RESUMO

Este artigo tem como pretensão refletir a importância da Filosofia no Ensino Médio, explorando a papel do professor de Filosofia com vista a uma atividade docente auto-reflexiva-investigativa. O ponto de partida para a pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico foi uma abordagem sócio-histórica acerca do retorno da Filosofia ao ensino médio e as condições adversas apresentadas no contexto legal do presente. Aborda também a filosofia como prática reflexiva e aponta o papel do docente nessa área do conhecimento. Conclui-se que, ao tratar da volta da filosofia como disciplina possa surgir reflexões que fomentem e fortaleçam o papel e a importância dessa disciplina para que possa formar nos discentes um espírito crítico, reflexivo e autônomo.

Palavras-chave: Retorno da Filosofia. Ensino Médio. Legislação

INTRODUÇÃO

A relevância dessa abordagem centra-se na sua contribuição para um conhecimento mais amplo acerca da aceitação/rejeição da disciplina de filosofia no ensino médio, tendo em vista a sua importância na formação da autonomia dos aprendentes no atual contexto.
Os tópicos apresentados obedecem a uma perspectiva histórica com ênfase nas idas e voltas da filosofia no currículo, destacando os aspectos políticos, educacionais e socioeconômicos que afastaram/reaproximaram/incluiu/exclui a filosofia como disciplina.
Diante do retorno da filosofia ao ensino médio este texto tem como objetivo discutir a sua importância, bem como a função do docente de filosofia, apresentando argumentos que justificam seu retorno, tendo em vista a construção da identidade e da autonomia do discente.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico onde a partir da revisão de literatura refletiu-se acerca do tema exposto.
Dentro desta compreensão, o artigo é estruturado em quatro tópicos. Na realidade, na construção da análise, o vértice do conjunto da problemática aqui abordada encontra-se no segundo e no terceiro tópicos, que tratam do retorno da Filosofia no Ensino Médio e dos embates empreendidos pelos seus defensores.
O primeiro tópico apresenta um panorama geral da presença da filosofia como disciplina, a qual esteve ligada ao predomínio dos jesuítas. Trata ainda da questão histórica e da reforma educacional empreendida pelo regime militar. Destaca a antiga e a nova legislação LDB , que permitiram a exclusão/inserção da filosofia como disciplina transversal.
Expõe-se, em seguida, o retorno oficial da filosofia como um marco histórico, apresentando o projeto de lei que altera o artigo 36 da Lei 9.394/96. Discute também a necessidade se compreender a filosofia no seu significado mais profundo. Volta não para ocupar espaços, mas porque tem um campo de atuação, um lócus que lhe é peculiar.
O terceiro momento enfoca a importância da filosofia no ensino médio e sua importância na construção da cidadania, enfatizando sua especificidade e seu caráter peculiar e abrangente porque ajuda o sujeito a perceber-se a si mesmo e a realidade a sua volta. Daí a importância de um lugar definido.
No quarto tópico, ressalta-se a importância da função do docente de filosofia, o qual deve se portar como educador-filósofo, possibilitando aos seus discentes a experiência do específico da tarefa filosófica, qual seja levá-los a pensar filosoficamente.
Por fim, nas considerações, buscou-se demarcar alguns pontos centrais do artigo no seu conjunto, reiterando a discussão no que se refere à importância do retorno da Filosofia ao Ensino Médio. Compreender esse retorno, o limite desta análise, está na própria compreensão do verdadeiro sentido da filosofia, bem como de sua validade para nosso atual contexto.

I
PERCURSO SÓCIO-HISTÓRICO
DO ENSINO DE FILOSOFIA NO BRASIL


A fim de possibilitar uma compreensão mais abrangente do processo de inclusão e exclusão da disciplina Filosofia no currículo escolar, apresentar-se- à um breve percurso no tempo, ressaltando o contexto social e a perseverança dos defensores nesse embate.
Sabe-se que o nascimento do Brasil para civilização ocidental se deu através do domínio cultural da tradição filosófica tomista ligada aos missionários jesuítas e ao seu catolicismo sob a inspiração dos ideais da Contra-Reforma de espírito tridentino, atitude que favoreciam não só o dogmatismo, mas também reafirmava a autoridade da Igreja e dos clássicos. Na opinião de Cartolano (1985), a idéia era uma formação humana, erudita e católica. Esse modelo persistiu durante os quatro primeiros séculos.
Desse modo, tanto a história da cultura quanto, educação e da própria filosofia se identifica com história do catolicismo. Por conseguinte, compreender o sentido de nossa história e de nossa filosofia está na leitura de nossa herança culturais e históricas. Vale ressaltar que a história da nossa educação, da nossa cultura, bem como da civilização tem a marca da Companhia de Jesus.
Segundo Aranha e Martins em Manual do Professor (2005), a presença da filosofia nas escolas, data do século XVI, nos curso de arte destinada aos filhos dos colonos quando da conclusão do primeiro nível de letras humanas. Já em outros colégios era exclusividade da elite portuguesa. Nesse período, a base do ensino era a tradição escolástica, ignorando as influências das ciências modernas de Bacon e Galileu, bem como as surgidas após Descartes e Locke.
Com a expulsão dos jesuítas no século XVIII, por Pombal, o modelo aristotélico-tomista permaneceu durante o Império e República, onde a educação continuou distante da realidade brasileira, permanecendo com seu caráter elitista e livresco.
É somente em 1820, com a criação dos cursos jurídicos que a filosofia surgiu como disciplina obrigatória no currículo do ensino médio, como acontece hoje em nossos vestibulares, como uma exigência para ingressar no ensino superior, perdendo posteriormente esse caráter através da reforma de1915, tornando-se disciplina facultativa.
Em 1932, o ministro Francisco Campos juntamente com o sociólogo Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira sob a agitação do movimento Escola Nova, considerando a situação econômica do país ? crise de exportação e começo da industrialização ? percebeu a necessidade de investir na qualidade do ensino oferecido. Daí introduziu a lógica, sociologia e história da filosofia no currículo.
E com a divisão do ensino secundário em ginasial e colegial, através da Reforma Capanema em1942, a filosofia retorna como disciplina obrigatória ? vale ressaltar ? até a promulgação da primeira LDB em 1961, lei nº 4.024 a qual, de acordo com Aranha e Martins (2005), retira a obrigatoriedade do ensino de filosofia, que volta na condição de disciplina complementar, quando em 1971, através da (Lei nº 5.692/71) foi excluída do currículo oficial [vale ressaltar que já em 1968, sob o impacto do golpe militar de 1964, era tida como disciplina opcional, tendo em vista que foi esse regime que sucumbiu a escola pública, através de uma concepção fragmentada de educação, uma vez que estava submetida a uma tendência tecnicista], porque a filosofia não tinha utilidade para os interesses econômicos e técnicos, dissolvendo, dessa forma, o processo do conhecimento. O que é enfatizado aqui é a formação do cidadão produtivo, não crítico - porque de acordo com a lei 5.692, a meta principal era a profissionalização .
Sabe-se que durante a vigência dessa lei, a filosofia permaneceu em apenas algumas escolas da rede privada de ensino, especificamente em São Paulo. Professores e defensores da filosofia criaram uma Associação, e a partir daí surgiram protestos, reações, encontros, na defesa da volta da filosofia. Para compensar essas lutas, através da lei 7.044 em 1982, ainda que a critério de cada instituição de ensino, a filosofia retorna ao currículo. É importante frisar que é por meio dessa lei que a profissionalização no ensino médio torna-se optativa para as escolas.
Considerando o ensino médio como etapa final da educação básica, na década de 1990, abre-se um espaço significativo para a filosofia, mesmo com dubiedade da lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, determinando sua aprovação, quando afirmava que todo estudante ao término do ensino médio deveria ter "acesso aos conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania" , mas sem ter o tratamento de disciplina, integrando-se no conjunto dos temas transversais. Perspectiva esta mantida, mais adiante, pelo Conselho Nacional de Educação, em 1998, através da Resolução CEB/CNE nº 3/98, e os PCNEM (1999) sob três aspectos: a) a precariedade na formação de professores de filosofia; b) a obrigatoriedade da disciplina implicaria em custos/investimentos para o sistema de ensino; c) a inclusão da filosofia iria rejeitar o modelo disciplinar da escola.
Depois de três anos tramita na Câmara e no Senado um projeto de lei que alteraria o artigo 36 da LDB, introduzindo as disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo do ensino médio, sendo aprovado nessas instâncias, e em 2001, vetado pelo presidente Fernando H. Cardoso, apontando dois argumentos. O primeiro seria os custos, e o segundo, a falta de professores habilitados para atenderem as exigências das disciplinas.
Para os defensores da reinserção da Filosofia como disciplina obrigatória todos esses argumentos eram falaciosos.
Em 24 de junho de 2003, há uma audiência pública realizada pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, além de tramitar no Congresso Nacional um projeto semelhante ao já apresentado na Câmara dos Deputados, fazendo referência a Declaração de Paris, com o apoio do Ministério da Educação, deixando facultativo para cada Federação a presença disciplinar da filosofia.
Nota-se que a Legislação deixou o ensino de filosofia em aberto. Essa atitude da legislação suscita uma análise. Sem querer entrar no mérito da questão, percebe-se uma aparente ambigüidade entre os PCNEM, as DCNEM e a própria LDB, não um conflito, sabendo que aqueles funcionam como subsídios, esta como norma. A ambigüidade nota-se na medida em que os PCNs tratam a filosofia como disciplina e defendem sua obrigatoriedade, além de recomendar um professor especializado para a disciplina de filosofia no Ensino Médio, enquanto as DCNEM e a LDB apenas faculta.
A grande contribuição, no entanto, emerge com as OCNs (2006) ? Orientações Curriculares para o Ensino Médio que, ao rediscutir os parâmetros curriculares exige a presença da Filosofia no ensino médio. O volume III das OCNs (2006, p. 15) em sua introdução explicita:
A Filosofia deve ser tratada como disciplina obrigatória no ensino médio, pois isso é condição para que ela possa integrar com sucesso projetos transversais e, nesse nível de ensino, com as outras disciplinas, contribuir para o pleno desenvolvimento do educando. No entanto, mesmo sem o status de obrigatoriedade, a Filosofia, nos últimos tempos, vem passando por um processo de consolidação institucional, correlata à expansão de uma grande demanda indireta, representada pela presença constante de preocupações filosóficas de variado teor. Chama a atenção um leque de temas, desde reflexões sobre técnicas e tecnologias até inquirições metodológicas de caráter mais geral concernentes a controvérsias nas pesquisas científicas de ponta, expressas tanto em publicações especializadas como na grande mídia.

Dessa forma, as OCNs sinalizaram positivamente acerca da presença da filosofia ? indo além da LDB, dos PCNs, DCNs -, a filosofia é reconhecida no espaço escolar, sobretudo por se compreender sua especificidade peculiar, de perceber a realidade e de dialogar com as diferenças.
Continuando as OCNs (idem) destacam que:
Também são prementes as inquietações de cunho ético, que são suscitadas por episódios políticos nos cenários nacional e internacional, além dos debates travados em torno dos critérios de utilização das descobertas científicas.

Percebe-se aqui a importância da filosofia no contexto sociopolítico de mudanças, tanto no campo ético quanto no campo político. A Filosofia vem "acompanhar" o homem na sociedade com todas as suas vicissitudes.
Portanto, o retorno da filosofia no currículo do ensino médio vem possibilitar aos educandos meios para problematizar tais inquietações lhes possibilitando respostas e/ou soluções e novas indagações inerentes à vida, a realidade, com vistas aos novos desafios, as mudanças e as transformações.

II
O RETORNO DA FILOSOFIA
COMO DISCIPLINA OBRIGATÓRIA


Após toda essa peregrinação, sem dúvida, o retorno da Filosofia no Ensino Médio marca uma conquista. Foi um avanço não só do ponto vista de uma política educacional, mas também do ponto de vista da política democrática. Foi um "despertar da caverna". Parafraseando Kant, um acordar para a maioridade, tendo em vista às resistências, as lutas e às idas e voltas da Filosofia no currículo.
Hoje , comemora-se essa inclusão, no entanto, ela aponta duas preocupações. A primeira é a falta de professores licenciados [exige-se mais do que habilitados para o exercício da docência: professor-filósofo-investigador] para a disciplina ; a segunda, está vinculada a primeira e diz respeito à formação dos professores de Filosofia a qual abordar- se- à adiante de maneira breve.
As OCNs, também ao abordarem a questão da volta da disciplina de filosofia no currículo já acenavam que:
[...] O tratamento da Filosofia como um componente curricular do ensino médio, ao mesmo tempo em que vem ao encontro da cidadania, apresenta-se, porém, como um desafio, pois a satisfação dessa necessidade e a oferta de um ensino de qualidade só são possíveis se forem estabelecidas condições adequadas para sua presença como disciplina, implicando a garantia de recursos materiais e humanos (2006, p. 15-16).

Por isso, com o retorno oficial da Filosofia ao Ensino Médio urge discutir o papel dessa disciplina e a função do docente para que seu retorno não seja apenas mais uma presença ? mera contemplação ? na grade curricular do Ensino Médio, como ressalta Kohan (2002, p. 22):
Não considero interessante apenas que a filosofia ocupe espaços. Dentro e fora das escolas, importa, fundamentalmente, compreender o que ela faz nesses espaços, o tipo de filosofia que se pratica (e ensina), sua relação com outras áreas do saber, com a instituição escolar e as outras instituições da vida econômica, social e política do país. Convém, especificamente, considerar a relação que professores e alunos envolvidos com a filosofia estabelecem entre si e com ela. Importa, antes de mais nada, o tipo de pensamento que se afirma e se promove sob o nome de filosofia.

Nesse sentido, faz-se necessário saber que papel ela realiza nesse contexto, uma vez que, todas as questões que envolvem o ser humano são questões que estão dentro do universo filosófico. E o professor, antes de tudo, precisa ter clareza do que seja a Filosofia para si mesmo.
Em meio à crise de valores, identidade, paradigmas, vividas pela humanidade que perpassa as instituições até chegar ao sujeito; diante desse cenário de mudanças onde são questionados valores, a filosofia tem um papel significativo: justificar os sentidos desses valores, tentando dar uma ressignificação deles na história, suscitando nos indivíduos e na coletividade mudanças de opiniões e atitudes através de um pensar-crítico-reflexivo ? especialmente nos sujeitos do fazer filosófico. Ela tem um espaço e uma função, mas para que cumpra, efetivamente, a sua função, que é a de possibilitar aos aprendentes um conhecimento profundo de si mesmo e de seu tempo, capaz de dialogar e interagir na sociedade como sujeito, através de um pensar crítico, ético e coerente.
Isso mostra a importância da filosofia, bem como a validade de seus procedimentos perante os desafios presentes na contemporaneidade; o que justifica a sua presença na formação humana como um todo.
A realidade está dada: com suas ideologias, como um sistema aberto e flutuante constituído de vários sentidos, não só os hegemônicos. Nesta perspectiva, a sociedade não está determinada, mas tem grupos hegemônicos que dão a direção, não o sentido. O sentido quem dá é o sujeito atuante, não alienado. Daí a importância da filosofia, como uma disciplina que orienta o indivíduo para a vida, para ser sujeito ativo na sociedade. Daí a importância do docente nessa construção da cidadania e da autonomia.
Nesse sentido toda a comunidade escolar deverá entender a importância da filosofia para compreender a significação do mundo, da cultura, da história. O professor Franklin Leopoldo (1992, v.6, n.14), esclarece a função de articulação que tem a filosofia no ensino médio:
A Filosofia tem uma função de articulação cultural e, ao desempenhá-la, realiza também a articulação do indivíduo enquanto personagem social, se entendermos que o autêntico processo de socialização requer a consciência e o reconhecimento da identidade social e uma compreensão crítica da relação homem-mundo. No contexto curricular, a Filosofia mantém com as demais disciplinas um contato que deve traduzir-se concretamente numa aproximação do caráter geral da experiência de conhecimento. Isto é feito, de um lado, pensando as questões atinentes à fundamentação metodológica e, de outro, pela remissão às origens históricas da experiência teórica. Neste último sentido, a Filosofia presentifica a tradição esclarecendo o significado do progresso do conhecimento e das relações entre civilização e progresso técnico, para além da perspectiva sociológica do progresso de hominização.

Diante disso, torna-se óbvio, visível o lugar e o papel da filosofia no ensino médio. É o que nos relata Severino (2003, p.1-2) quando afirma que, a "incumbência da filosofia é mostrar aos jovens o sentido de sua existência concreta. E é assim que a filosofia se torna formativa, na medida em que ela permite ao jovem dar-se conta do lugar que ocupa na realidade histórica de seu mundo".
Por isso, é importante a criação de vínculos entre os personagens do processo educativo, entre docente-aprendente o qual se dá através do envolvimento nos grupos de pertencimento, uma vez que não se separa quem sou eu daquilo que eu faço.


III
FILOSOFIA
COMO PRÁTICA REFLEXIVA


A questão da importância da Filosofia para a formação integral do indivíduo sempre foi vista e defendida como uma disciplina de máxima importância formativa por proporcionar uma visão global do cosmo e do homem, na busca pelo sentido das coisas e da própria existência.
A esse respeito ressalta Navia (2005, p. 277-278):
[...] não há nenhuma outra instância onde se reflete sobre o fundamento e os limites do conhecimento, tratando de gerar critérios sobre a distinção entre conhecimento fundamentado e não fundamentado e de tirar fora o obscurantismo e a mistificação da ciência; não há outro âmbito onde se reflete sobre problemas éticos, estéticos, antropológicos, sócio-históricos e culturais, procurando um antídoto contra o dogmatismo, o fanatismo e a intolerância. Uma instância, além disso, onde se desenvolve as capacidades de argumentação e discussão de idéias explicitamente fundamentadas e com elucidação dos princípios supostos implicados como modelo privilegiado de qualquer análise, elucidação, e avaliação que inclua princípios gerais.

Portanto, perceber a importância do ensino de Filosofia é o primeiro passo. Feito isso, vem a sua aceitação. Mas tal atitude não é tarefa fácil, precisa ser aprendida. Um pensamento autônomo, reflexivo, crítico, contextualizado e criativo não surge do nada. Vem pela educação através da mediação/relação professor-aluno.
Tudo isso envolve um processo complexo e desafiador. Daí a necessidade de uma educação para o pensar, mas um pensar filosófico através de uma educação que forneça os elementos essenciais para que os alunos através de uma postura crítica diante da realidade em que vivam, possam exercer a sua cidadania, pensando por si próprios de forma crítica e profunda ? esse é um desafio! Todos devem abraçar. Eis aí o cerne da questão, o papel fundamental da filosofia: ajudar o sujeito a ver a realidade, levando-o a pensar de forma sistemática para que seja capaz de desvelar a realidade que o cerca, interpretá-la e (re)interpretá-la, propondo soluções e alternativas.

IV
A FUNÇÃO DO DOCENTE
DE FILOSOFIA


Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, (FREIRE, 2005 p.41).

A proposta de Freire fundamenta-se na questão de uma prática educativa voltada para o social, para autonomia, a qual é constituída na relação professor-aluno, onde a educação tem a função de construir e reconstruir a sociedade através do conhecimento, dos valores morais e éticos.
Na atualidade, há muitas discussões acerca do Ensino de Filosofia em diversos campos do saber. Tal preocupação parte de professores de todos os níveis, tendo em vista a qualidade do trabalho docente em sala de aula. Prova disso são os Seminários, Simpósios e Fóruns realizados, que discutem o ensino de filosofia.
Inclusive, essa, também foi uma preocupação das OCNs (2006, p. 16), quando enfatiza que:
[...] pensar a disciplina Filosofia no ensino médio exige também uma discussão sobre os cursos de graduação em Filosofia, que preparam os futuros profissionais, e da pesquisa filosófica em geral, uma vez que, especialmente nessa disciplina, não se pode dissociá-la do ensino, da produção filosófica da transmissão do conhecimento.

Diante disso, o que se espera do docente de filosofia? De acordo com as Diretrizes dos Cursos de Graduação em Filosofia, o professor tem a seguinte tarefa: provocar nos seus educandos a reflexão filosófica, apresentando-lhes o legado da tradição, levando-os a pensar de forma crítica e independente.
Na opinião de Aranha e Martins (2005, p. 10-11):
Um dos papéis que cabe ao professor de filosofia é auxiliar na passagem do senso comum ao bom senso, e deste para a consciência filosófica, processo que não é automático. Ao contrário, existem obstáculos à sua realização. Basta lembrarmos a rigidez dos preconceitos, o arraigamento das convicções, a sedução das certezas definitivas frutos da doutrinação e que nos levam ao dogmatismo e ao fanatismo. Ou lembrarmos o morno conformismo das convenções e dos hábitos que muitas vezes nos acomodam na alienação, como presas fáceis da ideologia.
[...] A função do professor é ser o mediador entre o aluno e o texto filosófico, estabelecendo dessa forma uma ponte com a cultura, já que o filosofar não se faz à margem do contexto histórico. O rigor desse movimento depende das condições oferecidas para a análise, por meio de uma lógica coerente e pelo exercício da argumentação, a fim de educar o aluno para a inteligibilidade e, portanto, para a autonomia intelectual.

Na perspectiva das autoras, o professor leva os educandos a darem um salto qualitativo ? possibilitando uma passagem do mito para razão ? como fizera os primeiros filósofos há 2600 anos. A tarefa do professor consiste em dar esse testemunho de mudança de atitude na abordagem do mundo que está dado, fomentado o interesse por sua problematização.
Em síntese, defendem a idéia de uma filosofia problematizada, engajada e contextualizada. Daí exige-se a preocupação de formar bem o professor de filosofia para que ele possa atuar como um mediador entre alunos e filosofia. Ele precisa dominar o saber filosófico para apresentar a filosofia na sua grandeza e amplitude. Assim estará construindo filosofia em sala de aula, na relação ensinante-aprendente através do qual ambos possa trilhar e recriar o percurso filosófico. Onde as suas aulas são planejadas através de questionamentos, resolução de problemas, debates e análises de textos filosóficos - levando, com isso, os alunos a pensarem filosoficamente.
Isso leva a refletir sobre a formação e as competências do professor de filosofia na atualidade, porque o ensino de filosofia é um tipo de ensino específico, especial. A esse respeito ressalta Von Zuben, citado por Matos:
O ensino de filosofia distingue-se de qualquer outro tipo de ensino, pois é um ensino filosófico. Exige da parte do professor a consciência da atitude filosófica. Em vez de conteúdos expressos em doutrinas, teorias e sistemas consignados na história da filosofia, o "objeto" da ensinabilidade e da apropriação é uma atitude (2000, p. 179).

Nesta mesma linha de raciocínio escreve Cerletti (2003, p. 62):
[...] um professor de filosofia é aquele que, acima de tudo, consegue construir um espaço de problematização compartilhado com seus alunos. Ou seja, é alguém que vai muito além de ser capaz de mostrar ou apresentar certas questões filosóficas, ou alguns temas da história da filosofa. Deverá ser, então, um dos objetivos de todo professor procurar formar pessoas criativas e críticas, que sejam capaz não só de analisar a correção de um raciocínio ou a consistência de uma argumentação, mas também suspeitar dos saberes e prática que se apresentam como óbvias ou naturais.
[...] ensinar filosofia é antes de mais nada ensinar uma atitude em face da realidade, diante das coisas, e o professor de filosofia tem que ser, a todo momento, conseqüente com esta maneira de orientar o pensamento.

Ao abordar a questão das exigências acerca da ação e formação do docente Silva (2006) considera:
[...] a premissa de que a educação se desenvolve na tensão entre os fios (políticos, econômicos, culturais, etc) que tecem a teia da sociedade. A educação não se constitui como um fenômeno em si mesmo nem em apenas atender os condicionantes estruturais da sociedade, mas na relação assimétrica, contraditória, ambivalente e complexa entre educação e realidade como um todo. Falarmos das exigências sobre a práxis e a formação docente requer definir a concepção de professor que defendemos e trabalhamos (2006, p. 47).

Nesta perspectiva implica compreender a educação numa perspectiva filosófica e a ação docente como uma ação reflexiva transformadora.
Argumenta Cerletti (2003) que "[...] ensinar filosofia não é só ensinar certos conteúdos conceituais, e talvez nem se quer seja o principal. Ensinar filosofia significa, acima de tudo, construir um olhar problematizador" (2003, p. 65). E tudo isso tem suas implicações. Uma delas é a compreensão da relação existente entre teoria e prática, ambas importantes na ação educativa porque uma prática sem uma teoria bem fundamentada, com objetivos explícitos determinando aonde se pretende chegar torna-se vazia e sem sentido.
Por isso tal compreensão supõe ter clareza da ação educativa e da formação do docente, a qual se realiza num processo dialógico-dialético. E segundo Silva (idem), teoria e prática constituirão a práxis educativa as quais serão reinventadas/problematizadas continuamente (considerando o contexto e a realidade) em cada ação docente.
Portanto, é função do professor-filósofo propor um diálogo crítico com tal proposta com vistas a possibilitar um encontro profícuo entre o educando e a filosofia para que surjam soluções para as questões mais cristalizadas, suscitando novas interpretações e com elas novas mudanças possam surgir, tendo como foco a realização plena do ser consigo mesmo, e sua harmonia com o cosmo e com a sociedade.



ALGUMAS CONCLUSÕES


O percurso realizado até aqui, dar condições para se acentuar algumas questões, embora não conclusivas, tendo em vista o retorno da filosofia ao Ensino Médio.
Sabe-se que tal reflexão foi carregada de paradoxos e desafios ao longo da história. Daí pode-se inferir o quanto ela é importante para a formação humana como um todo, uma vez que sua ausência no currículo não impediu a sua presença no cenário político-educacional e nota-se que cada vez mais ela se fez presente em todas as dimensões da vida humana, questionando as atitudes e práticas do homem tanto na esfera científica quanto político-ética.
Isso comprava a validade dessa ciência, bem como sua importância para a formação uma democrática e cidadã. Por isso nesse retorno cabe definir bem a sua presença no Ensino Médio para que ela não perca a sua credibilidade e todo esforço se torne em vão. Embora, a Filosofia existe por si mesma, não é o ensino que vai lhe dar status.
Portanto, tem de haver escolas e professores compromissados com o ensino de filosofia ? com propostas claras e objetivas para se trabalhar a disciplina. Outrossim, a filosofia retorna ao ensino como possibilidade, como desafios para ensinantes e aprendentes para que discutam e interroguem o mundo contemporâneo, marcado pela ideologia e a indústria do consumo.


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