A Psicologia ao ser inserida no hospital revisou seus próprios postulados, adquirindo conceitos e questionamentos que fizeram dela um novo escoramento na busca da compreensão da existência humana. Onde questões como: morte, saúde pública, hospitalização e outras temáticas que antes eram pertinentes à Psicologia hospitalar, não sejam possíveis em um curso de graduação em Psicologia. No Brasil é uma das temáticas mais revestidas de polêmicas, quando se evocam discussões sobre o papel da psicologia na realidade institucional. A formação do psicólogo possui falha em relação aos subsídios teóricos que possam embasá-lo na prática institucional. Assim, não provê com o instrumental teórico, necessário para a atuação nessa realidade. Prevendo uma mudança nesse quadro, o mesmo texto coloca que apenas recentemente (texto de 1984), a prática institucional mereceu preocupação dessa nossa perspectiva que se abre ao psicólogo no contexto hospitalar, ele adquire com mais nitidez um espaço no hospital.

-A despersonalização do paciente

O paciente ao ser hospitalizado sofre um processo de total despersonalização, ele até mesmo no sentido de sua própria passividade frente aos novos fatos e perspectivas existenciais, irá reformular os seus valores e conceitos de homem, mundo e relação interpessoal, deixa de ter significado próprio, para significar a partir de diagnósticos realizados sobre sua patologia. Segundo Berscheid e Walster, o que sabemos sobre a atitude de uma pessoa, os seus dados e determinados comportamentos repassados pela pessoa, perdem força e autenticidade, quando trata-se de um ser hospitalizado. Goffman coloca que o estigma é um sinal, um signo utilizado pela sociedade para discriminar os indivíduos portadores de determinadas características. Se essa doença for temporária, haverá a possibilidade de uma nova reestruturação vital, fato contrário das doenças crônicas que implicariam necessariamente numa total reestruturação. Sebastiani afirma que essa característica que notamos em grande parte das rotinas hospitalares têm contribuído muito para ausentar a pessoa de seu processo de tratamento.
A fragmentação ocorrida a partir dos diagnósticos cada vez mais específicos, fazem com que apenas um determinado sintoma exista naquela vida. Assistimos cada vez mais o surgimento de novas especialidades, promovendo assim, implicações de certos diagnósticos que trazem em seu bojo, além de signos, estigmas e preconceitos, toda uma carga de abordagem e confrontos teórico-práticos. A especialização clínica deixa de levar em conta, até mesmo as implicações da patologia em outros órgãos e membros dessa paciente.
Será visto como sendo algo invasivo, a enfermeira em determinada situação, acordar o paciente para aplicar injeção ou a atendente que interrompe uma atividade para servir-lhe as refeições. Tudo passa a ser invasivo, algo abusivo diante de uma necessidade. E até mesmo o psicólogo que não se efetivar, deverá ser cercado de alguns cuidados e respeitos a própria deliberação do doente, implica em ser mais um dos estímulos aversivos e invasivos, existentes no contexto hospitalar. O processo de despersonalização do doente que ao sentir sua desqualificação existencial, muitas vezes abandona seu processo interior de cura orgânica e até mesmo emocional.

-Psicoterapia e Psicologia hospitalar

A psicologia hospitalar e a psicoterapia possuem convergência, mas também divergências que demonstram os limites de atuação do psicólogo no contexto hospitalar.
Objetivos da psicoterapia: levar ao paciente o autoconhecimento, o autocrescimento e a cura de determinados sintomas. Tem como característica principal, o fato de ser um processo onde a procura e a determinação de seu início se dá através de uma mobilização do paciente.
Setting terapêutico: as normas e diretrizes do processo serão colocadas de maneira bastante claras e precisas pelo psicoterapeuta, formalizando-se assim, as nuances sobre as quais se norteará esse processo (prazo de aviso para eventuais faltas, o horário e duração) como exemplos. Ainda assim, como forma de resistência é conveniente estabelecer que pelo fato do paciente estar totalmente fragilizado e necessitando deste tipo de tratamento, a busca por tal processo se dará única e tão somente quando esse paciente rompe com as amarras emocionais.
O psicoterapeuta tem no paciente, alguém que caminha sob sua responsabilidade, mas que de uma forma simples tem nesse vínculo seu objetivo em si. O setting terapêutico impõe ainda, uma privacidade ao relacionamento que torna toda e qualquer interferência externa plausível de ser analisada e enquadrada nos parâmetros desse relacionamento. Segundo Chessick o psicoterapeuta descende diretamente do confessor religioso ou então do médico da família que além de cuidar, escuta as angústias e dificuldades do paciente. Traz bem-estar e alívio. A emoção presente na atividade psicoterápica é outro fator que faz com que nenhuma outra forma de relacionamento possa ser comparada com sua performance. A maioria dos processos, jamais tem suas sessões interrompidas. O setting terapêutico, assim resguarda a sessão para que todo o material catalizado, seja apreendido e elaborado de maneira plena e absoluta.

-A realidade institucional

Uma das primeiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psicólogo na realidade hospitalar é a sua inserção na realidade institucional. A sua formação acadêmica não provê com o instrumental teórico, necessário para uma atuação nessa realidade. E ainda que hoje em dia seja notório o número de cursos de graduação em Psicologia que têm dedicado grande espaço para o contexto institucional em seus programas de formação, estamos distantes daquilo que seria o ideal, em termos de sedimentação teórico-prática. O hospital surge como sendo uma realidade institucional com características bastante peculiares, embora, reproduzindo as condições de outras realidades institucionais.
Apesar do psicólogo ainda estar iniciando uma prática institucional nos parâmetros da eficácia e respeito as condições institucionais que delimitam sua situação nesse contexto, a busca de determinantes nessa prática o levou de encontro a convergências bastante significativas na reestruturação teórica dessas atividades. Valores éticos e ideológicos surgirão ao longo do caminho e irão exigir performances sequer imaginadas antes de sua ocorrência. O psicólogo no contexto hospitalar depara-se de forma aviltante com um dos direitos básicos que está sendo negado a maioria da população, a saúde. A princípio um direito de todos passou a ser um privilégio de poucos em detrimento de muitos. O contexto hospitalar dista de forma significativa daquela idealização feita nas lides acadêmicas. Assiste-se nesse contexto, a condição desumana que a população já bastante cansada de sofrer todas as formas possíveis de injustiças sociais, tem de submeter-se em busca do recebimento de um tratamento adequado, além do mais o que é agravante passa a ser considerado normal. Os doentes são obrigados a aceitar como normal todas as formas de agressão com as quais se deparam em busca de saúde. O psicólogo está inserido nesse contexto da saúde, de forma tão emaranhada quanto outros profissionais atuantes na área da saúde, muitas vezes, sem uma real consciência dessa realidade.
Contradições inúmeras sucedem em todos os níveis no contexto hospitalar, pois iremos encontrar nessa realidade, profissionais altamente especializados. Sempre muito bem informados das técnicas existentes que estão constantemente aprimorando-as em cursos e congressos nos centros mais desenvolvidos da Europa e Estados Unidos. Dados alarmantes informam que 95% dos partos são realizados em casa e sem o menor acompanhamento pré-natal e o número de pessoas que recebem algum tipo de assistência é quase nulo. O psicólogo percebe no contexto hospitalar que os ensinamentos e leituras teóricas de sua prática acadêmica não serão, por maiores que sejam as horas de estudo e reflexão teórica sobre a temática, não são suficientes para embasar sua atuação.

-A psicologia hospitalar: Objetivos e Parâmetros

A psicologia hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pela hospitalização. O psicólogo precisa ter muito claro que sua atuação no contexto hospitalar não é psicoterápica dentro dos moldes do chamado setting terapêutico, mas principalmente as sequelas e decorrências emocionais dessa hospitalização. Como exemplo, arbitrariamente, uma criança de três anos de idade e que nunca tenha vivido longe do seio familiar. Num dado momento simplesmente coloquemos essa criança numa escola maternal durante apenas um período do dia, ela entrará num processo de pânico e desestruturação emocional ao se perceber longe da proteção familiar. O que dizer-se então, de uma criança que se vê hospitalizada e sem a presença dos pais e num ambiente na maioria das vezes hostil? O sofrimento físico que transcende até mesmo a patologia inicial e que se originou no processo de hospitalização.
A minimização do sofrimento provocado pela hospitalização implicará num leque bastante amplo de opções de atuação, onde todas essas variáveis deverão ser consideradas para que o atendimento seja coroado de êxito. O processo de hospitalização deve ser entendido não apenas como um mero processo de institucionalização hospitalar, mas principalmente como um conjunto de fatos que decorrem desse processo e suas implicações na vida do paciente. Evidentemente que muitos casos abordados pelo psicólogo no hospital irão exigir após o processo de hospitalização, encaminhamentos específicos para processos de psicoterapia, como: complexidades, emaranhado de sequelas e comprometimento emocional.
A psicologia hospitalar, por outra parte, contrariamente ao processo psicoterápico, não possui setting terapêutico tão definido e preciso. A necessidade de uma reflexão e de uma posterior constatação de se submeter a esse processo, ao contrário do paciente que procura pela psicoterapia após romper eventuais barreiras emocionais, a pessoa hospitalizada será abordada pelo psicólogo em seu próprio leito. É muito importante que o psicólogo tenha bem claro os limites de sua atuação para não tornar-se também um elemento abusivo e invasivo que agridem o processo de hospitalização e que permeiam largamente na instituição hospitalar. A sua necessidade de intervir em determinado paciente e o próprio querer deste em receber tal intervenção, esta é a delimitação imprescindível para que essa atuação caminhe dentro dos princípios que incidem no real respeito a condição humana. Ao contrário do paciente de consultório que mantém seu direito de opção em aceitar ou não o tratamento e desobedecer a prescrição, já o doente acamado perde tudo, pois sua vontade é aplacada, seus desejos coibidos, sua intimidade invadida, seu trabalho proscrito, seu mundo de relações rompido. Ele deixa de ser sujeito, tornando-se apenas um objeto da prática médico hospitalar. Suspensa a sua individualidade, transformado em mais um caso a ser contabilizado.
O hospital perfaz esse papel recuperando quando possível e devolvendo sempre, com ou sem culpa, o doente e sua situação anterior. A intervenção do psicólogo nesse sentido, não pode prescindir de tais questionamentos com o risco de tornar-se algo desprovido da profundidade necessária, para abraçar a verdadeira essência do sofrimento do paciente hospitalizado. A própria direção contemporânea de desospitalização do paciente, tem no psicólogo um de seus grandes aliados, na medida em que poderá depender desse profissional, visto que, uma avaliação mais precisa sobre as condições emocionais do paciente.
A psicologia hospitalar não pode colocar-se dentro do hospital como força isolada, solitária, sem contar com outros determinantes para atingir seus preceitos básicos. A humanização do hospital necessariamente passa por transformações da instituição hospitalar como um todo e evidentemente pela própria transformação social. O que é pior, ficar restrito a teorizações que isolam e atomizam o paciente de conceituações e conflitos sociais mais amplos.
O psicólogo reveste-se de um instrumental muito poderoso no processo de humanização do hospital na medida em que traz em seu bojo de atuação a condição de análise das relações interpessoais. É notória também, a evidência cada vez maior de que muitas patologias têm seu quadro clínico agravado a partir de complicações emocionais do paciente. Como é igualmente inegável a presença de determinantes emocionais quando abordadas patologias não diagnosticadas com precisão. Até mesmo pela falta de sintomas específicos e variados. Nesse sentido é interessante observar-se que o avanço da medicina com o todo o seu aparato tecnológico não consegue prescindir do psicólogo pela sua condição de escuta das manifestações d' alma humana, manifestação essa imperceptível à própria tecnologia moderna.

-Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva

O C.T.I traz como sério esteriótipo vinculado a sua ideia de sofrimento e morte iminente. Na verdade, por ser uma unidade no hospital que se dedica ao atendimento de casos onde o cuidado intensivo e a gravidade dos problemas exigem serviços constantes e especializados. As características intrínsecas ao C.T.I , como a rotina de trabalho mais acelerado, o clima constante de apreensão, as situações de morte iminente, acabam por exacerbar o estado de stress e tensão que tanto o paciente, quanto a equipe vivem nas vinte e quatro horas do dia. Esses aspectos, somados a dimensão individual do sofrimento da pessoa nela internada, como: a dor, o medo, a ansiedade e o isolamento do mundo.

-Desmistificando o C.T.I

O C.T.I é mais um dos frutos do extraordinário avanço que as ciências médicas e sua tecnologia atingiram no século XX. Objetivando para um tratamento intensivo do enfermo. É uma unidade indispensável para o tratamento de doentes graves. Equipamentos sofisticados, pessoal técnico qualificado, com atenção constante (24 horas). Não obstante a essas conotações e a todo aparato científico e tecnológico, existe na maioria das pessoas, um esteriótipo bastante arraigado, associado ou colocado como sinônimo de C.T.I: A Morte Iminente. O tempo na rotina diária do C.T.I exigi das pessoas que nele trabalham e que lutam pela vida, um posicionamento muito duro frente a este, muitas vezes obrigando-as a refugiar-se num universo racionalista, para aguentar a pressão emocional que isto tudo causa.
Baseado neste código de respeito a pessoa humana, levanta-se então, a necessidade iminente de uma ampliação na abordagem frente a pessoa enferma, quebrando a defesa racional e ao lado dela, vivendo o conflito entre a vida e a morte. Como objetos da atenção do psicólogo no C.T.I, uma tríade constituída de: paciente, sua família e a própria equipe de saúde, todos eles envolvidos na mesma luta, mas cada um compondo um dos ângulos desse processo. O sofrimento físico e emocional do paciente precisa ser entendido como coisa única, pois os dois aspectos que o constituem interferem um sobre o outro criando um ciclo vicioso. Essa compreensão ajuda o psicólogo a fazer quebrar esse ciclo vicioso de forma a tentar resgatar, junto com o paciente, um caminho de saída para o sofrimento onde de um lado, as manobras médicas, medicamentos, exames, introdução de aparelhos intra e extracorpóreos vão se somar as do psicólogo que favorece a manifestação dos medos e fantasias do paciente, estimula a sua participação no tratamento, ouve e pondera sobre questões que o aflijam. Nunca se pode esquecer que do lado de fora da C.T.I, no corredor, da sala de espera, existe uma família, igualmente angustiada e sofrida que se sente impotente para ajudar seu parente. Pois são elas os representantes principais de seus vínculos com a vida e, não raro, uma das poucas fontes de motivação que este tem para enfrentar o sofrimento e a virtualidade da morte. Sabe-se muito bem que o palco principal do tratamento no C.T.I acontece no plano biológico; a infecção sendo combatida pelos antibióticos, as falências dos sistemas sendo compensadas por máquinas e fármacos, a vigilância do funcionamento do organismo feita por exames e testes laboratoriais; às vezes, esse processo todo nos faz esquecer que tudo isso tem um único objetivo: preservar a vida. Nesse ponto, o profissional de saúde não deixa de ser assolado por sentimentos ambivalentes de onipotência e impotência, a própria finitude que é denunciada a cada momento, as expectativas de todos (família, paciente, colegas...) são jogadas sobre eles. O psicólogo pode então atuar como facilitador do fluxo dessas emoções e reflexões, detectar os focos de stress, sinalizar quando suas defesas se exacerbam tanto.

-Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicológico no C.T.I

Esse trabalho visa discutir os aspectos psicológicos de pacientes submetidos a cirurgias de grande porte, pós-operatório imediato, bem como discorrer sobre as reações emocionais de outro grupo de pacientes (não- cirúrgicos), durante sua permanência no C.T.I. Buscaremos mostrar a intervenção psicológica junto ao enfermo que procura possibilitar uma diminuição ou amenização das intercorrências que poderão vir a complicar ou retardar a recuperação e a reabilitação do mesmo. Observamos que a situação do paciente não tem somente o ângulo de vida e morte, mas também, o sentimento de abandono e dicotimização, a proibição das visitas e "regra" em hospitais, por um provável vício do cotidiano, tratar as pessoas como: sintomas, órgãos ou número (o "202" A, a "esterose" do leito 01, o "neuro" do 5º andar...), resultando assim, na despersonalização do enfermo.

Para tanto, o trabalho do psicólogo hospitalar baseia-se nos seguintes aspectos:

1- Atender integralmente o paciente e a sua família, considerando-se os parâmetros de saúde da Organização Mundial da Saúde.
a) Total bem-estar biopsicossocial do paciente.
b) Atenção primária, secundária, terciária à saúde.

2- Desenvolver as atividades dentro de uma visão interdisciplinar (médico, enfermeira, assistente social, fisioterapeuta, biomédico, nutricionista, etc...) baseadas na integração dos serviços de saúde, voltados para o paciente e sua família.

3- Possibilitar a compreensão e o tratamento dos aspectos psicológicos (psicogênicos) nas diferentes situações, tais como:
a) quadros psico-reativos.
b) síndromes psicológicas.
c) distúrbios psicossomáticos.
d) quadros conversivos.
e) fantasias mórbidas e angústia de morte.
f) ansiedades frente a internações (doenças, evolução, alta).

-Paciente Cirúrgico

É realmente notável a qualidade das reações dos pacientes frente à cirurgia. Nessa situação, as pessoas tendem a mudar. Elas se refazem, refinam seu autocontrole, deliberadamente limitam suas percepções e sentimentos, negam o perigo, aceitam com estoicismo o inevitável e conseguem, até mesmo uma aparência de satisfação. O paciente não apenas se protege contra um medo e sofrimento avassalador, mas se entrega também a um papel mais passivo, cooperativo e tratável. Não importando o grau de imperturbalidade de sua aparência, subjacente a ela há um medo e um pavor terrível. Tem medo da dor e da anestesia, de ficar desfigurado ou incapacitado. Sobretudo, tem medo de morrer. O tipo de freio que os pacientes exercem sobre o seu medo faz muita diferença em relação ao seu bem-estar. Outros o têm tão frágil que precisam de reforço, em geral, através de acompanhamento psicológico e eventualmente drogas. Um medo particular é aquele do paciente que, tentando aliviar a ansiedade concentrada a parte de seu corpo ou cria problemas artificiais em outras regiões orgânicas. Em alguns casos, porém, o bem-estar do paciente é melhor preservado, se a equipe ajuda o paciente a devolver a ansiedade ao seu lugar originário. A cirurgia da face e das mãos podem causar grande ansiedade entre pacientes cujo talento depende da integridade dessas extremidades. Em geral, quanto mais valorizado for o órgão, maior será a ansiedade face a cirurgia e, portanto, quando esses órgãos forem operados, será muito provável que o paciente desloque sua ansiedade deste, para outros órgãos saudáveis e menos importantes. Tanto o paciente quanto o cirurgião devem ser providos de um representante pessoal: o psicólogo, cujas funções seriam de um lado, representar o paciente que em seu estado mental e físico afetado não tem condições para representar a si mesmo e por outro lado, o cirurgião que nem sempre consegue ser útil. Essa ponte de ligação ou facilitação de vínculos, tem grande importância, sobretudo para o paciente, pois ela é uma das possibilidades concretas de se desenvolver dois sentimentos imprescindíveis para um bom prognóstico emocional da relação do indivíduo com a cirurgia e o processo, muitas vezes longo, de pós-operatório e reabilitação que são a confiança e a autorização. A questão da confiança e da autorização remete-se a um dos aspectos mais importantes na relação entre a equipe de saúde e o paciente que pode denominar-se de "entrega participativa": ou seja, ao mesmo tempo que confia na equipe e "autoriza" a cuidar dele, manipulá-lo, mesmo num momento em que está inconsciente.
Essa aparente pequena preocupação que a equipe deve ter em relação a estruturação de seu vínculo com o paciente, a despeito de colocações adversas como "falta de tempo" , "prioridades maiores", etc..., não só otimiza as respostas ao tratamento tanto do ponto de vista psíquico.

-Fatores pessoais decorrentes da intervenção cirúrgica, como possíveis geradores de complicações na evolução do pós-operatório.

No primeiro momento, considera-se:

O pós-operatório imediato, onde o paciente pode apresentar, dentre outras, as seguintes reações:

a) Reação à cirurgia:
letargia
apatia

b) Agressividade
c) Depressão reativa
d) Reações de perda

O segundo momento já se considera o pós-operatório propriamente dito, onde as manifestações e a sintomatologia são diversas:

a) elaboração inadequada das limitações impostas pelo ato cirúrgico:
-concreta
-imaginária

b) dificuldade de corresponder ao processo de reabilitação e reintegração sócio-familiar, a curto, médio e longo prazo, considerando-se também os limites quanto as possibilidades do paciente.




-Atendimento ao paciente pós-operatório imediato

As cirurgias de grande porte, principalmente impõem a necessidade de internação do paciente no C.T.I no pós-operatório imediato, dado ao estado delicado em que este se encontra, necessitando, portanto, de uma atenção exclusiva e maciça, para que suas possibilidades de recuperação sejam maiores. Nos casos em que o C.T.I destina seu atendimento exclusivamente ao pós-operado, deve-se ter em mente que este é o momento onde o paciente vai estar mais debilitado e dependente.
Esse período se inicia com a volta da pessoa a consciência dentro do C.T.I, onde esta sai do sono anestésico, atordoada e tomando (ou não) gradativamente consciência do seu estado e sobretudo de si mesma. Não é um momento fácil para a pessoa, pois, além da alteração do estado de consciência ela começa a se perceber literalmente amarrada ao leito. Neste momento, observa-se muitas vezes, a pessoa entrar em estado de agitação, não raro tentando arrancar os aparelhos que a incomodam. Dentre eles, destaca-se a depressão muito comum, principalmente em cirurgias cardíacas (outros quadros mais comuns, derivados desta: anorexia, astenia, apatia, até outras respostas que vão desde agitação propriamente dita, até quadros confusionais de origem psico-orgânica).
De um lado, o médico buscando eliminar as causas exógenas que provocaram o desencadeamento do surto, por outro, o psicólogo, atuando junto ao paciente na reorganização das vivências, e após a remissão do quadro, acompanhado o redimensionamento da pessoa. O fato da atitude do psicólogo frente a pessoa enferma estar descontaminada do cunho invasivo e agressivo que é visto pelo paciente nos demais membros serviços. Sendo assim, a posição do psicólogo é privilegiada, como já se disse, na relação com o paciente, permitindo abrir um canal de contato, onde a participação deste será importante para o todo quanto a sua reabilitação. No atendimento ao paciente pó-operado, a atenção ao seu retorno ao cotidiano enquanto reabilitado, no orientar sob este aspecto, os familiares e o paciente procuram observar a essas expectativas e atitudes de ambos frente a evolução da pessoa, desmistificando os aspectos fantasmáticos elaborados a respeito da dinâmica Limite x Possibilidade.

-Reação à cirurgia: Letargia e Apatia

Alguns pacientes cirúrgicos em sua tentativa de controlar o medo crescente, inibem a função mental de forma tão extremada que caem num estado letárgico ou apático. Talvez o paciente apareça cansado e lânguido, mas num exame mais atento revelar-se-á que quase não se move, fala, sorri ou mesmo se queixa. Quando o processo é mais profundo, o paciente se torna definitivamente mais indolente, mental e fisicamente. Os movimentos e a conversa voluntária podem ser mínimos e as perguntas e pedidos precisam ser repetidos várias vezes, tudo que faz é permanecer deitado ou sentado, como se estivesse dormindo ou desligado do que o cerca.
A causa aparente desta letargia ou apatia pós-operatória é a emoção primária, mas a agressividade o segue de perto, em particular, suas lembranças dos perigos e injúrias do passado e suas imaginações alimentadas e insufladas por essas memórias. Num certo sentido, fechando-se fazendo com que ele próprio desapareça, transformando-se em nada, quando o paciente volta ao normal, mesmo quando seu normal é irritável, impertinente, difícil, queixoso, ansioso ou temeroso, a mudança é sempre recebida com alívio por parte da equipe. Um exemplo de acentuada reação apática a ansiedade intensa deu-se numa mulher de meia idade, a qual sofrera uma colostomia de emergência. Nos quatro ou cinco dias posteriores a intervenção, ela permaneceu inerte, deitada de costas com os olhos fechados, aparentemente dormindo. Curiosamente ao saber que passara por uma colostomia, seu medo da morte não aumentou, mas exerceu um efeito mental estimulante sobre ela. Este foi o primeiro sinal da esperança que se permitiu ver, e daí para frente recuperou-se com rapidez.
Uma outra dificuldade diagnóstica pode se apresentar através das semelhanças entre letargia e depressão. O paciente deprimido, a menos que esteja em estupor profundo, em geral fala de sua depressão, admite que se sente triste (estes são geralmente os casos de depressão reativa que serão discutidas mais adiante). Portanto, culpa, fantasias mórbidas, não raro ideias de auto-aniquilação acompanham o paciente deprimido, podendo essa sintomatologia ser acrescida de insônia, anorexia e amorfismo afetivo, nesse último caso sente pouca ou nenhuma emoção.


-Agressividade nos pacientes cirúrgicos

Para a equipe como para a maioria de nós, a agressividade é uma emoção perturbadora, talvez a mais negativa de todas as emoções. Não conseguem entendê-la, nem considerá-la justificada, consideram-na uma acusação de coisa mal feita. Os cirurgiões que veem a agressividade deste modo muito pessoal, acham difícil pensar como uma parte normal da vida. Torna-se agressivo quando injuriado, atacado ou em perigo é natural e deve ser respeitado. Ele se sente de fato em perigo é cortado, há dor, ele fica incapacitado e percebendo-se ou não, se torna agressivo. Nesse sentido, nenhum paciente está preparado para uma operação. Com efeito, o paciente é salvo de algo pior, salvo talvez da morte, mas de qualquer modo teria sido melhor se o problema nunca tivesse surgido. Alguns pacientes, naturalmente têm razões mais explícitas para sua agressividade ao que consideram como motivos reais.
Por exemplo, a agressividade do paciente pode manisfestar-se sob a forma de negativismo em relação aos cuidados pós-operatórios. Sempre que se suspeita de agressividade escondida, como causa de perturbação no progresso ou cuidados do paciente, deve-se conversar com este sobre a sua agressividade ou então, descobrí-la. É imprescindível que auxilie-se o paciente a expor sua raiva e frustração, de forma a eliminar o efeito extremamente nocivo que esse sentimento reprimido pode causar tanto na sua esfera emocional quanto física.
Libertar abertamente parte da agressividade pode ser de grande alívio e provocar uma melhora significante nos cuidados e tratamentos do paciente e até mesmo na rapidez de sua recuperação pós-operatória.

-Depressão no paciente pós-cirúrgico

A maior parte das depressões pós-operatórias é "reativa" que visa em grau de leve a grave, tendo fatores principalmente ativos. A agressividade da qual o paciente quase sempre é inconsciente, está sempre presente e ativa nas depressões. Um dos mecanismos que provoca a depressão é a identificação do paciente com a pessoa que é objeto de sua agressão, neste caso, o cirurgião ou outros da equipe de saúde. O objetivo principal no diálogo com estes pacientes é tratar desta depressão aguda, ao fazê-lo é de maior utilidade descobrir com o que o paciente está furioso e ajudá-lo a redigir e a mobilizar sua agressividade para o objeto real. Outro fator significativo, gerador da depressão reativa de pós-operatório está associada as vivências e conflitos experimentados pelo paciente no pré-operatório. Quanto maior a ação desses fatores, maiores as chances de presença e intensidade da depressão. Mobiliza-se buscando defender-se ou esquivar-se da situação de ameaça. Quando essa mobilização é inadequada e /ou os fatores vividos pelo paciente geram ou acentuam o "stress" e a ansiedade, o desgaste emocional torna-se cada vez mais progressivo.

Como se pode observar, a atitude mais adequada da equipe é a de agir preventivamente, já no início do contato com o paciente, se possível ainda no ambulatório ou consultório, quando a indicação cirúrgica muitas vezes é uma das possibilidades, intensificando esse trabalho na internação.

-Depressões no hospital geral

As depressões têm sido alvo de estudos, discussões e reclassificações aos longos dessas últimas décadas, sendo em alguns casos alvo de polêmicas importantes, no que tange ao diagnóstico diferencial e as estratégias terapêuticas para combatê-la. Para tanto, classificaremos as depressões em dois grandes grupos que denominaremos de: Depressão Patológica (depressão maior-DSM III-R) e de Depressão Reativa (luto sem complicação-DSM III-R).
No 1º grupo (Depressão Maior), destacam-se como sinais e sintomas predominantes:

-O estreitamento das perspectivas existenciais até seu anulamento;
-A ambivalência afetiva (caracterizada sobretudo pela querelância e refratariedade);
-Agitação psicomotora (inquietação);
-Perturbações do apetite;
-Persistência dos sintomas por mais de duas semanas;
-O amorfismo afetivo;
-Isolamento;
-Ideias autodestrutivas;
-Insônia, hipersonia;
-Prostração, apatia;
-A não percepção dos motivos que geram o estado anímico. Com eleição de "bodes expiatórios" que se alteram rapidamente.
-Culpa injustificada.

Já no 2º grupo (luto sem complicação), observamos situações mais atenuadas onde se destacam:

-Entristecimento, todavia, com permanência de perspectivas existenciais;
-Situação de perda (luto) claramente localizada no tempo e espaço histórico do indivíduo (por ele percebida);
-Empobrecimento de afeto mas sem perda de sua modulação quantitativa;
-Sentimento de angústia ligada ao contexto de perda.

No Hospital Geral o 2º grupo aparece com mais frequência, onde algumas circunstâncias específicas da situação de relação do indivíduo com a doença e internação se destacam:

-Depressão de pós-operatório;
-Depressão reativa de pós-parto (não confundir com depressão puerperal);
-Depressão frente a situações críticas de morte iminente [E.K. Ross (4,5)];
-Sintomas da angústia de morte;
-Depressão frente à perda definitiva de objetos (amputação, diagnóstico de doença crônica);
-Depressão por "stress" hospitalar, ligada a fase de exaustão dentro do critério do S.G.A de Selye e/ou hospitalismo [Spitz (10, 26)].

Nas situações específicas de aparecimento de fenômenos depressivos quando da pessoa internada em hospital geral é de fundamental importância o diagnóstico diferencial, por parte da equipe e as medidas terapêuticas cabíveis. Cuidado com as antecipações, com o "pacto do silêncio" ou ainda com as dificuldades que muitas vezes paciente, família e a equipe enfrentam para denunciar e discutir a situação de morte. O fenômeno depressivo vivido pelo paciente internado no H.G se não considerado e acompanhado, pode tornar-se o divisor de águas entre a opção pela vida ou entrega à morte. Pode-se observar inúmeros casos onde, embora o prognóstico do paciente fosse bom, a depressão que se instala funcionou como agravante seríssimo de seu estado biopsicológico, derivando para agravamentos somáticos do quadro clínico, eventualmente levando a morte.


-Reações de perda no paciente pós-cirúrgico

Em geral pensa-se nas reações de perda em cirurgias multilatórias, quando principalmente parte do corpo importante, grande ou desejável foi retirada, por exemplo: um abraço, uma perna, estômago, olhos ou pulmão. Talvez a resposta mais dramática desta espécie de vivências de perda, seja o conhecido "membro fantasma", onde após a amputação, o paciente continua tendo a sensação de possuir o membro perdido. Nesse ponto tem-se claramente denunciado que esquema corporal, como evento neuro sensorial, destaca-se aí a existência da percepção sometésica do homuncúlo sensitivo de Penfield e Rasmunsen. O mais difícil de compreender é que mesmo durante a cirurgia, quando absolutamente nada é retirado, pode haver uma perda real, uma perda a qual alguns pacientes reagem desfavoravelmente.

REFERÊNCIAS:
ANGERAMI, Valdemar A. C. Psicologia Hospitalar: A atuação do psicólogo no contexto hospitalar. São Paulo: Traço, 1984.

SEBASTIANI, Ricardo W. Psicologia Hospitalar: Atendimento psicológico no Centro de Terapia Intensiva. São Paulo: Traço, 1984.