguesia e camuflam a realidade. O poder político não vem de Deus, mas da exploração do homem pelo homem. Não se pode acreditar que a injustiça social seja vontade de um ser divino e amoroso. A verdade é que o homem possui livre-arbítrio, e os seus atos trazem consequências graves. Logo, os problemas são resultados da ação humana. Um ser onipresente, onipotente e onisciente não precisaria de dinheiro emprestado. A religião não deve ser utilizada como meio para reproduzir a riqueza. Líderes - religiosos ou não - são indivíduos, cidadãos, e têm o direito e o dever de participar politicamente da sociedade. Evitar essa participação é uma forma de manter o poder na mão da classe dominante, sem dividi-lo com alguém que representa uma ameaça de transformação social.
A ideia de predestinação também é usada para defender desigualdades, apresentando argumentos fatalistas que servem para impedir a transformação social:

Ah, se o mundo inteiro
Me pudesse ouvir
Tenho muito pra contar
Dizer que aprendi
Que na vida a gente tem que entender
Que um nasce pra sofrer
Enquanto outro ri. (8)

O questionamento das ideologias presentes na religião pode ser feito com a utilização do próprio discurso religioso, uma vez que o cristianismo bíblico, no Livro de Lucas, capítulo 12 e versículo 51, convida à ação transformadora da realidade: "Pensais vós que vim trazer paz à terra? Não, vos digo, mas antes dissensão". (9) O livro de S. Tiago, capítulo 5 e versículos de 1 a 6, também convida à transformação:
Agora, vós, ricos, chorai, e pranteai, por causa das misérias que sobre vós hão de vir. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas de traça. O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram. A sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará a vossa carne como fogo. Entesourastes nos últimos dias. Vede! Os salários dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, e que por vós foi retido com fraude, está clamando. Os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor Todo-Poderoso. Deliciosamente viveste sobre a Terra, e vos deleitastes. Cevastes os vossos corações no dia de matança. Condenastes e matastes o justo, que não vos resistiu. (9)

O livro Romanos, capítulo 12 e versículo 2, segue a mesma linha: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos". (9) A grande verdade é que o homem - ligado ou não à religiosidade - deve agir por mudanças sociais visando ao bem-estar coletivo. Dessa maneira, toda enganação será combatida e haverá mais justiça no mundo.

5. TRABALHO

A questão do trabalho na sociedade é muito importante, porque revela mecanismos de desigualdade social, justificados com ideologias burguesas.
Biblicamente, o trabalho, no início, significa castigo, pois Deus impôs ao homem viver do seu próprio suor como forma de puni-lo pelo pecado cometido: comer do fruto da árvore do conhecimento. A própria origem da palavra tem esse sentido: tripaliu era um instrumento de tortura composto de três paus, usado para castigar as pessoas que erravam. Mas essa interpretação não serve aos dominadores capitalistas, donos dos meios de produção, que precisam incentivar o trabalho para obter mão de obra barata e explorar os trabalhadores.
Dessa forma, surgem ideologias que estimulam o trabalho: "O trabalho enobrece"; "Quem trabalha Deus ajuda"; "Deus ajuda a quem cedo madruga". Porém esses ditos não resistem a uma análise crítica. Os trabalhadores, responsáveis pela produção da riqueza, não participam dela, uma vez que pertencem economicamente à classe mais pobre; se Deus realmente ajudasse a quem acorda cedo, os boias-frias seriam ricos. A própria "sabedoria" popular já questiona certas ideologias: "O trabalho empobrece"; "Quem trabalha não tem tempo pra ganhar dinheiro". O homem, com sua ganância, é o grande responsável pela miséria imposta pelo capitalismo que visa ao lucro, acima de tudo, sem respeitar o cidadão.
Entretanto o trabalho beneficia a humanidade e desenvolve a capacidade física e intelectual do ser humano, há vista que o homem é um ser que se criou a partir do trabalho. Por isso, a sociedade que considera essa verdade deve proporcionar trabalho a todos e valorizar profissões e trabalhadores honestos:
O que é uma sociedade sem exploradores nem explorados? É a sociedade em que nenhum homem, nenhuma mulher, nenhum grupo de pessoas, nenhuma classe explora a força de trabalho dos outros. É a sociedade em que não há privilégios para os que trabalham com a caneta e só obrigações para os que trabalham com as mãos, nas roças e nas fábricas. Todos são trabalhadores a serviço do bem de todos. (10)

O Presidente Lula, antes de eleito, já apresentava preocupação com o tema: "A proposta do Partido dos Trabalhadores não é igualdade na miséria, mas igualdade na fartura". (11)
No entanto, preocupados em acumular, são adotadas medidas que incluem a exploração e o desemprego, bem como geram miséria e injustiça. Para isso, utilizam-se ideologias: "Dois funcionários não servem a esta empresa: o que não faz o que se pede e aquele que só faz o que se pede". (12)
A análise da frase revela que o funcionário ideal - padrão - é aquele que faz além de suas obrigações. Dessa forma, ele fará o trabalho de três, possibilitando ao empresário ganancioso desempregar dois.
O trabalhador não pode aceitar passivamente esses engodos. Ele deve se organizar para buscar soluções práticas que viabilizem o emprego, a justiça, a participação na riqueza que ele produz e o combate crítico a ideologias que impõem a alienação política e econômica.

6. MEIOS DE COMUNICAÇÃO

A televisão me deixou burro,
Muito burro demais
Agora todas coisas que eu penso
Me parecem iguais. (5)

A mídia é um enorme arsenal de manipulação ideológica, uma vez que possibilita a comunicação rápida, homogeneizando o pensar e o agir da grande massa. Ela dita padrões de comportamento, lança modas e gírias, cria hábitos de consumo, estabelece padrões morais e estéticos, influencia o gosto musical e dissemina valores e crenças. Tudo é transformado em mercadoria para levar as pessoas ingênuas às compras, tornando-as ainda mais pobres: dia dos pais, dos namorados, das mães; moda do verão, do inverno, do esporte, da decoração, da praia, do brinquedo.
Nas eleições políticas, os meios de comunicação iludem a maioria esmagadora (esmagada) e elege representantes da burguesia. Getúlio Vargas era apresentado como pai dos pobres, escondendo a faceta de mãe dos ricos, conforme argumenta o sociólogo Mário Shimith. (13) Collor era o caçador de Marajá (14) que se mostrou o mais marajá de todos.
Para tantos efeitos, são muitos os estímulos ideológicos: a nudez, a plasticidade das imagens, a parcialidade da imprensa que apresenta uma versão dos fatos, mas não a profundidade do tema. Todavia não se pode abrir mão da mídia. A questão é saber usar os meios de comunicação sem ser usado por eles.
Nesse sentido, a população necessita de uma ação educacional de combate à alienação imposta pela imprensa. Sendo assim, o povo deve aprender a ler criticamente filmes, novelas, slogans, telejornais, textos publicitários. Dessa maneira, as meias-verdades serão vistas como mentiras inteiras. Para isso, o papel do educador politizado se mostra imprescindível.


7. GOVERNO

Luís Ignácio falou
Luís Ignácio avisou
São trezentos picaretas
Com anel de doutor. (15)

O estado historicamente constitui o poder fortalecido da ideologia burguesa. Ele tem servido para legitimar a exploração, uma vez que impõe leis para beneficiar a classe dominante e neutralizar a classe dominada. Assim, a ideologia camufla a realidade governamental: "Todo poder emana do povo"; "Todos são iguais perante a lei"; "Ordem e progresso". Contudo uma análise crítica da situação revela: a constituição é desrespeitada pelo próprio governo, conforme seu interesse; o povo é iludido com a ideia de democracia, porque a maioria dos políticos está a serviço dos exploradores; não existe igualdade alguma perante a lei, visto que a justiça tarda, falha e discrimina os pobres; e toda essa situação gera muita desordem e regresso.
Decepcionada com os resultados do governo, a população acaba sendo induzida a generalizar os políticos com silogismos ingênuos: "Collor é político. Collor é corrupto. Logo, todo político é corrupto". Pensando assim, o povo deixa de acompanhar o andamento da política, tornando-se alienado do processo social. Dessa forma, fica mais fácil para os maus governantes agirem livremente: "Globalização não é um conceito sério. Nós, os americanos, o inventamos para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países". (16)
Lula questionou esse neoliberalismo defendido por Fernando Henrique Cardoso: "O governo FHC privatiza as estatais e estatiza as multinacionais". (17)
Na verdade, a solução para esses problemas está no engajamento político. De modo combativo, as pessoas devem exigir política de empregabilidade, democratização do ensino, saneamento básico, habitação, saúde e segurança social, a fim de vivenciar a promoção do exercício da cidadania plena.

8. ESCOLA

Ter carro do ano, tv a cores, pagar imposto, ter pistolão
Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar
Feijão
Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão,
Você tem que passar no vestibular. (18)

A escola, diacrônica e sincronicamente, se apresenta a serviço da ideologia burguesa, na medida em que forma pessoas para a obediência, uma vez que os alunos são induzidos a comemorar, de modo ingênuo, várias datas: "Dia da independência"; "Dia da libertação dos escravos"; "Dia da pátria".
No entanto, uma análise crítica revela: o Brasil é um país dependente, e as favelas de hoje representam as senzalas de ontem. Mas poucos educadores questionam com embasamento as ideologias culturais presentes no ambiente escolar, uma vez que a escola educa para o ufanismo, sem enfrentar as desigualdades sociais, no intuito de preparar profissionais para o mercado, em vez de formar pessoas para modificar o mundo do trabalho. É por isso que o ensino objetiva tanto a formação de patriotas:

Mas se ergues da justiça a clava forte
Verás que um filho teu não foge à luta
Nem teme quem te adore a própria morte
Terra adorada
Entre outras mil
És tu, Brasil,
Ó pátria amada. (19)

Não é sem motivo que a escola toca tanto o hino nacional. A história do Brasil supervaloriza os heróis burgueses e destaca a versão dos vencedores: Duque de Caxias, D. Pedro I, Princesa Isabel e outros.
O pensador alemão Bertolt Brecht critica essa situação: "Infeliz do povo que precisa de heróis". (13) "Quem construi a Tebas das sete portas? / Nos livros constam nomes de reis. / Arrastaram eles os blocos de pedra? (13)
Porém o livro didático insemina ideias de competitividade, homogeneizando os discursos de origem burguesa e operária. Dessa forma, ele acomoda as injustiças sociais com a ideologia do esforço individual: "Estude para ser alguém na vida".
Isso é um engodo que faz as pessoas se conformarem com sua situação de pobreza, por não ter estudado, sem questionar o fato de não ter as mesmas oportunidades de estudo que têm os filhos da burguesia: "O analfabeto brasileiro pertence às classes mais desfavorecidas. As crianças e os adultos da classe média e alta há muito tempo usufruem o sistema escolar e os benefícios da cultura escrita. (20)
Outra forma de legitimar e justificar as desigualdades econômicas, segundo o psicólogo Sílvio Bock, é a ideia de vocação:
A vocação aparece mais ou menos assim: se você não se deu bem na vida, segundo os valores de uma sociedade, é porque você não conseguiu encontrar sua vocação. Essa explicação é por demais simplista. (21)
Analisar criticamente esses fatos é condição Sine qua non para que a prática escolar não caia no dogmatismo da mistificação. Isso exige uma escola promotora da reflexão, sem estar subordinada às exigências burguesas.
Dessa maneira, a escola, apesar de suas atuais limitações, é o lugar para o desenvolvimento de uma ação social transformadora, desde que educador e educando estejam empenhados em lutar contra a ideologia do conformismo. Para tanto, a sociedade deve exigir das autoridades competentes um ensino democrático e eficiente, com valorização da educação como o principal instrumento de cidadania.

9. CONCLUSÃO

A ideologia é um saber cheio de lacunas ou de silêncios que nunca poderão ser preenchidos, porque, se o forem, a ideologia se desfaz por dentro, ela tira sua coerência justamente do fato de só pensar e só dizer as coisas pela metade e nunca até o fim. (22)

A ideologia promove a injustiça social, na medida em que multiplica a exploração e impossibilita a classe dominada de reagir. Para transformar essa conjuntura, é imprescindível educar cidadãos capazes de perceber a realidade de modo crítico, racional e democrático, com o desenvolvimento do cultivo das habilidades de investigação, diálogo, respeito e, sobretudo, engajamento político.
Atingir esse estágio é a grande meta. Para isso, a escola é fundamental, uma vez que tem obrigação de estimular a análise crítica das relações sociais, com o objetivo de promover uma verdadeira leitura do mundo, a qual serve para desmascarar a ideologia camuflada nas entrelinhas. Portanto, o professor, apoiado em uma preparação contínua, deve contribuir para que o aluno reflita sobre importantes questões - trabalho, governo, religião, família, escola, mídia, verdade, liberdade, justiça, felicidade -, evidenciando a dimensão política de sua ação profissional.
O antídoto da manipulação ideológica pode ser encontrado na própria ideologia, como no tratamento contra o veneno de cobras. Assim, considerar analiticamente a antítese de um pensamento significa engatilhar o tiro ideológico para sair pela culatra, isto é, dar a outra face, mostrar o outro lado da moeda, tantas vezes escondido pela burguesia.
Esse comportamento dialético proporciona um considerado efeito multiplicador da crítica, capaz de implantar, por meio da educação dialógica, um novo modelo socioeconômico, mais equitativo, justo, inclusivo e eficiente que o atual capitalismo selvagem, que precisa ser superado.


10. REFERÊNCIAS

(1) TOMAZI, Nelson Dácio. Sociologia da Educação. São Paulo, Atual, 1997.
(2) CAZUZA. Esse Cara, Globo/Polydor, 1995, CD 527. 633-2.
(3) ARANHA, Maria L. Arruda; MARTINS, Maria H. Pires. Temas de Filosofia. 2a. ed. São Paulo, Moderna, 1993.
(4) SOUZA, Ari Herculano de. A Ideologia. São Paulo, Editora do Brasil, 1989.
(5) TITÂS. Acústico, Wea music, 1997, CD 063018267-2.
(6) CHICO. O político, Polygran, 1996, CD 522802-2.
(7) PESSANHA, José Américo Motta. Os pensadores ? Platão. São Paulo, Abril Cultural, 1999.
(8) TIM MAIA. Minha História, Polygran, 1996, CD 510474-2.
(9) BÍBLIA, Português. Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. 3a ed. Rio de Janeiro, Editora Vida, 1994.
(10) FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. São Paulo, Cortêz, 1982.
(11) Declaração de Lula em entrevista à TV, no dia 21-06-1980.
(12) Slogan utilizado em uma empresa comercial de Campo Grande, Cariacica, ES.
(13) SCHMIDT, Mário. História Crítica do Brasil. São Paulo, Editora Nova Geração, 1996.
(14) Slogan da campanha presidencial de Collor em 1989.
(15) PARALAMAS DO SUCESSO. Polygran, 1996, CD 850.267-2.
(16) CHIAVENATO, Júlio José. Ética Globalizada & Sociedade de Consumo. Ed. Moderna, 1997.
(17) Declaração de Lula em entrevista concedida à TV, no dia 11-07-1999, sobre o financiamento dado à Ford para sua instalação na Bahia.
(18) LEGIÃO URBANA. Que país é este. EMI-ODEON, 1987, CD 835.835-2.
(19) Trecho do Hino Nacional Brasileiro.
(20) KUPSTAS, Marcia (org). Educação Em Debate. São Paulo, Moderna, 1998.
(21) Trecho da entrevista concedida pelo psicólogo Sílvio Bock à publicação Guia do Estudante 88, da Editora Abril.
(22) CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. São Paulo, Brasiliense (coleção Primeiros Passos).