Um Terrível Precedente, Referendado na História

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho

*Artigo escrito e publicado em 2022

Cresce a tensão na Europa, especialmente nos países do Leste, em razão de movimentações das tropas russas em direção à respectiva fronteira com a Ucrânia. A expectativa é que, em breve, os russos invadirão o citado país, por não concordarem com eventual adesão do mesmo à OTAN, pois o consideram área de sua exclusiva influência.

Cabe afirmar que - independentemente da baixa qualidade moral de Vladimir Putin - o exame apurado de fatos passados pode fazer com que o pendão da razão esteja a seu favor: se não quisermos levar em conta os laços étnicos, linguísticos e econômicos entre as duas nações, basta olharmos para um passado historicamente recente a fim de constatar o quanto a OTAN e os EUA são hipócritas.

A OTAN foi criada em 1949 como um escudo defensivo coletivo que englobava os EUA, o Canadá e países europeus que mantiveram o sistema capitalista logo após a Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo sempre foi defender quaisquer de seus membros contra uma eventual investida soviética, por meio do princípio de que o ataque contra um seria considerado uma ofensiva sobre todos, que retaliariam, em conjunto, a agressão sofrida. Como resposta, em 1955 a URSS criou o antagonista marxista da OTAN, que era o Pacto de Varsóvia (englobador, além da própria URSS, da Alemanha Oriental, da Polônia, da Tchecoslováquia, da Hungria, da Romênia, da Bulgária, e, até 1968, da Albânia).

Nunca a OTAN e o Pacto de Varsóvia tiveram de ser acionados para seus objetivos precípuos (sorte nossa, senão não estaríamos aqui hoje). Com o fim da Guerra Fria, o Pacto de Varsóvia se extinguiu em 1991, mas a OTAN subsistiu. Pior: se expandiu para o Leste Europeu e passou a captar países que faziam parte do bloco marxista, como a Alemanha Oriental (aqui, já incorporada à Alemanha reunificada), a República Tcheca e a Eslováquia (que, juntas, formavam a Tchecoslováquia), a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária e a Albânia, além das ex-repúblicas soviéticas da Lituânia, da Letônia e da Estônia. Em todos esses países - repito, todos - a OTAN mantém armamento da mais alta letalidade apontado para a Rússia. Os russos têm de conviver com tal nível de ameaça nas suas mais imediatas fronteiras, além da péssima expectativa de que, mesmo não sendo parte da OTAN, a Ucrânia também se torne um depositário de belicismo que venha a confrontá-los. Imaginem, então, se vier a fazer parte da dita Aliança Militar.

Digo isso, caro leitor, porque em 1962 o secretário-geral do Partido Comunista da URSS, Nikita Kruschev, ordenou o posicionamento de mísseis nucleares em Cuba, mísseis esses que ficariam permanentemente apontados para os EUA, num claro tom de ameaça e violador do princípio do “equilíbrio do terror”. O então presidente dos EUA, John Kennedy, por óbvio não aceitou a mencionada postura, e, então, a possibilidade de uma invasão americana a Cuba foi seriamente aventada. A tensão nuclear entre as superpotências nunca havia chegado em um nível tão alarmante, e o mundo se viu à beira de uma hecatombe atômica. Depois de cerca de treze dias, dentro dos quais se incluiu um bloqueio naval americano a qualquer navio soviético que se destinasse a Cuba, Kruschev determinou a retirada dos mísseis, com a condição de que os EUA jamais viessem a invadir Cuba, bem como que removessem armas similares que, posicionadas na Turquia, eram apontadas diretamente para a URSS. Foi a chamada “Crise dos Mísseis”.

Se, nas circunstâncias atuais, não houver, ao menos, a remoção de todo o armamento apontado à Rússia do território da Europa Central e Oriental - ainda que mantendo os respectivos países na OTAN - e, ainda assim, Putin não tomar a Ucrânia, não haverá qualquer argumento ocidental contra um eventual novo posicionamento de mísseis atômicos russos em Cuba, a fim de restaurar o equilíbrio. Se os membros da OTAN podem, nas fronteiras da Rússia, insultá-la tão acintosamente, por que os russos não poderiam usar a aliada Cuba, logo ao sul dos EUA e novamente, como base armamentista? Aí sim, a Rússia voltaria a ser uma real ameaça ao Ocidente. E o pior: sem possibilidade de contra-argumento.

É inacreditável o quanto o Ocidente luta contra si próprio. E a expansão da OTAN rumo ao Leste Europeu, impulsionada por Bill Clinton, foi a maior prova disso, eis que, com o fim da URSS, sua contínua existência evidencia hostilidade não ao marxismo em si, mas à própria Rússia. Do contrário, como justificar sua sobrevida, décadas após o fim do marxismo na Europa Central e Oriental?

É algo, nobre leitor, a se pensar.