Um Terrível Precedente, Referendado na História (2022)
Publicado em 29 de janeiro de 2022 por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho
Um Terrível Precedente, Referendado na História
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho
*Artigo escrito e publicado em 2022
Cresce a tensão na Europa, especialmente nos países do Leste, em razão de movimentações das tropas russas em direção à respectiva fronteira com a Ucrânia. A expectativa é que, em breve, os russos invadirão o citado país, por não concordarem com eventual adesão do mesmo à OTAN, pois o consideram área de sua exclusiva influência.
Cabe afirmar que - independentemente da baixa qualidade moral de Vladimir Putin - o exame apurado de fatos passados pode fazer com que o pendão da razão esteja a seu favor: se não quisermos levar em conta os laços étnicos, linguísticos e econômicos entre as duas nações, basta olharmos para um passado historicamente recente a fim de constatar o quanto a OTAN e os EUA são hipócritas.
A OTAN foi criada em 1949 como um escudo defensivo coletivo que englobava os EUA, o Canadá e países europeus que mantiveram o sistema capitalista logo após a Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo sempre foi defender quaisquer de seus membros contra uma eventual investida soviética, por meio do princípio de que o ataque contra um seria considerado uma ofensiva sobre todos, que retaliariam, em conjunto, a agressão sofrida. Como resposta, em 1955 a URSS criou o antagonista marxista da OTAN, que era o Pacto de Varsóvia (englobador, além da própria URSS, da Alemanha Oriental, da Polônia, da Tchecoslováquia, da Hungria, da Romênia, da Bulgária, e, até 1968, da Albânia).
Nunca a OTAN e o Pacto de Varsóvia tiveram de ser acionados para seus objetivos precípuos (sorte nossa, senão não estaríamos aqui hoje). Com o fim da Guerra Fria, o Pacto de Varsóvia se extinguiu em 1991, mas a OTAN subsistiu. Pior: se expandiu para o Leste Europeu e passou a captar países que faziam parte do bloco marxista, como a Alemanha Oriental (aqui, já incorporada à Alemanha reunificada), a República Tcheca e a Eslováquia (que, juntas, formavam a Tchecoslováquia), a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária e a Albânia, além das ex-repúblicas soviéticas da Lituânia, da Letônia e da Estônia. Em todos esses países - repito, todos - a OTAN mantém armamento da mais alta letalidade apontado para a Rússia. Os russos têm de conviver com tal nível de ameaça nas suas mais imediatas fronteiras, além da péssima expectativa de que, mesmo não sendo parte da OTAN, a Ucrânia também se torne um depositário de belicismo que venha a confrontá-los. Imaginem, então, se vier a fazer parte da dita Aliança Militar.
Digo isso, caro leitor, porque em 1962 o secretário-geral do Partido Comunista da URSS, Nikita Kruschev, ordenou o posicionamento de mísseis nucleares em Cuba, mísseis esses que ficariam permanentemente apontados para os EUA, num claro tom de ameaça e violador do princípio do “equilíbrio do terror”. O então presidente dos EUA, John Kennedy, por óbvio não aceitou a mencionada postura, e, então, a possibilidade de uma invasão americana a Cuba foi seriamente aventada. A tensão nuclear entre as superpotências nunca havia chegado em um nível tão alarmante, e o mundo se viu à beira de uma hecatombe atômica. Depois de cerca de treze dias, dentro dos quais se incluiu um bloqueio naval americano a qualquer navio soviético que se destinasse a Cuba, Kruschev determinou a retirada dos mísseis, com a condição de que os EUA jamais viessem a invadir Cuba, bem como que removessem armas similares que, posicionadas na Turquia, eram apontadas diretamente para a URSS. Foi a chamada “Crise dos Mísseis”.
Se, nas circunstâncias atuais, não houver, ao menos, a remoção de todo o armamento apontado à Rússia do território da Europa Central e Oriental - ainda que mantendo os respectivos países na OTAN - e, ainda assim, Putin não tomar a Ucrânia, não haverá qualquer argumento ocidental contra um eventual novo posicionamento de mísseis atômicos russos em Cuba, a fim de restaurar o equilíbrio. Se os membros da OTAN podem, nas fronteiras da Rússia, insultá-la tão acintosamente, por que os russos não poderiam usar a aliada Cuba, logo ao sul dos EUA e novamente, como base armamentista? Aí sim, a Rússia voltaria a ser uma real ameaça ao Ocidente. E o pior: sem possibilidade de contra-argumento.
É inacreditável o quanto o Ocidente luta contra si próprio. E a expansão da OTAN rumo ao Leste Europeu, impulsionada por Bill Clinton, foi a maior prova disso, eis que, com o fim da URSS, sua contínua existência evidencia hostilidade não ao marxismo em si, mas à própria Rússia. Do contrário, como justificar sua sobrevida, décadas após o fim do marxismo na Europa Central e Oriental?
É algo, nobre leitor, a se pensar.
