A inclusão da qual tanto falamos e de que tanto ouvimos falar nada mais é do que o anseio pela democracia, que é democracia mas não é nada inclusiva, pois, como afirma Ghiraldelli (2009), já não sabemos mais onde e por que queremos incluir tudo e todos. O verdadeiro conceito de inclusão dificilmente é utilizado. O que geralmente ocorre é que a maioria acredita ser ela uma forma de prêmio como, por exemplo, as cotas nas universidades, e com isso os excluídos acabam por se conformar e achar que estão incluídos.

Grande parte dos programas de inclusão social (para não dizer todos) criados pelo governo não tem outra intenção senão a de manter seus beneficiários na situação de excluídos. Um exemplo disso é o que acontece às pessoas com necessidades especiais, que recebem apoio assistencialista de todas as formas, porém continuam na situação de excluídos na sociedade, sem o direito sequer de saber expressar suas próprias opiniões acerca de sua situação.

Quando, no entanto, se fala em necessidades especiais, a referência não é apenas às necessidades físicas ou mentais que um indivíduo pode vir a apresentar,. Elas também podem ser, conforme Coll, Marchesi, Palacios e cols. (apud TAMARIT, 2004), necessidades educativas comuns, como as dificuldades de aprendizagem, por exemplo, muito encontradas nas escolas em geral. É interessante, porém, que se tenha em mente que a necessidade especial, seja ela por uma causa genética ou adquirida, deve ser sempre trabalhada de maneira que não se torne um empecilho na vida do sujeito. Esse seria, portanto, o verdadeiro objetivo do tão discutido conceito de “inclusão social”.

O objetivo deste artigo é analisar o proposto e o realizado no processo de inclusão de pessoas com necessidades especiais. Discorre-se, assim, aqui, sobre a legislação vigente no âmbito educacional, legislação que, muitas vezes, não é levada tão a sério quanto necessário.

Em seguida discute-se a inserção das pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho, ou seja, como as empresas se comportam diante desse público. E, por fim, apresenta-se o impacto que todo esse processo traz para a vida dessas pessoas.

 

A Inclusão no Processo Educacional e o Mercado de Trabalho

 

Antes de iniciar o contexto legal a respeito da chamada educação especial e da inclusão da pessoa com necessidades especiais, é preciso levar em conta a função social que aquela exerce na sociedade e como influencia na trajetória das pessoas. “A Educação Especial nasce com o advento da chamada sociedade industrial e que veio responder aos anseios de democratização da educação. Isto é, que a educação especial nasceu com o objetivo de atender àquelas crianças que, por algumas características pessoais, não conseguiam acompanhar o processo regular do ensino” (BUENO apud EDUCAÇÃO ESPECIAL EM DEBATE, 1997, p. 37).

Até aqui se tem a educação especial como apoio às pessoas com necessidades especiais. Depois se percebe que há uma segunda visão sobre isso, que é totalmente oposta à primeira. “A educação especial nasceu para segregar o indivíduo [...], uma vez que as instituições de educação especial surgidas a partir do século XVIII eram, em sua totalidade, internatos. Sob a capa de instituições que diziam responder às necessidades da população.” (BUENO apud EDUCAÇÃO ESPECIAL EM DEBATE, 1997, p. 38).

 De acordo com o autor em questão, nem uma das duas corresponde às reais funções da escola especial, pois a educação é direito de todos. Atualmente tem sido um enorme desafio para a sociedade dar conta de atender a todas as pessoas com necessidades especiais. Fala-se tanto em inclusão, porém ela não acontece conforme é proposta, tornando-se logo exclusão. Para se ter um exemplo disso basta consultar as leis que garantem os devidos direitos a essas pessoas.

Segundo Celedón (2005), eis alguns aspectos jurídicos da questão:

 

Constituição Federal de 1988.

Artigo 3o, inciso IV – promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação.

Artigo 5o – direito a igualdade.

Artigo 205o – direito de todos à educação.

Convenção de Guatemala (1999) - Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, celebrada na Guatemala - Aprovado pelo Congresso Nacional (13/06/2001) e promulgado pelo Decreto 3.956, da Presidência da República (8/10/2001). Fala da impossibilidade de diferenciação com base na diferença, definindo a discriminação como toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência. Princípio da não discriminação “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.

 

Segundo a LDB de 1996, no artigo 58, verifica-se que as escolas e os centros de educação infantil devem atender, sem discriminação, as crianças desde zero anos de idade.

O que precisa ser entendido, no entanto, é que a inclusão não se faz somente com a acolhida dessas crianças, porque inclusão é muito mais que isso. Para promover a inclusão é necessário dispor de recursos para tal, como profissionais bem preparados, estrutura física adequada, entre outros.

Ainda de acordo com a LDB em vigor (a de 1996), no artigo 59, os locais de ensino devem proporcionar ao educando com necessidades especiais todos os recursos para o seu desenvolvimento, assim como profissionais com formação suficiente para o atendimento especializado e para a integração desses educandos nas classes comuns. E, por fim, devem também contar com a garantia dos benefícios sociais.

Não é preciso muito esforço, no entanto, para perceber que nem sempre a lei acontece nas instituições de ensino. Para se ter um exemplo dessa inadequação da realidade à lei basta pesquisar o nível de especialização dos professores que atendem a esses alunos, pois ocorre que nem sempre têm (ou mesmo na maioria das escolas não têm) a formação adequada para tal, o que acaba por acarretar um atendimento insuficiente generalizado.

Diante da atual legislação, os alunos com necessidades especiais são “incluídos” nas classes comuns, não permanecendo mais nas classes especiais. O problema é que em poucos casos os professores em geral estão devidamente preparados para trabalhar com esses alunos. Afinal, são alunos que necessitam de apoio não somente mais individualizado e geralmente de atenção maior devido a(s) sua(s) necessidade(s), mas principalmente de apoio especializado.

É necessário “[...] garantir que, no contexto duma mudança sistêmica, os programas de formação de professores, tanto a nível inicial como em serviço, incluam as respostas às necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 2).

A formação dos professores é essencial para que haja a inclusão. Desse modo, para atuar com alunos com necessidades educativas especiais, os professores devem comprovar sua formação para tal, e, assim, de acordo com as Diretrizes (2001, p. 31-32), “[...] perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos; flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento; avaliar continuamente a eficácia do processo educativo; atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial”.

O professor competente para trabalhar com a educação especial é aquele que apresenta, entre outras características, a de identificar as necessidades dos alunos e oferecer respostas a ela. Está entre suas atribuições também apoiar o professor da classe comum. Estes precisam também comprovar, segundo as diretrizes (2001):

 

[...] a) formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental, e b) complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.

 

Aos professores que já atuam na área deve ser oferecida formação continuada em vários níveis. Este fato permite questionar o seguinte: – Quem está oferecendo os cursos de formação continuada? – Não caberia ao governo primeiro formar os professores e depois implantar a reforma?

A Declaração de Salamanca (1994, p. 1) coloca que:

[...]

• as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades,

• as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa ótima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo.

 

No documento, o apelo foi feito aos governos, suscitando medidas orçamentárias que garantissem a inclusão das crianças com necessidades especiais nas instituições de ensino com as devidas condições de atendimento.

Pode-se não estar de acordo com a responsabilidade excessiva das escolas no processo educacional dos alunos, pois parte dessa mesma responsabilidade deveria ser assumida pelas famílias. Como a responsabilidade sobra praticamente por inteiro à escola, esta passa a não ter condições, em razão disso, de executar seu devido papel quanto ao que realmente é preciso, como, por exemplo, transmitir o conhecimento e subsidiar os educandos em suas necessidades de aprendizagem.

Conforme José e Coelho (2008, p. 206-207):

 

 A escola é responsável pela avaliação informal da criança quando anota seus aspectos de saúde física e mental, de desenvolvimento intelectivo, social, os dados familiares, as doenças, as dificuldades nos diversos componentes curriculares, etc. É responsável também pela avaliação formal, realizada por exames médicos, dentários, psicológicos e fonoaudiológicos, testes de visão e audição, e pela observação sistemática dos órgãos de assistência à saúde do escolar.

 

Quando se fala em inclusão escolar, mais especificamente em adaptação de alunos com necessidades especiais em classes comuns, é preciso ter em mente que, devido a essa imensidão de responsabilidade que foi “jogada” para a escola, ela não consegue dar conta do atendimento a esses alunos e é então que se dá a situação de exclusão, onde o aluno percebe que não recebe o atendimento necessário, não produz o que poderia e por si só se esquiva do processo.

Talvez um início de solução para essa grande problemática seja, além da formação efetiva dos profissionais da educação, o discernimento do real papel da instituição escolar, pois, como afirmam Coll, Marchesi, Palacios e cols. (apud TAMARIT, 2004, p. 255-256), “[...] o conceito, a própria consideração das pessoas, muda conforme o momento e a cultura, conforme o contexto sociocultural. Os “profundos” [os gravemente afetados por determinada(s) deficiência(s)] de 20 anos atrás são os ‘preparados’ de hoje nas escolas específicas de educação especial; contudo, as pessoas continuam sendo as mesmas”.

Nesse aspecto, para os autores, a escola deve ser uma organização caracterizada pela qualidade e pela melhoria contínua. Deve-se lutar para que sua ação tenha uma repercussão real, o impacto certo, sobre a qualidade de vida de seus alunos.

As salas de aula devem ser mais do que apenas quatro paredes, devem ser o ambiente de aprendizagem em todos os sentidos, devem ser o espaço de educação e de reabilitação de alunos com necessidades especiais.

A educação escolar tem o objetivo de transmitir os conhecimentos científicos e culturais aos alunos, sem nenhum tipo de desigualdade ou de discriminação, respeitando as necessidades e os limites de cada um.

 

Existem necessidades educativas comuns, compartilhadas por todos os alunos, relacionadas às aprendizagens essenciais para o seu desenvolvimento pessoal e sua socialização, que se expressam no currículo escolar. Nem todos os alunos, porém, enfrentam com a mesma bagagem e da mesma forma as aprendizagens estabelecidas nele, visto que têm capacidades, interesses, ritmos, motivações e experiências diferentes que medeiam seu processo de aprendizagem. O conceito de diversidade remete-nos ao fato de que todos os alunos têm necessidades educativas individuais próprias e específicas para ter acesso às experiências de aprendizagem necessárias à sua socialização [...]. Nem toda necessidade individual, porém, é especial. Algumas necessidades individuais podem ser atendidas pelo trabalho individual que o professor realiza na sala de aula: dar mais tempo ao aluno para a aprendizagem de determinados conteúdos, utilizar outras estratégias ou materiais educativos, planejar atividades complementares, etc. (COLL; MARCHESI; PALACIOS E COLs apud BLANCO, 2004, p. 290).

Caímos novamente na discussão a respeito da formação dos profissionais, pois um professor, para ter condições de dar suporte e apoio a um aluno com qualquer tipo de necessidade, seja ela especial ou não, precisa estar bem preparado e sem sobrecargas.

De acordo com Cool; Marchesi; Palacios e Cols. (apud BLANCO, 2004, p. 291), é característico do sistema escolar segregar os alunos, pois o sistema acomodou-se com um aluno “mediano”, ou seja, nem superdotado, nem com muitas dificuldades de aprendizagem e de convivência. Essa segregação ocorre de forma tal que se criam “[...] grupos dentro da turma para os mais lentos e atrasados; classes especiais para atender os alunos com dificuldade de aprendizagem ou de conduta; ou enviando os alunos para escolas especiais”. Desse modo, supõe-se que o problema nasce no aluno e está alheio ao sistema educacional, o que justificaria essas atitudes de criar grupos especiais, classes especiais, escolas especiais.

É preciso, porém, transformar o processo educacional, mudar a forma de avaliação (que é demasiadamente excludente), mudar as propostas, abrir-se à diversidade, criar novos currículos “mais abertos e flexíveis, que permitem responder ao duplo desafio da compreensibilidade e da diversidade”, ajustando-se assim às realidades dos indivíduos e, consequentemente, da sociedade. “Essa diversidade significa romper com o esquema tradicional em que todas as crianças fazem a mesma coisa, na mesma hora, da mesma forma e com os mesmos materiais.” (BLANCO, 2004, p. 291-293).

É necessário que haja interação e troca de experiências sem perder de vista as necessidades de cada um. É preciso arregaçar as mangas e mudar a situação. É, portanto,  fundamental preparar a escola para receber e atender os inclusos, porém não se pode permanecer nesse discurso sem fazer nada. O que permite inferir é que, antes de impor por decreto a inclusão, é relevante o preparo físico e principalmente da mão de obra.

Sabe-se, contudo, que não é fácil mudar, pois toda mudança causa certa insegurança que, nesse caso, afeta principalmente os educadores, que são os que estão mais expostos à situação. Blanco (2004) salienta que a decisão de transformação é um passo que deve ser iniciado pela escola em geral e não por um grupo isolado de professores, e após isso é necessário que toda a comunidade se envolva no processo.

A educação especial compreende os vários níveis de educação escolar, desde a educação infantil, o ensino fundamental, o médio e até o superior, incluindo também a educação de jovens e de adultos, a educação profissional e a indígena. “A política de inclusão de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino não consiste apenas na permanência física desses alunos junto aos demais educandos, mas apresenta a ousadia de rever concepções e paradigmas, bem como desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e atendendo suas necessidades.” (DIRETRIZES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA, 2001, p. 28).

Ainda de acordo com as Diretrizes (2001), a escola deve criar espaços exclusivos que atendam os alunos com necessidades educativas especiais. É por respeito e por valorização aos alunos que a escola deve dispor dessas medidas de responsabilidade, ou seja, de sua verdadeira função social. As Diretrizes fixam tal obrigação pelo fato de que não é o aluno quem precisa adaptar-se aos modelos da escola, e sim é esta que deve possibilitar àquele as condições devidas para um bom aproveitamento do processo.

Segundo as Diretrizes (2001, p. 29-30), a matrícula dos alunos com necessidades especiais deve ser garantida nas classes comuns das escolas, porém “[...] essa política inclusiva exige intensificação quantitativa e qualitativa na formação de recursos humanos e garantia de recursos financeiros e serviços de apoio pedagógico públicos e privados especializados para assegurar o desenvolvimento educacional dos alunos”.

A educação inclusiva deve se dar gradativamente, pois esta e o ensino regular precisam se adequar um ao outro e à realidade educacional, oferecendo maior qualidade no ensino de alunos com necessidades especiais ou não, e isso não ocorrerá da noite para o dia. Trata-se de um processo vagaroso, que exige cautela para que ocorra da melhor maneira possível.

No que diz respeito ao âmbito administrativo, é importante que se tenha um setor responsável para a educação especial, segundo as Diretrizes (2001) – um setor que disponha do recurso necessário para que o processo da educação inclusiva seja viável e sustentável. É indispensável também que a gestão ofereça condições de acesso aos alunos com necessidades especiais, sem nenhum tipo de barreira, tendo o aluno direito a instalações, mobília, equipamentos, transporte, comunicação, ou seja, é necessário que haja, em todos os sentidos, acessibilidade.

Atualmente há um compromisso com uma nova abordagem no que diz respeito à inclusão nas escolas, principalmente pelo uso do termo necessidades educativas especiais, termo que coloca que a educação deve abranger todas as dificuldades dos alunos, não somente aquelas relacionadas a limitações e a deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica, como dislexia, por exemplo. Desse modo, entende-se que qualquer aluno pode apresentar necessidades especiais no decorrer de sua aprendizagem.

A escola regular deve organizar classes comuns e de serviço de apoio especializado para atender aos alunos com necessidades especiais. “Extraordinariamente, poderá promover a organização de classes especiais, para atendimento em caráter transitório.” (DIRETRIZES, 2001, p. 47).

Uma sala comum, por exemplo, deve contar com “[...] professores da classe comum e da educação especial para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos durante o processo de ensino e aprendizagem” (DIRETRIZES, 2001, p. 50).

Por sua vez, a sala de recursos deve dispor de “[...] serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino” (DIRETRIZES, 2001, p. 50). Esse trabalho pode ser ainda realizado individualmente ou em grupos, se as necessidades educacionais forem semelhantes.

Conforme já relatado, o processo escolar tem início de zero a seis anos de idade, na educação infantil. Após esse período, de acordo com as Diretrizes (2001), a escolarização do aluno com necessidades especiais deve ser-lhe oferecida nos mesmos níveis que aos demais alunos, sendo essa educação complementada e suplementada pelos serviços de apoio pedagógico.

Segundo as Diretrizes (2001, p. 60), é também direito do aluno com necessidades especiais a educação profissional, que visa sua integração na vida social.

 

Deve efetivar-se nos cursos oferecidos pelas redes regulares de ensino públicas ou pela rede regular de ensino privada, por meio de adequações e apoios em relação aos programas de educação profissional e preparação para o trabalho, de forma que seja viabilizado o acesso das pessoas com necessidades educacionais especiais aos cursos de nível básico, técnico e tecnológico, bem como a transição para o mercado de trabalho.

 

Essas adequações efetivam-se por meio de capacitação de profissionais, disponibilização de recursos pedagógicos, enfim. “Os artigos 3º e 4º, do Decreto nº. 2.208/97, contemplam a inclusão de pessoas em cursos de educação profissional de nível básico independentemente de escolaridade prévia, além dos cursos de nível técnico e tecnológico. Assim, os alunos com necessidades especiais também podem ser beneficiados, qualificando-se para o exercício de funções demandadas pelo mundo do trabalho.” (DIRETRIZES, 2001, p. 60).

Visando, contudo, à inclusão social, as escolas de educação profissional poderão avaliar e certificar seus alunos com necessidades especiais e encaminhá-los para o mundo de trabalho.

O sistema educacional é o ponto de partida essencial para a inserção da pessoa com necessidades especiais no mercado de trabalho e, consequentemente, no meio social. É através dele que tais pessoas se tornarão, dentro de suas possibilidades, habilitadas a executar determinado(s) serviço(s) onde quer que estejam. Isso porque, de acordo com a Lei Federal nº 8.213/1991 (conhecida como lei de cotas), a empresa tem por obrigação contratar funcionários com necessidades especiais desde que estejam devidamente preparados para tal. Assim, podemos observar o que diz o artigo 93 da mesma lei:

 

A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados, 2%; II - de 201 a 500, 3%; III - de 501 a 1.000, 4%;  IV - de 1.001 em diante, 5%.

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados. (LEI 8213, de 24 de julho de 1991, art. 93).

 

Percebe-se, aí, a seriedade e a necessidade do trabalho da escola, pois a inserção da pessoa com necessidades especiais no mundo do trabalho dependerá muito desse sistema. Cabe lembrar também que a exclusão no mercado de trabalho não se dá exclusivamente pelas ditas necessidades físicas ou mentais, visto que ela ocorre, muitas vezes, pela falta de preparo do trabalhador (falta de estudo, falta de profissionalização), ou seja, pela falta do preparo ao qual não teve acesso devido a limitações, como visto, sejam físicas, mentais ou financeiras.

Como afirma Rippel (2007, p. 106), “[...] atualmente se faz necessário analisar o mercado de trabalho no todo, pois não é suficiente estudar só o trabalho qualificado bem remunerado que vem se difundindo nas grandes empresas. É fundamental eleger, também, o trabalho precário, instável e desqualificado, que se multiplica continuamente nos pequenos negócios, sobretudo no mercado informal como foco de análise”.

Ainda segundo Rippel (2007), o mercado de trabalho exige, do indivíduo, formação e qualificação, pelo menos o ensino fundamental completo, que se torna subsídio para o seu desenvolvimento. As empresas, no geral, procuram um profissional mais responsável, criativo, de bom raciocínio e que se relacione bem, principalmente com o público com o qual tende a lidar. Isso se resume, no entanto, naquele profissional que busca formação contínua, não naquele que se estabiliza e estagna na busca do aperfeiçoamento.

No que diz respeito ao trabalho da pessoa com necessidades especiais, há quem lute, segundo Bueno (1997), pela inclusão dessas pessoas nos postos de trabalho. Nisso existe, porém, um grande problema: “[...] com os baixos resultados alcançados pelas instituições e classes especializadas, como se esperar que o mercado de trabalho absorva essa população?” (BUENO apud EDUCAÇÃO ESPECIAL EM DEBATE, 1997, p. 47).

Se até as pessoas que não apresentam dificuldades ou necessidades especiais estão perdendo seus empregos, como garanti-los aos que têm necessidades especiais? Na visão do autor, a incorporação dessas pessoas no mercado de trabalho não se dá de maneira eficiente por duas questões: “[...] o da necessidade de uma escolarização qualificada e o da sua incorporação a uma discussão mais ampla, de construção de uma sociedade mais justa, que crescentemente ofereça melhores condições de inserção social produtiva e individualmente satisfatória à sua população” (BUENO, apud EDUCAÇÃO ESPECIAL EM DEBATE, 1997, p. 47-48).

A proposta de profissionalização das pessoas com necessidades especiais tem sido muito discutida no âmbito educacional das escolas. Nesse sentido é necessária, segundo Almeida (2000, p. 87), “[...] a preparação para o trabalho, a qualificação para o trabalho e a colocação no trabalho”.

A primeira parte é a que diz respeito à preparação para o trabalho, em que esta deverá oferecer ao indivíduo com necessidades especiais “[...] vivência em atividades práticas de trabalho que poderão revelar potencialidades, aptidões e interesses para o exercício de uma atividade profissional” (ALMEIDA, 2000, p. 87). Resumindo, essa etapa deve oferecer ao indivíduo as condições necessárias para o ingresso na fase profissionalizante.

Nessa primeira fase, da preparação para o trabalho, existem dois programas, sendo eles: a avaliação para o trabalho e a pré-profissionalização. A avaliação para o trabalho vai levantar potencialidades da pessoa com necessidades especiais e verificar a sua potencialidade para a execução de determinadas tarefas ou funções. No programa de pré-profissionalização deve ser oferecida à pessoa com necessidades especiais uma vasta experiência em atividades práticas, complementares e acadêmicas, segundo Almeida (2000), para que, assim, por meio dessas experiências, a pessoa possa desvendar o seu potencial.

Já na etapa da qualificação para o trabalho, o principal objetivo da etapa é, por sua vez, treinar e habilitar a pessoa com necessidades especiais. O treinamento para o trabalho pode ser realizado na própria instituição. Segundo Almeida (2000, p. 89), “[...] uma outra forma de viabilizar o treinamento para o trabalho é a escola-empresa, ou seja, um empreendimento da própria instituição, que deve estar localizado na comunidade e montado exclusivamente para o desenvolvimento de programas de qualificação”.

            Existe também o treinamento feito através do estágio, que acontece na própria empresa. “Assim, no estágio, o aprendiz tem oportunidade de exercitar seus direitos e deveres de cidadão trabalhador, podendo mudar conceitos e valores, aperfeiçoar seu aprendizado, obter reconhecimento social, assegurando assim um bom desempenho em um futuro emprego” (ALMEIDA, 2000, p. 89-90). Cabe aqui lembrar que é recente, de 1995, a lei que propicia o estágio de pessoas com necessidades especiais nas empresas.

            Ainda de acordo com Almeida (2000, p. 90), “[...] quanto aos critérios para ingresso, a idade mínima estabelecida é 14 anos, não ter problemas graves de saúde que exijam afastamento imediato do programa, habilidades básicas para o treinamento proposto, passagem pelo programa de avaliação [...]”, como citado anteriormente.

A preparação dessa pessoa para o trabalho deve, contudo, ser realizada desde a infância, seja na escola, em casa, ou em qualquer outro lugar. Deve-se ensiná-la a ter higiene consigo mesma e a ter cuidado com seus próprios pertences, pois que, assim, ela estará sendo treinada profissionalmente para que, quando ingressar na sociedade do trabalho, esteja bem preparada.

No que diz respeito ao ingresso e à permanência no mercado de trabalho, uma pesquisa desenvolvida por Rippel (2007) destaca a percepção de alunos que participaram das chamadas “classes de aceleração” e quiseram ingressar no mercado de trabalho. Segundo os alunos entrevistados por Rippel (2007), há uma distância entre o proposto pela reforma inclusiva e as exigências do mercado de trabalho. Veja-se o que pode ser observado na fala dos alunos que tiveram sua passagem pela escola num projeto de inclusão, lendo os seguintes relatos de alguns deles:

 

Esc1/13: Tem que responder um currículo e a gente não entende as perguntas para poder responder. O projeto não ensinou a ler e responder uma pergunta.

Esc7/166: Não sei escrever direito para preencher a ficha. Tenho até vergonha. Escrevo tudo errado.

Esc7/176: Pessoal sabe que se fez Projeto Correção de Fluxo não sabe nada e não vai te contratar mesmo. Já está difícil para quem sabe. Imagina quem não sabe.

Esc7/190: Ter certificado sem conhecimento é uma barreira na hora de fazer um teste para entrar na empresa. A pessoa não sabe o conteúdo.

Esc9/210: O Projeto Correção de Fluxo não representa nada. A Sadia nos pressionou a voltar a estudar para ganhar alguns benefícios do governo, mas depois nos dispensaram.

Esc12/267: Hoje está difícil arrumar um emprego. Depois que a empresa soube que fiz correção de fluxo, ficaram meio assim, sabe, com dúvidas, e depois me mandaram embora.

Esc15/316: Falta conhecimento, agora estou correndo atrás do conteúdo da 6ª série que não aprendi no projeto, e está fazendo falta. (RIPPEL, 2007, p. 233).

 

É, no entanto, possível perceber, nitidamente, que o projeto inclusivo implantado pelo governo (do Paraná), na época, não serviu para nada além de diminuir o percentual de “analfabetos”, pois o que de fato houve foi uma exacerbação do “analfabetismo funcional”, ou seja, houve um aumento do número aqueles que aprenderam a redigir o próprio nome, mas que não dão conta de interpretar um texto ou uma notícia de jornal sequer, havendo inclusive outros que, como posto no relato, mal sabem se expressar oralmente. Segundo um aluno entrevistado pela pesquisadora mencionada: “No projeto só aprende o básico do básico. O projeto só serve para aprender a escrever o básico para o governo dizer: ‘não têm mais analfabetos’.” (RIPPEL, 2007, p. 250).

Não é preciso muito esforço mental para perceber que sempre foi essa a meta de quem implantou esse sistema de inclusão dessa forma. Em outras palavras, sempre foi objetivo do governo manter a população na ignorância, porém sem que ela percebesse, pois é mais viável e mais lucrativo do que contar com pessoas entendidas e com senso crítico da realidade.

Segundo os entrevistados:

 

Esc2/32: Falta a coluna principal: "o ensino". Dão tudo pronto, resumido e já com as respostas. Não se aprende. [...]

Esc7/145: Quem fez projeto aprende muito picado. Aí não tem base. Não tem prova, é só fichas.

Esc7/152: Perdemos toda noção de estudo normal. Só sei o básico para viver.

Esc7/176: Não ensinam no projeto o que o mercado de trabalho exige. No projeto só te empurram para frente.

Esc7/190: Não aprende o mínimo no projeto. É só para pegar um papel (certificado).

Esc13/291: Falta o básico. É muito rápido. Não é o suficiente para enfrentar o mercado de trabalho.

Esc13/292: Não aprende suficiente para aprender a ligar um computador. O máximo que aprende é limpar um computador.

Esc15/316: O projeto confunde todo conhecimento na cabeça. Em vez de ensinarem, eles confundem o aluno.

Esc16/355: Nem pensa. No projeto não deu para aprender nada. Não tem explicação. Este projeto desanima o jovem para ir para o ensino médio.

Esc16/335: Porque o projeto foi lançado como meio de diminuir gastos. Quanto mais a pessoa fica na escola mais gasta. Eles queriam jogar o aluno para frente e esquecer o que ela vai ser lá na frente. Se a pessoa é empurrada para frente, ela não vai saber, vai ter que procurar em outros meios. (RIPPEL, 2007, p. 250).

 

            Apesar de a maioria estar inerte, alguns ainda têm consciência da sua situação após terem participado de um projeto desse escalão. Prova disso é o relato acima, que salienta a angústia de seus frequentadores, dizendo nada menos que o projeto serviu apenas para continuar mantendo-os na exclusão social.

 

Considerações Finais

            Como visto na discussão apresentada, é inaceitável que sejamos condizentes com dada situação, onde o discurso é de inclusão, mas a prática é excludente da forma até denominável de cruel, de uma forma que acaba por “podar” o indivíduo no que lhe é essencial na vida, o seu intelecto, sua forma de pensar e de agir no contexto da sua vida.

            Essa realidade precisa ser transformada. A inclusão não deve dar-se somente para aqueles que apresentam alguma necessidade especial física ou mental. Deve abranger também os que apresentam déficit intelectual de aprendizagem, que somam, por sinal, um número significativo nas escolas, assim como os que são desprovidos de uma situação digna de vida (sem saúde, sem saneamento básico, sem moradia, etc.).

As escolas precisam de mais recursos e, além disso, o governo precisa preparar melhor os profissionais. Com isso as empresas saberão como aprimorar seu relacionamento com esse público, o que, consequentemente, trará maiores benefícios para todas as partes. Em outras palavras, é uma rede que deve ser bem planejada desde o seu início para que se desenvolva da melhor forma possível e não da maneira como vemos.

 

 

Referências Bibliográficas

 

BRASIL. Lei Federal nº 8.213/1991. Disponível em: <http://www.leidireto.com.br/lei-8213.html>. Acesso em: 4 ago. 2009.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Secretaria de Educação Especial. MEC; SEESP, 2001. 79 p.

 

CELEDÓN. E. R. Inclusão escolar: um desafio. Disponível em: <http://www. geocities.com/profestebanpolanco/inclusao.htm>. Acesso em: 4 ago. 2009.

 

COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. e COLS. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2004. 3 v.

 

CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA (CONVENÇÃO DA GUATEMALA). Disponível em: <http://ww2.prefeitura.sp.gov.br// arquivos/secretarias/saude/deficiencia/0008/Convencao_da_Guatemala.pdf>. Acesso em: 1º ago. 2009.

 

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Disponível em: <http://www.google.com.br/search?hl= pt-BR&q=declara%C3%A7ao+de+salamanca&btnG=Pesquisar&meta=>. Acesso em: 1º ago. 2009.

 

EDUCAÇÃO ESPECIAL EM DEBATE. São Paulo: Casa do Psicólogo: Conselho Regional de Psicologia, 1997.

 

ENCONTRO DAS APAES DO PARANÁ (39. : 200: Bela Vista do Paraíso) Anais / 39º Encontro das APAEs do Paraná; organizadora: Maria Amélia Almeida. – Sertanópolis: GrafCel 2000. 232 p.

 

GHIRALDELLI, P. O que é inclusão? Disponível em: <http://ghiraldelli.wordpress. com/2009/07/03/o-que-e-inclusao/>. Acesso em: 7 set. 2009.

 

JOSÉ, E. A.; COELHO, M. T. Problemas de aprendizagem. 12. ed. São Paulo: Ática, 2008.

 

RIPPEL. V. C. L. Avaliação de política pública: o itinerário dos estudantes egressos do Projeto Correção de Fluxo em Toledo PR. Campinas, 2007. 665 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000422929>. Acesso em: 4 ago. 2009.