Ucrânia: Um País Não Legitimado para a OTAN (2021)
Publicado em 23 de dezembro de 2021 por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho
Ucrânia: Um País Não Legitimado para a OTAN
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho
*Artigo escrito e publicado em 2021
Nas últimas semanas acompanhamos, atentamente, informações que nos chegam do Leste Europeu. A principal diz respeito a uma suposta ofensiva da Rússia sobre a Ucrânia, com a aparente concentração de tropas na fronteira para a realização de uma eventual invasão, pois Moscou considera aquele país, bem como outros que faziam parte da extinta URSS, como área de sua exclusiva influência.
Os argumentos russos são, sim, palpáveis. A começar pela semelhança étnica e cultural: são países de religião ortodoxa, que adotam o mesmo alfabeto (o cirílico) e idiomas bastante similares, com todo um cabedal de mútua e milenar tradição eslava, além de um capitalismo ainda incipiente e sistemas políticos que, ainda, não se moldam totalmente ao conceito ocidental de democracia, já que a própria Ucrânia, após a dissolução da URSS, também já elegeu governos pró-Rússia. E, quando não o fez, os russos reagiram violentamente, como na anexação da Península da Criméia, há alguns anos.
Tal histórico, assim como as agressões nazistas sofridas pela URSS durante a Segunda Guerra Mundial, fizeram com que Moscou avançasse rumo ao oeste, a fim de constituir a chamada Cortina de Ferro - ocupação militar sobre países que, embora não formalmente anexados à URSS, constituíam-se em passagens para o Ocidente, dominando-os e aos mesmos impondo seu sistema econômico e político (mais especificamente a Polônia, a antiga Tchecoslováquia, a ex-Alemanha Oriental, a Romênia, a Hungria, a Bulgária, a Albânia e, por um tempo, o que um dia foi a Iugoslávia). Ocupações preventivas a fim de proteger suas fronteiras.
Desta forma, temendo um avanço ainda maior, que viesse a afetar seus domínios, o Ocidente constituiu a OTAN, que, em suma, tinha como objetivo principal proteger a Europa Ocidental, os EUA e o Canadá de um iminente ataque soviético. Pelos estatutos da OTAN, um ataque contra um de seus membros seria considerado uma agressão contratodos, que deveriam reagir em defesa da nação aviltada. Em resposta, a URSS organizou, nos mesmos moldes, o Pacto de Varsóvia, antagonista marxista da OTAN.
O tempo passou e veio a distensão promovida pelo Secretário-Geral Mikhail Gorbachev, abertura esta que saiu de seu controle e ocasionou a Queda do Muro de Berlim e dos sistemas marxistas instalados nos países do Leste Europeu, fossem anexados ou não à URSS (os que faziam parte foram gradativamente obtendo sua independência de Moscou, desconstituindo definitivamente o imenso império em dezembro de 1991). O Exército Vermelho havia se retirado das nações da Europa Oriental, recolhendo-se de volta ao seu país.
Dito fato desestabilizou a região, para o bem e para o mal. Algumas nações, como a antiga Tchecoslováquia, se dividiram pacificamente e a Alemanha se reunificou, mas, noutros, houve violentas revoluções contra os antigos líderes marxistas, como a Romênia, cujos protestos mataram cerca de 20 mil pessoas e culminaram no fuzilamento do ex-ditador Nicolae Ceaucescu, no Natal de 1989.
Percebe-se, destarte, que a retirada militar soviética abriu os flancos para o avanço dos EUA e da OTAN rumo ao Leste Europeu. A Polônia, a República Tcheca, a Eslováquia, a Alemanha reunificada, a Romênia, a Hungria, a Bulgária e a Albânia, bem como as ex-repúblicas soviéticas da Lituânia, Letônia e Estônia, foram admitidas na OTAN, e, agora, gozam do mesmo status de possuir um escudo defensivo coletivo contra os russos. Todos esses países ainda são considerados por Moscou sua área de imposição geopolítica, em razão das similaridades históricas, religiosas, proximidade geográfica e questões linguísticas (com exceção da Romênia, que é um país latino, da Hungria e Estônia, cujos idiomas são urálicos - originados, portanto, em área geográfica russa, perto dos Montes Urais - e da própria Lituânia e Letônia, que falam línguas balto-eslávicas, mais distantes do russo), bem como das guerras consigo travadas em séculos passados, aí incluída a invasão nazista de 1941 (que tinha Romênia, Hungria e Bulgária como aliadas de Hitler, diga-se). Eles estão para os russos como nós, latino-americanos, estamos para os EUA (inclusive, a título de curiosidade, um certo documento do Departamento de Estado, redigido após a Segunda Guerra Mundial se refere à América Latina como “nossa pequena região” e às suas riquezas como “nossos recursos naturais” - apesar de os EUA não serem um país latino e terem sido uma colônia de povoamento, e não de exploração, como foi a América Latina nas mãos dos Impérios Coloniais Português, Espanhol e Francês - a proximidade, no nosso caso, é simplesmente geográfica, inobstante partes dos EUA terem sido colonizadas pela Espanha e pela França). Ora, se os EUA, com bem menos similaridades históricas com os latino-americanos, ainda se valem da “Doutrina Monroe”, de que “a América é para os americanos”, porque os russos não podem vociferar, em alto e bom som, que o Oriente Europeu é para eles? Detesto Putin, mas não posso, aqui, defender tanta hipocrisia.
Bill Clinton levou a OTAN às fronteiras da Rússia, não somente em relação aos países que não eram politicamente anexados à URSS, mas também com a adesão de outros que dela faziam parte, como a Lituânia, a Letônia e a Estônia. Na maior parte de todos esses países, há bases militares americanas e em alguns os EUA instalaram sistemas antimísseis, como Deveselu, na Romênia, e outro, vendido por US$ 10,5 bilhões à Polônia. Clinton não se conteve com seu “quintal” latino-americano e, mesmo com a Europa livre do modelo econômico marxista, se propôs a controlar quase todo o continente, usando os territórios de seus novos aliados para apontar mísseis à Rússia e atiçar seus brios, com todas as consequências geopolíticas que isso poderia e veio a gerar, como a presente não admissão, pelos russos, de uma suposta adesão da Ucrânia à OTAN, sob ameaça de preventiva invasão antes da eventual incorporação, o que poderia lhes gerar apenas sanções econômicas, e não militares, eis que, como dito, a Ucrânia ainda não faz parte da organização.
Tecidas essas considerações, aqui vão sugestões para evitar mais um banho de sangue em solo europeu:
(a) o Ocidente não socorrerá a Ucrânia em caso de invasão. Falam que a Rússia pagará um preço alto, que podemos interpretar como sanções puramente econômicas, eis que, além de os ucranianos não fazerem parte da OTAN, o próprio Joe Biden já avisou que não ordenará qualquer reação militar. Ele está mais preocupado com as ameaças da China a Taiwan, e lutar duas guerras simultaneamente, com nações das mais poderosas do mundo, seria um colossal desastre até mesmo para os EUA. Assim, as potências ocidentais deveriam declamar que a Ucrânia não será, em qualquer circunstância, admitida na OTAN, e que reconhecem a Península da Criméia como território russo. Em troca, a Rússia se comprometeria a retirar suas tropas da fronteira, eliminando qualquer possibilidade de invasão e comprometendo-se a respeitar os resultados de futuras eleições nacionais ucranianas, sejam os eleitos pró-Rússia ou pró-Ocidente.
(b) os EUA devem retirar suas bases militares dos países aliados que faziam parte da antiga URSS (Lituânia, Letônia e Estônia) e da antiga Cortina de Ferro (Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Romênia, Hungria, Bulgária e Albânia), já que em pelo menos dois deles (Polônia e Romênia), há os mencionados sistemas defensivos de mísseis anti-Rússia. Criaria-se, deste modo, uma zona desmilitarizada da presença dos EUA, que se estenderia de Tallin até Sófia, ao mesmo tempo em que se manteria todos esses países na OTAN, a fim de dissuadir qualquer ofensiva russa, não somente perante os mesmos, mas diante da própria Ucrânia.
Foi muita ingenuidade de certas pessoas pensar que, com o fim de Guarra Fria, a espionagem, a desconfiança e as agressões entre ambos os lados cessariam. Francis Fukuyama, acadêmico americano, chegou a escrever que o fim de URSS chegaria a representar o “fim da História” devido à vitória das democracias ocidentais. Ledo engano. A História está aí, diante de nós, e, talvez, no momento econômico, ambiental e, em especial, militarmente mais tenso e aterrorizante desde o fim de Segunda Guerra Mundial.
