Resenha- O Conflito Entre o Poder do Empregador e a Privacidade do Empregado no Ambiente De Trabalho

PADILHA, Sandra. Direito à intimidade e à vida privada nas relações públicas: alcance na relação de emprego. Prim@ Facie International Journal. João Pessoa, v. 3, n. 5. p. 53-72. Jul/Dez 2004. PPGCJ/UFPB, João Pessoa. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/primafacie/article/view/4475/3381 Acesso em: 29 abril 2013.

BATTISTELLI, Bruna Moraes; AMAZARRAY, Mayte Raya; KOLLER, Sílvia Helen. O assédio moral no trabalho na visão de operadores do direito. Psicologia & Sociedade. Florianópolis, v. 23, n 1, 35-45. p. 35-45. Jan/Abr 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822011000100005&script=sci_arttext. Acesso em: 29 abril 2013.
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Paulo César Gomes
Professor, escritor e aluno bacharelando em Direito – FIS

Tanto no artigo de Sandra Padilha: “Direito à intimidade e à vida privada nas relações públicas: alcance na relação de emprego”, como no artigo de Bruna Moraes Battistelli; Mayte Raya Amazarray e Sílvia Helen Koller: “O assédio moral no trabalho na visão de operadores do direito - Psicologia & Sociedade”, apresentam temas que têm como pano de fundo os conflitos entre em empregados e empregadores. Sendo assim, buscaremos analisar a história e a evolução das liberdades públicas, a constitucionalização e garantias, enfocado os direitos da personalidade, nos quais se insere o direito à intimidade e à vida privada e seu alcance na relação de emprego. Além disso, tentaremos entender um pouco mais sobre o assédio moral do ponto de vista do empregado.

A fim de analisar os limites do poder do empregador no ambiente de trabalho, recorremos ao direito constitucional de propriedade da empresa nos limites da sua função social. Por outro lado, será necessário uma analise sobre o direito constitucional de privacidade e intimidade inserido dentro do contexto do contrato de trabalho, já que este tipo de contrato tem como um de seus elementos a confiança (fidúcia), sendo assim, é razoável que o empregador proceda a fiscalizações diariamente sobre o caráter de seus empregados a pretexto de defender sua propriedade?

Não há dúvidas que o assunto é atual e envolve uma ampla discussão, principalmente nos nossos tribunais. A jurisprudência trabalhista é recente e escassa. Portanto, a minha pretensão nesta resenha não é apresentar conclusões, mas contribuir, mesmo que de forma tímida, para este debate técnico e jurídico.

Segundo Sandra Padilha o direito à intimidade e à vida privada encontra-se entre os denominados direitos da personalidade, que, originariamente, eram reconhecidos em paralelo aos direitos patrimoniais. Esses direitos vêm evoluindo conjuntamente com os direitos dos cidadãos, influenciados inicialmente pela filosofia personalista, chegando à sua positivação na legislação de vários países, os quais serão analisados enquanto vigentes numa ordem constitucional.

Uma das primeira questão a ser abordada, trata das expressões: liberdades públicas, direitos do cidadão, direitos do homem e direitos fundamentais, a serem usadas indistintamente na literatura jurídica. A Declaração de 1789 intitulou-se Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, nesse tocante, os primeiros seriam direitos pertencentes ao homem, enquanto tal, e os segundos ao homem, enquanto ser social. Segundo Canotilho:

Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. (1998, p. 359).

A expressão liberdades públicas está consagrada pela doutrina como a mais abrangente. As liberdades, estejam elas envolvendo particulares, ou entre particulares e o Estado, são sempre públicas, pois há sempre a presença do Estado, assegurando, através da legislação e da jurisdição, o direito. A legislação trabalhista confere a todo empregador o direito de admitir, assalariar e dirigir a prestação pessoal de serviço (artigo 2o da CLT).

Segundo Sandra a positivação de direitos fundamentais significa a sua incorporação numa ordem jurídica, ou seja, sob a forma de normas. Considera-se imprescindível, para que as liberdades públicas sejam protegidas pelo Estado, a sua incorporação a um documento legal básico. Mas, para assegurar-lhe a dimensão de “direitos fundamentais”, é necessário que seja na constituição, no ápice da fonte primária de normatividade. A constitucionalização tem como consequência à proteção dos direitos, entre eles, os fundamentais, mediante o controle jurisdicional.

A atual Constituição Federal afirma que “é garantido o direito de propriedade” (artigo 5º, XXII, CF) e que “a propriedade atenderá a sua função social” (artigo 5º, XXIII, CF). A constituição assegura toda e qualquer propriedade, desde a imobiliária até a intelectual.

A expressão “função social da propriedade” é um conceito que implica num caráter coletivo, não apenas individual. Significa dizer que a propriedade não é um direito que se exerce apenas pelo dono de alguma coisa, mas também que esse dono exerce em relação a terceiros.

A propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo contra essa, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao grupo social, um benefício pela manutenção e uso da propriedade. Neste sentido, deve-se entender também a propriedade da empresa e o poder de direção do empregador.

O poder diretivo do empregador deve buscar um novo significado no século XXI. O conteúdo desse elemento caracterizador do contrato de trabalho não pode assimilar-se ao sentido predominante na Idade Média: o empregado não é ‘servo’ e o empregador não é ‘senhor’. Há de partir-se do pressuposto da liberdade individual e da dignidade da pessoa humana do trabalhador.

Outra questão que extremamente questionada por juristas e entidades de classe, com sindicatos e centrais sindicais, são os crescentes números de assédio moral no ambiente de trabalho, algo que pode estar ligado a esse conceito medieval de empregado ‘servo’.

Segundo os entrevistados que participaram do trabalho que possibilitou “O assédio moral no trabalho na visão de operadores do direito - Psicologia & Sociedade”, o assédio moral refere-se a um conjunto de comportamentos que atingem, repetidamente, a dignidade dos trabalhadores, tendo por objetivo realizar pressão psicológica no ambiente laboral. Entretanto, ressalte-se que os participantes não apresentaram um conceito único de assédio moral, cada qual salientando algum aspecto em detrimento de outro.

Para os participantes do estudo, tais comportamentos, frequentemente, ocorrem inseridos nas políticas organizacionais, pautadas pela competitividade e estabelecimento de metas abusivas. Na visão dos entrevistados, a organização do trabalho é um elemento importante para se pensar o assédio moral, apontando o medo do desemprego, por exemplo, como um fator crucial e que dificulta as denúncias por parte dos trabalhadores vitimizados.

O grande problema é que não há uma linha exata e distinta que estabeleça onde começa e termina o poder de subordinação do empregado e nem sempre é fácil distinguir tal poder com as novas tecnologias de trabalho e os novos meios de informação.

Apesar da expressão previsão constitucional do direito de propriedade da empresa que detém o empregador, a nossa Carta Magna não deixa de defender os direitos de personalidade dos empregados, pois garante a todo cidadão a proteção da sua intimidade e vida privada.

Os novos rumos de modernização que têm tomado nossas vidas nos últimos tempos têm se chocado com os direitos de preservação a intimidade com os direitos do empregador, quanto mais com a presença de máquinas, filmadoras, computadores, em todos os lugares. Não há como negar que o avanço da tecnologia nas últimas décadas vem fazendo grande revolução às relações e vínculos de trabalho.

No entanto Sandra Padilha nos aponta uma questão que é a inexistência de norma trabalhista, específica, no Brasil, que disponha sobre o direito à intimidade e à vida privada do empregado, é positiva, pois, prevalece a norma constitucional insculpida no art. 5º, inciso X, que por ser genérica, possibilita sua adequação às diversas situações nas quais esses bens sejam violados.

A compatibilização do direito à intimidade e à vida privada do empregado e o poder de propriedade do empregador encontra respaldo no princípio da dignidade humana que permeia todo o nosso ordenamento jurídico, sendo esse princípio inserido como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III), assegurando os direitos individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais, vinculando todos os integrantes da sociedade.

Ademais, na interpretação há que se atentar também para a técnica da “interpretação conforme a Constituição”, pela qual, se houver possibilidade de interpretação de que se extraia a compatibilização da norma com a Constituição, a norma é constitucional e como tal se aplicará de acordo com a Constituição.

A interpretação conforme a Constituição só possibilita a opção entre dois ou mais sentidos possíveis da lei, mas nunca uma revisão de seu conteúdo. Assim, a interpretação conforme a Constituição possui limite “na letra e na clara vontade do legislador”, sendo imperioso “respeitar a economia da lei”, não podendo implicar na “reconstrução” de uma norma que não esteja explícita no texto, caso contrário, haverá usurpação de funções, convertendo os juízes em legisladores ativos.

As questões levantadas por Sandra Padilha em seu artigo nos leva a refletir sobre uma nova realidade no cenário do Direito do Trabalho : que a proteção ao trabalhador suplantou patamares pecuniários e que a sociedade está preocupada com o meio ambiente do trabalho e com um dos direitos mais importantes da personalidade da humanidade, que é o direito à dignidade do trabalhador. A mesma dignidade que usurpada quando da prática do assédio moral.

A relação de trabalho é o local privilegiado para lidar com a questão dos direitos fundamentais em face da autonomia privada das partes (contrato de trabalho). Vale ressaltar o que o que nos apresenta o ministro do STF Marco Aurélio M. F. Mello que diz o seguinte: “conscientizem-se os empregadores de que a busca do lucro não se sobrepõe, juridicamente, à dignidade do trabalhador como pessoa humana e partícipe da obra que encerra o empreendimento econômico”.

A minha conclusão, após verificar os dos artigos acima citado, é de que deve haver uma discussão profunda sobre os temas, além de uma nova leitura constitucional, ou seja, quando o legislador determina que o empregador “dirige” a prestação de seus empregados, deve-se interpretar que o empregador deve exercer os seus poderes de empresário, com boa fé objetiva, de forma ética e solidária, com respeito aos seus empregado como pessoa dotada de dignidade humana, preservando assim o direito do empregado a sua intimidade e as condições normais de trabalho, sem pressão psicológica ou física.