Razões por que algumas mulheres se sujeitam a relacionamentos conjugais violentos.

Autores:

ALTEONE GONÇALVES

CAROLINA ANDRADE

DÉBORA GOMES

ELIANE ROSA

PRISCILLA CRISTINA

ROBERTA MORAIS

ROSIANA MOREIRA

SABRINA FARIA

SEBASTIÃO BICALHO


Trabalho acadêmico apresentado ao Curso de Psicologia do Centro Universitário UNA como requisito parcial para aprovação na disciplina Trabalho Interdisciplinar Dirigido I.

Orientadora Profa. Tereza Cristina Peixoto

Co-orientadores: Todos professores do 1º Módulo do curso.

Belo Horizonte

2012

RESUMO

A violência contra a mulher no contexto conjugal vem se apresentando como um dos mais complexos problemas de saúde pública. Embora sejam observados alguns avanços no sentido de proteger a mulher contra as agressões do parceiro, como é o caso recente da Lei Maria da Penha, ainda se percebe que algumas mulheres preferem permanecer ao lado de seus agressores, mesmo que sejam submetidas a constantes abusos. O objetivo deste estudo é compreender os motivos pelos quais essas mulheres se conformam em conviver com seus parceiros numa relação violenta e, para isso, foram feitas pesquisas bibliográficas em livros e artigos nas bases de dados científicas Scielo e BVS-psi. Conclui-se pelo estudo realizado que a violência conjugal contra a mulher é fruto de fatores históricos, sociais, culturais, econômicos e psicológicos, o que torna sua erradicação uma tarefa complexa e delicada. Apesar dos avanços, como é o caso da Lei Maria da Penha, muito ainda resta por fazer, principalmente no que tange ao preparo dos profissionais do poder público para lidar adequadamente com o desafio de auxiliar e proteger as mulheres vítimas de violência conjugal. Apenas sentindo-se seguras e amparadas, algumas dessas mulheres poderão vencer o medo e ultrapassar as barreiras que as obrigam a permanecer ao lado de seus parceiros agressores.

Palavras-chave: Agressão; Mulher; Violência conjugal.

1 INTRODUÇÃO 

Nos tempos atuais, assiste-se a dois movimentos na sociedade que, à primeira vista, parecem contraditórios. De um lado, a conquista pela mulher por espaços que antes eram reservados aos homens; por outro lado, a violência do homem contra a mulher, principalmente no ambiente doméstico, ocupando cada vez mais manchetes nos noticiários brasileiros. Se o primeiro desses movimentos aponta para o crescente empoderamento da mulher frente ao homem, o outro dá a entender que a tão propagada igualdade entre os sexos e a equivalência na relação de forças entre eles ainda estão longe de serem alcançadas (CORTEZ; SOUZA; QUEIRÓZ, 2010).

Se esses movimentos parecem, à primeira vista, surpreendentes e contraditórios, outro fenômeno relativo ao problema da violência contra a mulher pode, em princípio, provocar no observador menos atento estranheza ainda maior, como a apresentada pela seguinte questão:  por que algumas mulheres que sofrem violência de seus parceiros no ambiente doméstico insistem em permanecer em seus lares, mesmo cientes de que a violência sofrida certamente voltará a ocorrer?

Algumas pesquisas evidenciam que as vítimas que mantêm o relacionamento afetivo-conjugal violento por muito tempo pertencem a diversas classes sociais, etnias, religiões, graus de instrução, idades, e estão presentes em vários países, mesmo com todo o avanço no campo do conhecimento (MARCON; ELSEN, 1999 apud SOUZA; ROS, 2010).

Dessa forma, trata-se de um problema de saúde pública, que  acarreta, dentre outras consequências: desencadeamento de transtornos físicos e mentais na mulher que convive com a relação conjugal violenta;  diminuição da qualidade  de vida da mulher agredida; limitação de sua capacidade produtiva, sua auto-estima, seu conhecimento, sua educação, sua saúde e sua carreira profissional. (REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE - RNFS, 2002; BRASIL, 2001 apud SOUZA; ROS, 2010).

No intuito de compreender esse fenômeno, estudos evidenciam que vários fatores contribuem para a omissão de algumas mulheres frente à agressão de que são vítimas, como fatores sociais, financeiros, ideológicos e subjetivos. Mesmo conhecendo a lei que as protege, essas mulheres preferem manter-se no anonimato e anular-se no relacionamento conjugal perante a dominação do agressor.

No Brasil, pesquisas apontam a subnotificação da violência contra a mulher: as mulheres recusam-se a utilizar os recursos legais para defender-se do agressor. E quando o fazem, desistem da denúncia [...] Estes dados são similares aos de pesquisas internacionais [...] A mulher, apesar do apoio institucional para protegê-la, recusa-se a defender-se da agressão cometida por seu parceiro. Estudos concluem que a violência cotidiana nem mesmo é percebida como violação dos seus direitos, pela mulher: é considerada normal no contexto familiar [...] Os dados mencionados mostram as dificuldades das mulheres agredidas em assumir-se como cidadã, exercendo seus direitos (JONG; SADALA; TANAKA, 2008, p. 745).

Na atualidade, grandes avanços foram alcançados para enfrentamento dessa situação, abordando a violência não apenas pela agressão física, mas também pelo assédio sexual e pelas agressões patrimoniais, psicológicas e morais (BRASIL, 2006).

As questões que originaram este estudo referem-se à participação da mulher na violência de que é vítima. Seria a mulher uma simples vítima da violência do parceiro ou seria ela corresponsável pela ocorrência das agressões sofridas? Neste último caso, quais são as razões para que a mulher se resigne a uma situação tão degradante e indigna?

Dessa forma, este estudo visa explorar o cerne desta última questão, ou seja, seu objetivo precípuo é compreender o que leva algumas mulheres a permanecer no relacionamento conjugal violento.

Para atingir esse objetivo geral, primeiramente buscar-se-á definir o que é a violência conjugal contra mulheres, para que se tenha clareza sobre o contexto em que se baseia este trabalho. A seguir, serão identificadas as formas de abuso e agressão sofridas em ambiente doméstico. Finalmente, serão apresentados os fatores que levam algumas mulheres a permanecer em relações conjugais violentas.

Em face do grande número de casos de violência conjugal contra as mulheres, tão comum nos noticiários atualmente, este estudo torna-se sumamente relevante, uma vez que, como afirmam RAMOS; OLTRAMARI (2010, p. 419), são estudos como este que “contribuem para o constante repensar dessas práticas violentas e do preconceito de gênero em nosso cotidiano”, expondo de maneira mais clara as raízes do problema para que se possam estimular reflexões, conscientização, orientação e encaminhamento mais assertivo das mulheres que se encontram nessa situação.


2 METODOLOGIA

 

 

A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho foi de pesquisa bibliográfica em livros e artigos científicos nas bases de dados científicas Scielo e BVS-psi, utilizando os seguintes descritores para busca dos artigos: Violência conjugal, Gênero, Agressão contra mulheres.

Além disso, para a construção da interdisciplinaridade o tema foi discutido entre do grupo de alunos e com todos os professores do 1º módulo do curso de Psicologia. A interdisciplinaridade é um paradigma que leva em conta uma tomada de posição frente ao problema do conhecimento pelas pessoas envolvidas num processo educativo e que reconhece a complexidade dos problemas a serem enfrentados, propondo soluções para que a humanidade possa se expressar em sua plenitude (CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA, 2010).

Ainda segundo o Centro Universitário UNA (2010), a interdisciplinaridade requer uma relação de reciprocidade, interação, mutualidade e diálogo em torno de uma intenção comum pelos participantes do projeto; cooperação entre as disciplinas ou áreas distintas de uma mesma ciência para que possam enriquecer-se mutuamente; aplicação prática da teoria para a sedimentação dos conteúdos aprendidos; abertura a todas as formas de saber que possam contribuir com o projeto, mantendo-se o foco científico sobre o objeto estudado; substituição da concepção fragmentária do conhecimento por uma concepção mais abrangente, complexa e que abarque vários ângulos em que o tema do projeto possa ser estudado.

 


3 A VIOLÊNCIA CONJUGAL CONTRA A MULHER

 

 

De acordo com Teles e Melo (2003), a violência é o uso da força física, psicológica, sexual ou econômica usada para obrigar uma pessoa a fazer algo que não é de sua vontade; e constrangê-la, incomodá-la, impedi-la de expor seus desejos e vontades, violando seus direitos mínimos como ser humano.

           Até muito recentemente, a mulher vinha sendo encarada pelo homem como um objeto a seu dispor e não como uma pessoa que, apesar das diferenças óbvias, teria de ser tratada em igualdade de direitos e condições. Para Chauí (1985) apud ALVES; DINIZ (2005, p. 388), a violência surge quando “se trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa”, e, no caso específico das agressões entre os sexos, “as relações sociais são violentas porque tornam diferentes em desiguais, determinando uma relação assimétrica e hierárquica”.

Nesse sentido, diante das variadas manifestações de violência no espaço social, encontra-se particularmente a violência contra a mulher. Esse tipo de violência pode estar presente em diversas situações, mas, segundo Giffin (1994) apud SANTI; NAKANO; LETTIERE (2010), as agressões mais frequentes contra a mulher ocorrem no espaço privado, na família e no domicílio.

[...] a prática da violência doméstica e sexual emerge nas situações em que uma ou ambas as partes envolvidas em um relacionamento não “cumprem” os papéis e funções de gênero imaginados como “naturais” pelo parceiro. Não se comportam, portanto, de acordo com as expectativas e investimentos do parceiro, ou qualquer outro ator envolvido na relação (TELES; MELO, 2003, p. 19).

Embora presente na maioria das sociedades, a violência conjugal é frequentemente invisível, o que significa dizer que é aceita socialmente como "normal", ou seja, como algo natural, costumeiro e até mesmo esperado. (OMS, 2005 apud SANTI; NAKANO; LETTIERE, 2010).

Segundo Alexander (1993) os maus tratos à mulher no contexto conjugal são algo que ocorre quando um marido, companheiro de fato ou coabitante inflige deliberadamente qualquer dano físico e ou emocional sobre a sua esposa ou companheira. Outros autores, porém, fazem distinção entre a violência doméstica e os maus tratos à mulher, defendendo que são designações normalmente usadas como sinônimos, mas que podem induzir em erro. Isso porque a violência doméstica pode significar que todos os membros da família ou da habitação têm a mesma probabilidade de serem perpetradores ou vítimas da violência, e dessa forma minimiza o fato de a maior parte das vítimas serem as mulheres e o agressor ser o marido ou companheiro conjugal (MATOS, 2002).

No entendimento de Saffioti e Almeida (1995) apud CZAPSKI (2010), a violência de gênero é estrutural. As regras definidas culturalmente ao longo dos anos sustentam e reforçam a violência contra a mulher, uma vez que subordinam a maioria das mulheres a aceitá-las sob o peso de um papel atribuído às mulheres, culturalmente. Nesse sentido, há muitos anos, o mundo vem sendo definido em termos de desigualdade, que reproduzem a tese de que a mulher deve viver como refém do poder masculino. A violência é uma expressão de domínio do homem que, ao mesmo tempo, estrutura as relações de poder entre homens e mulheres, asseguradas em uma ideologia imposta pela sociedade que lhe apoia. (MEDRADO; LIRA, 2003 apud MARQUES; PACHECO, 2009).

Nesse contexto, ressalta-se que a eclosão da violência no ambiente doméstico é apenas o clímax de um processo sutilmente levado a cabo não apenas na socialização primária (família), como também na socialização secundária (instituições em geral como escolas, empresas e templos). E é no decorrer do processo de interiorização de valores e construção da identidade que a mãe e a sociedade incutem na mulher a ideologia vigente que lhe diz ser o “certo” assumir um papel de submissão e sujeição ao homem.

A construção da mulher como um ser que, socialmente deve submeter-se a determinado tipo de ordenação, e, consequentemente, assujeitar-se ao homem, contribui para um tipo de representação dela: houve a sua institucionalização como ser frágil e, portanto, como uma espécie de inimigo que deve ser constantemente controlada (REY, 2005 apud SCAFFO; FARIAS, 2011, p.187).

Minayo (1990) apud ALVES; DINIZ (2005) informa que os estudos sobre violência conjugal só passaram a ser frequentes a partir dos anos 80, por influência do Movimento Feminista, que tentava evitar a absolvição de criminosos sob o argumento da “legítima defesa da honra” na ocorrência de crimes passionais. Schreiber e Oliveira (1999) apud ALVES; DINIZ (2005) asseveram que, ao exigir a equiparação dos crimes domésticos aos crimes comuns, o Movimento Feminista acabou tornando o problema da violência contra a mulher mais visível e digno de maior preocupação.

Outro fator determinante da evolução do estudo sobre a violência contra a mulher foi a inclusão da categoria de gênero nas Ciências Sociais.

O uso dessa categoria designa as relações sociais entre os sexos, rejeitando, abertamente, as justificativas biológicas como aquelas que encontram um denominador comum para as várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e os homens têm a força muscular superior (ALVES; DINIZ , 2005, p. 388).

Dessa forma, tanto o feminismo como a produção acadêmica sobre gênero no Brasil incentivaram, por um lado, estudos referentes à saúde, ao comportamento, à sexualidade e ao cotidiano das mulheres, e, por outro lado, promoveram uma conveniente aproximação com o marxismo, as esquerdas e outros movimentos sociais, particularmente os voltados à mulher trabalhadora. (DARIO, 2001; ARILHA; RIDENTI; MEDRADO, 1998 apud ALVIM; SOUZA, 2005).

Em muitos estudos, como asseveram Alves e Diniz (2005), foi constatado que os atos de violência ocorrem igualmente nas classes abastadas e nas pobres, sendo que nestas últimas são mais evidentes porque as mulheres procuram Delegacias de Defesa da Mulher para protegê-las, enquanto as mulheres das classes abastadas se valem de recursos jurídicos, buscando a discrição e o anonimato.

Além disso, estatísticas mostram que, em todo o mundo, “10% a 50% das mulheres já sofreram alguma forma de violência física perpetrada por seus parceiros íntimos em algum momento de suas vidas”. (HEISE, 1999 apud MARINHEIRO; VIEIRA; SOUZA, 2006, p. 2). 

Outras pesquisas evidenciam que violência subtrai um em cada cinco anos potenciais de vida saudável da mulher (DINIZ, 1997 apud NARVAZ; KOLLER, 2006). Na América Latina, a violência doméstica ocorre entre 25% e 50% das mulheres. Outros estudos como o da Redesaude (2001) apud NARVAZ; KOLLER (2006, p. 8) asseveram que “11% das brasileiras com 15 anos ou mais já foram vitimas de espancamento”. Esse estudo apurou que “uma em cada cinco mulheres foi agredida pelo menos uma vez em suas vidas”. A pesquisa mostrou ainda que “o marido ou companheiro é responsável por 56% dos espancamentos, 53% das ameaças com armas e 70% da destruição dos bens”.

Dados do Ministério da Saúde (2002) apud MARINHEIRO; VIEIRA; SOUZA (2006, p. 2) apontam que “o risco de uma mulher ser agredida por seu companheiro, dentro de seu lar, é quase nove vezes o risco de ser vítima de violência na rua”.

Em face dos dados acima expostos, não é de se admirar que o problema da violência contra a mulher cometida por parceiro íntimo venha sendo encarado como problema de saúde pública. Afinal de contas, “o serviço de saúde é um dos locais mais procurados por mulheres nessa situação.” (SCHRAIBER,1999 apud MARINHEIRO; VIEIRA; SOUZA, 2006, p. 2).

[...] fatores como a insensibilidade e a falta de capacitação dos profissionais de saúde, a tendência à medicalização dos casos e a pouca articulação entre os diferentes setores da sociedade, tornam o problema ainda mais complexo e de difícil abordagem  (MARINHEIRO; VIEIRA; SOUZA, 2006, p. 2)

Nesse sentido, pelo despreparo dos profissionais, a violência contra a mulher no âmbito conjugal é encoberta por uma invisibilidade política e social, pela vergonha da denúncia, falta de acesso e orientação jurídica, descaso das autoridades, ausência de políticas públicas específicas e eficientes, a relação simbiótica e o jogo de poder na relação afetivo-conjugal chamado de ciclo da violência doméstica. Dessa forma, para que se entenda a gravidade do problema, é preciso identificar como a violência doméstica é desencadeada e que formas assumem.

 

4 FORMAS DE ABUSO E AGRESSÃO

A permanência da mulher no convívio com seu agressor funciona muitas vezes como um círculo vicioso. Penfold (2006) e Angelim (2004) apud GUIMARÃES; SILVA; MACIEL (2007) explicam a relação violenta contra a mulher a partir de um sistema dinâmico e defendem que a violência ocorre num ciclo que se caracteriza por três fases. Na primeira fase, definida como a “construção da tensão”, ocorrem desentendimentos menores, como uma tendência a manter as ações sob controle com banalização dos desentendimentos, com explicações mais racionais. Na segunda fase definida como a “tensão máxima” em que ocorre o descontrole e surgem as agressões, a violência é apresentada ao extremo, sob suas várias formas. Há um declínio na relação conjugal e é cogitada a separação do casal. Em muitos casos, a relação violenta se mantém em paralelo a um clima de aceitação e esperança de a agressão ser um fato isolado. Na terceira fase, definida como lua de mel, ocorre uma mudança no relacionamento para a reconciliação. O agressor faz promessas de mudanças na relação e de que novos episódios violentos não voltarão a ocorrer, conseguindo assim manter a relação conjugal e fazer com que sua vítima permaneça submissa.

Dessa forma, inicia-se um jogo emocional. O homem muda de comportamento durante um período mais ou menos breve, durante o qual a mulher se sente mais confiante e dedica-se ainda mais ao relacionamento. Contudo, com o tempo, os antigos conflitos voltam a se insinuar na rotina do casal, o que provoca o reinício do ciclo da violência (CARDOSO, 1997 apud SOUZA; ROS, 2010). Novamente, após a agressão, o homem se arrepende, volta a mostrar-se afetivo e pede perdão à mulher, manipulando-a para que ela não perca a esperança de que ele mude no futuro. Aceitando o jogo, a mulher permite a eclosão de um novo ciclo de violência até que outra agressão não tarde a ocorrer (BRITO, 1999 apud SOUZA; ROS, 2010).

Penfold (2006) apud GUIMARÃES; SILVA; MACIEL (2007) descreve o processo de vários ciclos na dinâmica do casal. Defende que a violência se instala sutilmente e atinge todos os seus tipos e agravantes. Os momentos da fase de lua de mel vão ficando mais curtos, dando lugar às fases de construção da tensão e violência máxima.

A violência conjugal pode ser desencadeada a partir de palavras, um empurrão ou uma bofetada. Com o passar do tempo, porém, o processo pode evoluir, revelando um determinado padrão de violência. Se não ocorrerem fatores que intervenham no sentido de coibi-lo, as agressões aumentam em intensidade e frequência, o que poderá provocar lesões físicas ou até mesmo a morte de um dos cônjuges (ANTUNES, 2002 apud FERNANDES, 2002).

Uma das conquistas das mulheres para enfrentamento dessa situação foi a Lei nº 11.340, de 07/08/2006, também conhecida como “Lei Maria da Penha”, que define cinco formas principais de violência contra a mulher: física; psicológica, sexual, patrimonial e moral (BRASIL, 2006). A violência física é qualquer ato que se utilize da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. Para Soares (1999) apud MARQUES (2005), geralmente no abuso físico ocorrem as seguintes agressões: bater, esbofetear, empurrar, chutar, socar, queimar, sufocar, atirar objetos ou usar instrumentos para ferir, como armas e facas ou ainda causar queimaduras por objetos e líquidos quentes.

A agressão física, em alguns casos, pode acontecer somente uma vez ou esporadicamente em alguns relacionamentos, mas, na maioria dos casos, o que realmente ocorre é a reprodução de ciclos de violência como os narrados anteriormente. Uma única agressão física pode se tornar mais intensa na mente da vítima. Para as mulheres, o pior da violência psicológica não é a violência em si, mas a tortura mental que sofrem, sendo obrigadas a conviver com o medo e o terror que o agressor impõe sobre elas. Por isso, este tipo de violência deve ser analisado com mais afinco, pois é um problema de saúde pública e, como tal, merece espaço de discussão, ampliação da prevenção e criação de políticas públicas específicas para ser combatido (MARQUES, 2005).

Em face do exposto, verifica-se que a violência não se define apenas pelo uso da força física, mas também pela ameaça em usá-la (VELHO, 1996 apud ALVIM; SOUZA, 2005). Agressões psicológicas se caracterizam por gritos, xingamentos e exposição pública, dentre outras ações. De tanto se repetir, esse tipo de violência acaba sendo encarado como “natural” entre os cônjuges, o que os leva a desgastar cada vez mais a relação e a estabelecer um padrão de relacionamento em que o respeito mútuo simplesmente deixa de existir.

A violência psicológica é de difícil identificação e, muitas vezes, impossível de ser denunciada, uma vez que a obtenção de provas materiais de sua ocorrência nem sempre são viáveis. É um tipo de agressão que não revela marcas no corpo, mas na mente da vítima, causa cicatrizes impossíveis de apagar pelo resto da vida. Para Marques (2005), a intenção do agressor é abalar a estrutura da mulher com relação ao que ela pensa, fazendo-a questionar os próprios valores, com o fito de torná-la mais fácil de ser controlada. Neste tipo de relação abusiva, a mulher é obrigada a aceitar o que o homem impõe. Para destruir a autoestima da parceira, o agressor desqualifica a imagem que ela tem de si própria, desfazendo da maneira com que ela se veste, conversa e anda, usando palavras ofensivas para se referir a ela, ironizando seus erros ou criando-os quando não os encontra. Aos poucos, essas ações vão minando o amor-próprio da companheira e cristalizando profundamente na mente dela os conceitos que o agressor que lhe impõe.

Segundo Walker (1994) apud MARQUES (2005), a agressão sexual é toda a ação na qual um indivíduo, em situação de domínio, obriga outra pessoa a realizar práticas sexuais contra a sua vontade, valendo-se da força física e da influência psicológica que exerce sobre a vítima ou do uso de armas e entorpecentes. O abuso sexual, dentro do âmbito de uma relação abusiva, inclui uma variedade de atos indesejados como: insistência em ter relação sexual, violação das áreas genitais, realização de atos sexuais com terceiros, ou até mesmo imposição de atividade sexual não desejada pela vítima, caracterizando-se como estupro (MARQUES, 2005).

Teles e Melo (2003) definem a violência patrimonial como a causada pela dilapidação de bens materiais da parceira, provocando-lhe danos, perdas, destruição, retenção de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores econômicos, entre outros. Segundo Miller (1999) apud MARQUES (2005), o abuso patrimonial ou econômico é outra maneira que o homem tem de exercer controle sobre a mulher. O agressor tenta evitar que a vítima possua ou mantenha qualquer tipo de recurso financeiro, forçando nela uma dependência total em relação a ele. Tal comportamento faz com que a vítima dependa do parceiro abusivo para suprir suas necessidades materiais básicas como roupa, comida ou abrigo, por exemplo. Outra forma comum de abuso econômico é a imposição pelo agressor do isolamento da vitima em relação a outras pessoas, de forma que ela não tenha acesso a nenhum outro tipo de recurso financeiro. Com esse objetivo, o homem então humilha a mulher, oferecendo-lhe quantia insuficiente de dinheiro para forçá-la a submissão e dependência. Em alguns casos, o homem não proíbe a mulher de trabalhar, mas exige que ela o sustente, deixando claro que, se ela não o obedecer, poderá privá-la de trabalhar a qualquer momento.

A entrada da mulher no mercado de trabalho provoca no homem o medo de perder o controle e o poder como autoridade e provedor da família, além do receio de que a parceira conquiste uma independência que a leve a se relacionar com outras pessoas.

Embora as agressões ocorram na maioria em ambiente doméstico, não raro ocorrem também no ambiente de trabalho da mulher, expondo-a diante dos colegas. Em alguns casos, mesmo separada e morando em outro lugar, a mulher continua sendo importunada pelo ex-parceiro (ALVES; DINIZ, 2005). Em momentos de maior tensão no relacionamento, quando se sente perdendo o controle da relação, o homem apela para o ataque à honra da companheira, na tentativa de constrangê-la perante a sociedade e mostrar-se vítima da situação. Essa circunstância, dentre outras similares, constitui, segundo o texto da Lei Maria da Penha, abuso moral, definido como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).

Antunes (2002) apud FERNANDES (2002) apresenta uma lista de outras formas de violência não citadas anteriormente que inclui: ameaças de provocar lesões na vítima, ameaças de abandono, de suicídio, de coações para prática de condutas ilícitas, de atemorizações com olhares, de atos e comportamentos, de maltrato de animais de estimação da mulher, de exibição de armas, de manipulação do sentimento da vítima para abalar sua autoestima, de provocar sentimento de culpa na mulher, de desqualificações das preocupações da parceira, de negação das agressões, de transferência para a vítima da responsabilidade pela violência, de utilização do filho para que a vítima se sinta culpada, de influenciar os filhos para que se posicionem contra a parceira, de fazer ameaças de levar consigo os filhos, de tomar decisões sem consultar a companheira, de impedir que a parceira conheça o rendimento familiar.

Segundo Soares (1999) apud ALVES; DINIZ (2005), os agressores não se encaixam em um tipo específico da população (idade, escolaridade, classe ou etnia), mas frequentemente se enquadram em pelo menos uma das seguintes características: foram vítimas ou testemunhas de violência doméstica quando crianças, usam drogas ou álcool, apresentam dupla personalidade, têm baixa autoestima, são inseguros, se apegam a estereótipos sobre papéis de gênero para afirmar sua masculinidade.

O amplo leque de formas pelas quais a mulher pode ser agredida pelo cônjuge demonstra a importância do fenômeno estudado, tornando patente o quanto as mulheres agredidas sofrem, muitas vezes sem oportunidades de sair da situação em que se encontram. O entendimento das razões pelas quais muitas mulheres não conseguem se desvencilhar   da relação violenta é importante para melhor compreensão desse fenômeno.

5 PERMANÊNCIA DA MULHER NA RELAÇÃO ABUSIVA

 

 

A Lei Maria da Penha certamente constitui um grande avanço na tentativa de mitigar o problema da violência doméstica, mas talvez devido ao fato de ser muito recente, seu texto ainda não passa de um conjunto de boas intenções. E mesmo que tudo que está escrito fosse aplicado, sua efetiva utilização ainda esbarra na insegurança que algumas mulheres têm em relação a autoridades públicas e no despreparo de órgãos públicos para acolher e orientar as vítimas.

A falta de aplicabilidade da lei está relacionada a dois elementos recorrentes no discurso policial que evidenciam o que ocorre rotineiramente na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). De um lado, a postura de hesitação da vítima quanto à possibilidade de incriminar o parceiro acusado. Esse argumento é reforçado pela constatação de que muitas mulheres não retornam à delegacia após o registro e outras comparecem espontaneamente para “retirar” a queixa ou concordam com sua “suspensão”, quando sugerida pelo policial responsável. De outro lado, a ineficácia do sistema judicial no tocante à punibilidade dos acusados (CARRARA et al., 2002, apud BRANDÃO, 2006). Ouve-se com freqüência na DEAM: “Não vai dar em nada!” Premida entre tais constatações, a ação policial tem seu sentido questionado e a própria delegacia chega a ser alvo de debate (BRANDÃO, 2006).

Os motivos que levam a mulher a manter-se num relacionamento conjugal violento são vários. Dentre esses, merece especial atenção a manipulação mental em que o agressor envolve a vítima. Se no contexto da violência ou mesmo após a agressão a mulher decide separar-se, ela acaba sendo convencida pelo agressor, por meio de promessas, a não denunciá-lo e permanecer na relação abusiva (CARDOSO, 1997 apud SOUZA; ROS, 2006).

Outro forte motivador para que a mulher permaneça na relação violenta é a banalidade com que o assunto da violência contra a mulher ainda é encarado pela sociedade. Essa visão distorcida minimiza as agressões por meio de um entendimento dos acontecimentos como oriundos de estereótipos impostos à mulher, entendida como um ser frágil e sujeito a expectativas sociais que nunca ultrapassam certos papéis predeterminados como inferiores. Nessa concepção a violência contra a mulher torna-se um fato visto como impossível de não existir na sociedade (KOLLER, 2006, GROSSI, 1994 apud SOUZA; ROS, 2006).

A brandura com que as sanções são aplicadas aos agressores também é vista como algo que desmotiva a mulher a sair de uma relação violenta. Principalmente na classe trabalhadora, o respeito (ou medo) do marido é um valor cultural sedimentado. Questionar essa realidade parece ir contra uma estrutura de pensamento de conteúdo religioso, moral, econômico, psicológico e social. Discutir sobre a submissão da mulher em relação ao homem significa desarticular uma estrutura que embasa crenças e conceitos antigos de dominação (MENEZES, 2000 apud FONSECA; LUCAS, 2006).

Nesse sentido, a relação conjugal pertence a um contexto social e familiar de afinidade com padrões sociais estereotipados determinados pela nossa cultura. Esses padrões definem a mulher como submissa e a responsabiliza frente ao conflito. Na reconstrução dos fatos, a mulher vítima assume parte da responsabilidade pelo fato ocorrido. Portanto, a coerção social sofrida pela mulher acaba se transformando em outra grande razão para que continue na relação violenta. Para algumas vítimas, o abandono do lar acarretaria sentimentos de vergonha pelo fracasso da sua relação e a percepção de falha na missão mais relevante das suas vidas: a de cuidar da família (SILVA, 1995 apud FERNANDES, 2002).

Outro aspecto relevante é que a humilhação sofrida pela mulher quanto à exposição pessoal dificulta a procura de auxílio no sistema de apoio familiar e comunitário, o que torna praticamente impossível o rompimento da relação abusiva (LAIRD, 2002; MASON, 2002; RAVAZZOLA, 1997, 1999 apud NARVAZ; KOLLER, 2006). Nessa direção, estudos demonstram que muitas mulheres agredidas, mesmo após tentarem separar-se, voltam a conviver com os agressores (CAMARGO, 1998; CARRASCO, 2003; CECCONELLO, 2003; MENEGHEL et al., 2003 apud NARVAZ; KOLLER, 2006). Fontana e Santos (2001) apud NARVAZ; KOLLER (2006) asseveram que 60% das mulheres agredidas por seus parceiros voltam a conviver com eles.

A afetividade masoquista e dependente do relacionamento também é um fator que dificilmente permite à mulher sair do relacionamento abusivo. A afetividade da mulher na relação conjugal oscila entra o amor e a dor. Se o relacionamento for estabelecido numa linguagem de vínculo afetivo muito forte, a vítima, embora deseje se libertar, sente pena do cônjuge pelas punições que ele sofrerá após a denúncia. Por isso desiste de denunciá-lo e mantém a esperança de que o tempo resolverá o problema, o que, frustrando suas expectativas, apenas nutrirá um novo ciclo de violência conjugal. (GROSSI, 1998 apud SOUZA; ROS, 2006).

Um fator quase onipresente para que a mulher agredida renuncie ao direito de denunciar a agressão do parceiro é a sua situação financeira desfavorável. Observa-se que grande parte das mulheres conhece seus direitos, mas, por questões financeiras, submete-se durante anos a todos os tipos de violência, o que demonstra a relação entre a dependência financeira e a postura submissa e servil  da vítima (PALLOTA; LOURENÇO, 1999 apud SOUZA; ROS, 2006). A posição de desvalia e submissão foi encontrada em mulheres trabalhadoras pobres, segundo reporta Sawaia (1995) apud NARVAZ; KOLLER (2006), bem como a dependência econômica dos parceiros foi relatada por Cardoso (1997) apud NARVAZ; KOLLER (2006), como um dos motivos da permanência das mulheres em relações abusivas. Nesse sentido, existe algum consenso sobre o fato de que as mulheres com recursos pessoais e comunitários são efetivamente mais capazes de sair da relação e cessar de vez a ocorrência das agressões (COSTA; DUARTE, 2000 apud FERNANDES, 2002).

Outro motivo a ser considerado também é a condição social e econômica da população feminina. Atualmente, existem ainda muitas mulheres que recebem menos do que os homens, mesmo realizando as mesmas tarefas que eles. Essa diferença financeira contribui para gerar conflito entre o casal, o que cria motivos para que a violência ocorra, pois serve para aumentar a fragilidade e a vulnerabilidade na qual a mulher vive. Sendo assim, ela não se vê em condições de sustentar a família, restando-lhe continuar na relação abusiva como meio de conseguir manter-se e sustentar os filhos (ALBERDI, 2005; CARNEIRO; OLIVEIRA, 2008 apud SANTOS; MORÉ, 2011).

Ainda sob o ponto de vista financeiro, uma das grandes causas que mantêm algumas mulheres no relacionamento abusivo é o seu baixo grau de instrução, o que lhes proporciona poucas escolhas profissionais, fazendo com que se dediquem a profissões pouco valorizadas na sociedade e de baixa remuneração (como serviços domésticos, por exemplo), o que as torna completamente dependentes dos companheiros para sobreviver (ALBERDI, 2005 apud SANTOS; MORÉ, 2011).

[...] sem força econômica, sem força psicológica, (a mulher) viverá uma condição de permanente desamparo aprendido, credencial adequada para desempenhar o papel de vítima nos episódios de violência física, como exacerbação de um padrão não igualitário de relações sociais de gênero (AZEVEDO, 1985 apud SANTOS; MORÉ, 2011, p. 76).

A longevidade do relacionamento é outro fator que inibe a mulher de sair de um relacionamento violento. A concepção de família na relação conjugal, assim como os papéis do que é ser homem ou mulher, são transmitidos por gerações. A sociedade influencia as pessoas a manter uma relação conjugal longa e duradoura, mesmo em um contexto de dominação do homem sobre a mulher, em que esta assume passividade masoquista, reforçada pela violência (SILVA, 1992 apud FONSECA; LUCAS, 2006).

Esse lugar de superioridade ocupado pelo homem em nossa sociedade implica, contudo, em um ônus que acaba fazendo-o pagar por tais privilégios. Isso porque, assim como a mulher, ele não tem o direito de escolha do papel a ser desempenhado socialmente, tendo que ser o provedor do lar, sendo dessa forma, mutilado em sua possibilidade de desenvolver a sensibilidade e a capacidade de realizar atividades relacionadas ao mundo doméstico. Percebe-se, assim, que tais modelos ideológicos trazem consequências negativas para ambos os sexos, uma vez que os impossibilita de vivenciar suas potencialidades de maneira integral (SILVA, 1992 apud FONSECA; LUCAS, 2006).

Outro fator determinante para que a mulher agredida se mantenha na relação violenta é a falta de estrutura de apoio social e familiar. O momento de decisão da denúncia é um fator de extrema dificuldade para a mulher que sofre a violência doméstica, sendo comum a pressão da própria família na tentativa de acomodar o conflito. Mesmo havendo o não conformismo com a agressão, a família e a sociedade tendem a julgar a vítima como responsável pela situação de violência, por “desunir” a família (BARROS, 1999 apud SOUZA; ROS, 2006)

Dessa forma, um pretexto bastante frequente utilizado pela vítima para não denunciar os maus tratos sofridos é o temor pela dificuldade de criação dos filhos menores. De acordo com o modelo social ideal de família, as vítimas de violência submetem-se e permanecem com o agressor por acreditar que os filhos precisam participar de uma “família completa”. Mesmo após a violência, a socialização feminina tradicional prevê que a família necessita da imagem do “pai”. Ainda que o parceiro não se ajuste à idealização perfeita, a mulher aceita sua convivência por sentir-se mais confiante quando há a presença do cônjuge na criação dos filhos (SCAFFO; FARIAS, 2011).

Nessa direção, Cardoso (1997) apud SANTOS; MORÉ (2011) afirma que mesmo sofrendo vários tipos de agressão, a mulher se mantém no relacionamento abusivo por sentir a necessidade de ter um companheiro, tomando para si a responsabilidade de tudo que ocorre na relação conjugal. Dessa forma, entende-se que um motivo de resignação à violência que pode ser facilmente vinculado à socialização primária da vítima é a interiorização dos exemplos de conformismo. A hipótese desta discussão compreende que a violência também possa ser repassada de mãe para filha, impondo à geração seguinte as experiências de violência a que se submeteram. Esse é um indicativo para a manutenção da subordinação feminina em relação à opressão masculina (SCAFFO; FARIAS, 2011). Nesse sentido, “pesquisas indicam haver um padrão de transmissão das experiências de violência ao longo das gerações, no qual mulheres vítimas de violência conjugal presenciaram também a vitimização de suas mães na infância” (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 9).

O apaziguamento e o arrependimento do agressor após o ato violento agem diretamente no lado emocional da mulher vítima de violência conjugal, influenciando  sua decisão em denunciar os abusos sofridos. Como exposto com relação ao ciclo da violência nos relacionamentos, a esperança por uma suposta mudança de comportamento do agressor faz com que a vítima torne-se mais confiante e se dedique mais ao parceiro. Dessa forma, o parceiro agressor torna-se muito afetivo após a violência cometida e juntamente com o debilitado estado emocional da vítima, cria uma falsa ideia de que sua mudança de comportamento será duradoura (BRITO, 1999; PAIVA, 1999b apud SOUZA; ROS, 2006).

Certamente por causa de uma baixa autoestima, muitas mulheres sentem pena do cônjuge após a ocorrência de episódios violentos na relação conjugal. Esse sentimento se baseia na convivência longa com a violência, durante a qual a mulher se sente responsável e se culpa por não conseguir fazer a escolha “certa”, acreditando que o parceiro tem diversos motivos que o fazem ficar violento e, por isso, não é passível de punições severas (PAIVA, 1999 apud SOUZA; ROS, 2006).

Nesse contexto, é importante ressaltar que nunca é demais repetir que a submissão ao poder de dominação do agressor é um dos mais fortes fatores que fazem com que a mulher a permaneça numa relação violenta. Dentro de nossa cultura temos protocolos impregnados pela concepção patriarcal, “que identifica a família como principal instituição que organiza as relações sexuais entre gêneros” (GIFFIN, 1994 apud SCAFFO; FARIAS, 2011, p. 144). Esses protocolos formam a identidade da mulher perante o cônjuge e declaram o controle social do homem sobre a mulher.

A mídia e as instituições em geral reforçam o modelo patriarcal da sociedade, constituindo um grande motivo para que algumas mulheres não abdiquem de seus relacionamentos abusivos. De acordo com a sociedade e a mídia, a mulher somente seria completamente feliz por meio da constituição de uma família, numa relação estável e duradoura, com um parceiro permanente. Esse reforço da mídia salienta as “funções” femininas dentro dos padrões patriarcais e, de certa forma, revela preconceito contra a mulher que não se enquadra aos aspectos por ela reforçados (NARVAZ; KOLLER, 2006).

Além disso, a descrença da vítima no poder de proteção das autoridades públicas é outro fator que faz com que a maioria das agressões não seja denunciada. Como exposto, a dificuldade da mulher agredida em denunciar a violência é muito grande. Por essa razão, é fundamental que ela, ao vencer o medo que a mantém prisioneira, encontre profissionais bem preparados para auxiliá-la e que a atendam sem julgamentos, caso contrário sua decisão pelo rompimento do ciclo de violência será ainda mais difícil (FRANCISQUETTI, 1999 apud SOUZA; ROS, 2006).


6 CONCLUSÃO

 

Diante do material levantado neste estudo, fica claro que o problema da violência conjugal é de natureza bastante complexa e tem desdobramentos cuja resolução ultrapassa uma simples ação do poder público. Suas raízes repousam num padrão cultural histórico de domínio patriarcal em nossa sociedade, que vem sendo muito lentamente desmontado, mais por uma imposição da dinâmica da vida moderna do que propriamente pela conscientização das pessoas a respeito do anacronismo de ainda ser considerado natural o domínio de um sexo pelo outro.

Mecanismos como a Lei Maria da Penha são passos fundamentais para mitigar o problema, mas ainda necessitam ser complementados com ações de maior impacto no sentido de mobilizar a sociedade com o objetivo de extirpá-lo definitivamente.  Nesse sentido, urge convocar as instituições que mais reproduzem e reforçam o modelo patriarcal de sociedade, como é o caso das escolas, igrejas e empresas, a repensar seus estatutos e normas, fazendo-os ver a importância de desfazer a armadilha do paradigma que banaliza a desigualdade entre gêneros.

Com este estudo, pode-se compreender com clareza os motivos pelos quais algumas mulheres permanecem em suas relações abusivas. Além da conivência social com a dominação masculina, vários outros fatores contribuem para que as vítimas se resignem à violência em seus relacionamentos, tais como: dependência financeira, baixa autoestima perante o parceiro e a sociedade, vergonha da exposição social, afetividade masoquista, baixo grau de instrução e desvalorização no mercado de trabalho em relação ao homem. Somem-se a isso as instituições de apoio deficientes, com profissionais mal preparados e sem nenhuma garantia de proteção maior do que ameaças e sanções brandas que só estimulam o agressor a novas ocorrências de abuso.

Além do objetivo principal deste trabalho em compreender os motivos pelos quais algumas mulheres permanecem com seus parceiros, mesmo vivendo com estes uma relação violenta, este estudo buscou a construção da interdisciplinaridade no contexto do primeiro módulo do curso de Psicologia. Sob esse enfoque, percebeu-se que a Psicologia tem muito a oferecer na tarefa de mitigar o problema da violência conjugal, uma vez que várias de suas causas e seus motivadores encontram-se intimamente relacionados com a área de atuação do psicólogo. Seja trabalhando a autoestima dos parceiros, seja auxiliando-os a repensar a relação num nível mais igualitário, o profissional da Psicologia sempre será fundamental num centro de apoio, numa Delegacia de Mulheres ou até mesmo atendendo os cônjuges numa clínica particular.

Devido à complexidade dos fatores que levam ao relacionamento abusivo e dos motivos pelos quais algumas mulheres permanecem ao lado de seus agressores, este estudo não tem a pretensão de oferecer respostas para o problema da violência conjugal, mas apenas contribuir como um alerta para a urgência de novas pesquisas. Somente com outros estudos e ações nessa área, o problema poderá ser atacado convenientemente e com a premência com que são tratadas outras prioridades da saúde pública. Apenas dessa forma poder-se-ão encontrar prováveis saídas para amenizar o sofrimento das vítimas desse tipo de abuso.

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