Resumo

O trabalho tem por objetivo debater sobre as eleições no Brasil em 2018, partindo da hipótese da polarização entre a continuidade de um projeto com políticas denominadas progressistas e ou, uma proposta de renovação através de políticas mais conservadoras, sobre temas como defesa da família, ideologia de gênero e antiaborto. Pretendeu-se identificar a mudança dos evangélicos na política, da passividade à militância em defesa da sua moral teológica.  Deu-se especial ênfase em comparar a elaboração teológica com a teoria psicanalítica freudiana da castração no complexo de Édipo. O autor articula a teoria da repressão e idealização do superego na relação da submissão ao Pai na teologia. Constatou-se que há um conflito entre as políticas progressistas e a liberdade moral na teologia evangélica.

Palavras-chave: Eleições, Evangélicos, Freud, Repressão, Moral.

Os Evangélicos e sua posição na política: Fundamentação Teológica

Historicamente os evangélicos não se posicionam como oposição aos governos instituídos, não foram oposição nos governos militares e normalmente não fazem a nenhum governo, mas sim, em projetos políticos que tenham ideologia oposta a sua tradição moral e teológica [1]. A mensagem pregada pelos evangélicos sempre apresentou uma dicotomia política/secular versus Igreja/sagrada, certamente essa postura influenciou para que só a partir da década de 60 houvesse uma participação mais ativa na política [2].

Os evangélicos em sua maioria adotaram uma postura mais passiva, contudo, nas últimas décadas as lideranças ganharam cada vez mais espaço na política, de forma que hoje há uma Bancada Evangélica no Congresso nacional, e a partir desse contexto saíram da passividade para um engajamento ativo e crítico nas eleições de 2018. [3]. Os evangélicos fundamentam sua participação na política de acordo com a sua elaboração teológica, podemos citar pelo menos umas três básicas:

 (1) igreja e política como dimensões excludentes: Essa tese está fundamentada na resposta de Jesus sobre o dever ou não dos judeus pagarem impostos ao imperador romano, “dêem a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”, [4] essa resposta, foi um dos argumentos mais usados pela maioria dos cristãos ao longo da história;

(2) A submissão como virtude: Aceitar passivamente que tudo o que acontece na terra está sob o controle da soberania divina, assim, os que choram, os mansos, e os que têm fome e sede de justiça, [5] a interpretação é que essa condição coloca o cidadão de antemão como herdeiro do reino;

(3) Doutrina do arrebatamento: [6] Cristo voltará a qualquer instante e levará os fiéis, essa segurança de que a qualquer momento tudo se resolverá, contribuiu para a passividade dos evangélicos frente à política, é preciso dar graças por tudo [7], afinal, o Deus encarnado na pessoa de Cristo desceu da sua majestade e na sua submissão conquistou um lugar de honra diante do Pai [8].

 Os evangélicos e suas pulsões: Tradição repressão e idealização

Na teologia, Cristo é Deus, mas ao tornar-se humano, submeteu suas pulsões ao Pai, da mesma forma, os discípulos devem submeter-se a Cristo, essa experiência produz sentimentos ambivalentes como no complexo de Édipo, Deus, o pai, torna-se uma representação castradora, os cristãos (filhos) desejam a perfeição do pai, uma dissolução do complexo onde o filho vive o dilema entre eliminar o pai e ocupar seu lugar (renegar a fé) ou se identificar com o Pai e organizar o superego com o que acredita serem as características exigentes do Pai, para os filhos se tornarem igual em sua perfeição e ter os mesmos poderes que ele.

A grande questão é: Se este Pai é vingativo e castrador como o do antigo testamento, ou se é um pai amoroso que sempre perdoa e apóia como o Pai se revela no filho do Novo testamento? Estes dois “Pais” estão presentes no superego em dosagens diferentes, dependendo da experiência e da subjetividade de cada cristão.

Nessa dualidade interpretativa, há um conflito inconsciente instalado “amor e ódio”, ressentimento por não conseguir atingir o ideal de Cristo e viver na dimensão do amor, ao mesmo tempo uma mágoa por não conseguir alcançar o ideal do Pai (superego = Deus), na construção do psiquismo esse é um sentimento primário que retorna, da ordem do primitivo, de grande intensidade, onde não se consegue traduzir em palavras, mas sim, em intenso ódio e indignação.

De onde viria esta energia pulsional? Justamente do período narcísico, onde quando a pessoa se sente contrariada em sua vontade imperiosa a demandar satisfação, dirige sua raiva e ódio contra aquele, que acredita estar impedindo a satisfação. Em geral, as figuras parentais. Portanto, estamos falando de uma regressão a estádios anteriores do processo psíquico onde a possibilidade de descarga é principalmente motora e com a intenção de eliminar, destruir o “inimigo”.

Esse conflito psíquico é vivido pelo Apóstolo Paulo quando reconhece que há nele duas leis em conflito: “a lei de Deus que é boa, e a lei do pecado que o impulsiona a agir contra a sua consciência”, nesse paradoxo entre o eu e o supereu, ele exclama: “miserável homem que sou” [9], percebeu que seu eu (consciente) não dava conta das demandas da lei de Deus (superego), a repressão não era suficiente para lidar com suas pulsões.

Os evangélicos sentem essa realidade e redirecionam suas pulsões para a liturgia, missões, trabalhos voluntários, assim aliviam a pressão pulsional, uma forma de sublimar, embora no discurso teológico apenas Deus salva, e o faz pela sua graça, ou seja, um favor não merecido por quem recebe, no cerne da teologia também é uma “reparação”, pois embora as obras não seja o fator para ser salvo, é uma forma de ser “premiado” na vida futura, eterna.

Dessa forma, os cristãos sentem gratificação por cumprir o mandamento de Cristo: “amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” [10], a libido do ego é descarregada no objeto do desejo através da identificação de crucificado com Cristo [11], assim, o conflito entre desejos conscientes e os reprimidos estão para além da racionalidade, uma necessidade, Freud os descreve como estrutural na construção da civilização:

“todo individuo é virtualmente um inimigo da cultura, que, no entanto, deveria ser um interesse humano geral. É digno de nota que os seres humanos, embora incapazes de viver no isolamento, sintam como um fardo os sacrifícios que a civilização lhes requer, para tornar possível a vida em comum”. (FREUD, [1926-1929] [2014, p.22]).

O apóstolo Paulo revela o “fardo de sacrifícios” ao falar do conflito entre a “carne” e “espírito”, [12] que se dá na repressão das pulsões para alcançar o padrão de Cristo como o “ideal do Eu” [13], a construção desse objetivo se dá  na oposição entre a libido do Eu e a libido do objeto, no entanto, Freud adverte, “quanto mais se emprega uma, mais empobrece a outra. A mais elevada fase de desenvolvimento a que chega esta última aparece como estado de enamoramento; ele se nos apresenta como um abandono da própria personalidade em favor do investimento de objeto”. (FREUD [1914-1916], p.12).

A libido reprimida precisa continuamente estar sob vigilância, pois ha o risco de romper e dar vazão ao desejo de retaliação: “olho por olho, dente por dente”, o antigo testamento, o ideal do Cristão é viver como Cristo e isso exige ter o caráter do pai (Deus), contudo, se instala a ambivalência que exige pressão sobre o Ego, de acordo com Freud:

 “a satisfação do instinto submetido à repressão seria possível, e também prazerosa em si mesma, mas que seria inconciliável com outras exigências e intenções; geraria prazer num lugar e desprazer em outro. Então se torna condição para a repressão que o motivo do desprazer adquira um poder maior que o prazer da satisfação”. (FREUD, 1914-1916, p.63).

Psiquicamente o desprazer é maior, pois a ética do Evangelho é estruturada na metafísica, no ideal de Cristo que exige harmonia entre a letra “não cobiçaras” e o espírito “aquele que desejar no coração” [14], essa relação sobrecarrega o psiquismo, obedecer ao Pai exige alto nível de perfeição, muitos se auto punem, quanto mais intenso, maior será a ambivalência experimentada que se o Ego  não se estabelecer rapidamente a repressão poderá levar o indivíduo a ter uma organização psíquica bastante neurótica ou até paranoide e “mais rapidamente irá sucumbir à repressão (...) mais severa será posteriormente a dominação do superego sobre o ego, sob a forma de consciência (conscience) ou, talvez, de um sentimento inconsciente de culpa”. (FREUD, S. 1923-1925, p.20).

O desinvestimento libidinal do ego para o objeto (Deus) é saudável, quando o amor, a entrega e a confiança na providência que o Pai (Deus) não pedirá nada que possa destruir o cristão, está seria uma relação psíquica saudável para a vida cristã. A culpa é quantitativa ao ideal internalizado no ego

Os Evangélicos e as políticas progressistas: Conflito entre liberdade e moral

No período democrático, as chamadas “políticas progressistas” feriram a moral e tradição dos evangélicos: manifestações pró-aborto, ideologia de gênero, passeatas homossexuais, e afronta a símbolos evangélicos, o que os deixaram ressentidos.  Suas pulsões foram reprimidas. Essa eleição foi à oportunidade de reação contra os seus algozes, de forma a atingir a violência verbal por pessoas que outrora eram pacíficas, assim passaram de submetidos a repressores.

 Freud diz em psicologia das massas que “os sentimentos sociais repousam em identificações com outras pessoas, na base de possuírem o mesmo ideal do ego”. (FREUD, S. [1923-1925], p.22), este conceito, elaborado por Freud repousa na concepção do superego, que é um ideal a ser perseguido e nunca alcançado como todos os ideais, trata-se de uma utopia, que em si não é negativa, pode ser saudável, se houver essa consciência, caso contrário poderá causar danos psíquicos. Diante desses sentimentos, instala-se um dilema teológico a justiça vem de Deus, ao mesmo tempo é realizada através autoridades constituídas [15], ao sentirem a relativização da sua moral nas instituições publicas [16], houve reação dos evangélicos que se sentiram atacados na sua fé, os inimigos foram os denominados “comunistas”. 

Segundo Freud (1920[1923], p.13), “se os indivíduos da massa estão ligados numa unidade, tem de haver algo que os une entre si, e este meio de ligação poderia ser justamente o que é característico da massa”, os evangélicos ficaram ressentidos, passaram a projetar no outro, sua raiva contida anteriormente pela restrição da sociedade, esse conflito tornou-se insuportável, ver o outro fazer sem culpa, o que se pune só de pensar em fazer, isso porque, a culpa na fé cristã não é uma questão de realizar o desejo, mas desejar o objeto, ou seja, nessa relação, “o superego assume o lugar da instância parental e observa, dirige e ameaça o ego, exatamente da mesma forma como anteriormente os pais faziam com a criança” (FREUD, S.[1933-1932], p.68).

Na teologia cristã, a lei pune a pratica do ato, na interpretação de Cristo, a transgressão sai da dimensão concreta do ato para a subjetividade do desejo, assim, um cristão que reprime seu desejo homossexual, precisa ir além, reprimir também seus pensamentos, manter uma continua pressão na direção do consciente, “a qual tem de ser compensada por uma ininterrupta contrapressão, dessa forma, manter uma repressão pressupõe um permanente dispêndio de energia”. (FREUD [1914-1916] p.66). 

O homossexual que assumiu seus desejos teve projetado nele o desejo do evangélico de destruir no homossexual o seu desejo, daí a angustia se instala, “o Eu retira o investimento (...) do representante do instinto a ser reprimido e o aplica na liberação de desprazer (...) a energia de investimento do impulso reprimido é transformada automaticamente em angustia”. (FREUD, [1926-1929] 2014, p.22).

Freud diz que esta falha no amor é ameaçadora para aquele que falha, já que se abre a ele o mundo desejado, mas impedido e desconhecido. Nesse sentido pode-se entender o ódio contra aqueles que se aventuram neste universo.

As políticas anunciadas pelo presidente eleito encontraram “eco” nos cristãos que viram nele o seu maior representante, pensam iguais, mas sabem que seu discurso vai contra os ensinos pacíficos do seu mestre [17], as propostas de preservar a família, lutar contra a ideologia de gênero, aborto e o slogan: “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, foi o início para derrubar as barreiras dos mecanismos de repressão, ir à contra mão da teologia bíblica anti-retaliação [18].

O lema “bandido bom é bandido morto”, contradiz a prática de Cristo que advertiu seus seguidores sobre a contradição de haver uma confissão teórica da fé, mas uma negação na prática de vida, e umas dessas formas seria não o ter visitado quando ele esteve preso [19].

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NOTAS

 [1] A igreja pentecostal começou a se envolver na política brasileira na década de 1960 através da Brasil para Cristo, que elegeu um deputado federal em 1961 e um estadual em 1966. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/10/19/bancada-evangelica-elegeu-deputado-em-1961-e-cresce-apos-apos-constituiente.htm

[2] Nesse período uma ala evangélica que fazia um diálogo mais aberto com as ciências sociais, com uma abordagem denominada de “neomarxista” alguns teólogos foram perseguidos, denunciados pela própria liderança da igreja. Rubens Alves (in memoriam) de tradição presbiteriana foi um dos que tinham uma reflexão teológica mais engajada na esfera social sofreu perseguição.

[3] A Bancada conta hoje com 84 parlamentares atuantes, mas já identifica cerca de 90 deputados e senadores ligados a igrejas evangélicas eleitos no último dia 07. Esse número, porém, ainda pode aumentar com a identificação dos novos congressistas. A igreja que mais elegeu parlamentares foi a Assembleia de Deus (33) Em segundo lugar, aparece a Igreja Universal do Reino de Deus, que elegeu 18. Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/renovada-bancada-evangelica-chega-com-mais-forca-no-proximo-congresso/

[4] Mateus 22.21 os “Herodianos”, que queriam arrumar alguma coisa colocar Jesus em conflito com o governo. Jesus então se posicionou mantendo uma separação entre Estado e Religião.

[5] Mateus 5.4-6, em Romanos 8.28, Paulo diz que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus e foram chamados pelo seu decreto ou desígnios.

[6] 1 Coríntios 15.52-54, 2 Tessalonicenses 2.6. Esse tema foi abordado nas primeiras cartas do Apóstolo, mas depois não foi mais abordado nas cartas posteriores.

[7] Paulo quando estava preso orientou: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (1 Tessalonicenses 5.18).

[8] Paulo a Igreja de Filipenses diz que Cristo esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo (...) humilhou se a si mesmo (...). Deus o exaltou soberanamente (Filipenses 2. 6- 10).

[9] Romanos 7. 3-24

[10] Mateus 22.37-39. O amor a Deus e ao próximo muitas vezes é interpretado como “ganhar almas” para o reino dos céus, e isso em algumas denominações, é trazer a pessoa para o templo, as batizar e fazer parte da comunidade.

[11] O apóstolo Paulo diz que já está crucificado com Cristo; e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim (Gálatas 2.20).

[12] No capítulo 5. 17-32na carta a comunidade da Gálacia, o apostolo orienta os cristãos se “despir do velho homem” e se “revestir do novo homem”.

[13] O Apóstolo mostra o ideal de Cristo “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus”. (Filipenses 3.12).

[14] No Sermão do monte, Jesus faz uma reinterpretação contestando os doutores da lei ao dizer: Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu, porém, vos digo, que qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, em seu coração, já cometeu adultério com ela”.  (Mateus 5.27-28).

[15] Romanos 13.4

[16] Um cartaz na USP anunciou um curso sobre: “como fazer sexo anal”, essa palestra poderia ser classificada como prevenção e saúde pública. A exposição num museu onde uma criança tocava um adulto, nu, a criança estava acompanhada da mãe. Ambos os casos causaram indignação na comunidade evangélica que não fizeram uma leitura interpretativa para além da moral.

[17] Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus (Mateus 5.44).

[18] “Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus à ira, pois está escrito: "Minha é a vingança eu retribuirei", diz o Senhor”. (Romanos 12.19).

[19] Em Mateus 25.36, Jesus diz que uma das formas de saber quem não é seu discípulo, é quem não o visitou, se coloca como representado pelos presos.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIBLIA  online. https://www.bibliaonline.com.br/nvi

FREUD, S. (1908) Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna Volume IX, in Obras Completas. Rio de Janeiro, Imago 2000.

_________ Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros Textos (1914[1916]). In: Edição Cia das Letras. São Paulo – SP: Obras Completas Vol XII, 2014.

_________ Inibição, Sintoma e Angustia. O futuro de uma Ilusão e Outros Textos (1926 [1929]). In: Edição Cia das Letras. São Paulo – SP: Obras Completas Vol XVII, 2014.

_________. Conferência XXXI: A dissecção da personalidade psíquica (1933[1932]). In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

_________. Vol XIX. O ego e o ID e outros trabalhos. (1923[1925]).  Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.