Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é. (foucambert, 1994)  

Durante muito tempo os educadores do nosso país não sabiam a real função da leitura, e, talvez ainda não saibam. Com isso, tentavam incutir nos seus alunos que o ato de ler é uma obrigação, necessária para a aprendizagem e para o crescimento profissional, cometendo assim um grave erro que irá marcar toda a história futura desse aluno no seu contato com o livro. É indiscutível que a leitura é um instrumento fundamental para a aprendizagem, no entanto, não podemos, nem devemos restringi-lo a sala de aula. A leitura é um ato social que irá determinar a evolução do cidadão, transformando-o num agente construtor no âmbito da sua individualidade, bem como, da coletividade.

Uma das principais ferramentas, embora não a única, para tentar desenvolver no aluno o prazer de ler, é o livro didático. Nota-se o quanto o professor tem que ter a sensibilidade de perceber que existem outros meios para desenvolver no aluno essa aptidão: gostar de ler. Equiparando-se a uma construção, a maturidade da leitura é construída em uma base sólida, gradativa, mas que o principal pedreiro é o próprio leitor; o que o educador deve fazer é fornecer o material indispensável para a sua edificação, ou seja, mediar o contato entre seus pupilos e o mundo mágico da literatura.

Apesar da sensível melhora na capacidade de leitura, ainda encontramos um grande número de analfabetos funcionais, que detém somente a capacidade de decodificar grafemas, não possuindo a capacidade interpretativa de um texto, de uma imagem, daquilo que o cerca, não percebendo o que está ao seu redor, sendo manipulado com uma certa facilidade por parte da minoria capitalista, a qual tenta silenciosamente perpetuar o modo de educar autoritário, tradicional e ditador.

O principal objetivo da escola deveria ser “formar sujeitos sociais leitores da realidade em que se inserem e capazes de usar a escrita como instrumento indispensável à sua participação na construção do mundo histórico e cultural”(FREIRE, 1982). Infelizmente, ainda não se evidencia essa preocupação por parte de um número considerável dos professores do nosso país. Essa falha por parte do educador ocasionará traumas no educando, afastando-o cada vez mais do seu contato com o livro.

A partir do momento que o educador se conscientiza de seu real papel, mediador, em sala de aula, será possível traçar uma estratégia mais eficaz para sanar algumas deficiências da educação do Brasil.

Para desenvolver o gosto da leitura no educando será necessário partir de suas experiências enquanto leitor, efetuando uma espécie de diagnose do horizonte literário do aluno, munindo-o com obras ou textos de sua preferência. Destarte, o professor poderá traçar objetivos a serem alcançados, através da inserção de novas leituras que tenham pontos de convergências com o arcabouço literário desse estudante.

Ao perceber a ligação que existe entre os diversos tipos de textos e os assuntos debatidos em sala de aula o aluno adquirirá uma maturidade de leitura, assim, será capaz de interceder no mundo como um cidadão participativo nas decisões da sociedade em que está inserido. Será através da maturidade de leitura adquirida pelo aluno que ele intercederá no mundo com cidadão atuante nas decisões da sociedade em que está inserido. Além de perceber a ligação que existe entre os diversos assuntos debatidos em sala de aula, intertextualidade.

A leitura é uma ferramenta fundamental para que o docente alcance os seus objetivos na sua prática: o de fazer com o que o aluno domine sua língua materna. Como diz Sírio Possenti “o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido”(1996, p. 17). No entanto, um dos obstáculos para essa aprendizagem é a discussão gerada em torno da linguagem culta de nossa língua. Para muitos, seu domínio é fundamental na vida de cada discente, para outros tantos, sua utilização é supervalorizada.

Diante do exposto, podemos citar a preocupação de estudiosos como Travaglia, que aponta como principal vilão do repúdio ao ensino da língua padrão, o ensino Prescritivo, que subjuga o universo lingüístico do aluno, sobrepondo seus conhecimentos empíricos da língua. Com isso, criam-se preconceitos e problemas, por vezes irreparáveis, em torno da autonomia dos indivíduos. Para o pesquisador, além do ensino prescritivo, que está estreitamente ligado a gramática normativa, existem dois outros tipos o descritivo e produtivo.

Travaglia aponta com um dos fatores propagadores da rejeição ao ensino de gramática, a dificuldade que os professores têm em perceberem a diferenciação entre o ensino prescritivo e o descritivo. Este, “objetiva mostrar como a linguagem funciona e como determinada língua em particular funciona”(2002, p. 39), suas variações, dialetos, individualidades de grupos de falantes etc.  Aquele, dita regras de uso da língua, determinando o que pode e o que não pode ser dito, e, quando alguém foge a suas normas, o seu ato é tachado de desvio, erro. Os professores não percebem que o ensino de gramática deve estar estreitamente ligado ao ensino descritivo, e que a gramática prescritiva só traz regras, muitas vezes “injustas”, de seu uso. Só através dessa percepção, o docente poderá traçar um planejamento, visando mostrar aos seus discentes como sua língua funciona, e, que muitos falares, que são discriminados, são variações normais, perfeitamente possível de ocorrer em cada grupo de falantes.

Como nos diz Travaglia, o ensino da língua padrão deve perpassar pelo ensino prescritivo, visando levar ao conhecimento do aluno, a sua utilidade, bem como pelo o ensino descritivo, fazendo com que o aluno perceba como realmente funciona sua língua, até se chegar ao ensino produtivo, que para o autor seria o essencial, pois, faria com que o aluno adquirisse novas possibilidades no domínio de sua língua, conhecendo seu funcionamento, alicerçado por seu universo lingüístico prévio, que é preponderantemente oral.

O que vemos atualmente, apesar de uma sensível melhora na educação em nosso país, é a supervalorização do domínio da norma culta, consequentemente do ensino de gramática, sob a alegação de que a base de qualquer concurso, vestibular está no domínio das regras de nossa língua. Toda essa elevada valorização faz com que sejam esquecidos outros conhecimentos relevantes na aprendizagem, como a leitura, literatura e a retórica, ou seja, a linguagem, tão importantes quanto a gramática, pois irá possibilita um crescimento uniforme nos diversos setores do conhecimento, essenciais a autonomia lingüística individual.

Para que um aluno tenha conhecimento da funcionalidade da sua língua nativa, não é necessário o seu domínio integral, pois à medida que ele se utilize de seu idioma, está construindo empiricamente, por vezes inconscientemente, um sistema de regras próprias de uso, que irá auxilia-lo em sua vida enquanto ser comunicativo.

O sistema de ensino atual, embora tenha havido uma sensível melhora, faz com que a descriminação no uso da língua impostas aos alunos, através da utilização de seus dialetos, sejam descriminadas, colocando os “desvios” da norma padrão como “erros”, que abrirão chagas invisíveis no decorrer da vida desse aluno. A conseqüência maior desse processo de aprendizagem será o repúdio a matéria de língua portuguesa, levando aos discentes a enxergarem essa matéria como um monstro, consequentemente os docentes sofreram também esse repúdio pois são eles que trazem essa “aberração até eles”.

Deve haver uma verdadeira reforma pedagógica, no sentido de proporcionar uma revolução, que vise promover a valorização lingüística, utilizando para isso a educação. Afinal, ela é o mecanismo propulsor para nosso desenvolvimento intelectual. Tendo em vista que todos nós somos indivíduos potencialmente capazes de desenvolver nossa comunicação, pois vivemos em uma comunidade lingüística, que por intermédio da interação favorece esse desenvolvimento.

O que aconteceria com essa mudança? Acabaríamos com alguns mitos, como: A língua que é falada em nosso país é única, que há uma forma certa e outra errada de falar, que há somente uma linguagem correta - a norma culta.  Por meio da educação lingüista é possível destruir todas essas falsas ideologias, que foram difundidas ao longo da história da educação.

A valorização da diversidade lingüística fará com que percebamos que existem variantes lingüísticas em nosso país, e que elas não são um erro, pois não impedem nossa comunicação, e não se deram por um mero acaso. Se houvesse um reconhecimento dessas diferenças, poder-se-ia perceber fatos histórico-sociais que foram fundamentais para a formação das variedades lingüísticas. Quem mora no sul do país, possui uma forma particular de se comunicar, diferente de quem vive no nordeste. Não há um modelo a ser seguido, as pessoas não são iguais, tampouco são obrigadas a falarem da mesma maneira, afinal cada um tem suas particularidades, possuem elementos que os fazem falar dessa forma, não podendo ser julgado pela maneira como fala, isso pouco interfere no ato de comunicar-se. O importante é que, quando da aquisição da aprendizagem da língua materna, esse processo se tornaria uma coisa mais prazerosa, fugindo do destino fatal de serem obrigados praticamente a aprenderem duas línguas: a falada e a escrita. No entanto, não é tarefa fácil valorizar a Lingüística numa sociedade capitalista, que visa por intermédio da educação formar técnicos que exerçam uma determinada função, quase que mecanicamente.
 
REFERÊNCIAS:

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PERINI, M. A. . A Leitura Funcional e A Dupla Funcao do Texto Didatico. IN: Leitura: perspectivas interdisciplinares. ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da (Org.).  São Paulo: Ática, 1995.
BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa 5ª à 8ª série. - Brasília: MEC/SEF, 1998.