O Haiti na “Geopolítica da Paz” de Obama e o Brasil.   

 

Ivan Santiago Silva*

 

             O Haiti é um país pobre, muito pobre. Tal pobreza não advém do terremoto de janeiro de 2010, mas sim da ganância estúpida de cinco séculos seguidos que fez deste povo o mais pobre e atrasado de um continente absurdamente rico.

                A sucessão imperdoável de fatos, como a  conquista espanhola, depois francesa, seguida de monarquias e ditaduras, nunca em nenhum momento visaram o bem estar do povo haitiano, mas sim a breve imundícia de uma potência imperialista ou outra. Sempre, sem exceções.

                Acentuada no período da Guerra Fria, a ferrenha ditadura do Haiti pró Estados Unidos não criou um senão de infortúnios para este país. Mas afinal, com exceção do Brasil, que país latino foi verdadeiramente beneficiado por uma ditadura pró –Estados Unidos ?

                O Brasil de Lula cresceu muito nos últimos anos.  O “Estadista Global”, segundo a elite de Davos de 2010, é um estadista “bonzinho”, tanto quanto George W. Bush. O país de Lula, um dos BRICs, acena como potência para o mundo no século XXI e como imperialista para vizinhança. Nada de novo neste velho canto esquecido do planeta Terra.

                Por ser um estadista global, velho sonho de Lula, do PT, da esquerda e de todos os comunistas nascidos, os Estados Unidos cederam o controle da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) ainda antes deste “título” em 2010. Na verdade a ONU cedeu o controle. É que o para nós, pobres terráqueos,  às vezes  confundimos quando é uma ordem da ONU ou dos EUA.

                Diante do controle da Minustah, Lula e o Itamaraty realizaram o maior sonho da política externa brasileira : interferir diretamente na América Central, área de influência direta dos Estados Unidos desde sempre. Este fato marca um dado momento relevante no cenário da geopolítica da América, pois a crescente decadência da Influência americana era preenchida pelo Brasil, representado pelo seu presidente Lula.

                Desta vez era possível. Controlar um país frágil, debilitado, política e economicamente com a ajuda de outros países não seria difícil e o Brasil, desta forma, ganharia uma projeção internacional. Errado. A debilidade brasileira não colocou ordem no Haiti tal qual a debilidade estadunidense não colocou ordem no Iraque - diferenças a parte.

                As sequências de denúncias, como a da OEA sobre abusos sexuais de menores por soldados brasileiros e da Minustah e a falta de dinheiro para se manter o status de potência,  tornou a situação brasileira complicada no país. A violência sexual brasileira é apenas mais uma breve imundícia de uma breve potência econômica do capitalismo. Podemos afirmar, sem dúvida ou medo que se trata de mais um invasor, ou seja, a quarta ou quinta geração. Violência tem sido uma constante no Haiti.

                Com o controle da Minustah, o Brasil interferiu no balanço de poder da geopolítica internacional. Se tal controle de uma missão de paz fosse na América do Sul não existiria nada de novo. Mas na América Central, de fato, Lula e o Itamaraty foram longe demais.

                Como pode um presidente americano vencer o prêmio Nobel da Paz no exercício deste cargo? É possível governar a principal potência beligerante do planeta com tamanho fardo? Como articular capitalismo e poder e representar a paz?

                Obama mostrou que é possível.  Um terremoto terrível riscou a pretensão brasileira de ampliar a presença na América Central, tradicional “quintal dos Estados Unidos” como trazem os livros didáticos brasileiros mais radicais.  Os americanos, como sempre foram impecáveis: George Clooney e companhia arrecadaram milhões para o país devastado pelo terremoto.

                A mobilização solidária foi impecável, um exemplo a ser seguido. Outras partes do mundo também colaboraram. Meus sinceros parabéns a todos. Mas, onde estavam os americanos durante estes últimos anos? A solidariedade serve somente em um momento trágico como o atual? Infelizmente, somente neste momento estas doações aparecem na mídia e, com um pensamento mais perverso ou mesmo realista, tais contribuições são calculadas como marketing.

                Para a nossa breve análise é que como a presença da sociedade americana e do governo dos Estados Unidos foram maiores,  com a ajuda em dinheiro e com pessoal, pois o efetivo estadunidense, segundo dados da Folha em 21/01/2010 era de até 16 mil homens, enquanto da própria Minustah era de apenas 9mil, os Estados Unidos recuperaram o controle geopolítico regional.  Passaram a controlar o aeroporto da capital também.

                A maioria dos brasileiros não sabia que o Brasil liderava as forças de paz da ONU no Haiti. A mobilização foi infinitamente menor. O haitiano sabe que é triste ser vizinho dos Estados Unidos é mais triste terem o Brasil no controle. Contudo, a ajuda, veio do vizinho.         

                Obama provou que com mobilização social é possível fazer geopolítica sim, afinal a influência perdida no Haiti foi retomada. Pobres haitianos, sempre subjugados por uma ou outra potência.

                Quanto a Lula, podemos dizer que o feitiço virou contra o feiticeiro:  a política social o transformou em bonzinho no Brasil.  Obama utilizou a tática semelhante para atingir seu objetivo  e conseguiu com sucesso no Haiti. Quanto a Bush e Clinton, com a fundação em prol do Haiti é algo louvável. É que como o Obama venceu o Nobel da paz no primeiro ano (e cada um teve oito para realizar tal façanha e não conseguiram), ficou feio. Ou pode ser também que pelo fato de não criarem condições para o desenvolvimento dos latinos da América Central, sintam uma espécie de remorso mesmo. 

           

Ivan Santiago Silva -  É professor do Instituto Superior de Ciências Aplicadas e autor do Livro Brasil, Imperialismo e Integração Na América Latina.