Nascer, possuir uma existência, necessitar de uma identidade, nomear-se, nomear coisas, nomenclaturar o mundo. Tudo isso é tão certo quanto nossa identificação em nossos cromossomos.
Não há como aceitar que alguém não possua nome, filiação, endereço ou que algo não possa ser identificado. Portanto, desde o surgimento da linguagem na humanidade, é inconcebível que alguém não esteja cercado de palavras desde a sua origem.
Somos criaturas capazes, ao menos a maioria de nós, de articular sons, formar palavras, frases, orações. O conjunto dessas palavras forma o idioma e, para nos comunicarmos, cada um de nós, através do próprio idioma, utiliza a linguagem.
A linguagem é um sistema de signos que torna possível a comunicação entre os humanos. Ela organiza o pensamento, fixa o tempo, torna presente o ausente como que substituindo, pois a linguagem consegue inclusive representar o ausente.
Através da linguagem o mundo se nos apresenta e sem ela não há como nos apresentarmos ao mundo. Somente através da linguagem é possível criar conceitos e, através deles, construir um conhecimento comum. A linguagem nos possibilita o contato com o que é abstrato, nos proporcionando uma comunicação mais complexa que a dos animais considerados irracionais.
Por meio desta comunicação mais complexa é possível trocar informações e idéias ou mesmo analisá-las, acatá-las ou descartá-las. A linguagem é um sistema de comunicação específico e exclusivo da raça humana e, óbvio, está ligada ao pensamento.
Se nos dispusermos a procurar num dicionário, encontraremos uma resposta parecida com esta para o significado de pensamento: um processo mental que permite aos seres modelarem o mundo e com isso lidar com ele de uma forma efetiva e de acordo com suas metas, planos e desejos. Este processo é considerado a expressão mais "palpável" do espírito humano, pois através de imagens e idéias revela justamente a vontade deste. E o que dá vida ao pensamento é a linguagem.
Dentre os estudos de ordem psicológica, as relações entre pensamento e linguagem é, sem dúvida, um dos temas mais complexos. E, nas pesquisas e obras de Vygotsky, este tema está em primeiro plano.



Ainda que tenha vivido apenas 37 anos, Lev Semënovič Vygotsky soube fazer com que seus poucos anos de vida fossem de fundamental importância para a humanidade. Nascido em Orsha, atual Bielorrússia, Vygotsky, por ser judeu e ter que enfrentar as dificuldades relacionadas ao judaísmo, até os seus 15 anos foi educado em sua casa pelos seus pais e apoio de alguns tutores. Tal fato de forma alguma foi empecilho para sua desenvoltura intelectual.
Sua carreira foi iniciada aos 21 anos, mas somente aos 28 foi descoberto pela comunidade científica russa. Isto ocorreu por meio da apresentação de um trabalho num Congresso de Psicologia em Leningrado, o qual tratava do comportamento consciente humano.
Em menos de 38 anos de vida, Vygotsky conheceu momentos políticos drasticamente diferentes, os quais acabaram influenciando muito em seu trabalho. Nascido a 17 de novembro de 1896, sob o regime dos czares russos, ele acompanhou de perto, como estudante e intelectual, os acontecimentos que levaram à revolução comunista de 1917. Mesmo ano em que sua carreira começa a acontecer. Logo após a revolução, Vygotsky intensificou seus estudos sobre psicologia. Visitou comunidades rurais, onde pesquisou a relação entre nível de escolaridade e conhecimento e a influência das tradições no desenvolvimento cognitivo. Com a ascensão ao poder de Josef Stalin, em 1924, o ambiente cultural ficou cada vez mais limitado.
Vygotsky usou a dialética marxista para sua teoria de aprendizado, mas sua análise da importância da esfera social no desenvolvimento intelectual era criticada por não se basear na luta de classes, como se tornara obrigatório na produção científica soviética. Em 1936, dois anos após sua morte, toda a obra de Vygotsky foi censurada pela ditadura de Stalin e assim permaneceu por 20 anos.
Tendo sido um estudioso de áreas variadas ? a poesia, a língua, os problemas do signo e do significado, o cinema, os problemas da história e da filosofia, psicologia, teoria literária, psicologia da arte ?, Vygotsky era consciente de que suas pesquisas se relacionavam com a busca da compreensão dos processos mentais humanos e a educação. Logo, seus estudos foram centralizados no desenvolvimento e na aprendizagem infantil, abrangendo os aspectos biológicos, antropológicos e psicológicos da criança. Visava, através desses estudos, aprofundar-se no desenvolvimento humano. Dedicou sua curta vida aos estudos acompanhado por Alexei Leontiev e Alexander Luria. Os mesmos que, após sua morte, deram continuidade a seu trabalho.

Entre suas principais teorias e idéias destacamos:
- O processo de formação de conceitos remete às relações entre pensamento e linguagem, a internalização mediada pela cultura e ao papel da escola na transmissão de conhecimento.
- As chamadas funções psicológicas superiores como a memória e a linguagem são construídas ao longo da história social do homem e de sua relação com o mundo. São provenientes, portanto, de ações conscientes e intencionais dependentes de processos de aprendizagem.
- Vygotsky acreditava que o conhecimento do homem é mediado, ou seja, construído a partir de processos sócio-históricos em que não há acesso direto aos objetos, mas a recortes da realidade constituídos a partir de sistemas simbólicos elaborados pela própria humanidade em sua história.
- É a linguagem que funciona como sistema simbólico representativo ao fornecer conceitos, formas de organização do real e estruturar a mediação entre sujeito e objeto dos conhecimentos.
- A cultura concede as pessoas os sistemas simbólicos representativos da realidade que permitem a compreensão e interpretação do mundo real.
- São funções mentais o pensamento, a memória, a percepção e a atenção. O pensamento tem como origem a motivação, a emoção, o afeto, o impulso, o interesse e a necessidade.
- Há dois níveis de desenvolvimento segundo Vygotsky, o real e o potencial. O primeiro refere-se ao que a criança consegue fazer por si própria enquanto o segundo concretiza-se a partir da capacidade de aprender com as outras pessoas.
- A relação de distância entre o desenvolvimento real e o potencial cria as chamadas zonas de desenvolvimento proximal (que refere-se a potencialidade de aprender ou ainda o vácuo que existe entre o que a criança pode aprender por si mesma e o que ela pode fazer a partir da orientação e intervenção de um adulto).
- O desenvolvimento cognitivo é resultado do processo de internalização da interação social com os subsídios provenientes da cultura.
- Segundo Vygotsky, os sujeitos não são apenas ativos, mas interativos porque seus conhecimentos se estabelecem a partir das relações intra e interpessoais.
- Os conceitos de Vygotsky percebidos no contexto educacional nos permitem perceber a escola como o local onde há intencionalidade na intervenção pedagógica e que isso promove o processo de ensino-aprendizagem. Nesse ínterim o professor interfere objetiva, intencional e diretamente na zona de desenvolvimento proximal.
- O estudante é percebido como aquele que aprende os valores, linguagem e o conhecimento que seu grupo social produz a partir da interação com o outro, no caso, o professor.
- A aprendizagem é entendida como fundamental ao crescimento, adaptação e desenvolvimento dos processos de interação social dos estudantes.

Ao pensar em desenvolvimento humano, logo se constata que, para a ocorrência deste, é necessário o uso da linguagem num processo que envolve diversas etapas, como a aquisição da fala e seu aperfeiçoamento durante toda vida. A linguagem utiliza-se da fala para melhor especificar vários significados, fornecendo informações entre membros de grupos sociais. E dessa forma a comunicação permanece e aproxima os membros desse grupo. O grupos possuem incomensurável importância, pois é por meio deles que pensamento e linguagem se tornarão indispensáveis ao processo comunicativo de seus membros.
Vygotsky afirma que o desenvolvimento pleno da criança depende do que ela assimilou em contato com seu grupo social. E que dois elementos são essenciais para a ocorrência da mediação: o instrumento e o signo. O instrumento ajusta o funcionamento das ações sobre os objetos e o signo ajusta o funcionamento das ações sobre o psicológico dos humanos.
Para Vygotsky, os signos são "instrumentos psicológicos: a invenção e o uso de signos auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc) é análogo à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho" (Vygotsky, 1984, p.59-60).
Os signos usados pelas crianças servem como início do processo de assimilação da linguagem, o qual é separado em estágios: estágio pré-intelectual do desenvolvimento da fala e estágio pré-linguístico do desenvolvimento do pensamento.
No primeiro estágio, o riso, o balbucio, o choro, não servem apenas para designar conforto ou incômodo. Isto também é uma forma de contato com os membros de seu grupo. O segundo estágio demonstra uma inteligência prática, que nada mais é que sua capacidade de agir no ambiente e resolver problemas práticos.
A aquisição da fala se dá num processo dinâmico e contínuo, por isso evolui, saindo do processo interior para uma forma egocêntrica que, por sua vez, evolui para uma fala interior, proporcionando uma dinamicidade.
Em Linguagem e Pensamento, obra publicada em 1934, Vygotsky afirma que linguagem (língua) e pensamento (processo cognitivo) são fenômenos de desenvolvimento independentes nos primeiros meses de vida e manifestam-se com autonomia. É importante perceber que a linguagem surge e continua em desenvolvimento, com uso da fala, para manter-se uma comunicação com grupo social que se faz parte. E assim o aprimoramento da linguagem ocorre gradativamente desde a infância, perdurando por toda a existência do indivíduo numa aquisição constante de conhecimento onde a necessidade impulsiona a busca de soluções para novos problemas que surge no cotidiano.
Um dos princípios básicos da teoria de Vygotsky é o conceito de "zona de desenvolvimento próximo", a qual representa a diferença entre a capacidade da criança de resolver problemas por si própria e a capacidade de resolvê-los com ajuda de alguém. Em outras palavras, teríamos uma "zona de desenvolvimento auto-suficiente" que abrange todas as funções e atividades que a criança consegue desempenhar por seus próprios meios, sem ajuda externa.
A zona de desenvolvimento próximo, por sua vez, abrange todas as funções e atividades que a criança ou o aluno consegue desempenhar apenas se houver ajuda de alguém. Esta pessoa que intervém para orientar a criança pode ser tanto um adulto (pais, professor, responsável, instrutor de língua estrangeira) quanto um colega que já tenha desenvolvido a habilidade requerida.
Outro conceito-chave de Vygotsky é a mediação. Segundo sua teoria, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos como, por exemplo, as ferramentas agrícolas, que transformam a natureza e da linguagem que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito.
Afirma ainda que todo aprendizado é, necessariamente, mediado e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto por Piaget e outros pensadores da educação. Para Vygotsky, cabe à escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo próprio aluno. E ainda que o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança "se apropria" dele, tornando-o voluntário e independente.
Vygotsky atribuiu muita importância ao papel do professor como mediador do desenvolvimento psíquico das crianças. A idéia de um maior desenvolvimento conforme um maior aprendizado não quer dizer, porém, que se deve apresentar uma quantidade enciclopédica de conteúdos aos alunos. O importante é apresentar às crianças formas de pensamento, não sem antes detectar que condições elas têm de absorvê-las.
Para Vygotsky não foi o bastante saber apenas que a Linguagem é o uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas. Ele apaixonou-se pela Linguagem a ponto de dedicar-se ao seu estudo. Pois foi através dela que nos humanizamos, que aprendemos a nos comunicar. Por meio dela descobrimos que por meio dela podemos nos expressar. Inicialmente apenas de forma oral, para depois irmos das pinturas rupestres à escrita.
Pra que qualquer ser superior conseguisse criar esse Universo imenso e tudo que há nele, antes de tudo, antes de qualquer coisa, a palavra se fez necessária. Dependemos da Linguagem para absolutamente tudo: pra reconhecer o mundo ao nosso redor, pra pensar, sentir e expressar o que sentimos, pra lembrar, pra esquecer, pra odiar, pra amar, pra viver... porque é a palavra quem deu e dá vida à vida.
Através da palavra existimos. Em meio a ela vivemos. Com a ajuda dela nos expressamos, sentimos, nos reportamos, regressamos, transmitimos, recebemos. Por meio da palavra criamos dimensões e realidades alternativas, vamos de um mundo a outro apenas com o ato de pensar.
Como já foi comentado, foram curtos anos de existência de Lev Semënovič Vygotsky, mas que contribuíram extremamente para os estudos da humanidade. Longe de mim querer supor, mas, eu pergunto, o que não teria feito Vygotsky se acaso tivesse existido por mais uns 40 anos?