À luz do ideário de conquistas, Portugal — que no século 15 já havia se organizado como reino — estava em crescente poder econômico e geopolítico, iniciando uma expansão comercial sobre as regiões do norte africano e da África ocidental. Nesse processo expansionista passou a realizar pirataria e pilhagem comercial sobre pequenas cidades da costa africana, onde se situavam pequenos reinos com grandes riquezas e pouco poder militar. Sabe-se que "em agosto de 1444, 235 africanos foram trazidos para Portugal, tendo sido aprisionados num ataque pirata na Foz do Rio Senegal, região de importância comercial da África Ocidental, naquele período" (Salles, 1994; p.23). Estes aprisionados foram convertidos em escravos em Algarves, Portugal. Iniciou-se aí o ciclo de escravização de africanos na Lusitânia, de subjugo desses povos, do esfacelamento de suas culturas e liberdade. Tratava-se de uma forma de exploração pirata ilegal mesmo para os portugueses.
Imbuídos do mito de nacionalidade e da privilegiada posição geográfica, os lusitanos lançaram-se ao mar, que descortinava pelas frestas e janelas de suas casas e caravelas serenas ondas a seduzir o cantar em trovas de grandes poetas, inclusive Luis de Camões, autor da maior obra literária portuguesa: Os Lusíadas, que cantou com a autoridade de um Homero da Idade Moderna as conquistas soberbas de seu país no além-mar.
Segundo Bosi, (2006, p. 38), o poeta vai construindo a epopéia da viagem mitificando os feitos da frota comandada por Vasco da Gama de tal forma que a narrativa ganha caráter dialético . O seu grande aliado estético é a mitologia greco-latina que lhe oferece o que hoje poder-se-ia chamar de ambiente surreal onde o poeta viajará em seu devaneio mítico e comporá sua rapsódia épica.
Com tamanha sutileza, Camões exalta os mitos clássicos, como o faz ao referir-se aos sonhos do Venturoso (D. Manoel), visitado por Morfeu , teleporta o rei às terras distantes do Oriente, rios, florestas, etc, criando na narrativa os pressupostos que iriam justificar a jornada portuguesa para "além da Trapobana":

"Certifico-te, ó Rei, que se contemplo
Como fui destas praias apartado
Cheio dentro de dúvida e receio
Que apenas nos meus olhos ponho o freio".
(Canto IV, 87)

Nos Lusíadas, Bosi (p. 37) cita o conflito ideológico vivido por Camões. O autor, que fora soldado de sua majestade nas feitorias de África (Ceuta) e do Oriente, relata as glórias e feitos de seu povo, destacando soberbamente episódios épicos nos quais reedita a historiografia de origem do Condado Portucalense e imortaliza na obra a ideologia do nacionalismo lusitano

"(...) Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da Morte libertando",
(Canto I, 2)

porém sente-se, enquanto homem crítico, preso a um paradoxo: tentar justificar glória onde o que se via era invasão e pilhagem. Isso se torna visível no episódio do Velho do Restelo (Canto IV) onde Camões expressa a sua preocupação com a natureza da campanha mercantilista portuguesa; ele, ao mesmo tempo em que emite um ufanismo laudatório à nação, transforma esse sentimento em reivindicatório quando, personificado em um ancião, apresenta um discurso reflexivo em que coloca burguesia e Cristianismo convergentes num interesse comum, pois enquanto aquele singra os mares em busca de bens materiais este, no afã de "dilatar a fé" o faz também de olho nos espólios que lhe serão assegurados.
O tempo mítico em o Velho do Restelo é sempre presente a ponto tornar a figura do herói individual, Vasco da Gama, coadjuvante. Irônico, o Velho do Restelo condena a forma de apropriação de terras e de esfacelamento de culturas de outros povos, episódio em que Camões se manifesta ideológico e contra-ideológico, contraditório e vivo. Da condenação de tudo que ao seu ver é ilegal e desumano, o seu personagem (O velho do Restelo) prega sobre uma maldição que cairá em Portugal como um processo apocalíptico que teve início com a destruição do Édem, passando pela Idade do Ouro e chegando ao período atual (na obra) onde se vislumbra o surgimento do Capitalismo. Na sua fala o "beato" amaldiçoa todos aqueles que se deixa cegar pela vã cobiça

"Oh! Maldito o primeiro que, no mundo,
Nas ondas vela pôs em seco lenho!
Digno da eterna pena do profundo,
Se é justa ea justa Lei que sigo e tenho!
......................................................................
trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo que o mundo em armas ascendeu
Em mortes, em desonras (grande engano!)
Quando melhor nos fora, Prometeu,
E quanto para o mundo menos dano,
Que a tua estátua ilustre não tivera
Fogos de altos desejos que a movera!
(Canto IV, 102-3)

e traça uma cronologia dos feitos "parasitários" do homem do início de sua história com descoberta do fogo, passando pela Antiguidade e a construção de naus; nessa regressão temporal ele aponta o homem como "o inimigo de si", praguejando todas as conseqüências maléficas da missão mercantilista:

"Ó gloria de mandar,ó vã cobiça
desta vaidade, a que chamamos Fama!".
(Canto IV, 95)

A conquista de novas terras cantadas por Camões não dispensou criticas à coroa portuguesa pela forma como foram direcionadas tais viagens. Na chegada ao Brasil em 1500, os portugueses implementaram o mesmo método de conquista. Graças às contribuições da História crítica, hoje, não cabe mais afirmar um mito ideológico que sobreviveu por longos anos: descobrimento por engano do Brasil. Assim como aconteceu na África no século XIX, quando as principais potências mundiais a repartiram para si, a América, entre 1492 até a sua "total independência", foi retalhada entre Portugal e Espanha, ficando algumas migalhas para ingleses, franceses e holandeses. Os mesmos mecanismos já mencionados foram acionados no Novo Mundo. À burguesia interessava as riquezas existentes materiais; à igreja católica, quantos infiéis seriam achados, "salvos" e aculturados à fé cristã, numa tentativa de tornar a Igreja Católica novamente forte, uma vez que na Europa ela havia sofrido o duro golpe da Reforma.
O indígena foi a primeira vítima a sucumbir escravo dos ibéricos; mais tarde vieram da África os negros que passaram a ser a mão de obra das lavouras de cana e dos engenhos.
Não é de natureza deste trabalho tecer um estudo cronológico ou diacrônico acerca da barbárie da escravidão imposta por Portugal no Brasil, mas excursionar pela resistência da matriz cultural africana e identificar a contribuição que a mesma veio dar ao folclore, cultura e literatura nacional, através da manutenção dos seus costumes e crenças.
A escolha deste tema configurou-se a partir de leituras que se fez sobre a condição do negro na literatura nacional. Percebeu-se já desde o Barroco, nos poemas de Gregório de Matos Guerra, o reflexo da submissão e discriminação da cultura negra. Este poeta, apelidado na Bahia como Boca do Inferno, sempre quando se refere ao negro, o deprecia:

"Imaginais que o insensato
do canzarrão fala tanto
porque sabe tanto, ou quanto?
Não, senão porque é mulato;
ter sangue de carrapato,
ter estoraque de congo,
cheirar-lhe a roupa a mondongo..."

E quando canta a mulata utiliza uma linguagem lasciva:

"O diabo sujo, e tosco
me tentou como idiota
a pecar com Maricota,
para não pecar convosco..."

Maricota era uma mulata com quem o poeta havia se divertido. O trecho acima destaca Gregório de Matos galanteando a mulata Custódia, filha de Maricota.
Gregório, porém, quando trova para a mulher branca utiliza um vocabulário digno de um Petrarca, um Virgilio e/ou um Camões:
"Não vira em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
e ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura".

No Romantismo, quando o romance se torna a forma literária mais popular do país, a escravidão ora servirá de pano de fundo para alguns autores, ora de denúncia a outros. Obra como A escrava Isaura de Bernardo Guimarães idealiza uma personagem escrava, porém com reflexos de uma dama da corte, totalmente revestida de europeidade. Durante todo o período em que reinou o Romantismo no Brasil, a maioria dos romances de costumes privilegiou apenas a classe dominante: a burguesia, salvo o Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, que inicialmente foi lançado como folhetim, entre junho de 1852 a julho de 1853, vindo a ser lançado como romance em 1854. É considerado o primeiro romance brasileiro de costumes que se preocupa com a idéia de brasileiridade no qual o autor descreve a vida da coletividade urbana do Rio de Janeiro, na época de D. João VI.
Durante o Realismo-Naturalismo, em que predominou o romance de tese, se percebe algumas tentativas de denúncia social voltada para o problema da escravidão. Na obra O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, tem-se a formatação da sociedade do Rio de Janeiro: burguesia x sociedade marginalizada; nesta última encontrava-se o problema da condição do negro que, mesmo alforriado (ou não), vivia em condição de servidão, como é o caso da personagem Bertoleza, uma crioula, que após conseguir sua alforria vive submissa de João Romão.
No Modernismo, a partir de 1930, é que a literatura nacional irá tratar os temas sociais com maior gama de criticidade. O tema do negro será retomado não mais com a febre dos ideais abolicionistas, já que este fora "libertado" em fins do século XIX, mas numa tentativa de mostrá-lo como elemento formador também da cultura nacional, através de suas contribuições na língua, costumes, culinária, música, enfim, de seu folclore.
O Negro no Brasil tem importância cultural às vezes até mais influenciadora que o indígena. São muitas as personagens que ilustraram os sonhos de infância de muitas crianças brasileiras, justificando que a alma de quem nasceu neste país é matizada pela matriz africana, posto que foram os negros que freqüentaram as alcovas e se posionaram nas cozinhas a alimentar e a amamentar muitos filhos de ricas famílias brasileiras. Dessa forma, permaneu na mente de muitos as lembranças das mães-de-leite, das quituteiras e de personagens como Adriana de Nazur, negra natural de Viana, interior do Maranhão, que trabalhou em casas de famílias, dona de um talento pleno na arte de fazer caldeiradas majestosas que faziam as crianças deleitarem-se e a repetir: "Queremos mais".
No plano da oralidade, o negro - principalmente no Maranhão - especializou-se em encantar com suas histórias sobre seres fantásticos, reinos, festejos, rezas, procissões, baile de São Gonçalo, tambor de Mina e lundu, que ainda hoje são manifestações vivas. A esse respeito, é importante destacar Henriqueta, maranhense, filha de escravos, contadora de estórias e cantora das mais belas cantigas de ninar, além de seu talento para a culinária regional como: chocolate feito de cacau, castanhas de caju assadas e de muitos doces cristalizados como o de pitanga e o de laranja cidra.
Outra negra que se destacou foi a Macuta, donzela amante da festa do Divino Espírito Santo, doceira de broas, que eram vendidos nas portas das festas. Macuta muitas vezes fazia a criançada de Viana se impressionar com a Imperatriz e o Imperador a conduzir a estátua do Divino sob o toldo vermelho enfeitado de dourado.
Vovó Faustina, preta velha, cozinheira habilidosa, fazia muito sucesso com sua banca de vender comida. Era comum em Viana vê-se longa fila de pessoas comuns a disputar para saborear seus pratos; dentre seus principais pratos destacavam-se: pato no arroz, canjicas, leitões assados, perus e as mais diversas iguarias, tudo bem apimentado, urucum para dourar e banha de porco para cozer. João Mucura era também um desses personagens da vida real que se tem lembranças: negro, remador, pescador que adorava levar as crianças para passear no Lago de Viana.
A partir desses contatos tem-se a experiência com o que se cristalizou da cultura negra no Maranhão, mais precisamente no município de Viana.
Esse enfoque permite-nos hoje entender porque os costumes africanos bem como seus mitos foram e são ainda temas presentes nas canções populares, danças, poemas e prosas da literatura nacional. Eles refletem a influência da matriz cultural africana ao longo da história do Brasil em todas as ruas regiões.
Buscando compreender a presença do mito africano no processo de criação artístico-literário dos escritores e compositores brasileiros, destacamos o problema:
Como o mito africano influencia na literatura e letras de canções nacionais?
A idéia de se discorrer sobre esse tema surgiu há bastante tempo. Ao refletir-se sobre as características da literatura brasileira, a partir de leituras feitas em Sérgio Buarque de Holanda na obra Raízes do Brasil, percebeu-se que a cultura nacional tem suas raízes fincadas em três elementos: o indígena, o europeu e africano. Este último, muito mais que o indígena emprestou boa parte de seus costumes como culinária, mitos, lendas e religiosidade à classe dominante e foi utilizado como fonte expressiva por uma parcela considerável dos escritores, tornando-se mais do que um objeto idiossincrático, um perfil que permite o enfoque da identidade brasileira.
No sentido de se fazer um breve estudo da influência do mito africano na literatura e letras de músicas populares brasileiras, justifica-se a relevância desta pesquisa.
Este trabalho procurou alcançar os seguintes objetivos:
1 - Refletir sobre a identidade cultural africana e os elementos culturais que a compõe;
2 - Compreender o mito africano como elemento de preservação e
resistência, que integram a nossa identidade cultural;
3 - Identificar em algumas obras da literatura nacional e letras de algumas músicas populares, a presença do mito africano.
A hipótese que norteou este estudo foi: o mito africano influencia a música e a literatura por meio de elementos culturais, que sempre convergem para a produção literária e musical brasileira.
O estudo foi direcionado a partir de uma abordagem literária, permitindo assim identificar elementos míticos africanos. Essa investigação teve a sustentação teórica em pesquisa bibliográfica sobre o tema.



A sociedade brasileira tem, ao longo dos anos, que se definir a despeito de todos os sofrimentos e glórias para situar-se e ser reconhecida no cenário mundial, pela sua origem branca, negra asiática ou mestiça, para não ser apenas um país relegado a ser considerado apenas um país de terceiro mundo, mas construir uma identidade nacional. E o que melhor delineia este arquétipo é a literatura.
A compreensão do mito africano dentro da literatura brasileira passa pela compreensão histórica e social do país, além de definir uma linha de estudo, pois a influência do mito é de tal forma marcante em nosso quotidiano, que veio desencadear uma escolha talvez bastante insignificativa, haja vista merecer registro da influência da mitologia africana na literatura nacional desde do período romântico, fato que deixamos de mencionar, porque preferimos direcionar nossos estudos um pouco mais aprofundado como requer um trabalho de conclusão de curso, para o período em que nossos escritores estavam mais engajados com a realidade social.
De fato que foi necessário remontar a história literária e humana para compreender a importância do mito na literatura. Diante do exposto, é necessário considerar estudos que direcionaram a língua, a dominação dos povos africanos e a cor da pele como elementos de relevância para a construção da literatura. Alfredo Margarido (p.42) menciona e aprecia a língua como marcador da supremacia da língua portuguesa tal como sinalizadora da dominação. Na peça Frágua de Amor( 1524), o africano compreendendo a que cor da pele representa um obstáculo insuperável para conseguir atrair o interesse da mulher branca por quem se apaixona, pede ao ferreiro para o transformar em branco, é forçado a reconhecer que esta modificação – que resulta, servindo a peça para exaltar a função técnica do ferreiro, duplo de Hefaistos e de Vulcano – não pode dar-lhe o lugar social a que pretendia. Se a cor da pele mudar, não pode o ferreiro modificar-lhe a língua, que se manteve tal como era: visceralmente africana.
Admite-se, portanto, que esta peça teatral destila o preconceito lingüístico atrelado ao pensamento social, que não havendo o reconhecimento da propalada supremacia do denominador o negro exaspera-se e põe-se a lastimar:

."... já não minha branco estai,
e qui perna branco é,
mas a mi fala Guiné
se me negro falai".

" a mi branco para qu^r?
Se falar meu é negregado,
e não falo português;
para quê mi martelado?"

Há referência na literatura durante esse período, que a discriminação em relação à fala ou língua não era inferior à discriminação da cor segundo Antonio José Saraiva e Oscar Lopes contemporâneos do Gil Vicente contidos no texto de Alfredo Margarido, percebe-se que o desprezo pelo escravo e negro era tão cega que o trecho mostra que a repugnância à cor toma severas posições:
" A sua desilusão é cruel e o africano lamenta ter-se submetido a tão rude tratamento."p.43
" O colorário reside no fato do negro não precisar ser visto para ser reconhecido: mesmo dissolvido na noite a língua não só o traía, como o forçava a manter no lugar inferior que a sociedade branca lhe impunha." p.43

Dessa maneira, percebe-se que o processo de exclusão da mão de obra escrava africana enseja a forçá-la a absorver a língua portuguesa e aos trabalhos duros e difíceis para dominá-la por completo, ao refletirmos sobre tal, percebemos que o negro escravo não se deixou dominar por inteiro, mas influenciou muito no universo lingüístico da língua portuguesa.
Diferente do que ocorreu, em outras migrações por demais partes do mundo em busca de conquistas, a migração Africana merece destaque pela singularidade por ter sido as maiores migrações forçadas da história da humanidade tanto em número quanto em tempo e duração, nenhum outro deslocamento forçado coletivo alcançou tamanha dimensão.
Nesta rota Atlântica evidenciaram-se eventos que de certa maneira contribuiu para considerá-la atroz posto que para cada dez africanos aprisionados, apenas um chegava ao porto do destino, mortes estas que aconteciam até nos portos de embarques enquanto outros morriam em alto mar vitimados por doenças, sede e das condições sub-humanas pelas quais eram transportas.
As primeiras viagens portuguesas empreendidas em direção ao trafico escravista datam o fim do século XV, porém o Brasil passa a ser incluído nessa rota em meados do século XVI, quando os primeiros latifúndios requereram braços para a lavoura.
Os portugueses foram os primeiros europeus a escravizar os africanos, dessa forma os viajante do mal em concomitância ao tráfico empenharam-se em mecanismos de destruição das identidades culturais negras, dilapidando e desqualificando o legado cultural que trouxeram, -ressalta-se que o africano tem respeito e memória à sua ancestralidade – da mesma forma que os índios aqui eram submetidos.
Os negros que para cá vieram eram de diversas culturas e eticamente entre si, pois civilizações bantas, moçambicanos, angolano-congolês, abundas - cassagues, bengalas, dembos – de Angola, congos cambindas do Zaire e os benguela; a civilizações islâmicas, como os peuls, mandingas, haussá, tapa, bornu e gurunsi e os sudaneses vindos da Nigéria e do Daomé, da Costa do Ouro, iorubas, ewe, fon, fast-ashantis ou minas, krumanos, agnizema e timini.
Durante esse período povos inteiros foram aniquilados, grande contingentes humanos capturado, foram submetidos à condição de mercadoria, sob os grilhões. As armas eram reforçadas, ideologicamente, por discursos legitimadores de práticas violentas, cristalizadas no racismo, de modo que, essa população majoritariamente negra dentro do contingente populacional brasileiro constituiu e constitui até hoje marcada pela desigualdade.
Esses povos falavam diversos idiomas maternos e guerreando entre si, ainda na África, por espaço territorial, poder, e os mais diversos motivos foram no Brasil colocados em um lugar comum, desarticulando-lhes de suas identidades, homogeneizando-os de modo forçado, reduzindo-a simplesmente a identidade da cor da pele.
Dessa forma houve esforços por parte dos colonizadores portugueses de tentar levá-los a esquecer de suas raízes, minando-os de uma ideologia racista branca tendo como reação todos os movimentos quilombolas que surgiram no sentido de dilapidar a exploração e minimizar a violência, porém foram sufocados e perseguidos pelos senhores, pelo estado através de milícias e bandeiras e até mesmo por outros escravos, no sentido de sufocá-los.
A escravidão no Brasil foi de fundamental importância para o processo de desenvolvimento social, político e econômico igual a diferentes nações que ao longo da dominação de Portugal no período colonial no país fundamentou-se na violência e na barbárie.
Há de se ressaltar que ao longo do processo de escravidão acredita-se nos movimentos que estavam no sutil ricochetear dos açoites que impeliam o homem ou mulher escravizados a tornar-se formadores de opinião, cujo pensamento de liberdade anseios minaram os salões da casa grande, que transcendia o desejo da mucama, ama de leite, o serviçal , o agricultor escravo , o trabalhador de engenho, haja vista que silenciosamente foram denunciados reivindicando a condição humana.
Quando nos deliciamos com a leitura de Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que além de ser um extraordinário ensaio sociológico que discorre sobre o povo brasileiro, é uma obra literária que denuncia através de seu estilo eloqüente a vida colonial do país em cujo período foi plantado os sinais do reconhecimento de um país mestiço, fruto da miscigenação do português com o índio e o negro.
A vida ou a formação colonial brasileira é apresentada como um processo em que encontra a dicotomia de economia e de cultura. A cultura européia e a indígena. A européia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominante sobre todos os contrapontos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo. (p.53)
Ao desentoar esses elementos entre si, ressalta-se que apenas houveram para Freire esse contraponto, mas construiu-se a suposta harmonia que minava a relação entre senhor e escravo. "Entre tantos antagonismos contundentes, amortecendo-lhes o choque ou harmonizando-os, (temos) condições de confraternização e de mobilidade social peculiares ao Brasil: a miscigenação…" (p.54) "Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se constituiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um aproveitamento de valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, da do conquistador com a do conquistado". (p.91).
Sendo, portanto, a escrita de Freyre direcionada para contentar e agradar a elite brasileira que era acometida pelo complexo de inferioridade, racista e descontente pela sua condição, o autor busca elevar a categoria da miscigenação como elemento de orgulho, de coragem por se acovardar de sua condição de país negro e se orgulhar não pela negritude, mas por se denominar mestiça, que Freyre justifica e transforma a colonização portuguesa como algo de excelente, e os colonizadores portugueses em heróis que "triunfaram onde outros europeus falharam: de formação portuguesa é a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com característicos nacionais e qualidade de permanência… pela hibridização realizaram no Brasil obra de verdadeira colonização, vencendo as adversidades do clima" (12-13).
É de certa forma medíocre ante a impiedade e o horror que a escravidão representa para se falar do triunfo português posto que, ao final de sua colonização, o Brasil era um país miserável quando comparamos com outras colonizações mesmo na América que obtiveram prosperidade. Certo que mesmo diante da escravidão souberam devolver a nação certo desenvolvimento e respeito
pela condição humana que os africanos aqui suportaram.
É, portanto, necessário garantir que ao contrario do que o autor nos relata a luta a resistência do modelo de escravidão foi determinante para que reagissem à violência empregada pelos seus senhores.
Algumas produções literárias e musicais respondem estas inquietações: Silvio Romero, História da Literatura Brasileira; Mário de Andrade, Macunaíma; Bruno de Meneses, O Batuque; Memória do Sargento de Milícias; Aluísio de Azevedo, O cortiço; Paulo Prado, Retrato do Brasil; Essa Nega Fulô, Jorge Matheo de Lima; as obras de Jorge Amado; as músicas de Chiquinha Gonzaga, Waldemar Henrique, Nato Aguiar; Raízes do Brasil, Gilberto Freyre; Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira; Alfredo Bosi, entre tantas outras obras.
As inquietações, interrogações ou mesmo interpretações que se elaboram nesses e em outros estudos e narrativas, destinados a esclarecer a história, descrevem as épocas, explicam as raízes ou descobrem as perspectivas do país, sociedade nacional, povo ou Estado-Nação.
As doutrina ou linhas de pensamento recriam ou reiteram o imaginário brasileiro dentro de uma amplitude policrômica que o registro será necessário neste final de academia, pois as teses indicam que no Brasil há "democracia racial", a despeito dos séculos de regime de trabalho escravo e da forma pela qual são tratados prática e ideologicamente o índio, o negro, o árabe, o japonês, o polonês e outros, indivíduos e coletividades deste singular cujas revoluções " Brancas" encobrem a história do país, construindo assim tipos, mitos para supostamente acobertarem os sem nexos dos movimentos históricos e sociais. Dessa forma, as narrativas literárias e os versos têm influenciado notadamente o pensamento brasileiro.
Acredita-se que os tipos e mitos parecem bastante arraigados na memória coletiva brasileira. Daí perceber-se que as tradições indígenas, africanas e portuguesas, além de outras menos fortes, permanecerem ainda vivas dentro da sociedade. Tais tradições, práticas, valores, ideais, mitos e fantasias se manifestam nos eventos em que se descortinam: o "animismo", o "fetichismo", a "pajelança", o "candomblé", a "umbanda", a "quimbanda", o "espiritismo" popular, o "catolicismo" rural e outros traços mais ou menos notáveis de origem não só indígena, africana e portuguesa, como também ibérica e mediterrânea. Celeiro de complexo e mágico substrato cultural "pagão" na formação da sociedade brasileira, entrando pelo Século XX e continuando evidente no Século XXI. Este, muito provavelmente, o contexto histórico, social e cultura, em que se produz a "matéria" de criação de tipos e mitos, bem como das suas articulações em "famílias" ou "linhagens". Neste sentido é que, tanto "Macunaíma" como o "homem cordial" podem pertencer a todas as origens e tornar-se, portanto, universal tal qual o Pedro Malazarte.
Cabe reconhecer, no entanto, que nossos poetas também destilam a magia e o mito na construção de tipos que apontam para a liberdade, a sublimação e a religiosidade: O Batuque; a resistência: Cruz e Sousa; o desapontamento: Jorge Matheo de Lima; o racismo: de Raul Pompéia; o sentimento e o martírio com Castro Alves e nessa tessitura constróem-se os tipos nacionais.
É muito importante a construção dos tipos nacionais pela literatura porque se percebe claramente os séculos de escravidão o que permite considerar a dignidade com que os escravos souberam o fardo do trabalho somando-se com a barbárie da exploração, e, do constrangimento morais, físicos, mentais e culturais pelas quais passaram.
Os mitos brasileiros são emblemáticos, pois a literatura traz os tipos e os mitos podem ser formas de conhecimento, modulações do discernimento, sem prejuízo de outros significados e conotações, requerendo a influência mítica africana cujos signos, símbolos, conceitos ou metáforas, categorias ou alegorias, nos remetem ao mundo mágico e às situações que se organizam em torno da sublimação dos anseios do próprio homem. Nas diversas obras estudadas percebe-se que a presença dos mitos contribui para o conhecimento da realidade e de seu imaginário. Dessa forma, a literatura brasileira tem contribuído para a formação de sua própria de identidade, e sem parcimônia inspira-se na cultura deixada pelos africanos.
Mais uma vez, é constatado que a escravidão negra no Brasil, deu-nos um legado cultural vastíssimo, de mitos, imagens, sons, coreografias definidas como forma de resistência, decantando valores dentro da sociedade, cujas configurações retratadas dentro da produção literária brasileira reafirmam a contribuição do mito africano para a literatura brasileira.
A escritura no Brasil passa sempre pela idéia do colonialismo, que tipificaram e tipificam as produções literárias. Ao referir-se sobre os mitos africanos delineiam com singularidade o tema e encaminham para a concepção sociológica do que é aceptado para a construção da obra literária, sendo explicidato como marginal.
Será que a literatura Brasileira pós-Moderna? Ou se perdeu no sentido de garantir a legitimidade da miscigenação? Sabe-se no entanto que é garantia por lei o estudo nas manifestações originárias do legado cultural africano através da lei: 10.639 de 2002 .
Diante do exposto, recomenda-se aos educadores, que voltem seu olhar para mito africano dentro da literatura, da mesma forma de percebem os mitos da cultura clássica, para melhor entendimento do homem brasileiro e conseqüentemente repasse seu conhecimento à clientela estudantil para que possa traçar o arquétipo de homem a ser seguido pelo educando, notabilizando também a cultura africana.