Por Alexandre de Moraes:

O art. 5.°, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. Como ressaltado por Garcia de Enterría, "quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles que se produzem `dentro da Constituição' e especialmente de acordo com sua `ordem de valores' que, com toda explicitude, expressem e, principalmente, que não atentem, mas que pelo contrário sirvam aos direitos fundamentais".

Importante salientarmos as razões pelas quais, em defesa do princípio da legalidade, o Parlamento historicamente detém o monopólio da atividade legislativa, de maneira a assegurar o primado da lei como fonte máxima do direito:

  • Trata-se da sede institucional dos debates políticos;
  • Configura-se em uma caixa de ressonância para efeito de informação e mobilização da opinião pública;
  • É o órgão que, em tese, devido a sua composição heterogênea e a seu processo de funcionamento, torna a lei não uma mera expressão dos sentimentos dominantes em determinado setor social, mas a vontade resultante da síntese de posições antagônicas e pluralistas da sociedade.

Princípios da legalidade e da reserva legal:

O princípio da legalidade é de abrangência mais ampla do que o princípio da reserva legal. Por ele fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional.

Por outro lado, encontramos o princípio da reserva legal. Este opera de maneira mais restrita e diversa. Ele não é genérico e abstrato, mas concreto. Ele incide tão-somente sobre os campos materiais especificados pela constituição. Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei. Este é, portanto, de menor abrangência, mas de maior densidade ou conteúdo, visto exigir o tratamento de matéria exclusivamente pelo Legislativo, sem participação normativa do Executivo.

A Constituição Federal estabelece essa reserva de lei, de modo absoluto ou relativo. Assim, temos a reserva legal absoluta quando a norma constitucional exige para sua integral regulamentação a edição de lei formal, entendida como ato normativo emanado do Congresso Nacional elaborado de acordo com o devido processo legislativo constitucional.

Por outro lado, temos a reserva legal relativa quando a Constituição Federal, apesar de exigir edição de lei formal, permite que esta fixe tão-somente parâmetros de atuação para o órgão administrativo, que poderá complementá-la por ato infralegal, sempre, porém, respeitados os limites ou requisitos estabelecidos pela legislação.

Como salienta Canotilho, "quanto a certas matérias, a Constituição preferiu a lei como meio de atuação das disposições constitucionais, mas não proibiu a intervenção de outros atos legislativos, desde que a lei formal isso mesmo autorize e estabeleça, previamente, os princípios e objeto de regulamentação das matérias (reserva relativa)".

As hipóteses de reserva legal relativa são estabelecidas diretamente pela Constituição Federal, que permitirá, excepcionalmente, a complementação da legislação por atos normativos infraconstitucionais (1), pois em caso contrário, como salienta Canotilho, "a lei deve estabelecer ela mesmo o respectivo regime jurídico, não podendo declinar a sua competência normativa a favor de outras fontes (proibição da incompetência negativa do legislador)".

 * 1. Como salientado por Nuno Piçarra, é essencial na separação dos poderes que se evite a excessiva delegação legislativa ao órgão executivo (CF. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 71).

Por José Afonso da Silva:

Conceito e fundamento constitucional:

O princípio da legalidade sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da equalização das condições dos socialmente desiguais; está consagrado no inciso II, do art. 5º, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Legalidade e reserva de lei:

O primeiro (genérica) significa a submissão e o respeito à lei; o segundo (legalidade específica) consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal; tem-se a reserva legal quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal, subtraindo-a, com isso. à disciplina de outras fontes, àquelas subordinadas.

Legalidade e legitimidade: o princípio da legalidade de um Estado Democrático de Direito assenta numa ordem jurídica emanada de um poder legítimo, até porque, se o poder não for legítimo, o Estado não será Democrático de Direito, como proclama a Constituição (art. 1º); o princípio da legalidade funda-se no princípio da legitimidade.

Legalidade e poder regulamentar:

Cabe ao Presidente da República o poder regulamentar para fiel execução da lei e para dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei (art. 84, IV e VI); o princípio é o de que o poder regulamentar consiste num poder administrativo no exercício de função normativa subordinada, qualquer que seja seu objeto; significa que se trata de poder limitado; não é poder legislativo.

Controle de legalidade: a submissão da Administração à legalidade fica subordinada a 3 sistemas de controle: o administrativo, o legislativo e o jurisdicional.

Por Celso Ribeiro Bastos:

O princípio de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei surge como uma das vigas mestras do nosso ordenamento jurídico.

A sua significação é dúplice. De um lado representa o marco avançado do Estado de Direito, que procura jugular os comportamentos, quer individuais, quer dos órgãos estatais, às normas jurídicas das quais as leis são a suprema expressão. Nesse sentido, o princípio da legalidade é de transcendental importância para vincar as distinções entre o Estado constitucional e o absolutista, este último de antes da Revolução Francesa. Aqui havia lugar para o arbítrio. Com o primado da lei cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei, que se presume ser a expressão da vontade coletiva.

De outro lado, o princípio da legalidade garante o particular contra os possíveis desmandos do Executivo e do próprio Judiciário. Instaura-se, em conseqüência, uma mecânica entre os Poderes do Estado, da qual resulta ser lícito apenas a um deles, qual seja o Legislativo, obrigar aos particulares.

Os demais atuam as suas competências dentro dos parâmetros fixados pela lei. A obediência suprema dos particulares, pois, é para com o Legislativo. Os outros, o Executivo e o Judiciário, só compelem na medida em que atuam a vontade da lei. Não podem, contudo, impor ao indivíduo deveres ou obrigações ex novo, é dizer, calcados na sua exclusiva autoridade.

No fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei.

O que caberia responder, agora, é por que resulta o indivíduo assegurado pela só razão de obedecer, exclusivamente, à lei.

A resposta há de ser encontrada nos princípios da ideologia democrática. A lei tem uma vinculação necessária com a participação do povo no processo da sua elaboração, ainda que pela via da representação. Ademais, a lei, como vontade do Órgão Legislativo, é sempre fruto de um colegiado, circunstância que exclui a prepotência do chefe isolado.

O princípio da legalidade eleva, portanto, a lei à condição de veículo supremo da vontade do Estado. Nesse sentido, como visto, ela é uma garantia, o que não exclui, contudo, a necessidade de que ela mesma seja protegida contra possíveis atentados à sua inteireza e contra possíveis máculas que a desencaminhem do seu norte autêntico. Nessa acepção a própria isonomia de todos perante a lei é uma contenção de possíveis abusos que ela possa encerrar. A sua submissão à Constituição não deixa, também, de ser uma delimitação da sua vontade soberana.

Sem embargo do realce que ainda ostenta, o princípio da legalidade sofre, é forçoso reconhecer, um processo de relativa perda de importância dentro do Estado tecnocrático e intervencionista em que vivemos. E que, neste, certos atos, embora sem contestarem a supremacia formal da lei, roubam-lhe, do ponto de vista prático, a sua importância primitiva.

São inúmeros os exemplos desses tipos de atos: regulamentos, instruções, até mesmo meras portarias acabam por incidir na vida real das pessoas de uma maneira mais aguda e pungente que a própria lei, com a qual passam a rivalizar.

É curial que esses atos por encobrirem, sempre, delegações de competências que, a rigor, seriam do Legislativo, têm recebido a mais viva condenação por parte da doutrina. O primado da lei subsiste, pois, quer em nível teórico, no sentido de que a Constituição o proclama solenemente, quer do ponto de vista de um ideal sempre acalentado, ante o qual as violações sofridas não são senão uma série de pecadilhos que devem ser extirpados a fim de que se restaure a santidade da supremacia da lei.

Por Vicente Paulo:

Princípio Da Legalidade (X) Reserva Legal:

Num Estado democrático de direito, todos se submetem à observância da lei, isto é, tanto a atuação dos particulares quanto dos agentes estatais deverão seguir as prescrições da lei. É no tocante à necessidade de observância da lei no Estado brasileiro que merecem destaque os princípios da legalidade e da reserva legal.

O princípio da legalidade determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II). O vocábulo "lei", no tocante ao princípio da legalidade, deve ser entendido no sentido amplo, alcançando não só a lei em sentido estrito (lei formal, aprovada pelos Poderes Legislativo e Executivo), mas também outras normas jurídicas previstas no nosso ordenamento (leis em geral, decretos legislativos, resoluções, decretos do Chefe do Executivo, portarias, instruções normativas etc.). Em verdade, a prescrição do princípio da legalidade é a seguinte: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de norma jurídica, legitimamente editada no Estado brasileiro.

O princípio da reserva legal tem sentido estrito, significando afirmar que determinada matéria só pode ser disciplinada por lei em sentido formal (aprovada pelos Poderes Legislativo e Executivo) ou por ato normativo que tenha força de lei (como a medida provisória, por exemplo). Desse modo, temos o princípio da reserva legal quando a Constituição Federal determina que determinada matéria só possa ser disciplinada por lei em lei estrito (lei ordinária, lei complementar, lei delegada ou medida provisória). Um bom exemplo para ilustrar o princípio da reserva legal é o art. 5º, XII, da Constituição Federal, que estabelece a possibilidade de violação das comunicações telefônicas "nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer". Note-se que, neste caso, não é qualquer norma jurídica que poderá estabelecer as hipóteses e a forma em que a inviolabilidade das comunicações telefônicas poderá ser afastada. Atos normativos infralegais – decreto, regulamentos etc. – não poderão tratar dessa matéria, por força da reserva legal.

Resumindo: o princípio da legalidade tem alcance mais amplo, porém menor densidade (pode ser satisfeito por normas jurídicas em geral); o princípio da reserva legal tem alcance restrito, porém maior densidade (só pode ser satisfeito por lei formal ou atos normativos com força de lei). 

CONCLUSÃO

Percebemos que o Princípio da Legalidade é um dos princípios mais importantes do ordenamento jurídico, que vem consagrado no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, de modo a impedir que toda e qualquer divergência, conflitos, e lides se resolvam pela supremacia e arbitrariedade da força, mas, sim, pela autoridade da lei.

O Chefe do Executivo no desempenho do seu poder regulamentar também está submisso a esse princípio; o mesmo não pode extrapolar os contornos da lei, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

Portanto, a submissão ao princípio da legalidade conduz a uma situação de segurança jurídica, em virtude da aplicação precisa e exata da norma preestabelecida. Se aproxima de uma "garantia constitucional", conforme Celso Ribeiro Bastos, garantindo a "prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei".


BIBLIOGRAFIA

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso De Direito Constitucional – 20 ed. atual. São Paulo. Saraiva, 1999.

MAIA, Juliana & PAULO, Vicente. Aulas de Direito Constitucional. 8 ed. Niterói, RJ. Editora Impetus, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 13 ed. Atualizada com a EC n.° 39/02 São Paulo. Editora Atlas S.A., 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso De Direito Constitucional Positivo. 16 ed. São Paulo Malheiros  Editores, 2006.