TENDÊNCIA PEDAGÓGICA TRANSFORMADORA: LIBERTÁRIA E HISTÓRICO-CRÍTICA

INTRODUÇÃO


Os questionamentos como: o que é o ser humano? Qual o significado da natureza humana? são a base de todo e qualquer sistema educacional. Pois tentar buscar respostas para esses questionamentos é buscar o significado antropológico-filosófico da educação; ou seja, é buscar a compreensão do ato educativo através do estudo de um ser humano bio-psíquico, social, político, cultural e filosófico, acrescentando a isso que o fato de que todo sistema educacional pressupõe uma concepção de ser humano e de sociedade (OLIVEIRA, 2003 a).
O sentido da educação nasce "(...) como forma de comunicação com os outros, como forma de transformação da natureza e como invenção e manipulação técnica das coisas" (PAVIANI, 2008 apud OLIVEIRA, 2003).
Em consequência disto, a concepção de ser humano, em relação ao mundo, constrói a concepção de educação e define os objetivos da educação.
Assim, como surgiram várias concepções de ser humano em relação ao mundo, várias foram as construções de concepção de educação, ou seja, várias foram as definições dos objetivos da educação.
No Brasil, as Tendências Pedagógicas na Educação foram: 1 ? Tendências Pedagógicas Reprodutivistas: 1.1 ? Alienantes (Tradicional, Nova, Tecnicista e Neoliberal); 1.2 ? Desalienantes (Aparelho ideológico do Estado e Ensino como Violência Simbólica); 2 ? Tendências Pedagógicas Transformadoras: 2.1-Libertária, 2.2-Libertadora e 2.3-Histórico-Crítica; e também a 3-Tendência Pedagógica da Pós-Modernidade: 3-1-Educação Multicultural Crítica .
Aqui, deteremos-nos à Tendência Pedagógica Transformadora: Libertária e Histórico-Crítica; com suas bases antropológicas-filosóficas, de acordo com as concepções de ser humano em relação ao mundo, de Karl Marx e Antônio Gramsci, embasadas numa concepção de educação progressista.


TENDÊNCIA PEDAGÓGICA TRANSFORMADORA: LIBERTÁRIA E HISTÓRICO-CRÍTICA

Essa Tendência Pedagógica Transformadora, segundo Oliveira (2003 a), traz uma concepção de educação diferente da Tendência Pedagógica Reprodutivista, pois o ser humano passa a ser visto como ser genérico, unilateral, concreto e histórico-dialético; trazendo uma preocupação fundamental de liberar o ser humano das múltiplas alienações (econômicas, sociais, políticas, religiosas, etc.); com uma necessidade de uma consciência social frente a todas as questões da sociedade.
A concepção de educação transformadora (progressista) apresenta uma perspectiva de transformação social ao compreender a educação como um processo sócio-político; ou seja, numa concepção dialética, que vê a educação como contraditória (porque conserva o saber e a cultura, e a cria, negando a superação do saber e da cultura), e em interação com os determinantes sócio-político cultural da sociedade, que concebe em termos de contradição, indivíduo e sociedade, e que rejeita a unilateralização e a adaptação do indivíduo ao status quo; rejeita a adaptação do indivíduo ao status atribuído, que de acordo com Oliveira (2003 b), à posição social atribuída independente da vontade do indivíduo, é a posição social na qual já nasce.
Essa concepção dialética, para Paulo Freire, gera uma pedagogia da pergunta, onde todos os sujeitos educativos participam do ato educativo, através da pergunta, construído neste processo dialogal e democrático; com o objetivo de uma consciência crítica da realidade social para modificá-la, pois o simples ato de perguntar é a base da superação da tendência pedagógica reprodutivista e autoritária da pedagogia da resposta (tradicional). A Tendência Pedagógica Transformadora predominou na formação do pensamento pedagógico brasileiro, na década de 1980, causando conflito entre a sociedade e a educação conservadora, visto que a sociedade desejava uma educação democrática, em busca de uma igualdade social; influenciada, sobretudo, por educadores progressistas e pelas classes populares (OLIVEIRA, 2003 a).
A Tendência Pedagógica Transformadora Libertária e a Histórico-Crítica teve forte influência em Karl Marx e Antônio Gramsci. A Tendência Pedagógica Transformadora Libertária surgiu no Brasil, influencia marxista, na compreensão das partes a partir da necessidade de ter uma visão do todo, já que o todo é mais do que a soma das partes. Assim, para conhecer o processo educacional é necessário, antes, compreender a estrutura da sociedade (onde a escola existe). Para ele, a sociedade é formada por uma estrutura (os meios de produção, como a terra, a indústria e o comércio) e a super-estrutura (os aparelhos ideológicos que justificam a manutenção da estrutura, como a escola, a religião e os meios de comunicação social) (OLIVEIRA, 2003 a).
Segundo Aron (1987), como na sociedade liberal os meios de produção estão em posse dos capitalistas, a função da super-estrutura é a de justificar e reproduzir essa sociedade. Descarte, afirma que a educação é parte da super-estrutura, é parte do controle das classes dominantes. Pois, ao acatar as ideias repassadas pela escola, a classe dos trabalhadores (proletários) assimilava uma falsa consciência, que a impedia de perceber seus próprios interesses. E acontecer, consequentemente, nesta sociedade capitalista, a educação como um meio de dominação de uma classe sobre a outra.
Neste sentido, a escola acaba por alienar os alunos no processo educacional através de dois caminhos: impondo as idéias daqueles que detém o poder e excluindo a classe trabalhadora, subalterna, dos meios de produção e dos bens produzidos. O professor, nesta pedagogia Libertária, mesmo inconscientemente, é um agente da ideologia dominante (ARON, 1987).
Para os marxistas, uma vez que a escola é parte de uma estrutura e contribui para reproduzi-la, a possível saída para tornar a escola uma força de mudança social seria mudar a estrutura da própria sociedade; isto é, para uma organização de uma sociedade socialista, é necessário não existir classes sociais, para com isso desaparecer os conflitos. Campos afirma que para Marx, nessa nova sociedade, trabalho e educação devem estar associados, é a chamada educação politécnica, em que o aluno receberia um conhecimento integrado de saber intelectual, um preparo físico e um ensino profissional. Já Antônio Gramsci defendia que os trabalhadores eram capazes de desenvolver a consciência de classe, apesar de apontar o Estado como responsável pela reprodução das relações de produção que os mantinham longe da auto-consciência (CAMPOS, 2000).
Segundo Carnoy (1986), a sociedade civil é a superestrutura (o contrário de Marx, que considera a estrutura), e que representa o fator ativo e positivo no desenvolvimento histórico; é o complexo das relações ideológicas e culturais; a vida espiritual e intelectual; e a expressão política dessas relações torna-se o centro da análise, e não a estrutura. E que Gramsci inverteu a teoria marxista tradicional em dois aspectos importantes; ao enfatizar a supremacia das superestruturas ideológicas sobre a estrutura econômica, e também a supremacia da sociedade civil (consenso sobre a sociedade política - força). Esta Tese de Gramsci dá origem a uma antítese antagônica (contraditória), que relacionadas, conflituosamente, produzem uma síntese. Pois, para Gramsci, a presença das massas na política é a pré-condição para a sua autonomia.
A Tendência Pedagógica Libertária apresenta como principal característica visar a construção social, coletiva, contrapondo-se ao autoritarismo e à burocratização do ensino, presentes na educação tradicional, seu processo educativo baseia-se na auto-gestão (com autonomia e liberdade para gerir suas ações cotidianas dentro e fora da escola).
Esta tendência pedagógica vê o homem como um ser histórico, determinado pelas condições objetivas de sua existência, ao mesmo tempo em que atua sobre ela por meio de sua práxis, ou seja, compreende o homem como produto social, que desenvolve seu individual no coletivo.
A pedagogia Libertária com relação ao papel na escola valoriza a escola em sua totalidade; a escola apresenta o papel de transformar a personalidade do aluno no sentido libertário e auto-gestionário, numa perspectiva política de transformação social. A escola deve possibilitar a participação coletiva de sua comunidade através de assembléias, conselhos, associações, etc. (numa perspectiva de mudança social). Com relação aos conteúdos, coloca as matérias como não exigidas, com uma prática pedagógica, como foi informado anteriormente, centrada na auto-gestão, em que os alunos juntamente com os professores vão construindo livremente seu conhecimento a partir de suas práticas sociais e coletivas. Com relação aos métodos, baseia-se na vivência de grupo na forma da auto-gestão, onde o processo de ensino-aprendizagem coletivo demonstra uma "conotação política, psicológica e moral", haja vista resultar numa "relação co-participativa, solidária e de co-responsabilidade", passando do "eu" para o "nosso", tornando o indivíduo sujeito desse processo. E com relação à questão, professor x aluno, baseia-se numa relação não diretiva, em que o professor é o orientador, o consultor; e os alunos são livres para contribuírem no processo de construção de seus saberes; numa relação de auto-gestão democrática, visto que é livre e participativa, pois cabe ao professor ser orientador, conselheiro e membro do grupo; ser o educador que direciona a forma de aprendizagem com a efetiva participação do aluno. Possibilitando uma aprendizagem informal, via grupo, em que cada aluno deve conhecer a si próprio e se perceber enquanto corpo, consciência e enquanto um ser social que deve viver e agir coletivamente; interagindo e articulando todas essas características. Portanto, na pedagogia Libertária existe a participação concreta do aluno, do aluno cidadão, que participa do processo de sua aprendizagem, que constrói coletivamente seus saberes e que faz e cria a sua própria história (OLIVEIRA, 2003 a).
A Tendência Pedagógica Histórico-Crítica surgiu no Brasil, na década de 1980, foi elaborada por Demerval Saviani, também com os pressupostos teóricos em Karl Marx e Antônio Gramsci, que segundo Oliveira (2003 a), é uma tendência que considera a educação como um "fenômeno próprio dos seres humanos", numa perspectiva marxista de ver o homem como produtor, como ser de práxis e de cultura, pois é capaz de intervir na natureza e transformá-la criando um mundo de cultura. Numa modalidade de trabalho não-material, ou seja, de produção de saber (idéias, conceitos, valores, símbolos, atitudes, hábitos, habilidades, etc.).
Portanto, essa tendência pedagógica vê o homem como um ser de práxis, aquele que constrói a sua própria existência capaz de transformar a natureza em benefício próprio, o que o torna um ser cultural.
A Pedagogia Histórico-Crítica com relação ao papel da escola coloca uma forma de difundir os conteúdos elaborados, sistematizados, ou seja, é a ciência base do trabalho pedagógico, excluindo o saber cotidiano, do senso comum, considerando a cultura erudita em detrimento da cultura popular. Com relação aos conteúdos, valoriza o currículo escolar, a escrita e o conhecimento científico como ponto de chegada e de igualdade social, onde o ponto de partida e de desigualdade social seria o saber espontâneo (os saberes do cotidiano, do dia-a-dia, os saberes culturais que são incorporados e apreendidos pela humanidade frente à realidade social). Sendo a socialização do saber escolar de fundamental importância para a democratização social e para se chegar a uma sociedade igualitária através da transformação social, ou seja, tendo a escola como mediadora de uma progressão para se chegar a um conhecimento sistematizado. Para isso, os conteúdos devem ter uma conotação que não levam em consideração os saberes espontâneos. Com relação ao Método, esta tendência deixa claro, a função diretiva e de intervenção do professor como responsável pela transmissão e socialização de um saber teórico (competência técnica), cabendo ao educando adquirir este conhecimento sistematizado dentro de um projeto político-pedagógico, para ultrapassar o conhecimento espontâneo, onde ambos são considerados agentes sociais para se chegar em uma sociedade igualitária.
Assim, com relação professor x aluno, na pedagogia Histórico-Crítica, a educação é concebida como "produção do saber", na perspectiva de Gramsci (por possibilitar, através da educação escolar, mudanças no campo simbólico que desencadearão nas transformações sociais); porém, essa educação, essa ação educativa é vista como um processo onde o professor é o produtor do saber e o aluno é o consumidor deste saber, pois nesta pedagogia o professor é o responsável pela transmissão dessa socialização do saber escolar, por possuir a competência técnica, cabendo ao aluno somente aprender os conteúdos para ultrapassar os saberes espontâneos. Apesar de possuir uma visão de Pedagogia Bancária, denominada e criticada por Paulo Freire (onde o professor deposita no aluno os conhecimentos sem levar em consideração a sua realidade social); esta é transformadora, por apresentar a escola uma função política de democratizar o ensino com o objetivo de se ter uma sociedade democrática e igualitária, através de uma socialização do saber (OLIVEIRA, 2003 a).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


As Tendências Pedagógicas Transformadoras (Libertária e Histórico-Crítica) apresentam diferenças fundamentais nas suas características, mas transformadoras, por buscarem uma pedagogia com uma função política de democracia educacional, voltada para a transformação social, para uma vida social melhor. Devido às bases antropológico-filosóficas em Karl Marx e Antônio Gramsci (seguidor de Marx); que olharam, a sociedade como mutável e transformável. Contudo, de diferentes forma, pois para Marx a educação deve ser voltada para a práxis (teoria e prática), de forma a conscientizar o indivíduo, fazendo-o sair de uma visão unilateral, e sim para uma mais global do processo de produção (numa visão genérica que pensa e que faz), ou seja, fazendo-o sair de uma visão alienada; Marx acreditava que a mudança está no plano econômico; e a escola não é um lugar de mudança, pois é criada pela classe dominante, ela é sim um potencial que precisa ser transformado para a classe operária, criticando a forma que ensina somente o executar, pois não possibilita o indivíduo ser pensante; devendo a educação ser transformadora para as classes sociais; enquanto que para Antônio Gramsci, sua concepção de educação segue a linha de pensamento de Marx, mas também deve estar voltada para o "homem como processo dos seus atos", pois para Gramsci a mudança está no plano econômico e no plano ideológico; e a escola é um lugar de mudança, numa idéia realmente de educação transformadora em nível de consciência (produto social). Significando, estas Tendências Pedagógicas Libertária e Histórico-Crítica, incluindo a Libertadora de Paulo Freire (que não abordamos aqui), o rompimento com a pedagogia tradicional e os passos para a Educação Multicultural Crítica (no pensamento educacional de Paulo Freire e Moacir Gadotti). Fazendo-nos, em última análise, percebemos que muitos foram os avançamos nesta trajetória das tendências pedagógicas, porém muitos são os caminhos que a educação brasileira deve percorrer, sobretudo, com a conscientização que devemos buscar e praticar enquanto educadores.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: UNB-Martins Fontes, 1987.

CAMPOS, Judas Tadeu. Tendências da Educação para o Século XXI (texto). São Paulo: Universidade de Taubaté, 2000.

CARNOY, Martini. Estado e Teoria Política. São Paulo: Papirus, 1986.

OLIVEIRA, Ivanilde. Filosofia da Educação: reflexões e debates. 2.ed. Belém-Pará: UNAMA, 2003.

OLIVEIRA, Pércio dos Santos. Introdução à Sociologia. 24.ed. São Paulo: Ática, 2003.

TEIXEIRA, Elizabeth. As Três Metodologias. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.