O que dizem os atos diante dos fatos

         Ao longo dos séculos, a presença do homem na terra foi objeto de preocupações e cuidados por parte daqueles a quem fora confiada a tarefa de orientar, conduzir, ensinar, treinar, formar, alimentar, projetar, proteger. Em todos os recortes da história, se fazem sentir as inovações impostas pela própria ânsia de si mesmo, em buscar novos conhecimentos, novos espaços, novas possibilidades para aquisição de uma melhor qualidade de vida. Diante de todas as guerras, acidentes ambientais, conflitos institucionais confrontos de ideias  e ideais, valores são questionados, subtraídos, desfeitos, desacreditados em nome de uma pseudo-evolução quando, de fato, pode ser um retrocesso para os passos da história. À medida que descobertas científicas são concretizadas, parece que o seu mentor vai perdendo espaço e comando, a cada novo passo.

      Não se trata de negar a importância das descobertas e das invenções que fazem do homem, o centro da inteligência quando posta em prática em favor de sua espécie e de tantos elementos que os cercam.  É por assim considerar, que tudo o que foi e ainda será descoberto ou inventado pelo homem deverá, inevitavelmente, ser usado em favor da qualidade de vida do planeta, do meio ambiente, das pessoas e dos seus projetos. “Se as pessoas aprenderem a cuidar de pessoas, elas cuidarão do mundo”.  Fora dessa possibilidade, não há como esperar dias melhores para o planeta. Mas como cuidar de pessoas se, como em um passe de mágica, todos se tornaram instrumento das telas, das redes sociais, das “fakes”, das “selfs” e da imagem do ideal de imaginar-se autor  do imaginário que pouco representa a verdade dos fatos, dos sentidos, dos sentimentos e da vontade de ser o que não é  ou de ter o que, de fato, não se tem. Como se puxa um tapete de um adulto, ou se toma um doce da boca de uma criança,  todos os valores humanos vêm sendo consumidos, todos os conhecimentos adquiridos e somados ao longo de tanto tempo passam a ser antiquados, ultrapassados, superados, fora de foco e de propósitos. O que nos resta? A  virtualidade de uma ficção que, fora da mão humana e do coração daqueles que amam, sonham, criam, orientam, educam e pensam no futuro, pouco vale, pouco fundamenta, pouco ou quase nada representa.

      Faz-se oportuno valer de um recente recorte  muito oportuno para esse enfoque: Um pai, viúvo, com dois filhos menores, vivia de forma harmônica com os seus princípios e objetivos. A filha mais velha, nos seus poucos 12 anos, cuidava carinhosamente do seu irmão de 04. Era comum vê-los indo e voltando da escola, mãos dadas, alegres, corriam pelos jardins da praça, admiravam as árvores, cuidavam dos pássaros livres e, jamais perdiam uma lição, sequer. O pai, na sua simplicidade, cuidava da manutenção da família, no seu sustento e com muita disciplina, por meio do exemplo, fizera da menina, uma verdadeira “mãe” para o seu irmão, fosse na disciplina, na organização das roupas, dos deveres da escola, do lanche, do sono e saúde enquanto cuidava de si mesma. Era bonito de se vê a harmonia que existia entre eles três: o pai ensinava fazendo; a menina cuidava cuidando; o menino vivia o que aprendia e demonstrava conhecimento e sabedoria.

       Como a menina e o menino estavam crescendo em sabedoria e respeito pela vida e pelo outro, o pai, apesar de  ser simples mas era uma pessoa preocupada com a formação dos seus filhos, de tão satisfeito que estava com eles, resolveu dar um presente para a menina como que para retribuir a sua atuação o seu empenho na educação do irmão, na organização da casa, mas principalmente pelos resultados escolares e acompanhamento dos estudos do irmão menor,  resolveu que precisava lhe dá um presente:  Chegou em casa com o referido presente. A menina, surpresa com o valioso presente, abraçou o pai e saiu para o quintal e, com curiosidade, abriu o presente. Ficou em um misto de alegria e surpresa. Abriu, achou interessante, gostou e passou a dedicar-se a ele. Poucos dias depois, registravam-se alterações no comportamento da menina, seja no cuidado com a casa, com as roupas, com a alimentação dos dois, com o material escolar dos dois. Coisas simples como colocar a colher com alimentos na boca do irmão, ela não olhava para ele e, terminava colocando a comida, no rosto, nas orelhas, no cabelo do irmão que começava a ficar irritado com o novo comportamento de sua “cuidadora”. No trajeto de casa para a escola, antes, de mãos dadas para acelerar o passo ou evitar tropeços, hoje, era cada um por si.

        A desorganização passou aa distanciá-los um do outro e do foco dos estudos, os rendimentos escolares  caíram, as notas sumiram, a organização da casa desandou, as reclamações do pai começaram a fazer parte da rotina, as más respostas, as mentiras, as omissões, as fugas, o medo, o desencanto passou a reinar entre eles três. Seria o fim? Seria uma curva? Seria uma abertura para a retomada do que eram? Que ecos precisavam ser ouvidos? Quem deveria dar o primeiro passo em favor da reorganização daquela bonita família que já fazia parte de um passado recente? Pela lógica, caberia ao pai, educador, mantenedor, gestor responsável pela formação das crianças, tomar as rédeas da situação para revertê-la. Mas ele temia piorar a situação já que no seu mundo, no seu restrito circulo de amigos, todos os pais estavam passando por momentos difíceis já que as crianças de hoje são naturalmente rebeldes e agressivas por conta dos tempos modernos, inovador, e, tudo o que era passado era ultrapassado.                

       O improvável acontece: a menina levanta-se e caminha em direção ao pai, com passos firmes. Ali chegando, toma-lhe as mãos, e devolve, na mesma caixa, O CELULAR que ele havia lhe dado com a melhor das intenções, mas que trouxe para todos, tantos dissabores, angústias, desvios, dúvidas procrastinações, fugas e desserviços. O pai, surpreso, juntou as pontas, os fatos, as causas e as consequências do seu ato não calculado gesto, em nome de uma moda pela qual todas as crianças absorvidas, todas as pessoas absortas, todos os projetos postos em risco. Não pela inegável e real importância das descobertas e das tecnologias, mas pelo mau uso que temos feito das mesmas, todos, indistintamente em todo o tempo e lugar. Não há culpa, nem erro, em tirar proveito da evolução, mas há o CRIME ignorância de deixar-se, o criador ser dominado pela “criatura”.

      Reforçando a reflexão aqui proposta, uma fábula é evocada como um ATO para ilustração de FATOS que preocupam. O Burro e a Cobra. Depois de terem prestado serviços aos deuses, os homens rezaram e pediram uma grande recompensa: a juventude eterna. Os deuses resolveram conceder o desejo da humanidade e colocaram o dom da juventude nas costas de um Burro que deveria levá-lo até aos homens. Pelo caminho, o animal ficou com sede e encontrou um pequeno riacho. Lá dentro, estava uma Cobra que, depois de ver a sua carga, falou que o Burro só poderia beber aquela água se entregasse o que trazia nas costas. O Burro, que não sabia o valor daquilo que carregava, trocou a juventude por um pouco de água. A partir daí, os humanos continuaram a envelhecer, enquanto as Cobras ganharam a capacidade de se renovar a cada ano, trocando de pele. A ignorância pode trazer consequências irreversíveis para os indivíduos e irreparáveis para as sociedades. É preciso valorizar o que temos para reconhecer o que sabemos. As fraquezas humanas não são defeitos senão oportunidades para novos passos. Assim é a vida: a professora de todos os tempos, a mentora de todas vontades, a razão de todas as buscas, a motivação para ser.

      Interpretada ao pé da letra, essa fábula nos convida e repensar na finitude do homem enquanto espécie, mas na sua infinita capacidade de aprender cada vez mais a valorizar-se valorizando, como a capacidade  de renovação das cobras. Quando foi dada ao homem a capacidade de criar e inventar equipamentos e engenhos capazes de mover o mundo  não lhe  foi dito que mesmo sendo ele, o criador, não estaria isento dos riscos, longe dos perigos,  salvo  das responsabilidades.Como a cobra da fábula, conhecida pela sua esperteza e caráter interesseiro, os “influencers”, os falsos líderes, os “chips”, a inteligência artificial, o mundo virtual ocupam os espaços como um dom divino de valor incalculável, produtos de estudos, ciências e evoluções, documentam a vulnerabilidade e a inocência do Burro, HOMEM que ela  A TECNOLOGIA, consegue trapaceá-lo.

·Sebastião Maciel Costa