"O ENSINO DE HISTÓRIA, NEOLIBERALISMO E CIDADANIA"

"THE  THEACHING'S HISTORY , NEOLIBERALISM AND CITZENSHIPS "

BENSI, R.F.

SALVUCCI, M

BENSI, R, F. graduando em História pela PUC-Campinas. Estagiário do Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp (SIARQ). [email protected]

SALVUCCI, M. Cientista Social – UNICAMP , Mestre em Educação, profª dos Cursos de História e Geografia da Puc-Campinas.  [email protected]

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo levantar questões acerca do Ensino de História na formação dos alunos e alunas do Brasil tendo em vista a criação dos novos Parâmetros Curriculares Nacionais após a inserção do país no chamado neoliberalismo, além de analisar as condições encontradas para a execução desse ensino em vários aspectos da sociedade, tendo como pano de fundo a questão da cultura de massas no Brasil.

Palavras-chave: Educação, Alienação, Cidadania.

ABSTRACT

This article has as objective raise questions about the role of the school in the training of students in Brazil and the creation of new National Curriculum Parameters after the insertion of the country in the so called neoliberalism, in addition to analyze the conditions found for the implementation of this material in several aspects of the Brazilian society.

 Key-words: Education, Alienation, Citzenships.

INTRODUÇÃO

Muito se fala sobre qual o verdadeiro papel da escola na vida dos adolescestes brasileiros na atualidade, tendo em vista principalmente, a ascensão da tecnologia e a melhoria de qualidade de vida no país decorrente de uma estabilidade econômica conquistada nos últimos anos.

A educação pública no Brasil, em detrimento da economia, vive uma instabilidade produzida principalmente pelos questionamentos propostos pelo neoliberalismo para transformar a educação brasileira em um ensino de qualidade. Mas qual realmente é o papel da escola nos dias atuais? Quais são as alternativas para lidar com uma juventude que possui especificidades vindas de uma sociedade consumista?

Dentro desta conjuntura é necessário que entendamos o que é o neoliberalismo e o que suas mudanças políticas e econômicas resultaram na sociedade brasileira.

"O Neoliberalismo é um projeto sério e racional, uma doutrina coerente e uma teoria vinculada e reforçada por certos processos históricos de transformação do capitalismo. É uma doutrina, pelo menos de fato, conectada com uma nova dinâmica tanto tecnológica e gerencial quanto financeira dos mercados e da competição."[1] Nessa conjuntura, o neoliberalismo prega o Estado mínimo, que é o repasse de fatias públicas para as grandes corporações, retirando assim, a responsabilidade do governo de administrar tais órgãos, repassando-os para o setor privado.

Entender todo esse processo de implantação das políticas neoliberais no Brasil se torna fundamental para que possamos visualizar suas influências.

O neoliberalismo gerou novas demandas e uma delas afeta claramente a educação no Brasil, afinal o projeto neoliberal a nível mundial teve suas exigências no que tange ao preparo dos alunos da escola básica, para o mercado de trabalho.

Os jovens brasileiros nos dias atuais sofrem por vários motivos um esvaziamento de suas responsabilidades enquanto alunos e alunas e principalmente como aprendizes, pois desde o seio da família até as salas de aula, são vários os problemas que podem ser enumerados, visto que o Brasil não tem apresentando bons resultados no que tange a qualidade da educação.

É fundamental que analisemos com rigor os novos rumos projetados pelos currículos para discernir o que está em processo de mudança e como de fato alunos e alunas, que freqüentam nossas escolas a assimilam (interiorização, aquisição) e se aproximam do objeto do conhecimento. Os currículos escolares no Brasil têm sido alvo de muitas análises, porém, às propostas mais recentes, tem procurado se preocupar definitivamente na relação entre ensino e aprendizagem e não mais apenas na questão do ensino, como anteriormente. As reflexões fomentaram discussões que vieram a fornecer novas bases e um novo suporte para a elaboração de grande parte dos atuais currículos formais e normativos criados pelo Estado.

No Brasil durante a década de 80, os responsáveis pela educação estavam preocupados, porém, divididos com a reformulação curricular, com isso trouxeram avanços para o estabelecimento de novos critérios de seleção de conteúdos, resultando em uma concepção mais complexa, ao envolver a relação ensino e aprendizagem.

As propostas de renovação dos métodos de ensino pelos atuais currículos, passeiam por questões que considero importantes, principalmente no que tange a ênfase em competências e habilidades, metodologia de projetos de aprendizagem, temas transversais, contextualização e etc. Porém, a principal preocupação não se cristaliza naquilo em que os PCN´s trouxeram de novo, mas sim, naquilo em que fora conservado e nas formas com que se pretende avaliar o aprendizado desses alunos e alunas, inclusive o professor e a professora.

Os PCN´s vieram configurados como uma relação de conteúdos considerados válidos e necessários na busca por uma homogeneização do ensino no Brasil. A operacionalização e o cumprimento desse currículo cabe ao professor que manterá sua autonomia como produtor e transmissor de conhecimento, porém, o aprendizado dos alunos será sempre acompanhado por meio da avaliação nacional e, conseqüentemente o trabalho do professor também o será. Avaliação essa que prioriza competências e habilidades, que atende ao mundo do trabalho no sistema capitalista.

A proposta dos PCN`s é que o ensino não tenha como meta o mero acúmulo de informações, mas que trabalhe a formação integral do aluno e aluna, enquanto cidadão e cidadã, com uma visão crítica da sociedade em que vive, possibilitando-lhe o desenvolvimento de valores éticos de solidariedade, cooperação, valorização da pluralidade cultural e o respeito ao meio ambiente. Posto isso, é necessário dizer, que ao repensar o ensino no Brasil, não podemos simplesmente enxergar o aluno como mero receptor de um conhecimento pré-estabelecido, mas sim como agente atuante na formulação de seu próprio conhecimento.O ensino não deve se pautar somente em desenvolver competências e habilidades, visando à inserção do público alvo numa sociedade competitiva. Nesta realidade, o papel do professor e professora torna-se primordial, pois ambos vão elencar e transferir conhecimentos que possibilitem as esses alunos e alunas – independente de classe social – a se tornarem cidadãos e cidadãs preparados ética e moralmente para enfrentar a atualidade e o mundo do trabalho.

Pois bem, dentro desta conjuntura, é necessário que atentemos para a questão primordial que vem de dentro das instituições, pois o cotidiano das escolas vive uma lógica não percebida pelos formuladores dos PCN´s, devido à falta muitas vezes de um maior contato com a realidade, os impede de enxergar as reais necessidades do ensino no Brasil.

Segundo a revista VEJA de 20 de agosto de 2008, a pesquisa CNT/Sensus mostrou que 56% dos pais de alunos do Brasil esperam que a escola "ensine as matérias" e dê "formação profissional" a seus filhos ao invés de ajudar na formação do cidadão para viver em sociedade. Vale lembrar, que em uma sociedade pouco letrada, onde as pessoas não se reconhecem como "agentes" no processo histórico do país, outra resposta à pesquisa se torna difícil, principalmente por que vivemos numa sociedade onde a lógica de mercado está em primeiro lugar.

Em uma sociedade que perdeu a referência histórica e que pouco dialoga com o passado, fica difícil conceber possibilidades de um ensino voltado para constituição de uma sociedade mais justa, onde os valores morais, éticos e solidários deveriam estar acima da competitividade. Nesse sentido Frei Beto (2008) nos dá uma contribuição importante no que concerne ao papel da televisão e dos meios de comunicação atuais no processo de alienação das pessoas em nosso país, alertando para a questão da subjetividade que é uma "dimensão essencial" do ser humano.

Segundo teóricos da escola de Frankfurt, a indústria cultural, promove lazer e bem estar, diferentemente do papel da escola, sendo assim há uma disputa entre o papel da escola e dos meios de comunicação de massa.

Cidadania e Educação

Existe nos dias atuais uma tensão entre o conteúdo predominante nas emissoras e o propósito educativo. As emissoras de TV no Brasil, pouco se preocupam com a formação dos cidadãos, porém trabalham incessantemente para a formação de consumidores. Diante dessa dicotomia, estão os educadores e a família.

A televisão aberta no Brasil trabalha como uma força contrária à educação, pois seu conteúdo é hegemonicamente voltado para o fortalecimento do mercado, não se importando se sua prioridade voltada para o consumismo, fere ou não valores e parâmetros éticos que a escola através da educação tenta incutir nos alunos e alunas.

Dentro dessa conjuntura, existe um grande desafio da educação no Brasil, pois a televisão não visa transmitir cultura – afinal ela cria discernimento crítico – mas sim em levar as pessoas à alienação.

A substituição da importância da escola na vida das pessoas se dá naturalmente em nossa sociedade neoliberal, pois a chamada "cultura de massas" acaba preenchendo o vazio cultural na vida das pessoas, fazendo com que elas percam o contato muitas vezes com o real.

A "cultura de massas" disseminada pelos meios de comunicação acaba criando nas pessoas o sentimento de pertencimento na sociedade, mascarando a realidade social em que precariamente vivem milhões de brasileiros. É justamente nesse sentido em que a propaganda neoliberal acaba sendo assimilada pelas pessoas, impedindo-as de refletir sobre sua situação como classe social.

Nesse aspecto a educação no Brasil vem travando uma luta contra essa influência negativa e vem sendo tratada pelos governos como sendo parte de uma reestruturação social no país. Em relação ao ensino de História, a redefinição do papel do professor a partir dos anos 80, fora uma das mudanças mais aparentes na questão do trabalho pedagógico, pois conferiu aos educadores e educadoras mais autonomia no trabalho, não os deixando sumariamente presos a um rol de conteúdos. "O objetivo era recuperar o aluno como sujeito produtor da História, e não como mero espectador de uma história já determinada, produzida pelos heróicos personagens dos livros didáticos".[2]

 Advindo os anos 90, o ensino de História tem novos paradigmas teóricos que são propostos e incorporados às produções historiográficas, respondendo assim, aos temas mais significativos da sociedade.

Para a historiadora e pesquisadora Circe Bitencourt "um dos objetivos centrais do ensino de história na atualidade, relaciona-se à sua contribuição na constituição de identidades. A identidade nacional, nessa perspectiva, é uma das identidades a ser constituída pela história escolar, mas por outro lado, enfrenta o desafio de ser entendida em suas relações com o local e o mundial"[3], portanto, a constituição das identidades está totalmente relacionada com a questão da cidadania, que é um problema essencial na atualidade brasileira. Nesse aspecto, fundamentalmente, é que se encontra nos PCN's a afirmação de que a História deve contribuir para a formação do "cidadão e cidadã críticos" mostrando a importância política da disciplina. Nesses aspectos discutidos e tendo como fundamento todo o debate teórico intrínseco nos PCN's, é que devemos repensar a questão de como os professores e professoras irão trabalhar com esse material, principalmente, pelo fato de quê muitas vezes a realidade encontrada nas escolas dificulta-lhes muito o trabalho.

"As mudanças curriculares devem atender a uma articulação entre fundamentos conceituais históricos, provenientes da ciência de referência, e as transformações pelas quais a sociedade tem passado em especial as que se referem às novas gerações. Diversidade cultural, problemas de identidade social e questões sobre as formas de apreensão e domínio das informações impostas pelos jovens formados pela mídia, com novas perspectivas e formas de comunicação, têm provocado mudanças no ato de conhecer e aprender o social "  (Bittencourt, 1992: 135)

A proposta do PCN's acabou por deixar de lado algumas questões de ordem primordial na questão da prática, pois faltou uma abordagem mais incisiva sobre a realidade das escolas, dos professores e das professoras que colocam em prática cotidianamente, as teorias de ensino referentes aos conteúdos propostos nos Parâmetros Curriculares, principalmente no que refere-se à questão de infra-estrutura e no perfil psicológico dos próprios alunos e alunas que serão responsáveis por disseminar estes conhecimentos no decorrer da vida escolar[4].

Trabalhar fundamentalmente com base na experiência do aluno e aluna, valorizar o conhecimento espontâneo, sem ser espontaneista, isto é, considerar-se-á a importância de relacionar os acontecimentos históricos cotidianos, vinculando-os com o conhecimento da História Contemporânea, elaborada e sistematizada. Não deixar de trabalhar com cronologia, mas, inseri-la gradativamente de acordo com os conteúdos estudados, principalmente no que refere-se à inter-relação com os acontecimentos cotidianos e experiências pessoais do alunado.

Considerações Finais

Dentro dessa discussão posiciono-me de forma favorável ao dever da escola e principalmente, do ensino de História em dar sua contribuição para a formação de pessoas que realmente venham a se tornar agentes históricos, cidadãos (ao longo da história o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão), e não apenas reprodutores de uma realidade vigente, mas, transformadores desta mesma realidade. O ensinar História é exclusivamente trabalhar com a cidadania em diferentes tempos e espaço. Ensinar alunos e alunas a pensar criticamente, questionando a cultura de massas que lhes é transmitida gratuitamente, é um dever da escola enquanto instituição de ensino, portanto a formação ética, moral e de consciência política, vem à frente de uma formação unicamente técnica. É nesse sentido que o ensino de História torna-se fundamental, pois é dialogando com o passado que entendemos melhor nossa própria realidade atual.

Dentro desta conjuntura as contribuições exclusivas do ensino de História, na formação da cidadania, ultrapassam a questão cívica e de valorização de heróis fabricados.  A História ensina a conhecer, entender e pensar o presente com olhos no passado, afinal, entender as transformações ocorridas tanto no campo estrutural como no campo das ideologias é fundamental para a consolidação de uma sociedade mais justa.

Uma proposta pedagógica para o ensino de História que não se prenda apenas aos fatos, e que tenha como objeto principal o estudo dos conceitos, certamente, proporcionaria novas possibilidades, além de um processo de evolução no ensino e aprendizagem dos alunos e alunas no ensino básico, afinal, através de uma visão crítica dos conceitos presentes na experiência pessoal de cada um, nasce uma maior compreensão da própria realidade. Cabe ao professor e professora de História, resgatar estas experiências, dar-lhes sentido concreto e, possibilitar a apropriação, tanto por parte de alunos e alunas, possibilitando-lhes a compreensão de  tais conceitos para a vida e, não simplesmente para preparar alunos e alunas para ingressarem nas Faculdades. Ensinar História é trabalhar com identidades, com cultura e, por que não com a formação dos cidadãos e cidadãs que exercem papeis distintos na vida e na sociedade brasileira. Portanto, é indispensável o empenho de todos na formulação de uma nova educação no Brasil. Uma educação que contemple todas as áreas do conhecimento e não apenas o setor técnico que é a única preocupação da sociedade neoliberal.

REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTO, Frei, DE MASI, Domenico. Diálogos Criativos. São Paulo: Sextante, 2008

BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos.São Paulo: Cortez, 2004.

________________________________. Os confrontos de uma disciplina escolar: da História sagrada à História profana. IN: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH. V. 13; n. 25/26; set. 1992/ago. 1993

GERALDI, C. M. G. A Cartilha Caminho Suave não morreu: MEC lança sua edição revista e adaptada aos moldes neoliberais. In: Esteban. (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: R. P. & A Editora, 1999

NEVES, Lúcia Maria Wanderley. Ensino Médio, Ensino Técnico e Educação profissional: Delimitando Campos. In: Educação e Política no limiar do século XXI. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

IOSCHPE, Gustavo.A neutralidade como dever. Veja, São Paulo, p. 86, 20 Ago. 2008

SCHIMIDT, M. A & CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004  ( Pensamento e Ação no Magistério).

THERBORN, Goran. A História não terminou. In: As políticas sociais e o estado democrático. SADER, Emir e GENTILI, Pablo (orgs.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995

WEINBERG, Mônica, PEREIRA, Camila. Prontos para o século XIX. Veja, São Paulo, p. 76, 20 Ago. 2008.


[1] THERBORN, Goran. A História não terminou. In: As políticas sociais e o estado democrático. SADER, Emir e GENTILI, Pablo (orgs.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, pág. 182

[2] SCHIMIDT, M. A & CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004  ( Pensamento e Ação no Magistério).

[3] BITENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos.São Paulo: Cortez, 2004, p. 121

[4] GERALDI, C. M. G. . A Cartilha Caminho Suave não morreu: MEC lança sua edição revista e adaptada aos moldes neoliberais. In: Esteban. (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: R. P. & A Editora, 1999, v., p. 101-128.