Recuperação – oportunidade de sucesso

As escolas estaduais de São Paulo, por meio do Parecer CEE nº 67/98 que aprovou as Normas Regimentais Básicas, receberam instruções para a confecção dos Regimentos Escolares. Desde então, ocorreram várias alterações em decorrência de novas legislações educacionais.

É interessante refletir que, pertencentes a um mesmo sistema de ensino, as escolas são regidas por normas comuns, no entanto há possibilidade de estabelecerem seus passos e ritmos com certa autonomia, portanto cada escola possui uma identidade diferente dentro de um sistema igual.

"...o regimento perdeu seu caráter burocrático, adquirindo, ao lado do projeto pedagógico, uma nova dimensão: ele continua sendo o instrumento que organiza e disciplina as rotinas escolares, definindo normas e critérios que regulam seu funcionamento; mas agora faz isso articulando-se com o projeto pedagógico." [1]

À escola cabe viabilizar a todos os alunos oportunidades de aprendizagem e possibilitar a superação das dificuldades encontradas no percurso desse aprendizado. A recuperação é um instrumento relevante para levar o aluno ao sucesso escolar. Contínua ou Paralela objetivam combater a defasagem de conteúdo programático. É interessante refletir, nesse sentido, o que diz BARRETO:

"Nós queremos caminhar para um horizonte determinado, o da escola democrática e inclusiva, que acolha as crianças, sem exceção, e dê conta de ensinar-lhes conteúdos socialmente significativos, mas não sabemos como fazer para chegar lá."

Nesse artigo, pretendo, num primeiro momento, levar o leitor à reflexão sobre um tópico muito importante inserido no Regimento Escolar da Escola Estadual de São Paulo – a recuperação. Na segunda parte, deste artigo pretendo delinear de modo sucinto o Projeto Texto e Contexto, encaminhado à Secretaria de Estado da Educação.

A recuperação contínua desenvolvida pelo professor responsável pela classe é realizada, no decorrer das aulas, por meio de orientação de estudos e atividades diversificadas de acordo com as dificuldades dos alunos. É necessário, pois, que o professor conheça defasagens e ritmos de cada educando para assim planejar tais atividades com estratégias específicas, uma vez que o atendimento deve ser individualizado.

Algumas considerações merecem nossa reflexão: o número excessivo de alunos em sala de aula exigirá do docente mais atenção, liderança e flexibilidade; o planejamento das aulas é essencial para que, mesmo desenvolvendo trabalhos diferentes, todos os alunos produzam e correspondam às expectativas do professor; disponibilidade a mudanças para, se necessário, alterar rumos; valorização dos pequenos avanços conquistados pelos alunos que apresentam maiores dificuldades.

Quando os alunos continuam apresentando defasagens de estudos, o Regimento Escolar, determina o encaminhamento do mesmo para a recuperação paralela, ou seja, atividades que ocorrerão em período diverso ao das aulas regulares.Importante instrumento, possui resolução própria, definindo a montagem das turmas para participação dos projetos. Identificação das dificuldades do aluno, objetivos, atividades propostas, procedimentos avaliatórios, critérios para agrupamentos de alunos e formação das turmas são descritos nos referidos planos.

Identificar as dificuldades de cada aluno exige que o professor estabeleça um critério para o mínimo de conteúdo, objetivando a formação de turmas que apresentem dificuldades semelhantes. Objetivos claros e de acordo com a realidade escolar e as propostas de atividades, sugeridas pelo docente das aulas regulares, possibilitam ao professor responsável pela recuperação paralela um trabalho organizado com trajeto bem delineado e metas precisas.

A respeito da recuperação paralela, cabe tecer alguns questionamentos e comentários: são indicados para a turma apenas alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem ou, também, aqueles que não seguem as normas de convivência? É preciso entender que se trata de atividades para a superação de defasagem de conteúdo e não um instrumento disciplinador de alunos. Ao contrário, quando alunos que apresentam problemas disciplinares e não dificuldades de conteúdo fazem parte da mesma turma, esses atrapalham os rumos traçados previamente pelos docentes. Os conteúdos estabelecidos para as atividades de recuperação são os essenciais ou o docente não os prioriza? O professor responsável pela recuperação paralela tem o perfil apropriado para o desenvolvimento das atividades? Atualmente, o Diretor pode analisar os resultados de trabalhos anteriores e assim decidir por docentes cujos perfis sejam adequados às atividades de recuperação paralela.

É inconcebível que o educando com defasagem de aprendizagem participe de dupla jornada de aulas, com os mesmos conteúdos e desenvolvidos da mesma forma. Se isso ocorrer, teremos não um instrumento para levar o aluno ao sucesso, mas sim um ratificador de seu fracasso.

Vale ressaltar que muitos casos de alunos que têm problemas de dislexia, deficiências auditiva e/ou visual são indicados para a composição das turmas de recuperação paralela, entretanto o docente responsável pelo projeto nem sempre sabe lidar com tal situação.

As famílias, por outro lado, nem sempre valorizam as atividades de recuperação paralela, na maioria das vezes, por falta de esclarecimentos da própria equipe pedagógica. Apresentam justificativas diversas para não levar os filhos em períodos diversos aos das aulas regulares: despesas com transporte; obrigações dos responsáveis e a impossibilidade de acompanhar as crianças e/ou adolescentes à escola; o desconhecimento da existência do projeto e do encaminhamento dos filhos a essas atividades. É preciso, contudo, que a escola, o professor, os pais e o aluno acreditem no instrumento recuperação para que a frequência do aluno seja regular e, realmente o resultado seja positivo. Se tomarmos um medicamento e não acreditarmos na sua eficiência, provavelmente não se obterá o efeito desejado.

As recuperações contínua e paralela garantem a superação das dificuldades apresentadas pelo educando? Que espaço pedagógico é destinado à discussão sobre os assuntos? O tema, embora inserido legalmente nos regimentos escolares recebe a atenção necessária nas reuniões pedagógicas? Abordaremos, a seguir, duas reuniões pedagógicas relevantes no universo escolar: HTPCs e Conselho de Classe.

As horas de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) que ocorrem, pelo menos, duas vezes na semana, deveriam privilegiar os seguintes assuntos: estratégias para sanar dificuldades de alunos na própria sala de aula, valorizando, assim, a recuperação contínua; avaliação do processo de recuperação paralela, visando possíveis correções de trajetórias; análise de resultados para a confecção de turmas de recuperação. No entanto, muitas vezes, com a justificativa de que a escola atual deve ser mais aberta, os temas priorizados nem sempre são os desejáveis. São discutidos projetos sobre meio ambiente, preservação do patrimônio público, festas como dia das mães, dia dos pais, festa junina, exposição ou feira cultural. Não podemos descartar tais assuntos, porém valorizá-los a ponto de ocupar várias reuniões planejando e avaliando projetos, faz com que o foco deixe de ser a aprendizagem.

Outro problema sério que o gestor escolar enfrenta diz respeito à elaboração de um horário compatível com a vida funcional docente, pois, principalmente na cidade de São Paulo, muitos professores têm jornadas excessivas de trabalho atuando em diferentes unidades escolares públicas (municipal e/ou estadual) e/ou particulares.Como garantir a unidade da equipe num mesmo horário?

E os Conselhos de Classe inseridos no Regimento Escolar como espaço para analisar as dificuldades de aprendizagem dos alunos; propor encaminhamento de alunos para recuperação paralela; acompanhar o rendimento escolar apresentando propostas de solução, dentre outros; funcionam como devem? É comum que, em reuniões de Conselho de Classe, discutam-se problemas disciplinares, frequência irregular dos alunos, pauta de reunião com pais de alunos com o objetivo de informar os mesmos sobre o rendimento dos filhos. Muitos educadores argumentam que o tempo destinado às reuniões de Conselho de Classe é exíguo, no entanto, se, durante as HTPCs, muitas providências já foram encaminhadas, provavelmente, nos referidos conselhos, os pontos essenciais, mereçam destaque, consequentemente a pauta pode-se adequar ao tempo estipulado.

Em relação à reunião com pais, durante o ano letivo, em atendimento à Deliberação CEE 11/96[2] o docente deve preencher a Ficha Individual de Avaliação Periódica, propondo principalmente recomendações ao aluno e aos pais e esclarecendo as providências de professor e escola para sanar possíveis dificuldades de aprendizagem. Se por um lado, esta tarefa é considerada como essencialmente burocrática, por outro, as recomendações aos pais e a própria autoavaliação do que a escola e o professor vêm efetuando para levar o aluno ao sucesso escolar são extremamente pedagógicos. É preciso quebrar o mito de que o registro não é importante, pois esse serve como um ponto de onde partirá novas demandas. Se os registros não forem considerados, iniciaremos as reuniões pedagógicas sempre do zero, inviabilizando a continuidade do processo.

Concluindo esta primeira parte, gostaria de refletir - as recuperações são entendidas como novas oportunidades de aprendizagem; como medidas saneadoras de defasagens de conteúdo ou, ainda como reforço das dificuldades detectadas?

Após análises do cotidiano escolar em relação aos temas recuperação e reuniões pedagógicas, passo a delinear de modo breve o Projeto Texto e Contexto, encaminhado à Secretaria de Estado da Educação.

Trata-se de um trabalho direcionado a alunos de 5ª e 6ª séries (6º e 7º anos) do Ensino Fundamental que ainda não possuem competência leitora nem competência escritora.

Muitos professores especialistas recebem grupos de alunos na 5ª série (6º ano) "não alfabetizados" e encontram dificuldades em selecionar atividades para que tais alunos possam produzir. É comum encontrarmos dentre os ditos "indisciplinados" uma grande porcentagem de pré-adolescentes e adolescentes que não conseguem ler nem escrever. Se os códigos transcritos na lousa não representam nada para eles, se o conteúdo segue independente da aquisição de conhecimento dos alunos, como eles podem se comportar durante a aula, uma vez que, nessa faixa etária, a atividade humana é plena? Os alunos, portanto, optam por produzir brincadeiras e chamar atenção de alguma maneira, para não se sentir à margem do processo. Se, por um lado, o aluno assume, geralmente, essa postura, o professor, muitas vezes não é alfabetizador, portanto não possui as estratégias que levem o adolescente a adquirir as competências necessárias. As recuperações paralelas com docentes não alfabetizadores apresentam, geralmente, resultados insatisfatórios, torna a escola cansativa e nada atraente ao aluno.

O Projeto Texto e Contexto possui dois aspectos essenciais para a alfabetização dos pré-adolescentes: o recurso humano especializado – se a ideia é alfabetizar por que não admitir um alfabetizador? E, o segundo aspecto é a garantia das reuniões pedagógicas tendo como único foco a aprendizagem desses alunos.

Como aconteceria o Projeto? Nos moldes da recuperação paralela, isto é, em horário diverso ao das aulas regulares e com professor selecionado para o projeto, as atividades serão realizadas em dois dias da semana, num total de quatro aulas.

Como seria a admissão de um professor alfabetizador por uma escola destinada ao Ensino Fundamental – Ciclo II? A contratação do docente não precisa ser feita necessariamente pela unidade escolar participante do projeto. Daí, a parceria com a Diretoria de Ensino por meio da Oficina Pedagógica. A equipe alfabetizadora estaria ligada diretamente aos Professores Coordenadores da Oficina Pedagógica e somente selecionados a partir da análise dos resultados obtidos anteriormente, ou seja, o trabalho docente seria referência para a contratação. As reuniões pedagógicas aconteceriam duas vezes por semana. Estudo sobre o projeto, elaboração das atividades, análise de rendimento, busca de estratégias, socialização de experiências serão objetos de tais reuniões, devidamente registradas em planilha específica de acompanhamento.

A ousada meta do Projeto Texto e Contexto é alfabetizar 100% dos pré-adolescentes e adolescentes inscritos no projeto. Num primeiro momento, como a responsabilidade será da Secretaria de Estado da Educação, é aconselhável que apenas algumas Diretorias de Ensino participem, indicando escolas com menores índices de rendimento escolar.

Os outros detalhes constam do Projeto encaminhado à Secretaria da Educação e, como será de responsabilidade da mesma, opto por aguardar a resposta. Contudo, seria muito importante a opinião de educadores sobre o projeto aqui descrito.

Referências Bibliográficas

ARRETCHE, Marta. A importância da avaliação. Curso de Especialização e Gestão Educacional: CDROM 03 - UNICAMP. Campinas, 2005.

BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Os desafios da avaliação nos ciclos de aprendizagem. In Progressão continuada – compromisso com a aprendizagem. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002.

FREIRE, Madalena. O papel do registro na formação do educador. InPEREZ, José Roberto Rus et all (Org.). Estudo, Pensamento e Criação. 1ª ed. Campinas, SP: UNICAMP, vol. III, 2005, 16.

GROSBAUM, Marta Wolak. Progestão: como promover o sucesso da aprendizagem do aluno e sua permanência na escola?, módulo IV. CONSED – Conselho Nacional de Secretários da Educação,. Imprensa Oficial do Estado de são Paulo, 2004.

MACEDO, Lino de. O fracasso escolar hoje. Pátio: revista pedagógica. Porto Alegre: Artmed, v.3 n. 11. P. 20-23 nov. 1999/ jan.2000.



[1] Progestão -Módulo IV

[2]Deliberação CEE 11/96 (publicada no Diário Oficial de 28/12/96) que dispõe sobre pedidos de reconsideração e recursos referentes aos resultados finais de avaliação de alunos do sistema de Ensino Fundamental e Médio do Estado de São Paulo, regular e supletivo, público ou particular.