A ASSOMBROSA ATUALIDADE DO FILME "A 7a PROFECIA"

Um filme da década de 80 faz estremecer as certezas da ciência prepotente e a coragem de todos, numa prova de atualidade tão desconcertante quanto a do Sermão Profético

Seu título no original em inglês é "The Seventh Sign", traduzido por "A Sétima Profecia", quando deveria ser simplesmente "O Sétimo Selo", como manda o Apocalipse de São João. Para quem o assistiu na época do lançamento (1988) e olha para o mundo agora, resta a inquietante perspectiva de que afinal aquilo tudo esteja em andamento, só que de modo muito mais violento, e matando muito mais gente. Com efeito, foi a visão da meteorologia caótica ali exposta que mais chamou a atenção dos espectadores, boquiabertos com o alto grau de factibilidade da história de Clifford Green e Carl Schultz. Porém o detalhe mais importante pode ter ficado à margem, ou até soterrado, diante de cenas tão dramáticas quanto as ali mostradas, embora sendo um drama-chichê de todos os filmes de catástrofes e apocalipse. Que detalhe passou despercebido?

Para mim foi o principal. Porquanto A SÉTIMA PROFECIA não era um filme de terror ou um mero drama catastrofista hollywoodiano, como tantos outros da mesma época. O que ele era então? Ele era e é um filme religioso, dos mais eloqüentes, e pode ter o defeito (para mim o mérito) de ter passado alheio aos próprios religiosos, cuja visão obtusa nem sequer permite descansar os olhos noutras hipóteses, senão naquelas que combinam com sua própria estrutura de crença pétrea. E por que era um filme religioso, vamos tratar dos temas paralelos primeiro, devido à urgência inegável dos sinais de desmoronamento meteorológico do mundo.

O fim da vida na terra será precedido de ocorrências catastróficas em miniatura diante das grandes tragédias que destruirão tudo na hecatombe final, e essas mini-tragédias deverão ter um longo período de incubação e gestação dolorosa, estendendo-se no decorrer de décadas de prolongamento de sinais cada vez mais violentos, culminando com um megatremor de longa duração e absolutamente definitivo, com o qual raríssimos sobreviverão, e apenas para invejar os mortos. Tudo leva a crer que as tais mini-tragédias já começaram pra valer, e a mídia está cheia delas (tsunami de 2004, terremoto do Haiti, terremoto da China, etc.). Já o mega-tremor, muito maior que o esperado "Big-one" da Califórnia, parece estar relacionado a uma inclinação inexorável do eixo planetário, já sentida há mais de 4 décadas, e que os astrônomos não sabem ou teimam em negar, certamente cumprindo ordens inconfessáveis. Pois bem.

Em 'A 7ª Profecia' é assim mesmo que o mundo vai acabar, por meio dessa série de eventos anormais no clima mundial, cumprindo a contagem regressiva da profecia divina descrita na Bíblia. A relação com a Bíblia neste ponto é mero "acidente", por assim dizer, já que o filme inteiro baseia-se nela, inclusive no seu enredo principal, diferindo-se apenas no desfecho que, de propósito, procurou proteger e salvar as personagens principais; a saber, o filho de Abby, o Escriba da Super-Nova Aliança e afinal, o resto da Humanidade, que não será destruída pelo sacrifício vicário de Abby. Na Bíblia não haverá "artistas a proteger" e o fim catastrófico virá, doa em quem doer, independente de quem esteja vivo sobre a superfície de Tellus e independente até das orações de socorro a Deus dirigidas.

Qual é o enredo religioso que passou despercebido? É que A 7ª Profecia é mais um filme sobre a volta de Jesus do que sobre catástrofes! Trata mais do relacionamento Deus versus Homem do que Homem versus clima. Mas o relacionamento de Deus com o Homem é expresso na convivência de um estranho andarilho com uma linda mulher, Abby Quinn (Demi Moore, ainda jovem, e grávida de verdade), o qual se diz apenas "professor de línguas antigas" ou "línguas mortas", mas que na verdade é o próprio Deus, ali inclusive cumprindo outra estranha profecia bíblica, a saber, aquela que fala de Cristo como "Testemunha", ou de que haveria uma, duas ou algumas testemunhas presentes nos últimos acontecimentos da História da Terra. David Bannen, o Cristo-Testemunha (Jurgen Prochnow, num dos mais belos papéis de toda a sua carreira), não perdeu nenhuma de suas características bíblicas, pelo contrário, vem glorioso feito um Leão e um Juiz, e não mais um "manso" que, em sua primeira vinda, daria a face esquerda para quem lhe batesse na direita (embora no filme, façamos jus, Ele jamais revide agressão alguma, inclusive uma facada mortal desferida por Abby num acesso de loucura e desespero, julgando tratar-se o Andarilho de um fanático religioso que tentava matar seu filho ainda no ventre).

O relacionamento de Abby com Bannen desce de fato aos detalhes profundos das noções que a proximidade de Deus ensejaria em todos nós, com o cuidado de apontar lições muito mais duras para uma época de desespero, onde a filosofia em voga é a do ceticismo mundial, ensejado por uma ciência cética e um mundo à deriva, onde o Mal está sempre vencendo todas e expondo-se vitorioso. Alguns momentos filosóficos aqui são cruciais, como quando Abby diz, em desespero dentro do carro, vendo o mundo se acabar aos seus pés: "que tipo de Deus é você?"; ou no início, quando responde a Avi (Manny Jacobs), o "futuro escriba", o qual a pergunta: "você nunca leu a Bíblia?"; ela responde: "Sim, foi há muito tempo: eles diziam que Deus era um Deus de amor"; ou quando, respondendo a Bannen, diz: "acho que não lançaremos a bomba". Grandes lições também na palavra do Cristo-Bannen. P.ex., quando Ele vê as piores notícias na TV (ele ainda não tinha visto o Rota 22 ou o Datena) e diz acerca do estado atual de coisas: "Pensei que o mundo mudaria, mas não mudou". Ou quando diz para Abby, depois de ser esfaqueado por ela: "Eu não posso mais morrer; eu já estive aqui uma vez". Ou quando declara ao Avi-escriba, bem no finalzinho: "Lembre-se de tudo; escreva tudo; conte a todos, para que usem bem a chance que ela lhes deu", dando-nos uma deliciosa visão de como deve ter sido a Grande Comissão dada por Jesus aos escritores do Novo Testamento, como Mateus, Marcos, Lucas e João...

Lições duras também nos gestos do Cristo-Bannen (quando Ele tenta interromper uma vassourada num pássaro); quando Ele propositalmente foge na rua, deixando a grávida cair em plena chuva; ou quando ele arrasa, com um 'simples' olhar, o tal Padre Lucci (o nome Lucci é uma apócope italiana para Lúcifer) do outro lado da rua, debaixo de aterradora tempestade. No ápice das lições estão as duas cenas conjuntas da tentativa de assassinato de Abby em Bannen (seu peito se abre em luz inefável, iluminando todo o aposento) e na ocasião em que Ele segura os dois pulsos da grávida e diz: "como alguém que dá tão pouco valor à vida pode dar vida ao mundo?" (Abby já havia perdido um filho e tentado suicídio).

Todavia num mundo caótico ainda resta alguém – talvez sempre reste – que mantenha a fé pura dos tempos do Velho Testamento, e com a inocência de uma criança obediente, julga fazer justiça com as próprias mãos contra o pecado do adultério-incesto, porquanto seus pais eram gêmeos e ele nasceu por isso mongolóide (mas lúcido). E precisa negar sua lucidez – e sua fé – para ser aceito como louco e escapar da cadeira elétrica. Jimmy Szaragosa (John Taylor) rejeita a idéia e segue o seu calvário consciente, até ser morto involuntariamente pelo padre Lucci (na verdade ele era Cartáfilos, o soldado romano que esbofeteou Cristo, e queria matar Abby, que tentava impedir a morte do garoto e sustar a seqüência de selos apocalípticos). Para Lucci, que só morreria se os sinais fossem verdadeiros, importava manter toda a seqüência de selos, para afinal se ver livre da maldição de não morrer, em vigor desde o tempo de Jesus (Mc 9:1). Ao ver o garoto morto pelos tiros disparados em sua direção e agora também mortalmente ferida, Abby desiste de viver e passa a sua energia vital para o seu filho não nascido, mudando finalmente a seqüência de selos e dando nova esperança ao mundo.

A última cena é antológica, quando o Cristo-Bannen se aproxima do último profeta (agora o mais novo e único escriba da Nova Palavra de Deus) e diz: "Escreva tudo isso; escreva tudo o que viu, para que o mundo saiba que ela deu nova oportunidade ao mundo quando deu sua vida por seu filho".

Entre todas as cenas de desespero do enredo, uma deixa uma lição-bofetada para o homem pós-moderno: Ao se apresentar a um pastor (John Heard) e apontar para os sinais evidentes do fim do mundo (como a lua vermelha, o sol escuro, as águas mortas) e receber do religioso uma resposta cética e debochante, o garoto então, percebendo que aquele "ministro de Deus" era também um cético travestido de pastor, com extrema sagacidade desvia a conversa para um tema mais "popular", e pergunta como se fosse um bobão: "Então, Pr., quem será salvo? Os batistas dizem que não serão os judeus; os judeus dizem que não serão os muçulmanos...?" – E o "ministro" simplesmente rir e diz, com pré-conceito: "E se forem só os Hare-Khrishna?".

The Seventh Sign é um daqueles filmes extraordinários que a indústria do cinema vai levar muito tempo para fazer um outro que se equipare a ele. E não sem razão, ele carrega alguns mistérios inquietantes como nunca houve na história da Sétima Arte, e jamais os deixará fácil para a posteridade decifrar. O primeiro mistério é tal "GUF", ou Salão das Almas, que indica o fim da geração de almas no Céu e portanto o fim da vida humana na Terra. Foi uma linda história contada por Bannen e comprovada por Abby na leitura de um livro de mitos antigos. Mas há outros tantos mistérios propositais "de enredo", como quando se tenta responder às seguintes perguntas:

1)Por que o pardal morreu tão rápido (ao pé da escada)?

2)Como o Padre Lucci e Abby (ela também esteve presente na cena das torturas a Jesus?) sobreviveram tanto tempo sem morrer? Como Abby apareceu sem um parto e sem uma certidão de nascimento atual?

3)O que era a mancha branca varrendo a Lua vermelha?

4)Por que o Cristo-Bannen precisava de um rádio de ondas curtas?

5)O que era o saco cheio de "ovos cozidos" dependurado sobre uma panela de água fervente na hora da execução de Jimmy?

Enfim, "A Sétima Profecia" é muito mais do que um filme. É uma nova leitura do Apocalipse, digna de um registro oficial em doutrina teológica. Dá uma outra interpretação à Parusia e expressa uma idéia sem medo de inquisições religiosas, a saber: a noção de que a Bíblia dá margem a se pensar num Cristo-Testemunha, caminhando nos últimos dias do caos terrestre e tentando ver se encontra algo que se aproveite de amor ao próximo, fé e esperança. Se encontrar... Se Ele encontrar, o mundo terá uma segunda chance. Se fosse Deus, eu também viria assim, antes do fim, como Leão-espião.

Prof. João Valente de Miranda ([email protected]).