O encontro
Publicado em 22 de novembro de 2021 por Jailton José da Silva
O encontro
Três coisas não me saem da mente, a primeira tem a ver com a filosofia de
Sócrates, que dizia dele mesmo, “só sei que nada sei”, deixando claro que não precisamos
pregar verdades. A segunda está relacionada à polifonia, na qual é forjado o nosso eu. A
terceira está ligada ao pensar freudiano, vinculada ao saber ouvir e observar, onde, Freud,
apud Dra. Waleska Fochesatto diz: “... Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir fica
convencido de que os mortais não conseguem guardar nenhum segredo (IBIDEM, 78 Caso
Dora)”.
Precisamos sair da ditadura citada na música de Chico Buarque e Gilberto Gil, cálice
(cale-se). Ouvir e, a partir dessa ação, encontrar a forma adequada para a transmissão de
conteúdo e a viabilização da educação, mas também, sair da pretensão de que libertamos,
de que ensinamos.
Ninguém precisa de que digam o que fazer, precisamos de educadores que ajudem
na leitura das realidades e, depois disso, então, o educando estará apto a intervir ou não na
situação que por ele foi analisada. Chega de estupros filosóficos, escravização em nome da
liberdade.
As discussões estão sempre voltadas ao nosso próprio umbigo. Quando as ideias
não fazem parte do rol daquelas ideologicamente nossas, elas são alienantes, quando ao
contrário, são libertadoras, inteligentes, visionárias. E assim, discutimos questões
relevantes e intrinsecamente humanas, porém, prevalecerão os nossos próprios
parâmetros. O debate só é bom se favorecer o ego de cada um. Falamos de ética e moral,
mas sempre a alheia, porque a individual é sempre inquestionável.
As discussões são empreendidas de forma superficial e tendenciosa, promovendo o
aumento de uma massa de reclamões, egoístas e acima de tudo, sedentos de poder, fatos
constatados até nos menores grupos. Vemos questões imbricadas, sendo discutidas de
forma fragmentada.
Enquanto não tomarmos consciência da responsabilidade de cada um sobre os
males que afetam a humanidade, ficaremos como cão, correndo atrás do próprio rabo.
A história é sempre a mesma, o que há são releituras. Sempre houve eloquentes
usurpadores, inimigos salvadores da pátria, além de uma massa vendida e acadêmicos a
serviço do poder. Todos querendo discutir o outro, nunca a si mesmo!
Para um pensante, toda questão que envolve o ser, deveria ser bem vinda, pois não
há enunciado que parta do além, sempre somos nós, os humanos, os protagonistas ou
antagonistas da situação, quando não, somos porta vozes.
Então, vamos sair da mesmice e de nossas cavernas sugeridas por Platão para
ouvirmos e vermos a proposta trazida pela vivência carente ou abastada dos pares?
“Esqueçamo-nos do nosso umbigo, ele só é algo em comunidade. O pensar é
sempre um desafio e o homem, um ser social!” Jailton Silva.
“Onde está seu irmão?” – Essa pergunta foi feita pela primeira vez por Deus,
segundo a bíblia, a Caim, filho de Adão e Eva, sobre seu irmão Abel, o qual havia sido
morto pelo próprio Caim. Gênesis 4:9. Criou-se um “eco”, o qual poucos ouvem, menos
ainda escutam, mas seu som é eternizado, pois as circunstâncias que o provocaram são
também proporcionalmente reproduzidas, hora após hora, sincronicamente por toda a Terra.
Essa voz, ou chamado, evolui e propõe novas leituras da frase original, mas o
hominídeo continua sem entender que tudo que ele faz, o faz para o outro e pelo outro. Até
mesmo a dita liberdade só se realiza na presença de outrem, pois, a condição sociável o
torna incapaz de viver isoladamente.
Sua dependência começa a ser notada, pelo fato de, embora com características
físicas da raça humana, só o convívio com os seus iguais, o desenvolve ou faz brotar o que
chamamos de humanidade.
Temos histórias de humanos criados por lobos que se comportavam como seus
criadores. Como é o caso veiculado pela mídia sobre Amala e Kamala, irmãs que
conviveram com lobos por muito tempo, podendo dizer que foram criadas por eles,
encontradas em 1920 e que não se adaptaram ao convívio humano.
A história das duas jovens é contestada e há quem diga que é uma farsa, mas há
outra que fala de um menino de aproximadamente seis anos, que andava de quatro e fora
criado até aquela idade pelos lobos. Deram-lhe o nome de Sanichar, o qual teve muitas
dificuldades de adaptação.
“O menino foi encaminhado a um abrigo para menores, onde recebeu o nome "Sanichar", que
significa "sábado" em urdu (já que esse foi o suposto dia em que seu resgate aconteceu). No
entanto, “domesticá-lo” não foi uma tarefa muito fácil. Sanichar não se comportava muito bem com a
nova condição de vida e lutava muito. [...] Mesmo depois de 10 longos anos vivendo na companhia
de outros humanos, Dina Sanichar continuava lutando contra as imposições que o abrigo lhe trazia.
Seu desenvolvimento foi bastante anormal, [...] Conheça a história real do menino que viveu com
lobos - meionorte.com acesso 10/11/2021
Sanichar, viveu até os 29 anos, na Índia, e morreu com tuberculose, sem se ajustar
completamente com os de sua espécie.
O primata dito humano, nascido, evoluído ou criado, é dotado do que chamamos de
inteligência, o que o difere dos demais animais, porém, o que seria dele com seu intelecto,
sem as oportunidades proporcionadas pela interação com outros de sua raça.
O isolamento parece não ser algo que combina com as características humanas,
mas isso não o faz amar outro humano, mesmo não sendo criado por lobos. Daí toda a
história e mitos que buscam chamar atenção dessa criatura para o bom convívio com tudo e
todos ao seu redor.
Aos crentes em DEUS, que criou todas as coisas e as entregou ao homem e a
mulher, foram dados mandamentos e situações que buscam despertar esses seres para o
entendimento com seus iguais, como é a questão dos dez mandamentos, além da pergunta
feita a Caim, personagem bíblico já citado anteriormente neste texto.
Os mandamentos do povo Hebreu, recebido pelo profeta Moisés, enquanto
perambulava pelo deserto, eram dez, e já em seus 1º e 2º itens determina o seguinte,
conforme citado por Jesus Cristo no próprio livro: Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo
como a ti mesmo (Mt 22,34-40) Amarás o Senhor teu Deus. de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo
o teu entendimento!’. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: `Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo’. Mateus 22:34-40 - ACF - Almeida Corrigida Fiel - Bíblia Online (bibliaonline.com.br)
A grande maioria dos humanos, aceita haver sido criado por DEUS e ainda
proclamam que ele, “Deus”, cuida deles, todavia, as palavras ditas pelo apresentado como
filho de Deus, Jesus Cristo, aparentemente, não faz efeito em suas vidas.
O próprio Jesus Cristo criou parábolas para contar e sensibilizar o povo daquela
época, uma delas a do bom samaritano. Pelo relato do discípulo Lucas, 10: 25-37, no Novo
Testamento, pode-se resumir como um chamado para a atenção ao outro,
independentemente da cor, raça ou origem, todavia, o ponto alto da história, está no fato de
um homem com origem fora daquelas ditas próximas de Deus, haver encontrado uma
pessoa caída e machucada, após ter sofrido um assalto e, mesmo não sendo eles,
correligionários, aquele moço, chamado no conto de samaritano, cuidou da vítima, a levou
ao médico e deixou tudo pago e simplesmente desapareceu.
Não entraremos aqui na questão ética, coisa que faltou aos outros que já haviam
passado por lá e apertaram os passos, conforme a escritura, mesmo sendo eles filhos do
povo escolhido de Deus e correligionários do vitimado.
Jesus, dito filho de Deus, o qual os estudiosos já esperavam naqueles tempos, não
veio como Deus, veio como homem e pregou para que o homem cuidasse do homem, e,
diga-se de passagem, era bem incisivo nesta questão, a ponto de vincular o entendimento
entre os crentes e a conquista da salvação, como relata o discípulo chamado Matheus em
um episódio denominado como “Sermão da montanha”:
“Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou
estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?
Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando deixaste de fazer a um destes
pequeninos, foi a mim que não o fizeste”. Mateus 25:44,45
Na vida o humano sofre para apresentar-se melhor ao outro, ele estuda para dar
aula, ele estuda para melhor colocar-se em um grupo, ele veste-se para ser elogiado, e ele
não fala só porque sabe falar, usa também sua fala para se impor, para dominar. Se em um
grupo ele amargar o esquecimento, para que outrem se destaque, certamente haverá sua
participação em outro lugar e ele exercerá sua superioridade.
Ao autor Thomas Hobbes, é atribuída a frase, “O homem é lobo do homem”, frase
que quer indicar como o homem depende de leis para não se digladiar, e isso, pode vir a
dar sentido ao que no início do texto chamamos de “eco”, nada a ver com ecologia, mas de
ressonância, de voz. Uma voz que pede aos seres humanos que busquem a paz entre sua
própria espécie, que reconheça no outro a semelhança e interdependência que permeia sua
raça.
No novo testamento, no livro de Atos dos Apóstolos, o apostolo Pedro em um
lampejo, vislumbra um grande lençol, o qual trazia toda espécie de animais e ele, naquele
momento sentia fome, então, uma voz o autorizava a matar e comer, sua resposta foi que
nunca havia comido nada de impuro, recebeu como replica o seguinte: não chame de
impuro aquilo que Deus santificou, logo em seguida, tudo desapareceu e alguém o chama
para ir orar por uma família que não era judia.
Naquela época chamavam de gentios todos os povos fora da nação judia, e o
apostolo, ao chegar a casa desses, para sua surpresa, enquanto orava por eles, caíram
sobre eles, diz a obra, como que línguas de fogo e o apostolo entendeu naquele instante
que aquelas pessoas estavam sendo batizadas pelo espírito santo, mas isso fugia às
regras, visto que, esse tipo de batismo só iria acontecer após o batismo nas águas. Atos 10:
12-15
Essa, não é mais uma passagem onde Deus coloca os homens em pé de
igualdade?
O que me faz diferente de outra pessoa pode ser a minha fisiologia, a qual pode ser
influenciada pela geografia do local onde nasci ou vivo por muito tempo, ou parecermos
diferentes por que somos de nações diversas, ter ou não frequentado à escola (esse último
item já pode ser inserido no rol das desigualdades). A cultura, a profissão, o credo, a época
que nascemos também influencia em nossas diferenças. Até então estamos longe de
falarmos em desigualdades, pois, essa categoria traz em seu interior elementos
segregadores não naturais, mas fabricados.
Podemos dizer que nossas tendências sexuais, a nossa cor de pele, a estatura, a
condição socioeconômica e a forma de falar, podem também caracterizar diferenças.
Dessemelhanças proporcionais ao sofrimento, às oportunidades alcançadas na vida que
nos prendem seja à pobreza, ou a riqueza e, até nossas vontades.
Essas distinções, não capacita a nenhum humano à categoria de super-homem ou
supermulher, quando isso apenas indica sua história, sua origem, sua trajetória na vida.
Para sabermos como não há um melhor que outro, pensemos como fica um homem
rico que perdeu sua fortuna, um negro que seja forçado a viver em local de pouco sol, ou
pessoa de pele clara em local de sol escaldante.
Qual a diferença entre duas crianças, uma negra e a outra branca, que sejam
criadas juntas, comendo as mesmas coisas e com tratamento igualitário? Será que alguma
delas se transformará em um jumento, enquanto a outra será um deus?
Como podemos explicar o fato de duas pessoas da mesma cor estarem em
situações opostas como rico e pobre. Ex: Meu vizinho é pobre e negro, Pelé é negro e rico,
o que há de diferente, senão o quesito oportunidade? Não sendo isso o que justificaria duas
pessoas com a mesma cor estarem em status opostos?
Somos diferentes, mas as desigualdades são fabricadas. Dizem que todos podem o
que quiserem, entretanto, selecionam quem pode chegar, enganando-se e enganando a
todos com a pseudo ideia de superioridade. Isso também é bíblico.
No livro de Mateus, há um relato de confronto de Jesus Cristo com os doutores da
época, os quais alimentavam desigualdades, criando obrigações às quais eles próprios não
queriam cumprir. Fato que ainda nos dias de hoje, se repetem com mais força e provocam
marcas que se refletem em muitas gerações.
“Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu
dedo querem movê-los; Mateus 23:4
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais
importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas.” Mateus
23:23
Somos essencialmente, potencialmente e espiritualmente iguais, o além disso, são
resultados de ideologias e o aguçamento do ego humano, exaltados pela falta de controle
da essência divina que caracteriza cada um em sua individualidade.
É nosso o dever de cuidar uns dos outros, entendendo que quando cuidamos
daqueles, também é por interesse próprio, pois, o que somos sem nossos pares? Como
seria do mundo se todos alimentassem a ideia de que o que há na Terra é suficiente para
todos e ninguém é dono de nada, mas, administradores?
Por que falarmos de igualdades e oportunidades para todos, enquanto criamos
escadas em locais onde deficientes devem transitar? Por que o investimento no ensino
superior, se o ensino obrigatório é o básico? Por que apresentar aos jovens infinidades de
direitos e não proporcionar situações favoráveis para seus cuidadores como casa própria,
remuneração e carga horária condizente com suas responsabilidades?
O que estamos fazendo com o outro e quem é o outro? Onde está o seu irmão?
