Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do recurso extraordinário (RE) 596.478, em que o Estado de Roraima questiona o art. 19-A da Lei 8.036/90, que estabelece o direito ao depósito do FGTS para trabalhadores contratados sem concurso público. Para o Estado, o dispositivo viola o art. 37, II, § 2o/CF.

1 INTRODUÇÃO

Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do recurso extraordinário (RE) 596.478, em que o Estado de Roraima questiona o art. 19-A da Lei 8.036/90, que estabelece o direito ao depósito do FGTS para trabalhadores contratados sem concurso público. Para o Estado, o dispositivo viola o art. 37, II, § 2o/CF.

O Excelso Pretório não apreciou o mérito do recurso. É que, a partir da edição da Lei 11.418/06, a qual alterou o Código de Processo Civil, passou-se a ser exigido mais um requisito de admissibilidade de todos os RE's: a existência de repercussão geral. Sob pena de não ser admitido o recurso, exige-se preliminar formal de repercussão geral, cuja competência para verificação é concorrente do Tribunal, da Turma Recursal ou da Turma de Uniformização de origem e do STF. A análise sobre a existência ou não da repercussão geral, inclusive o reconhecimento de presunção legal de repercussão geral, é de competência exclusiva do STF. Eis a dicção do art. 543-A/CPC, acrescentado pela Lei 11.418/06:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§ 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7oA Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

A decisão prolatada [no RE referido] reconheceu a existência de repercussão geral[1], foi proferida no Plenário Virtual do STF em 11/09/09, mas ainda não foi publicada. Trata-se de recurso interposto contra acórdão oriundo do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, em sede de embargos declaratórios em embargos em recurso de revista (RE-ED-E-RR – 865/2004-051-11-00.0). O C. TST, através da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais – SBDI-1, manteve a condenação do Estado de Roraima no pagamento dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, em conformidade com o disposto pelo art. 19-A da Lei 8.036/90, acrescentado pela MP2.164-41/01[2].

Eis o teor do dispositivo imputado inconstitucional pelo Ente Público:

Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.

Com efeito, em que pese a matéria constitucional argüida no recurso extremo, trata-se de matéria de interesse efetivamente infraconstitucional, implicitamente trabalhista (desde que a prestação de serviços seja tutelada pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, a competência permanece na Justiça Especializada, posto que o E. STF tem decidido que, se houve contratação através de regime de direito administrativo – contrato de trabalho temporário, por exemplo – não há que se falar em competência da Justiça do Trabalho para apreciar o litígio[3]).

Além disso, faremos aqui breve perfil histórico do tema, por sua indiscutível atualidade e importância jurídica.

Afinal de contas, quais direitos devem ser reconhecidos ao trabalhador contratado sem a prévia aprovação em concurso público, fato que a doutrina e a jurisprudência denomina de "contrato nulo"? Esse entendimento é necessário à compreensão dos efeitos, frente à Lei e à Constituição, de decisões que julgam procedentes ou indeferem o pedido de pagamento/depósito de valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.

2 A MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO SOBRE OS EFEITOS ORIUNDOS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DOS CONTRATOS FIRMADOS ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O TRABALHADOR SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO

Durante bastante tempo, antes mesmo da edição da Medida Provisória n. 2.164-41/01, que alterou a Lei 8.036/90, o Tribunal Superior do Trabalho, ao reconhecerofensa ao art. 37, II, § 2o, declarava a nulidade contratual, e reconhecia o direito de o trabalhador irregularmente contratado de receber a contraprestação pactuada. Nesse sentido:

A despeito dos fundamentos expendidos pelo egrégio Tribunal Regional, na atual jurisprudência das Subseções Especializadas em Dissídios Individuais desta Corte Superior tem-se consignado entendimento diverso: "CONTRATO NULO. EFEITOS. DEVIDO APENAS O EQUIVALENTE AOS SALÁRIOS DOS DIAS TRABALHADOS. A contratação de servidor público, após a CF/88, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no art. 37, II, da CF/88, sendo nula de pleno direito, não gerando nenhum efeito trabalhista, salvo quanto ao pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados (PRECEDENTES: E-RR 96605/93, Ac. 2704/97, Min. Ronaldo Leal, DJ 01.08.97, decisão unânime; E-RR 92722/93, Ac. 1134/97, Red. Min. Francisco Fausto, DJ 16.05.97, decisão por maioria; E-RR 43165/92, Ac. 3001/96, Red. Min. Moura França, DJ 19.12.96, decisão por maioria)". O contrato de trabalho é ato jurídico bilateral, que deve conformar-se aos mandamentos da lei e da Constituição da República. Se o ajuste de vontades provier de agente capaz, tiver objeto lícito e obedecer à forma prescrita em lei, gera todos os efeitos desejados pelas partes e merece a proteção do Poder Público. Todavia, se o ato vier inquinado de algum defeito ou desatender a mandamento legal, deixa de produzir os efeitos desejados pelos contratantes, visto não se revestir de legalidade. O contrato celebrado entre o Reclamante e o Município está inquinado de defeito, pois evidencia inequívoco agravo à Carta Magna, que veda a contratação de servidor público sem a realização prévia de concurso. A Administração Pública não prescinde dos princípios da legalidade, pessoalidade, moralidade e publicidade, além de rígida observância às regras de acesso aos cargos e empregos públicos. A maneira como o Reclamante passou a trabalhar para o Município colide com a ordem pública e, por isso mesmo, o contrato havido está fulminado de nulidade. Por outro lado, o ato nulo não produz nenhum efeito. Se o ato foi constituído de vício que afeta a sociedade, não pode ela transigir com a sua subsistência e, portanto, há de negar-lhe todo o efeito. Tratando-se de trabalho prestado, não há como o tomador dos serviços devolver ao empregado a força de trabalho despendida e, nessa circunstância, como deflui da própria lei, devem ser pagos os salários do período trabalhado, os quais constituem a remuneração pelos serviços prestados. In casu, existe pretensão relativa ao pagamento de diferenças a salários. Diante do exposto e em face do conhecimento do recurso por divergência jurisprudencial, no mérito dou-lhe provimento para limitar a condenação ao pagamento de diferenças salariais[4].

O C. TST pacificou então a matéria em torno dos efeitos da declaração de nulidade do contrato de trabalho do trabalhador contratado, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sem a submissão a concurso público. Em face das constantes manifestações e da celeuma jurídica instaurada, em um primeiro momento, houve a edição do Enunciado [hoje Súmula] 363, com o seguinte teor:

Enunciado 363. A contratação de servidor público, após a Constituição de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no seu art. 37, II e § 2o, somente conferindo-lhe direito ao pagamento dos dias efetivamente trabalhados segundo a contraprestação pactuada.

O Tribunal Pleno do C. TST, em sessão de 28/10/03, em virtude da inclusão do art. 19-A pela Medida Provisória 2.164-41/01 à Lei 8.036/90, alterou a redação da Súmula 363/TST, para incluir, entre os efeitos decorrentes da declaração do contrato nulo – em face da contratação de servidor público, após a Constituição da República de 1988, sem prévia aprovação em concurso público – o direito ao percebimento dos valores dos depósitos do FGTS. A atual redação da Súmula 363/TST é a seguinte:

Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Segundo posicionamento sumulado e mantido desde então, o C. TST entende que a MP 2.164-41/01, que alterou a Lei 8.036/90, não pode ser tachada de inconstitucional, pelo argumento que permitiu a produção de efeitos diversos do pagamento de saldo de salários por um ato declarado nulo de pleno direito por nossa Lei Maior. É que, atrelado aos princípios constitucionais da dignidade humana e aos valores sociais do trabalho, garantiu ao trabalhador direitos mínimos e o FGTS corresponde à indenização pelo que abrange todo o período de contratação.

Registre-se também que a mais alta corte trabalhista determina a aplicação do art. 19-A da Lei 8.036/90 aos processos em curso, pois o parágrafo único do referido preceito faz remissão expressa aos contratos anteriores à vigência da lei, e há direito adquirido a esse depósito, ainda que não haja saldo de salários a ser deferido. Vejam-se os seguintes acórdãos que contêm o entendimento firmado pelo C. TST:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO. EFEITOS. NÃO PROVIMENTO. 1. Segundo a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, a contratação de servidor público, após a Constituição Federal de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no artigo 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. Inteligência da Súmula n. 363. 2. Agravo de instrumento a que se nega provimento[5].

RECURSO DE EMBARGOS. ESTADO DE RORAIMA. CONTRATO NULO. EFEITOS. FGTS. MEDIDA PROVISÓRIA n. 2.164-41/2001. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL n. 362 DA SDI-1. VIGÊNCIA DA LEI n. 11.496/2007. O recolhimento do FGTS também alcança os contratos de trabalho anteriores à vigência da Medida Provisória n. 2.164-41/2001, sem que essa circunstância venha a configurar afronta ao princípio da irretroatividade, nos termos da Orientação Jurisprudencial n. 362 da SDI-1. A consonância do v. acórdão proferido pela c. Turma com a jurisprudência consagrada na Súmula n. 363 e na Orientação Jurisprudencial n. 362 da SDI-1, inviabiliza o conhecimento dos embargos. Embargos não conhecidos[6].

RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI n. 11.496/2007. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATAÇÃO POSTERIOR À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA. EFEITOS. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO FGTS DO PERÍODO. POSSIBILIDADE. O Tribunal Pleno desta Corte, na sessão de 28/10/2003, à luz do artigo 19-A da Lei n. 8.036/90, com a redação dada pela Medida Provisória n. 2.164-41, alterou a redação da Súmula n. 363/TST, para incluir entre os efeitos decorrentes do contrato nulo - pela contratação de servidor público, após a Constituição da República de 1988, sem prévia aprovação em concurso público – o direito aos valores referentes aos depósitos do FGTS. COMPENSAÇÃO. Contrariedade a Verbetes Sumulares não caracterizada, decisão em harmonia com a Súmula n. 363 do TST. Recurso de Embargos não conhecido[7].

RECURSO DE REVISTA. CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. NULIDADE. EFEITOS. SÚMULA N. 363 DO TST. 1. Nos termos da Súmula n. 363 do TST, a contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. 2. Na hipótese, o e. Tribunal Regional manteve a sentença que, embora não tenha reconhecido o vínculo de emprego com o Reclamado (ente da Administração Pública), em face da não observância de prévia aprovação em concurso público, deferiu à Reclamante o pagamento de férias acrescidas de 1/3, 13º salário proporcional e FGTS. 3. Nesse contexto, impõe-se o provimento do apelo, para harmonizar a decisão recorrida com os termos da supramencionada súmula, alcançando, assim, o objetivo precípuo do recurso de revista, que é a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido[8].

3 A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 19-A DA LEI 8.036/90, ACRESCENTADO PELA MP 2.164-41/01

Nosso entendimento é que a contratação de trabalhadores, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, para provimento de empregos dos quadros dos entes que compõem a Administração Pública Direta e Indireta, imprescinde da realização de prévio concurso público de provas ou de provas e de títulos, sob pena de nulidade do relacionamento travado. O art. 37, II/CF assevera que:

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração"[9].

No âmbito do Direito do Trabalho, sendo impossível a restituição do trabalho prestado, o tomador dos serviços deve ao trabalhador o pagamento da contraprestação ao labor de que se aproveitou, segundo o que se tiver pactuado, como indenização e os valores dos depósitos fundiários. Note-se, quanto ao reconhecimento do direito aos depósitos fundiários, que a jurisprudência atende à imperatividade do art. 19-A da Lei 8.036/90. Enfatizamos, de logo, a natureza declaratória de reconhecimento de direito emanada do texto da MP mencionada.

Trata-se, pois, de reconhecimento de direito, que, na órbita pública, tem a forma legislativa como procedimento específico. Atente-se que a norma não está validando o contrato irregular, mas apenas reconhecendo o direito ao FGTS, que não deixa de ser uma espécie de salário (diferido), evitando-se, assim, o enriquecimento ilícito da Edilidade.

A MP 2.164-41/01, ao acrescentar o art. 19-A à Lei 8.036/90, confere ao empregado, que teve seu contrato de trabalho declarado nulo, o direito ao pagamento dos valores referentes aos depósitos do FGTS. Há expressa observância aos princípios constitucionais em que se funda a República Federativa do Brasil, de respeito à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho (art. 1o da Constituição da República). Incide, nesse caso, o princípio da harmonização das normas constitucionais, tornando imperativa a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito, evitando-se o desprezo de uns em detrimento a outros.

Assim, a aplicação da norma insculpida no art. 37, II e § 2o, da Constituição da República deve ser compatível e harmônica com os demais princípios constitucionais, entre os quais, os mencionados alhures: do respeito à dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, a fim de evitar o sacrifício total do empregado, que não pode ter restituída a força de trabalho despendida. Trata-se de assegurar-lhe o mínimo, harmonizando a norma da imprescindibilidade do concurso público para investidura em cargos públicos com os demais bens jurídicos assegurados pela Constituição da República.

4 OS ÚLTIMOS POSICIONAMENTOS DO AUGUSTO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No âmbito do Excelso Supremo Tribunal Federal, encontramos não muitos arestos que tratam do tema. Todavia, o E. STF não tem se pronunciado favoravelmente ao reconhecimento de inconstitucionalidade do art.19-A da Lei 8.036/90, haja vista que, no acórdão proferido no julgamento do agravo regimental em agravo de instrumento n. 540.009/SP, julgamento em 29/07/05, DJ de 10/11/05, não se reconheceu haver dispositivo constitucional violado, quiçá tratar-se de matéria constitucional.

Também houve o mesmo resultado nos seguintes processos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. FGTS. DEPÓSITO. ANÁLISE DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL. REEXAME DE PROVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. ART. 19-A, DA LEI 8.036/90, NA REDAÇÃO DADA PELA MP 2.164/41. INOVAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A apreciação do tema referente ao direito à percepção dos depósitos do FGTS depende de prévio exame de normas infraconstitucionais. II – A apreciação do recurso extraordinário demanda o reexame de matéria fático-probatória, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. III – Quanto à alegação de inconstitucionalidade do art. 19-A da Lei 8.036/90, na redação dada pela MP 2.164/41, verifica-se que a matéria não foi objeto de debate prévio, o que caracteriza a ausência do necessário prequestionamento. Incide, portanto, a Súmula 282 desta Corte. IV – Agravo regimental improvido[10].

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM A PRÉVIA REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. NULIDADE. SALDO DE SALÁRIOS PELOS DIAS TRABALHADOS. FGTS. INOVAÇÃO. Após a Carta Magna de 1988, é nula a contratação de empregado para a investidura em cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso público. Tal contrato não gera efeitos trabalhistas, salvo o pagamento dos salários pelos dias efetivamente trabalhados. Neste sentido: AI 322.524-AgR, Rel. Min. Celso de Mello; AI 361.878-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI 233.108-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; e AI 372.551-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes. Quanto ao recolhimento do FGTS e à alegada inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.164-41/2001, observa-se que o tema não foi objeto das razões recursais extraordinárias, nem discutido pela Corte de origem, constituindo, pois, inovação insuscetível de ser apreciada em sede de agravo regimental. Precedentes: RE 346.599-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RE 340.686-ED, Rel. Min. Ilmar Galvão; AI 482.041-AgR, Rel. Min. Eros Grau; e o AI 500.501-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes. Agravo regimental a que se nega provimento[11].

Assim, embora tenha o Augusto Supremo Tribunal Federal reconhecido a repercussão geral no recurso extraordinário referido (596.478), inviável será o seu provimento, por se tratar de matéria insitamente infraconstitucional, como, já visto, tem se pronunciado a Suprema Corte do País em processos similares nesse sentido. Se bem que, em respeito à segurança jurídica, ao ato jurídico perfeito e à harmonização das normas e dos princípios constitucionais, seria uma boa oportunidade para firmar entendimento "erga omnes" no sentido de declarar a constitucionalidade do art. 19-A da Lei 8.036/90, acrescentado pela MP 2.164-41/01, ou mesmo da Súmula 363/TST, idêntica em conteúdo, neste particular.

No mais, poucos são os julgados do C. Superior Tribunal de Justiça, que trazem o tema ora discutido. Muitas vezes, somente se trava a discussão entre o direito de o titular da conta do depósito fundiário sacar o FGTS, após a declaração de nulidade do contrato de trabalho, e a Caixa Econômica Federal – CEF, que ora se nega a efetuar a liberação dos valores depositados, ou que devolve ao Ente da Administração Pública os valores depositados. Vejamos, a título ilustrativo, esta decisão monocrática da lavra da Ministra Eliana Calmon:

[…] No recurso especial, interposto com fulcro nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alega a parte recorrente contrariedade aos arts. da MP 2.164-41.

Aduz, quanto ao mérito, que o ato foi legal, pois ocorreu antes da vigência das normas que proibiam a restituição dos valores ao empregador em caso de nulidade do contrato de trabalho, havendo, inclusive, à época, previsão nos Manuais Normativos da CEF para assim agir. Sustenta que houve violação do art. 19-A, parágrafo único, da Lei 8.036/90 (alterada pela MP 2.164-40, de 26 de julho de 2001), visto que agiu em conformidade com a legislação pertinente à época, tendo o município requerido a restituição dos valores em 14/10/1998 e a CEF efetuado as últimas restituições em 14/09/1999, antes portanto do prazo fixado na legislação, não restando por esse motivo valores em favor da autora, cabendo-lhe buscar junto ao banco gestor administrativamente apenas os saldos restantes.

Alega, por fim, ausência de direito a verbas trabalhistas, pois, considerando-se a nulidade do contrato de trabalho em questão, não produz este qualquer efeito jurídico além do direito ao recebimento do salário correspondente ao serviço prestado.

Requer, assim, que seja admitido o Recurso ora interposto na forma da lei, e afinal conhecido e provido, reformando-se o r. acórdão recorrido.

É o relatório.

Preliminarmente, não conheço das teses quanto à manutenção da Municipalidade a integrar a lide e quanto à ausência de direito a verbas trabalhistas, uma vez que não apontou a recorrente qual dispositivo de lei federal teria sido violado, a fim de embasar seu pleito, restando deficientemente fundamentado o recurso. Aplica-se, nesse aspecto, o teor da Súmula 284/STF.

Passo, pois, ao exame do restante do recurso.

Observa-se que os recolhimentos à conta vinculada foram efetuados pelo Município de Mossoró na vigência do contrato, tendo sido, após a declaração de sua nulidade, devolvidos ao depositante pela CEF, atendendo a pedido daquele. A presente demanda foi ajuizada objetivando o levantamento do saldo inicialmente depositado pelo Município de Mossoró.

Lembro que, nos casos de contrato declarado nulo por falta de concurso público, o próprio TST tem entendimento consolidado no sentido de que fica ressalvado o salário pelo serviço prestado, para que não haja enriquecimento ilícito por parte do empregador, gerando a nulidade efeitos ex nunc.

Ora, havendo pagamento de salário por serviço prestado por trabalhador regido pela CLT, não se discute que tal fato gera a obrigação do ente público, na qualidade de empregador, proceder ao depósito na conta vinculada, por força do art. 15 da Lei 8.036/90[...][12].

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, concordamos com a mudança jurisprudencial firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de reconhecer o direito de o trabalhador aos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, em face de ter sido contratado pela Administração Pública Direta e Indireta sem prévia submissão a concurso público.

Entendemos que a vedação e a nulidade contidas no art. 37, II, e § 2º/CF hão de ser interpretadas em conformidade com os demais princípios e valores salvaguardados pela Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho. Além disso, embora o reconhecimento desse direito tenha se firmado através de medida provisória, editada neste particular com o intuito de concretizar a determinação contida na Súmula 363/TST, a mesma não pode, repita-se, ser taxada inconstitucional, por dois motivos:

a) não há violação entre o reconhecimento do direito ao depósito no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço para o trabalhador cujo contrato de trabalho fora declarado nulo, a partir do que dispõe o § 2º do art. 37/CF, eis que a norma não valida o contrato irregular, mas apenas reconhece o direito ao FGTS, que não deixa de ser uma espécie de salário (diferido), evitando-se, assim, o enriquecimento ilícito da Administração Pública;

b) a MP 2.164-41/01 que alterou a Lei 8.036/90 foi editada antes de ser promulgada a emenda constitucional n. 32/2001; anterior, portanto, à alteração da Constituição Federal no sentido de exigir relevância e urgência para a edição de medidas provisórias pelo Presidente da República.

Esse é o parecer, s. m. j.

Salvador – Bahia, 02 de outubro de 2009.

Naldiael Santos Sena



[1]Ainda sobre a repercussão geral, eis o que dispõe o Código dos Ritos, após a edição da Lei 11.418/06:

Art. 543-B.Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1oCaberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2oNegada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3oJulgado o méritodo recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4oMantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5oO Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

[2]Após consulta ao extrato do processo no sítio do C. TST, verificamos que o RE interposto pelo Estado de Roraima teve seu seguimento negado pelo Presidente da Corte Trabalhista. O Ente Federado, inconformado com o despacho denegatório, interpôs, em seguida, agravo de instrumento. Não encontramos o despacho que não recebeu o recurso constitucional no site do C. TST. Após consulta ao sítio da Imprensa Nacional, tomamos ciência do inteiro teor do despacho que negou seguimento ao RE (DJ 17/03/08, pp. 168-169).

No Supremo Tribunal Federal, a Relatora Ministra Presidente Ellen Gracie despachou nos autos do agravo de instrumento, cuja divulgação ocorreu no DJE n. 231, em 03/12/08, nos seguintes termos: "Reautue-se como recurso extraordinário, renovando-se a distribuição. Publique-se".

[3]Reclamação 8171/PE, Rel. Min. Menezes Direito, Dje-088, divulgação 13/05/09, publicado 14/05/09:

"[...] A questão posta nos autos trata da competência para o julgamento de reclamação trabalhista ajuizada contra o Município de Recife, em curso na Justiça Laboral. A decisão desta Corte apontada como ofendida, ADI nº 3.395/DF, deferiu liminar para que as ações envolvendo o Poder Público e seus servidores estatutários fossem processadas perante a Justiça Comum, excluída outra interpretação ao artigo 114, I, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 45/2004. Na RCL nº 5.381/AM, o Plenário desta Suprema Corte fixou o entendimento no sentido de que se a contratação está regulada por uma lei especial, estadual, que, por sua vez, submete a contratação aos termos do Estatuto dos Funcionários Públicos, verifica-se a relação de caráter jurídico-administrativo prevista na ADI nº 3.395/DF. Já no julgamento do RE nº 573.202/AM, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, ocorrido em 21/8/08, também o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, vencido o Ministro Marco Aurélio, concluiu que a relação entre o servidor e o Estado é uma relação de Direito Administrativo, estando subordinada, em qualquer situação, à Justiça Comum. Do exposto, julgo procedente a reclamação, determinando, em conseqüência, a remessa dos autos da reclamação trabalhista nº 01400.2008.019.06.00.0 ao Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco [...]".

[4]TST-RR – 310148/1996.1, 5a Turma, Rel. Min. Darcy Carlos Mahle, DJ 11/06/99.

[5]TST-AIRR – 1452/2004-006-03-40.7, 7a Turma, Rel. Min Guilherme Augusto Caputo Bastos, DJ 13/06/08.

[6]TST - E-RR 5.069/2004-052-11-00.0 - SBDI-1 - Rel. Min. Aloysio Corrêa Da Veiga, DJ 29/08/08

[7]TST-E-RR – 3218/2005-051-11-00.1 - SBDI-1 - Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 13/06/08.

[8]TST-RR – 259/2006-669-09-00.5, 6a Turma, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, DJ 13/06/08.

[9]O § 2º do mesmo preceito, de forma expressa, impõe a nulidade dos atos praticados com inobservância da norma. Contudo, a declaração da nulidade atrai o efeito jurídico da reposição das partes ao "status quo ante".

[10]Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 507.771/AM, Relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 27/11/07, Primeira Turma, divulgado no DJe em 18/12/07, publicado em 19/12/07.

[11]Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 454.409/PI, Relator Min. Carlos Britto, julgamento em 28/06/05 Primeira Turma, publicação em 16/12/05, pp. 82.

[12]Decisão no AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 1.135.934 - RN (2008/0275827-3), DJ 04/06/09.