A JUDICIALIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE: A efetividade da tutela de urgência na obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial[1]

 

Fernando Carlos de Araújo Muniz

              Larissa Costa Ramos[2]

Hugo Passos [3]

 

Sumário: Introdução; 1 O direito fundamental a saúde e os entraves a efetividade das políticas públicas; 2 Efetivação do direito fundamental à saúde pela via judicial; 3 A tutela antecipada como dispositivo efetivo na garantia de atendimento medico, medicamentos e insumos terapêuticos; Considerações finais; Referências.

 

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar, a partir de estudos realizados na doutrina especializada, quais os entraves para uma maior efetivação das políticas públicas de prestação a saúde, analisando para tanto o ajuste desde direito no rol dos direitos fundamentais essenciais para proteção da dignidade da pessoa humana. Além de examinar a utilização da via judicial, através de tutelas sumárias, por meio da partes para garantir a efetivação desse direito e, neste viés, um estudo mais específico com relação à efetividade da Tutela antecipada de urgência.

 

PALAVRAS-CHAVE

Tutelas de urgência, Direito a saúde, Judicialização do serviço público de saúde.

 

 

“O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer”.

 

Albert Einstein

 

Introdução

 

Para tratar da questão de até que ponto o Estado como ente soberano tem o dever de prestar políticas publicas de qualidades, de modo a garantir de forma incisiva a efetivação do direito à saúde positivado no Texto Magno de 1988, cabe primeiramente abordar o ajuste deste direito no rol dos direitos fundamentais essenciais para proteção da dignidade da pessoa humana.  

É imprescindível discutir a efetivação do direito fundamental à saúde no contexto atual, em que a crescente demanda judicial acerca do acesso a remédios, produtos para a saúde, cirurgias, leitos de UTI, dentre outras prestações positivas de saúde pelo Estado, representa um progresso em relação ao exercício efetivo da cidadania por parte da população brasileira.

Cabe analisar, neste viés, o papel da tutela antecipada de urgência como dispositivo capaz de assegurar as partes em um processo que seu direito material seja garantido e sua integridade física e psíquica resguardada. Garante-se a antecipação daquilo que só seria alcançado após um lapso de tempo que comprometeria toda a situação delicada da parte.  

 

  1. O direito fundamental a saúde e os entraves a efetividade das políticas públicas.

 

Os direitos inerentes a cada cidadão brasileiro estão reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional. Sendo que, estes direitos, estão caracterizados como direitos fundamentais, inerentes a cada ser humano, que a princípio são de caráter subjetivo perante o Estado e, como tradicionalmente é concebido, teriam efeitos diretos na relação particular-Estado. Tratam-se de direitos que atribuem um dever ao Estado face as necessidades de seus cidadãos (HERRERA, 2009, p.81).

Neste rol encontra-se inserido, mesmo que indiretamente, o direito à saúde visto ser este indissociável ao direito à vida que, indiscutivelmente, representa uma categoria de direitos fundamentais. Contudo, embora o direito a saúde não esteja consagrado expressamente entre os direitos fundamentais, passa a ser associado a tais direitos de maneira implícita. Pois afinal, a concretização dos direitos fundamentais está inevitavelmente ligada ao cumprimento dos programas sociais e de saúde (HERRERA, 2009, p.81).

Assim, tem-se que o individuo está inserido em um status positivo frente ao agir do Estado, tendo reconhecida sua capacidade jurídica para recorrer ao aparato estatal e utilizar as instituições estatais para garantir prestações positivas que visem atender suas necessidades básicas à essencial e sadia qualidade vida (ALEXY, 2008, p.263).

 Neste viés, as políticas públicas estão invariavelmente ligadas à efetivação de tais direitos, na medida em que tais políticas se refletem na realização de programas (normas constitucionais programáticas) que contemplam dispositivos de largo espectro e de notável densidade eficacial, a exemplo dos arts. 6º e 196 da Constituição Federal (HERRERA, 2009, p.77).

Ingo Wolfgang Sarlet (2003, p. 313), parte da idéia de que o direito à saúde configura um direito social fundamental, estando entrelaçado a outros direitos como a assistência social, previdência social, renda mínima. A vida enquanto direito fundamental, assume a posição de direito a ter direitos, estando previamente condicionada à própria dignidade da pessoa humana. Bastando a compreensão disso para se perceber o caráter inquestionável do direito a saúde enquanto fundamental.

A inquestionabilidade do direito a saúde ganha suporte no art. XXV, item I, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como também na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, Resolução XXX.

 Ocorre que embora a Constituição Federal assegure aos indivíduos que a saúde é um dever do Estado, correntes e teorias surgem no sentido de limitar esse direito fundamental (HERRERA, 2009, p.82). Neste contexto tem-se a teoria da reserva do possível que refuta a interferência judicial porque, na prática, esta interferência se traduz na capacidade financeira do Estado de implementar determinada política pública. Se o Estado não fornece determinado medicamento é porque a insuficiência de recursos não comporta a distribuição gratuita de medicamentos, por exemplo (HERRERA, 2009, p.83).

Desse modo a “efetivação das políticas públicas encontram limites na barreira da ‘reserva do possível’, na medida em que o Estado cumpre a responsabilidade pela justiça social, dentro de suas limitações e reservas orçamentárias” (HERRERA, 2009, p.82). Ainda nessa seara:

Tratando-se de saúde pública, há limitações físicas, financeiras e diversos fatores humanos que interferem na compreensão da realidade, com detalhes técnicos e médicos que muitas vezes estão além da percepção normal dos juízes, necessitando de amplo debate e instrumentos de apoio aprimorados, a fim de se preservar a segurança jurídica e justiças nas decisões. (GUIMARÃES; WILTZEL, 2010, p.223)

 

 

     Daí o papel importante das tutelas de urgência (Cautelar e antecipatória) como dispositivos que possibilitam o acesso e garantia do direito a saúde (atendimento médico de qualidade, acesso a medicamentos e outros insumos terapêuticos). Assim o direito ao processo justo que vise à efetivação dos direitos fundamentais, e neste contexto mais específico, o direito ao acesso a saúde, é o direito ao processo civil no Estado Constitucional (MITIDIERO, 2011, p.45).

Logo, o exercício de poder no Estado Constitucional só é legítimo se por ele pautado visando garantir a efetividade dos direitos contemplados ao longo do texto constitucional. E ainda que:

 

 Um de seus elementos é o direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. O legislador infraconstitucional, ao prever a técnica antecipatória, realiza a um só tempo todo o cabedal conceitual ligado ao Estado Constitucional: a tutela sumária visa a distribuir de forma isonômica o ônus do tempo no processo, adequando-o às necessidades nele evidenciadas a fim de que a tutela jurisdicional seja prestada de forma efetiva aos direitos e em prazo razoável. É a Constituição como um todo, portanto, que assegura o direito à técnica antecipatória (MITIDIERO, 2011, p.45).

 

A Carta Magna de 1988 confere em seu art. 2°, a teoria da separação dos poderes, que consiste na distribuição de competências a órgãos diferentes do Estado, neste viés cabe a todos os organismos desta Federação cumprir o disposto nos artigos 6º e 196. No entanto, após a mudança do Estado Liberal para o Social, o juiz torna-se um projeto de um direito que toma em consideração a lei à luz da Constituição, corrigindo suas imperfeições e conformando-a aos moldes das normas Constitucionais (MARINONI, 2007, p.55). O juiz passa a ser co-autor das políticas públicas, conferindo ao poder judiciário função de controle da eficácia dos fins do Estado, inclusive a dos direitos fundamentais, individuais e coletivos. (CANELA, 2008, p.17-19).

 

  1. 2.      Efetivação do direito fundamental à saúde pela via judicial.

 

O exercício do direito à saúde, positivado em nosso ordenamento jurídico com a Constituição Federal de 1988, vem recebendo contornos nunca vistos, compelindo magistrados, promotores de justiça, procuradores públicos, advogados, entre outros operadores do direito, a lidarem com temas oriundos do Direito Sanitário e da política pública de saúde, nos três níveis de governo. E, também, compelindo gestores públicos de saúde a trabalharem com a garantia efetiva deste direito social, em cada caso individual apresentado, através de uma determinação oriunda do Poder Judiciário que, muitas vezes, contrasta com a política estabelecida em matéria de assistência à saúde e com a própria lógica de funcionamento do sistema político (MARQUES, 2008, p.65).

Neste viés é por intermédio da técnica da tutela antecipada que o legislador é capaz de, mediante cognição sumária, antecipar tutelas satisfativas ou cautelares para proteção de situações de urgência em que se visa resguardar a integridade da saúde da parte. Desse modo, distribui-se de forma adequada o ônus do tempo que a pendência de todo e qualquer processo impinge às partes e acarreta inquestionável dano à parte que tem razão (MITIDIERO, 2011, p.28). Consubstanciando tal pensamento decidiu o TJSP em sede de Agravo de instrumento que:

 

DIREITO À SAÚDE Fornecimento de medicamento Texto constitucional garantidor da aparência do bom direito Presunção de urgência, sob risco de dano irreparável ou de difícil reparação Cabíveis os requisitos para a concessão da medida liminar em primeira instância Não é razoável penalizar o cidadão com a angustiante incerteza referente à demora e ao desfecho do processo judicial, quando é a sua saúde que está em jogo Agravo de instrumento não provido.Texto constitucional (4938483020108260000 SP 0493848-30.2010.8.26.0000, Relator: Fermino Magnani Filho, Data de Julgamento: 14/03/2011, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 21/03/2011, grifou-se).

 

Logo “constitui componente indelével do direito fundamental ao processo justo o direito à tutela adequada, efetiva e tempestiva dos direitos” (MITIDIERO, 2011, p.28). Isso porque é dentro de cada instrução processual que devem ser traçados os rumos da atuação judicial, por parte dos atores que o compõem. É dentro de cada processo que devem ser postos os meios à disposição dos juízes, capazes de balizar a sua decisão. E, também, é dentro de cada processo que o direito individual à saúde deve ser confrontado com o direito coletivo e com a política pública estabelecida em matéria de saúde, por meio de provas e saberes técnicos necessários para discutir cada caso concreto (MARQUES, 2008, p.67).

Nesse contexto, é facilmente percebido que a técnica antecipatória é apenas um meio para realização da tutela satisfativa e que essas formas de tutela jurisdicional devem ser pensadas a partir do direito material (MITIDIERO, 2011, p.37). Logo a tutela satisfativa “é uma proteção jurisdicional que desde logo realiza um direito” (MITIDIERO, 2011, p.38), posto que os cidadãos, munidos de uma prescrição médica, e por vezes de relatórios e exames médicos, socorrem-se do Poder Judiciário, um a um, para obterem do Estado uma prestação capaz de garantir o acesso àquele determinado tratamento terapêutico prescrito pelo profissional médico que os assiste e, por conseqüência, garantir o seu direito à saúde (MARQUES, 2008, p.67)

Não obstante, a concretização da decisão que concede tutela antecipada mediante cognição sumária depende da natureza do direito material que é dela objeto. Tendo em conta essa necessidade de aderência da técnica processual de efetivação da decisão à tutela do direito, destaca a doutrina, ainda, a necessidade de se reconhecer aí uma maior plasticidade possível (MIDIERO, 2011, p.55-56).

Isso porque o Poder Judiciário, que não pode deixar sem resposta os casos concretos que são submetidos à sua apreciação, vem enfrentando dilemas e decisões trágicas, frente a cada cidadão que clama por um serviço e/ou um bem de saúde (atendimento médico e insumos terapêuticos, por exemplo), os quais, muitas vezes, apresentam-se urgentes para que uma vida seja salva e um sofrimento minimizado (MARQUES, 2008, p66). Logo é notório que a tutela satisfativa realiza desde logo o direito antecipado (combate o perigo na tardança), fazendo-o, inclusive, tanto para prevenir ilícitos quanto para reprimir ilícitos e/ou danos” (MITIDIERO, 2011, p.38).

Não Obstante, se é preciso que o Poder Judiciário avance em relação à incorporação da dimensão política que compõe o direito à saúde, é preciso também que os gestores públicos avancem em relação à elaboração e implementação das políticas de saúde no Brasil, bem como em relação à organização administrativa da prestação dos serviços de saúde, que, muitas vezes, deixam os cidadãos sem a correta assistência médica e farmacêutica e também sem espaço adequado e direto para participação popular, sem um canal administrativo capaz de ouvir e processar as diferentes demandas da sociedade nesta seara, sem informações disponíveis de forma clara a todos que necessitam de um medicamento ou tratamento de saúde. Este é um quadro que, freqüentemente, não confere ao cidadão outra alternativa senão buscar a tutela jurisdicional para ver garantido o seu direito (MARQUES, 2008, p.67).

 

  1. 3.      A tutela antecipada como dispositivo efetivo na garantia de atendimento medico, medicamentos e insumos terapêuticos.

 

            Não resta dúvidas na correlação entre o direito do cidadão a ter acesso a saúde como dever do Estado em prover para a população tal direito, entretanto, a efetivação dessa premissa enquanto válida não assume total efetividade. Torna-se cada vez mais comum pessoas buscarem o intermédio judicial, a fim de alcançarem pretensões relativas a medicamentos ou tratamentos terapêuticos, na tentativa de tornar efetivo a tutela governamental (SILVA, 2006).

            Em se tratando de direito a saúde, quando se estabelece a ação judicial, em regra se requer medida de urgência, pois ao direito a saúde concerne o caráter imediatista, primando pelo bem estar do indivíduo. Tutela antecipada “é uma espécie de tutela jurisdicional satisfativa, prestada no bojo do módulo processual de conhecimento” (CÂMARA, 2010, p.469).

A tutela antecipatória constitui o grande sinal de esperança meio a crise que afeta a justiça civil. Trata-se de instrumento que, se corretamente usado, certamente contribuirá para a restauração da igualdade no procedimento. Embora Chiovenda houvesse anunciado, com absoluta clareza e invulgar elegância, que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem direito de obter, e, ainda, que o processo não deve prejudicar o autor que tem razão, a doutrina jamais compreendeu, porque não quis enxergar o que se passava na realidade da vida, que o tempo do processo não é um ônus do autor. (MARINONI, 2006, p. 23).

           

            Conforme o art. 273 do CPC, o juiz poderá antecipar a tutela jurisdicial, caso esta atenda a alguns requisitos. Tais requisitos compreendem a prova inequívoca, de tal forma que convença o juiz da verossimilhança da alegação, gerando a probabilidade da existência do direito afirmado pelo demandante (CÂMARA, 2010, p.473). Quando judicialmente se requer a concessão da tutela antecipada do direito à saúde, é porque além do possível direito pretendido há o periculum in mora ,ou seja,o risco de dano. Privar o acesso a certo processo de saúde abre margem para dano irreparável ou de difícil reparação. Denominada de tutela antecipada de urgência já que gera perigo de dano que a parte pode vir a sofrer, então ela deve ser tratada com prioridade frente às demais tutelas, em razão da possibilidade do dano poder ocorrer e/ou se agravar (SILVA, 2010, p.6).

 

É dever do juiz, nas situações mais angustiosas para se decidir por conceder ou negar uma tutela de urgência, fazer mentalmente um juízo do mal maior, ponderando os males que o autor suportará em caso de negativa e também o que recairão sobre o réu, se a medida for dada. Essa é a linha de equilíbrio capaz de legitimar as tutelas urgentes e conciliá-las com o desiderato de justiça nas decisões. (DINAMARCO, 2003, p. 323).

               

                Por conta disso é que se justifica o uso da tutela antecipada nas referidas ações de medicamentos ou provimentos terapêuticos, em face da mesma possibilitar essa efetividade imediata. De certa maneira, essa efetividade só vem a contribuir em situações que exigem certa rapidez, e a utilização da tutela antecipada, frente a isso, seria o melhor caminho a se escolher (SILVA, 2010, p15).

 

O objeto primordial da tutela antecipada é minimizar os efeitos do tempo no processo. Ou seja, a fruição do bem pretendido no processo somente seria possível ao final, depois do trânsito em julgado. Com a antecipação da tutela, permite-se, mesmo antes da decisão final, a fuição do bem jurídico pretendido. (DESTEFENNI, 2006, p. 315).

 

            Podemos utilizar como exemplo as ações de medicamentos. Seu objetivo é obter a satisfação de um direito “desamparado”, como a finalidade de que o Estado, cumpra seu papel de promover e  fornecer os medicamentos de maneira ininterrupta e contínua, conforme o estabelecido pelo juiz. Resta cristalino, nos moldes do art. 196 da CF/88, que estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado. Fazer o uso da tutela antecipada é a trajetória mais efetiva para quem necessita buscar um auxílio referente a saúde (KIRCHHOFF, 2011, p.1)

            De maneira exemplificativa, concedeu-se tutela antecipada à parte pelo Ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, permitindo o fornecimento de medicamentos, já que o autor corria risco de morte.

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO SUS. JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO AO LONGO DO FEITO E SOBRE O QUAL SE FUNDOU O JULGADOR A QUO PARA FORMAR SUA CONVICÇÃO. CONTRADITÓRIO POSTERIOR AO DEFERIMENTO DA TUTELA. NULIDADE INEXISTENTE NO CASO ESPECÍFICO DOS AUTOS. IMINENTE PERIGO DE MORTE. PRESENÇA DA VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E NECESSIDADE DE URGÊNCIA NA CONCESSÃO DO PROVIMENTO. ART. 273 DO CPC. (“AgRg no REsp 1072934 / MG,Relator Min. Benedito Gonçalves.Data de Julgamento: 05/03/2009)

 

            A defesa do direito à saúde limita-se a uma afirmação retórica, entretanto assume, no plano do ordenamento jurídico nacional, a preferência de receber proteção em quaisquer circunstâncias. A saúde é um direito fundamental e sua garantia, juntamente com a de outros direitos, se vincula à própria dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos, que são universais e indivisíveis, logo, podem ser reivindicados. A defesa da dignidade humana e do seu direito à vida com saúde, é o próprio reconhecimento de sua exigibilidade (LIMA, 2010). Existir a possibilidade de requer o direito a saúde, conferindo o poder de reivindicá-lo em face do Estado, traz a tona a expectativa de aplicabilidade do direto, de sua efetivação e a própria sensação de acesso a justiça (SILVA, 2010, p.15-16).

 

A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (CAPPELLETTI, 2002, p. 8).  

           

            Para que se construa um Estado de Direito, faz-se necessário a presença da juridicidade e segurança jurídica. Corresponde à idéia de justiça que é necessária diante da ordem jurídica, pois se parte do pressuposto da igualdade entre os indivíduos. Umbilicalmente ligada a segurança jurídica, já que traz consigo, elementos de suma importância para a concretização do Estado de Direito (previsibilidade, confiabilidade e efetividade). (MITEDIERO, 2011, p.45).

             A positivação do direito à saúde, presente na Constituição Federal no art. 196 converte na incumbência do Estado em garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença e de outros agravos. Deverá prover o acesso universal e também igualitário às ações e serviços pertinente da saúde. Somente encarando a saúde como direito e não enquanto “necessidade” será possível demandar do Estado a sua garantia e a sua exeqüibilidade. Por meio da positivação do direito à saúde que se estabelece a sua exigibilidade (LIMA, 2010).

           

Considerações Finais

                                                                                             

No caso específico do direito fundamental à saúde, o juiz de direito deve se ater exclusivamente à tutela específica da obrigação de fazer, posto que o direito à saúde é personalíssimo o que, de fato, engendraria um dano irreparável a parte a sua elisão. (SCHWARTZ; GLOECKNER, 2003, p. 154-155).

Neste viés, para que exista Estado de Direito é preciso que existam juridicidade e segurança jurídica. A juridicidade visa a constituir o Estado a partir do Direito, tomando-o como medida para sua organização político-social e colocando todos abaixo do seu império. A juridicidade do Estado remete à idéia de justiça, que de seu turno impõe a necessidade de igualdade de todos perante a ordem jurídica (MITIDIERO, 2011, p.44-45).

Nesse contexto a utilização técnica antecipatória visa distribuir de forma isonômica o ônus do tempo do processo. Essa distribuição pode ocorrer tanto em face da alegação de urgência como em face da necessidade de outorgar o devido valor à evidência do direito posto em juízo, o que é evidente na maioria dos casos em que se envolve a prestação de medicamentos, atendimento médico e insumos terapêuticos (MITIDIERO, 2011, p.39).

Por derradeiro, conclui-se que a tutela antecipada, de certa maneira, veio para efetivar o direito à saúde e, por conseguinte, tem levantado essa bandeira de dar mais agilidade às decisões logo no bojo do processo de conhecimento, antecipando-se os direitos que de algum modo precisam de uma solução imediata por parte do Poder Judiciário. Schwartz; Gloeckner (2003, p. 158), ressaltam o pensamento de Ruy Barbosa, mas que em suas palavras querem dizer, “que ‘justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta’. Assim, Direito não opera para o passado. Segue em direção ao futuro. Como? Antecipando-se o dano”.

Por fim, cumpre destacar que o direito à saúde, como norma dos direitos fundamentais, fica de certo modo afetado pela reserva do possível em relação a sua limitada disponibilidade financeira, visto que “a garantia (implícita) de um direito fundamental ao mínimo existencial opera como parâmetro mínimo dessa efetividade, impedindo tanto omissões quanto medidas de proteção e promoção suficientes por parte dos atos estatais”.  (SARLET; FIGUEIREDO, 2008, p. 42).

Neste viés um sistema processual civil sem previsão da técnica antecipatória é um sistema indiferente à igualdade no processo, porque invariavelmente coloca sob as costas do autor todo o peso que o tempo nele representa. É um sistema que trata de forma igual situações desiguais – direito provável e direito improvável – e por isso certamente pode ser tido como violador do direito ao processo justo (MITIDIERO, 2011, p.49).

 

REFERÊNCIAS

 

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:Malheiros, 2008.

 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol I, 20ª Ed. Rev. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 

 

CANELA JUNIOR, Osvaldo. A efetivação dos direitos fundamentais através do processo coletivo: um novo modelo de jurisdição. São Paulo, Tese defendida na USP, 2008.

 

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. trad. e rev. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Ed. Sergio Antonio Fabris, 2002.

 

DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil: processo de conhecimento e cumprimento de sentença. Vol I. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

DINAMARCO, Candido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

 

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KIRCHHOFF, Katiane. A efetividade da tutela antecipada nas ações de medicamentos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 90, 01/07/2011 [Internet]. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9931> . Acesso em 20/10/2011.

 

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MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria da tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória. Revista de Processo. São Paulo: VOL.197, Ano 36 - julho 2011.

 

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

 

SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.

 

SCHWARTZ, Germano A.; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. A tutela antecipada no direito à saúde: Aplicabilidade da teoria sistêmica (de acordo com a Lei 10.444/02). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

 

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[1] Paper apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Processo de conhecimento II do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;

[2]  Alunos do 5º período do Curso de direito, da UNDB

[3] Professor Mestre, orientador.