RESENHA

 

                                                                                                    Antonio Roberto Xavier*

 

*Mestre em Políticas Públicas e Sociedade e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela UECE; Especialista em História e Sociologia e Licenciado pleno pela UECE; Professor dos Cursos de Pós-graduação (Lato sensu) da FVJ e dos cursos de Licenciatura em História e Pedagogia da UVA

  

1) Obra:

  

TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América. 3. Ed. São Paulo: Itália, 1987.

 

2) Credenciais do autor:

 

Aléxis Charles-Henri-Maurice Clérel de Tocqueville nasceu em Paris, em 29 de julho de 1805 e morreu em Cannes, a 16 de abril de 1859. Viveu o período mais atribulado da História francesa durante o século XIX. Tocqueville nasceu pouco tempo após o terror da Revolução Francesa. Assistiu à restauração da Monarquia sob Luís XVIII e Carlos X (a quem seu pai serviu) e à sua subseqüente derrubada por Luís Felipe. A seguir veio a Revolução de 1848 e a segunda República com Luís-Napoleão, Presidente. Este, por sua vez, em 1851, promoveu um golpe de Estado e se fez Napoleão III para, enfim, exercer seu poder absoluto derrubando a Segunda República.

 

Jurista e aristocrata Tocqueville era de uma ilustre família. Descendente de um irmão de Joana D’arc, parente de Chateaubriand e bisneto do estadista Chrétien de Malesherbes (Conselheiro de Luís XV e XVI), tendo, deste modo, vínculos com o Ancien Régime, foi obrigado,  por mais de uma vez, a deixar a França. 

 

Em 1831, por exemplo, devido a problemas pessoais que a derrubada dos Bourbons lhe causava, empreendeu uma viagem aos Estados Unidos da América cujo resultado o tornaria célebre. Sob o pretexto de realizar um estudo sobre o Sistema Penitenciário norte-americano, Tocqueville, juntamente com outro jovem jurista, Gustave Beaumont, aportaram em Newport, Rhode Island, EUA, em 09/05 de 1831, e passariam 09 (nove) meses fazendo leituras, observações, e, sobretudo conversando com as pessoas. O resultado foi a produção da obra: “A Democracia na América”, ora resenhada.

 

3) Digesto:

 

Os rumores na Europa de que havia instituições na América que garantiam a felicidade do homem comum; a inexistência de hierarquias nas relações sociais e a liberdade de imprensa, de reuniões, de associações, de organização popular, de religiões etc., impressionavam a todos os outros povos do ocidente e não foi diferente para o jurista francês Tocqueville.

 

Neste trabalho, discuto a questão da Democracia na América (EUA), focada por Tocqueville, de forma resumida e por demais clara.  A intenção é conhecer a visão desse pensador e o que o levou a produzir uma obra impressionante sobre os EUA. Através do fincando pensamento de Tocqueville e seu estudo sobre a Democracia nos Estados Unidos da América é possível se compreender, nos dias atuais, o porquê dessa Democracia ser considerada como uma das mais fortes e sólidas do mundo e o que levou Tocqueville a realizar sua pesquisa sobre Democracia na América do Norte, especificamente nos Estados Unidos. Questiona-se sobre as peculiaridades da Democracia nos EUA e sua consolidação em relação aos demais países do Continente americano, ou seja, o porquê ou os porquês que determinam à estabilização e efetivo desenvolvimento do Estado democrática de Direito nos Estados Unidos da Ânglo-América. Destarte, a proposta não se unilateraliza apenas na análise do autor referendo. Busca-se o tempo todo interligar o pensamento de Tocqueville com a práxis política atual. Por isso é que exponho os diversos pontos de vista que se pode tirar acerca do pensamento Tocquevilliano e as realidades dos demais Estados “Democráticos” de Direito, sobretudo da Ibero-América, em relação aos Estados Unidos da Ânglo-América.

 

A questão da manutenção da Democracia nos Estados Nacionais Contemporâneos é a grande preocupação de Aléxis de Tocqueville. Ideólogo da construção da Ordem Liberal Moderna viajou para os EUA, a fim de acompanhar o desenrolar do processo democrático, in loco, em curso na Anglo-América.

 

Para Tocqueville, no século de XIX, configuram-se dois tipos idéias de sociedades: a democrática e a aristocrática. Todavia, a tendência no Estado Moderno, no ocidente, seria a predominância do Estado democrático. Nesse caso, necessário se faz definir as características dessa sociedade. Com efeito, nas sociedades democráticas existe a predominância da mobilidade social; possibilidades de ascensão na hierarquia social; igualdade de oportunidades para todos e condições de se chegar ao poder político através do sufrágio universal. Nas sociedades aristocráticas, além da imobilidade social, o indivíduo tem sua condição determinada pelo nascimento de acordo com sua classe social e aceita naturalmente sua posição hierárquica.

 

A idéia de Democracia em Tocqueville está intimamente ligada à condição de igualdade e é algo perseguido naturalmente desde a Antigüidade. Entretanto, é preciso que se mantenha uma constante vigilância com relação à preservação da liberdade. Neste sentido, o processo de democratização na América do Norte parte de duas premissas básicas: a igualdade de condições na formação da sociedade americana e a preservação inconteste da liberdade. Essas são questões que a nova Ciência Política há de se empenhar na análise e exploração. Neste sentido, é que Tocqueville adverte para educar a democracia, purificar seus costumes, adaptar os governos conforme as condições espacial-temporal e as necessidades sócio-econômicas dos seres humanos.

 

Em princípio, é válida destacar que para Tocqueville não pode haver um estados democrático sem liberdade da pessoa humana. Liberdade no sentido de livre arbítrio, de escolher o seu poder moral sobre o próprio destino, o seu dever e o direito de conduzir-se a si mesma, sem deixar a ninguém, muito menos ao Estado, encarregar-se desse bem único que é a liberdade individual do ser humano.

 

A construção da Ordem Liberal democrática nos EUA deve-se a dois principais fatores: primeiro porque foi colônia de povoamento, ou seja, os cidadãos americanos ao saírem da terra-mãe, a Inglaterra, procuraram um lugar propício não para acumular lucro e poder, como ocorreu na Ibero-América, mas para residirem e construírem uma sociedade entre iguais. Segundo, porque a partir deste ideário é formado, inicialmente, o selfgoverment. O selfgoverment consistia, entre outras coisas, na participação de todos nas decisões políticas e fiscalização de todos para com todos. Para este feito foram criados os Conselhos Comunitários, cujos membros eram eleitos por todos os cidadãos. Em seguida, formaram-se Comunas com as mesmas características e, assim, é possível compreender o porquê do fortalecimento da Democracia nos Estados Unidos da América. Essas tradições da formação da sociedade norte-americana foram detectadas por Tocqueville no decorrer de sua pesquisa.

 

Após 09 (nove) meses de estudo e pesquisa de fontes teóricas e empíricas, acerca do processo democrático na América do norte, Tocqueville concluiu que as causas principais que tendem a manter a república democrática nos Estados Unidos da América podiam reduzir-se a três: a situação particular e acidental, na qual a providência situou os americanos, constituiu a primeira; a segunda decorre de suas leis; a terceira, dos hábitos e costumes.

 

Essa situação particular e acidental de que fala Tocqueville é referente ás condições geográficas. Pelo espaço territorial, os EUA não tem áreas limítrofes que favoreçam o confronto com inimigos em potenciais, como outras nações desenvolvidas da Europa. Além disso, os imigrantes que buscam a América são motivados a ficarem por lá em virtude das inúmeras oportunidades de ascensão e progresso em função do desenvolvimento daquela nação.

 

Entretanto, as condições geográficas apenas favorecem para a construção da Ordem Liberal na modernidade no sentido do livre arbítrio e nas garantias de liberdades individuais de acordo com os preconceitos daquele Estado democrático de Direito. Ratificando Tocqueville, os sustentáculos da liberdade e de uma sociedade democrática como a da América são as “boas” leis, os hábitos, os costumes e as crenças. O caráter das “boas” leis, a que se refere Tocqueville, é o federativo previsto na constituição americana. Os hábitos e costumes são aqueles que ao longo dos anos vão se repetindo, porém, caso sejam viáveis e aprovados pela maioria serão sempre conservados. Por último, as crenças ou as liberdades de culto. Sabe-se que a fundação dos EUA foi decorrente das perseguições religiosas existentes na Inglaterra. Desta forma, ao se constituir a nova sociedade em território autônomo na América do Norte, o culto religioso passa a ser liberal e logo proclamado na Carta de Independência americana. Essa combinação do espírito de liberdade com o espírito de religião contribuiu e contribui até hoje para o fortalecimento da Democracia americana.

 

Na visão tocquevilliana é abordado que a vontade da maioria constitui um Estado democrático. Todavia, com é possível evitar que com o tempo essa vontade não se transforme numa ditadura na maioria? Ao discutir essa questão Tocqueville acredita que para que isso não ocorra é preciso politizar a Sociedade Civil que deve se manter constantemente reunida em associações participando das decisões prevalecentes do interesse coletivo e sentindo continuamente o prazer e a importância da liberdade. A sua proposta básica é que haja o controle consciente a fim de que a liberdade não seja gradativamente corroída e, finalmente, destruída.

 

Sabe-se que nos EUA existe a centralização governamental, porém, a centralização administrativa é ausente. Isto contribui para a  desburocratização do Estado Moderno proporcionando uma fiscalização maior da coisa pública através de accountability freqüentemente realizada pela própria Sociedade civil organizada. Cada cidadão americano é fiscalizado pelo seu próximo e vice-versa. É isto que possibilita o funcionamento mais adequado do Estado democrático de Direito nos EUA.

 

Com efeito, praticamente não houve aspectos da vida política dos Estados Unidos da América que não tenham sido analisados por Tocqueville. Por exemplo, ao interpretar o poder judiciário ele o toma com duas instituições: uma de caráter judiciária e outra como instituição política. Os magistrados, apesar de comporem uma classe aristocrática que se destaca na sociedade americana são também controlados pela vontade soberana da maioria do povo e não detêm poder intocável, podendo ser submetidos a amiúde eleições por representantes das câmaras populares. Este fato, inclusive, preocupava Tocqueville como um possível enfraquecimento posterior da República democrática norte-americana.

 

Considera-se a obra de Tocqueville: A Democracia na América, como uma das mais lúcidas para se compreender, hoje, questões como a lei do consuetudinário (costumes); o americanismo; o patriotismo americano; as decisões políticas resolvidas nos Tribunais, como o caso de Bush e Gore; as autonomias dos Estados americanos e, sobretudo a fiscalização que o povo americano tem entre si. Imagino o quanto esse pensador ficou deslumbrado com as liberdades individuais que viu no povo americano e como ficou perplexo ao voltar a França, diante do processo democrático que se arrastava em meio a violência e dificuldades que a aristocracia francesa impunha defendendo seus interesses subjugados do povo, arraigados em práticas antigas.

 

Entretanto, mesmo considerando como avançadíssimo o processo democrático nos EUA, Tocqueville considerava a questão da escravidão nos EUA uma constante ameaça á Democracia. Até nos Estados que ela havia sido abolida (Estados do Norte), ainda perduravam três graves preconceitos: o do senhor, o da raça e o do branco. Isto significava que o negro podia ser livre, mas não podia partilhar dos direitos, nem dos prazeres, nem das formas de trabalho, nem das dores e nem mesmo da sepultura daquele que de quem foi declarado igual, ou seja, o negro gostaria de se confundir com o europeu e não podia. O índio, até certo ponto, poderia, mas desdenhava da idéia de tentar. Enfim, o servilismo de entregava-o á escravidão e o orgulho dou outro á morte. Quero ressaltar que tanto essa condição servil do negro como o destino á morte do índio foram condições impostas e incontestes por aqueles que se julgavam pertencer á civilização superior.

 

Sob outro prisma, assim como Tocqueville, não ergo a bandeira de que o modelo de Democracia americano deva ser adotado em todo o resto do mundo. Contudo, é preciso dizer que os EUA contrariaram a tese de Montesquieu de que governo democrático só daria certo em Estados pequenos e que devido a dimensão dos Estados Modernos a tendência seria sempre a instalação de Monarquias absolutistas.

 

Finalmente, coaduno com as idéias de Tocqueville, ou seja, o processo democrático na América era sustentado pela Federalização; boas leis; bons hábitos e costumes e a união do espírito de liberdade com o espírito religioso. Além disso, a predominância da vontade popular, através da participação direta nas decisões governamentais e a descentralização administrativa explicam, por fim, o fortalecimento da Democracia nos Estados Unidos da América. Por outro lado, considero exagero que se diminuir o poder e a independência dos magistrados esteja-se atacando a República democrática. O único poder que deve continuar absoluto é a vontade soberana da coletividade. A Ordem Liberal vivificada pelos cidadãos americanos e sua formação em sociedade, sua história, sua geografia, sua cultura e sua política.