Thalita Caroline Costa Melo RESUMO Este trabalho pretende mostrar a violência doméstica na espera conjugal. A relação pessoal com o tema surgiu dos atendimentos às vitimadas, realizados no Instituto Médico Legal (I.M.L.) na cidade de Aracaju/SE. Verifica-se que para um melhor entendimento do tema é imprescindível um estudo de cunho teórico acerca da violência doméstica. Foi possível perceber a importância de se ampliarem mais estudos nesta área, já que a violência doméstica constitui um problema de elevadas proporções em nosso meio, acarretando em uma constelação de problemas de ordem social, emocional e psicológico. Palavras-chave: violência doméstica, conjugal, lesões, IML. ABSTRACT This paper aims to show domestic violence in marital hopes. A personal relationship with the subject arose in the care of victims in the Institute of Forensic Medicine (IML) in the city of Aracaju / SE. It appears that for a better understanding of the subject is essential a theoretical study on domestic violence. It was possible to realize the importance of expanding further studies in this area, since domestic violence is a problem of high proportions in our country, leading to a constellation of social problems, emotional and psychological. Word-key: domestic violence, conjuval, injuries, IML. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende mostrar a violência na espera conjugal, é um problema social e de saúde pública. É um fenômeno complexo e de natureza polissêmica. Na esfera conjugal manifesta-se com freqüência através dos maus ? tratos, ao submeter à mulher a práticas sexuais contra a sua vontade, isolamento social, a intimidação. Os dramáticos índices do aumento da violência preocupam, cada vez mais, a sociedade brasileira. Muitos fatores são indicados como causa deste aumento, entre eles estão as imensas desigualdades econômicas, sociais e culturais. O fenômeno da violência pode ser visto como uma conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação a superior e inferior ou também como a ação que trata o ser humano não na sua subjetividade, mas como objeto. Também, a violência é um processo decorrente de uma rede complexa de fatores socioeconômicos, políticos e culturais que se articulam, interagem e se concretizam nas condições de vida de grupos sociais e de áreas específicas (Assis et al, 2004). A relação pessoal com o tema da violência doméstica surgiu durante o atendimento às vitimadas de violência domestica no Instituto Médico Legal (I.M.L.) na cidade de Aracaju/SE. Promovida através do Estágio Básico I e II, realizado no 7º período do curso de psicologia da Universidade Tiradentes no período de 2008 até 2010. O Instituto Médico Legal (IML) foi fundado em 1979, no então governo de Dr. José Rolemberg Leite, recebendo o nome de Instituto Médico Legal Dr. Augusto Leite, localizado no anexo da Secretaria da Segurança Pública do Estado de Sergipe, situada na Praça Tobias Barreto, 20 ? Aracaju/SE. Sendo assim o trabalho tem como objetivo, realizar um recorte teórico a partir das notificações de violência doméstica, que são atendidas pelo Instituto Médico Legal. Portanto este artigo visa compreender e analisar a tal violência para que seja possível atingir as percepções do estado como também dos profissionais que atuam diretamente com essa demanda. A violência ameaça a sobrevivência, o bem-estar e as perspectivas futuras da sociedade em geral. Pois As cicatrizes físicas, emocionais e psicológicas da violência podem ter sérias implicações para o desenvolvimento, a saúde do agredido. De acordo com Abramovay (2002) argumenta que não se pode concentrar a atenção somente na violência física, já que outros tipos como a verbal e a psicológica podem ser traumáticos e graves. Sendo assim, é recomendado escutar as vítimas, para construir noções sobre violência mais afins às realidades experimentadas e os sentidos percebidos pelos indivíduos. No primeiro atendimento as vitimas expressavam sentimentos de medo, retraimento, submissão, inferioridade, apatia, revolta e vergonha. Sentimentos, esses, significativos de suas vivências psicossociais. É oportuno adicionar o conceito de instituição para melhor entender o papel do I.M.L como uma instituição de saúde. A Instituição é um estabelecimento de cuidados, onde os enfermos devem ser curados por ela, pela participação ativa na vida e nas transformações institucionais. A análise é antiinstuticionalista, pois não visa uma intervenção relativamente bem sucedida, mas também produzir indagações ao psicólogo sobre sua profissão, fazendo percebê-lo com outro olhar as relações entre coletivo e individual, as quais mostram contradições, limites e possibilidades da Instituição (BARRETO, 2006). 2. CONCEITO DE VIOLÊNCIA A violência é, inicialmente, uma questão social e, por si só, não é objeto próprio do setor saúde, porém, se torna um tema desse campo pelo impacto que provoca na qualidade de vida; pelas lesões físicas, psíquicas e morais. Nota-se, ultimamente a criação de abordagens que abrangem aspectos psicossociais e psicológicos, tanto em relação ao impacto sobre as vítimas, como também a caracterização dos agressores (MINAYO, 2004). O termo violência deriva do latim violentia, significando a qualidade de violento, daquele que atua com força ou grande ímpeto, empregando a ação violenta, opressão ou tirania, ou mesmo qualquer força contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. Pode significar, ainda, constrangimento físico ou moral exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem (FERREIRA, 1999). Ou seja, o adjetivo "violento", indica aquilo que ocorre com uma força extrema ou uma enorme intensidade (HOUASSIS et al, 2001). Estudos recentes sobre a violência praticada contra mulheres costumam, quase sempre, vincular as condições sociais e econômicas como geradores ou potencializadores deste fenômeno social. Entretanto, o estado da arte no âmbito filosófico e das Ciências Sociais e Humanas permite inferir alguns elementos consensuais sobre o tema, como sua complexidade, e compreender que a crença de que seria um desfecho natural e legítimo para muitos conflitos sociais já está a muito tempo derrubada (Minayo, 1994; Assis et al, 2004; Pinheiro e Almeira, 2003). A violência é definida pelo Ministério da Saúde (2002) "ações individuais (interpessoais) e violência organizada. Apesar da dificuldade de limitar onde começa uma e termina outra, a primeira aplica-se mais à violência intra-doméstica enquanto a segunda refere-se a grupos como traficantes, máfia, seqüestradores, até ações repressivas do estado através da polícia e organização de guerrilhas". A violência ameaça a sobrevivência, o bem-estar e as perspectivas futuras das vitimas. As cicatrizes físicas, emocionais e psicológicas da violência podem ter sérias implicações para o desenvolvimento e paraa saúde. 2.1 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: MARCA SILENCIOSA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA De acordo com Abramovay (2002) argumenta que não se pode concentrar a atenção somente na violência física, já que outros tipos como a verbal e a psicológica podem ser traumáticos e graves. Sendo assim, é recomendado escutar as vítimas, para construir noções sobre violência mais afins às realidades experimentadas e os sentidos percebidos pelos indivíduos. De acordo com DAY et all (2003), a violência contra as mulheres é o tipo mais generalizado de abuso dos direitos humanos no mundo e o menos reconhecido. Em todo mundo, pelo menos uma em cada três mulheres já foi espancada, coagida ao sexo ou sofreu alguma outra forma de abuso durante a vida, sendo o agressor, geralmente, um membro de sua própria família. O que também é observado por HEISE ( apud. GIFFIN, 1994), quando afirma que as mulheres estão sob o risco de violência, principalmente, por parte de homens conhecidos por elas. As agressões podem ser de diferentes tipos: agressões físicas, como golpes, tapas, chutes, surras, tentativas de estrangulamento, queimaduras; abuso psicológico por menosprezo, intimidações e humilhações constantes; coerção sexual; comportamentos de controle, como isolar a mulher de sua família e amigos, vigilância de suas ações e restrição de acesso a recursos variados. (DAY et all, 2003) Conforme a autora supramencionada, a agressão do parceiro íntimo é, quase sempre, acompanhada de agressão psicológica e, de um quarto a metade das vezes, também de sexo forçado. KRONBAUER (2005) também constata, em pesquisa realizada com usuárias de uma unidade básica de saúde em Porto Alegre, que, em muitas situações, a violência física de gênero é acompanhada de coerção psicológica e abuso sexual. HEISE (apud. GIFFIN, 1994) acrescenta que a violência muitas vezes é multifacetada e tende a piorar com o tempo. Estudos de SILVA (2003) corroboram essa constatação. Em pesquisa realizada com usuárias de um serviço de urgência e emergência de Salvador, a estudiosa observou que a violência não se restringia à agressão física, aparecendo também formas mais sutis de agressão, que, na visão da autora, apesar de não deixarem marcas, podem provocar sérios danos à saúde da mulher. Não obstante, a violência que provoca conseqüências físicas graves é muito mais estudada pelos pesquisadores. A violência psicológica é uma categoria de violência negligenciada, tanto pelo pouco interesse dos pesquisadores quanto pela falta de referência na mídia. Sabe-se, entretanto, que esse tipo de agressão tende a causar graves conseqüências não só para a vítima de forma direta quanto para as outras pessoas que presenciam ou convivem com a situação de violência. (SILVA et. all, 2007) A violência psicológica é definida como "toda ação ou omissão que causa ou visa a causar dano à auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa". A principal diferença entre esta e a física é que a violência física envolve atos de agressão corporal à vítima, ao passo que a psicológica decorre de palavras, gestos, olhares a ela dirigidos, sem necessariamente ocorrer contato físico. (SILVA et. Al, 2007). Numa pesquisa feita nas clínicas de atendimento no Centro de Referência da Saúde da Mulher do Hospital Pérola Byington, São Paulo (ver TAVARES, DINALVA, 2000), a violência psicológica aparece como queixa recorrente entre as mulheres agredidas. Os homens atingem a mulher de modo a deixá-la fragilizada, fazê-la sentir-se humilhada, afetando negativamente a auto-estima das mesmas. Este mesmo estudo aponta para alguns efeitos resultantes desse tipo de violência, que atua muitas vezes como forma de tortura ou ameaça, "prendendo" a mulher à relação violenta. Conforme colocam ALVIM e SOUZA (2005), a violência psicológica é um conceito estabelecido tendo como parâmetro os limites e as regras de convivência, além disso, é uma categoria de violência difícil de ser identificada por terceiros e também de ser denunciada, já que não possui materialidade. SILVA (2007) vai mais além, indicando que muitas das vezes a violência psicológica não é identificável nem mesmo pelas vítimas. A autora defende que a violência se inicia de forma lenta e silenciosa, que progride em intensidade e conseqüências, num movimento sutil que, muitas vezes, é imperceptível tanto para o agressor quanto para a vítima. Por sua vez, ALVIM e SOUZA (2005) ressalvam que esse tipo de violência desgasta as relações e de tanto se repetirem, acabam se tornando "naturais" para os envolvidos. É importante pontuar que a violência psicológica causa graves problemas de natureza emocional e física e parece ser condição para a deflagração da violência física. (SILVA et all, 2007). De acordo com DAY et all (2003), muitas vezes as seqüelas psicológicas do abuso são mais graves que os efeitos físicos, o que também é observado por HEISE ( apud. GIFFIN,1994), para quem o abuso emocional e psicológico pode ser tão danificante quanto o abuso físico, sendo muitas vezes considerado pior, na avaliação das mulheres. A experiência do abuso destrói a auto-estima da mulher, deixando a vítima mais vulnerável a problemas mentais, como depressão, fobia, estresse pós-traumático, tendência ao suicídio, consumo abusivo de álcool e drogas (DAY et all, 2003), insônia, isolamento social, distúrbios alimentares e dores crônicas, frutos de sofrimento psicológico. (SILVA, 2007). Apesar de todos esses problemas, de natureza emocional e física, causados por conta da violência psicológica e não obstante esta ser considerada condição de deflagração da agressão física são raríssimos os estudos que se dedicam a essa questão. 2.3 ENTENDENDO A VIOLÊNCIA CONJUGAL A PARTIR DE UM PANORAMA HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA VIVENCIADA PELA MULHER AGREDIDA E DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE GÊNERO O ambiente social em que se dão os relacionamentos conjugais violentos atua como importante fator a ser estudado para entender o processo de violência conjugal, visto que o contexto em que os indivíduos se desenvolvem exerce profunda interferência nas atitudes e práticas sociais dos mesmos. Além disso, a violência surge como um fenômeno social (CAMPOS, TORRES & GUIMARÃES,2004;.MOSER,.1991;.VELHO,.2000,.APUD.GUIMARÃES&CAMPOS, 2007), visto que se desenvolve baseado em valores presentes na sociedade e pelos sujeitos desta. Esses sujeitos, por sua vez, atuam de acordo com papéis pré-estabelecidos socialmente, que determinam como eles devem agir a depender de idade, cor, raça e sexo. Neste capítulo, iremos focar os papéis que os indivíduos são levados a desempenhar em função do seu sexo, em virtude da natureza sexista da violência conjugal, a qual se dá prioritariamente contra a mulher. Estes papéis são reforçados por uma cultura patriarcal, característica da nossa sociedade. Estudiosos acreditam que a violência contra a mulher tem suas raízes nesta sociedade patriarcal capitalista que permitiu a construção social do feminino como o sexo inferior, que tem que se submeter à autoridade masculina, a qual passa a ser legitimada pela violência. Essa violência, por sua vez, pode aparecer revestida por um papel pedagógico e benéfico, adotando concepções machistas de que a mulher gosta de apanhar ou até mesmo que o ato de apanhar a deixa melhor, mais obediente e subserviente a seu companheiro ou marido. SCHRAIBER (2003) expressa com bastante lucidez essa questão: "É possível ver nas agressões físicas e nos maus tratos de ordem psicológica, remanescentes da cultura que entendeu os castigos ou punições corporais e a desqualificação moral ou a humilhação da pessoa como recursos de socialização e práticas educativas". Dessa forma, revela-se de fundamental importância o estudo da construção de relações desiguais de gênero na nossa sociedade, que reflete em atitudes discriminatórias e até mesmo violentas. A literatura aponta que este tipo de sociedade consolidou-se na Roma Antiga, e tem como modelo a figura do homem como dominador, agressivo, viril, no centro da família, exercendo poder sobre as mulheres (NARVAZ & KOLLER, 2006), e estas como pessoas submissas, dependentes, sensíveis, delicadas e passivas. Estes papéis foram se consolidando ao longo dos anos, inclusive por meio de leis que fortaleceram essas relações hierárquicas entre os sexos. O Código Civil Brasileiro de 1916 é um significativo exemplo de como a desigualdade passou a ser legalmente estabelecida, pois, segundo este, mulheres casadas só poderiam trabalhar se autorizadas por seus maridos. Atualmente esse modelo patriarcal vem sendo contestado por algumas leis e alterações no Código civil brasileiro, tais como a alteração prevista pelo Código de 1962, que permitia que as mulheres casadas trabalhassem independente da autorização dos seus maridos, a Constituição Brasileira de 1988 e o Novo Código Civil Brasileiro, de 2002, segundo o qual, a família seria regida pelo pater familiae ? que estabelece a igualdade de poder entre os membros do casal ? e não mais pelo pátrio poder, ou seja, poder do pai, como ocorria na época feudal (NARVAZ&KOLLER, 2006). Tais alterações deveriam refletir uma diminuição significativa nessas diferenças que marcam o relacionamento homem-mulher, porém, não é bem isso que acontece, inclusive porque as próprias mulheres desconhecem os direitos que adquiriram ao longo dos anos e acabam por reproduzir o papel que a sociedade e os seus companheiros lhe impõem. Apesar de atualmente a mulher representar presença constante como força de trabalho e no mundo público, ainda observa-se uma peculiar distribuição social da violência, que reflete a tradicional divisão dos espaços: o homem é vítima da violência na esfera pública, ao passo que a mulher é agredida em sua própria casa, geralmente por seu parceiro. (GIFFIN, 1994) Essa cultura patriarcal é normalmente reproduzida dentro dos núcleos familiares, pois a família como uma instituição social, foi construída ao longo da história e da cultura, sendo então sua organização e valores determinados pela sociedade. Assim, tal como existem diversas organizações sociais com seus valores específicos, existem para cada sociedade, uma forma de organização familiar. Logo, os valores, comportamentos e atitudes desta, serão transferidos para os indivíduos que aí se desenvolvem, influenciando a construção da personalidade dos mesmos. Dessa forma, considerando-se a família como o primeiro ambiente de socialização dos indivíduos, faz-se de fundamental importância o entendimento deste espaço e das relações que se dão no seu interior. Famílias marcadas pela utilização da violência como forma de impor autoridade, seja aos filhos ou à companheira, levam estes a sérias conseqüências de formas variadas, pois pode tanto transmitir às mulheres uma educação que as ensina a serem passivas e obedientes a agressões, como pode ensinar aos filhos do sexo masculino que eles possuem uma autoridade e um poder diante das mulheres, como se fossem uma raça superior, fazendo, para isso, uso da violência. Este processo acaba por reproduzir e naturalizar um sistema violento. Corroborando com esta informação, ALMEIDA (1999), afirma que a violência doméstica a que a mulher foi vítima durante sua vida, seja na sua infância ou adolescência, atua como o fator influente na produção de passividade das mesmas, o que incapacita a mulher de revoltar-se diante da violência, pois, por muitas vezes é colocada no papel de culpada por essas atitudes violentas (TAVARES, 2000). Além disso, segundo SCOTT (1990), na formação da personalidade dos indivíduos, os pais atuam como referência, sendo seus valores absorvidos pelos filhos, o que pode levar a atitudes e comportamentos semelhantes no futuro. Apoiando essa afirmação, a pesquisa realizada no Centro de Referência da Saúde da Mulher do Hospital Pérola Byington, São Paulo, mostrou que muitas mulheres relataram que a violência que sofrem com seus maridos ou companheiros se assemelha a mesma violência vivida por seus pais (ver TAVARES, DINALVA, 2000). 2.4 O PROCESSO DA DENÚNCIA: DA AGRESSÃO À SUSPENSÃO DA QUEIXA De acordo com alguns autores (Giffen, 1994; Soares et al., 1996) muitas vítimas de violência não fazem exame pericial por inúmeras causas pessoais e/ou sociais. O ato de denunciar é uma problemática que desperta o interesse dos profissionais, pois os números oficiais da violência domestica não correspondem à realidade, ou seja, muitos casos não são notificados permanecendo no anonimato. Romper o silêncio torna-se uma problemática para o registro da denuncia. Ressalta-se que existe a necessidade de uma maior articulação entre o estado e as políticas públicas para o melhor entendimento da violência. Tendo em vista o panorama social que procura explicar a violência contra a mulher é preciso também pensar na reação das mulheres à agressão e nas condições que estas dispõem para se defender da violência. Segundo DAY et all (2003), as reações femininas são diversas, algumas resistem, outras fogem e outras tentam manter a paz, submetendo-se à exigência de seus maridos. Outras, porém, denunciam a violência. De acordo com SCHRAIBER (2003), a revelação da violência está muito relacionada ao que as move para tal, que pode ser o compartilhamento da situação vivida com pessoas íntimas e próximas, em busca do apoio familiar e de amigos, mas também a busca de apoios institucionais, como a delegacia, as unidades básicas de saúde etc. Observa-se que a partir da década de 70, a condição de inferioridade naturalizada das mulheres pela sociedade vem se alterando, seja por meio da eclosão de alguns movimentos feministas, seja pela criação das delegacias para a mulher na década de 80. A Organização dos Estados Americanos (OEA), em uma Assembléia realizada em Belém ? PA, em 9 de junho de 1994, aprovou a Convenção Interamericana a fim de prevenir e extirpar a violência contra a mulher, estabelecendo, entre outros, que a agressão à mulher não pode ser tolerada e que o Estado deve adotar políticas que previnam e punam tal violência. Todavia, apesar das conquistas que as mulheres vêm adquirindo ao longo do tempo, a minoria tem consciência dos direitos conquistados (STREY, 2000). Essa falta de informação pode ter conseqüências muito mais sérias para a problemática da violência contra a mulher, pois devido a essa escassez de conhecimento sobre sua própria condição feminina e dos direitos a ela inerentes, tais mulheres podem optar por silenciar a violência sofrida e manter-se submetida a atos dessa natureza. Associado a isto, a sociedade e o Estado brasileiro não ofertam a igualdade de direitos a homens e mulheres, e as leis do Brasil ao invés de aniquilar tais desigualdades, acabam por consagrá-las ainda mais. A falta de conhecimento e de apoio social, porém, não aparecem como as únicas causas que "explicam" o pequeno número de mulheres que silenciam a violência a que são vítimas, deixando de denunciar o seu agressor. Segundo uma pesquisa do DATASENADO (2007), apenas 40% das mulheres denunciam seus parceiros que cometem algum tipo de violência para com elas. Associado a este dado, FONTANA e SANTOS (2001), observaram que 60% das mulheres que sofreram algum tipo de violência por seus companheiros continuam com os mesmos. As causas possivelmente envolvidas na permanência da mulher em uma relação violenta são diversas: vontade de manter a família unida, falta de apoio da sociedade e da família, dependência financeira do companheiro, vergonha da violência sofrida, medo provocado pelas ameaças do parceiro agressor (NARVAZ, 2005), esperança de que "ele vai mudar um dia" (DAY et all, 2003), receio de perder a guarda dos filhos (Tavares, 2000), modelo familiar violento, infância marcada por violências, esperança de que o companheiro mude suas atitudes, sentimento de culpa pela agressão do companheiro e uso de justificativas externas ? bebida, dificuldade financeira ? para explicar o comportamento do agressor (ver Caderno de Atenção Básica, Ministério da Saúde). Assim, estas são algumas justificadoras da pouca atitude de denúncia e busca de uma saída ou solução para sua vivência violenta. Estudos mostram que o aumento do nível de agressão, violência afetando os filhos e apoio sócio-familiar são determinantes na decisão de sair do relacionamento. E ainda que, mulheres mais jovens geralmente, abandonam esses relacionamentos mais cedo. (DAY et all, 2003). Em relação à denúncia, GROSSI (apud. BRANDÃO, 2006) relata que o tempo decorrido entre a ocorrência do abuso ou ameaça e a decisão de denunciar é variável, o que denota as diversas reações à situação e a complexidade do fenômeno. Num estudo realizado na delegacia especializada de atendimento à mulher, Brandão (2006) observou que dentre os fatores considerados agravantes, que tendem a impulsionar a denúncia, estão: o fato de a agressão ter ocorrido em público; ter deixado marca no corpo da vítima; a responsabilidade da maternidade, no sentido de proteger os filhos e a vítima ter sofrido pressão de familiares, empregadores ou advogados para fazer a denúncia. A respeito dessa última, ironicamente, essa mesma motivação é usada com propósito inverso, aparecendo na ocasião de suspensão da denúncia, como justificativa de uma decisão impensada, influenciada por terceiros. Este processo de suspensão da queixa aparece como um fenômeno de extrema importância e que merece um estudo mais aprofundado, visto que pode significar um silenciamento da violência e um retorno à submissão ao agressor. E, de fato, muitas vezes realmente significa isto, porém, há diversos outros fatores que podem atuar na suspensão da denúncia. Em geral, as mulheres que procuram a ajuda da polícia da delegacia da mulher, buscam uma forma de conter o seu parceiro violento, amedrontá-lo a fim de que as agressões a que são vítimas cessem. Porém, a maioria delas não demonstra a intenção de que o seu agressor seja punido legalmente ou que seja preso, o que leva a maioria delas a não dar prosseguimento à denúncia, deixando de lado, ou até mesmo dirigindo-se à delegacia a fim de retirar a queixa feita. Tais atitudes dificultam de certa forma, a ação dos policiais, pois estes, diante dos objetivos almejados pelas vítimas e da pouca disponibilidade destas para fazer o registro da ocorrência e seguir todos os procedimentos necessários para encaixar a queixa nos parâmetros legais, impossibilita a determinação de uma punição formalmente legalizada. Sabe-se ainda, que a violência conjugal contra a mulher, por ocorrer no âmbito doméstico, no espaço privado, apresenta um forte entrave à sua condenação legal: a falta de testemunhas. Geralmente, como ocorre dentro de casa, esse tipo de agressão não é presenciado por outras pessoas além da própria vitima e do agressor. Tal condição é citada inclusive pelos próprios policiais da delegacia da mulher, como um obstáculo, chegando eles mesmos a desestimularem as mulheres a abrirem o inquérito e darem seguimento à queixa, enfatizando também os inconvenientes proporcionados por esta iniciativa de prosseguir com a queixa, tal como o incômodo que irá proporcionar à toda a família e envolvidos (BRANDÃO, 2006). Assim, percebe-se um descaso desses profissionais para com a situação de violência da mulher, que acabam por banalizar e tornar tais ocorrências como rotineiras e pouco importantes, julgando as vítimas que suspendem a queixa como pessoas "sem vergonha" ou até mesmo que "gostam de apanhar", atuando muitas vezes como desestimuladores da iniciativa da mulher em denunciar seu parceiro agressor (BRANDÃO, 2006). Dessa forma, mostra-se essencial um entendimento mais amplo do processo de violência contra a mulher por parte dos profissionais envolvidos na delegacia da mulher, visto que estes demonstram um conhecimento superficial deste fenômeno. Porém, não é somente nesse âmbito que a violência conjugal é um problema de difícil intervenção. SCHRAIBER (2003) aponta que esse tipo de violência tem se mostrado de difícil revelação também no campo da pesquisa científica e das práticas sociais, entre elas a Saúde, uma área que, de acordo com diversos estudos realizados, ainda não está preparada para receber as queixas e prover um apoio especializado às mulheres vítimas de violência doméstica. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dramáticos índices do aumento da violência doméstica preocupam, cada vez mais, a sociedade brasileira. Muitos fatores são indicados como causa deste aumento, entre eles estão as imensas desigualdades econômicas, sociais e culturais. Na esfera conjugal a violência domestica manifesta-se com freqüência através dos maus - tratos; ao submeter à mulher a práticas sexuais contra a sua vontade, isolamento social, a intimidação. De acordo com Abramovay (2002) argumenta que não se pode concentrar a atenção somente na violência física, já que outros tipos como a verbal e a psicológica podem ser traumáticos e graves. Sendo assim, é recomendado escutar as vítimas, para construir noções sobre violência mais afins às realidades experimentadas e os sentidos percebidos pelos indivíduos. No desenvolvimento desse trabalho foi possível perceber a importância de se ampliarem estudos nesta área, já que a violência doméstica constitui um problema de elevadas proporções em nosso meio, acarretando em uma constelação de problemas de ordem social, emocional e psicológico. SOBRE O AUTOR Thalita Caroline Costa Melo é graduada em Psicologia pela Universidade Tiradentes (2010.1). O presente trabalho foi originado a partir da experiência em atendimento as vítimas de violência doméstica, atendidas no Instituto Médico Legal. Foi integrante do grupo de pesquisa-(PROVIC) do Laboratório de Planejamento e Promoção em Saúde (LPPS) do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP) da Universidade Tiradentes com o tema: Violência física: análise de laudos pericias realizados no IML do estado de Sergipe no último biênio. Sob orientação da Drª. Marlizete Maldonado Vargas, entre o período de Março de 2009 a Fevereiro de 2010. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam. Escola e Violência. Brasília: UNESCO, 2002. ALVIM, S.F.; SOUZA, L. de. Violência conjugal em uma perspectiva relacional: homens e mulheres agredidos/agressores. Psicologia: teoria e prática ? 2005, 7(2): 171-206. ASSIS, S.G. et al. Violência e representação social na adolescência no Brasil. Rev Panam Salud Publica, vol. 16, pp. 43-51, 2004. AZEVEDO, M.A. Mulheres Espancadas: A violência denunciada. 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