O DIREITO BRASILEIRO E A FAMÍLIA SOCIOAFETIVA: Os efeitos da Relação Familiar socioafetiva na Obrigação Alimentar.

Adriana Pereira Bosaipo Guimarães [1]

Anna Valeria De Miranda Araujo Cabral Marques[2]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Paternidade socioafetiva; 2 Obrigação Alimentar e a Filiação socioafetiva; 3 Reconhecimento voluntário dos Filhos e Seus Efeitos. Conclusão.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo verificar os limites jurídicos que estabelecem o vínculo paternal, diante da existência da paternidade biológica e socioafetiva, analisando o sentido de filiação no âmbito: Sócioafetivo para então averiguar a exigibilidade da prestação de alimentos, quando esta obrigação é evidenciada pela existência de uma posse do estado de filiação baseada no vínculo sócio afetivo. Assim será analisado a importância deste vínculo, que se estabelece pelo afeto, bem como os efeitos jurídicos que decorrem desta relação e que gera o direito à prestação alimentícia.

Palavras-Chave: Obrigação Alimentar, Paternidade Sócioafetiva

 

1. INTRODUÇÃO

 

A lei prevê que as informações existentes em uma certidão de nascimento só serão alvo de contestações caso seja provado erro ou falsidade de registro, assim torna-se irrevogável o reconhecimento voluntário de uma criança, então, diante da existência de uma relação de socioafetiva, onde aquele que é considerado pai não o é biologicamente, poderá ser alvo de uma ação de alimentos? Levando em consideração que esta ação não declara filiação e precisa de prova que a determine.

Sabe-se que o reconhecimento da condição de pai é um ato jurídico declaratório e irrevogável. Assim, como a posse do estado de filho não se encontra de forma explicita na legislação que norteia a investigação de paternidade, vale-se então, como artefato probatório as presunções que decorrem dela, ou seja, o nome, a relação filial, o tratamento, e tudo aquilo que fundamente a vinculação paternal e jurídica de prestar alimentos.

Logo, diante do tratamento igualitário, dado pela Constituição Federal, à todos os filhos, e do direito assegurado de conhecer suas origens consangüíneas, a justiça adquiriu amparo legal para as declarações de paternidade. Porém, a verdade consanguineo a não garantia a proteção e as responsabilidades almejada pela Constituição Federal, como a assistência, a dedicação e outros elementos psicoeconômicos; assim, verificou-se a necessidade de ampliar as definições do que realmente se entende por relação paternal, apreciando novos elementos que valorizem essa relação.

2. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.

 

Sabe-se que a sociedade muda constantemente e muito mudou no que a doutrina especializada denomina de paternidade (filiação) socioafetiva, pois essa é que constitui na convivência familiar, independentemente da origem do filho. É uma integração no grupo social familiar, logo a socioafetividade se tornou uma das maiores características da família moderna, pois as relações familiares são cultivadas cotidianamente. Então é a partir desse contexto que a família moderna surge com o Princípio Jurídico da Afetividade, que é perceptível a sua decorrência do Princípio Constitucional que é o da Dignidade da Pessoa Humana. (FILHA, 2008, pag. 32)

Sendo assim:

"(...) pai, ou mãe, na complexidade que esses termos comportam, será sempre aquele ou aquela que, desejando ter um filho, acolhem em seu seio o novo ser, providenciando-lhe a criação, o bem estar e os cuidados que o ser humano requer para o seu desenvolvimento e para a construção de sua individualidade e de seu caráter.”

“Aquele que se dispõe a assumir espontaneamente a paternidade de uma criança, levando ela ou não a sua carga genética, demonstra, por si só, consideração e preocupação com o seu desenvolvimento” (MAIDANA, 2004, pag. 72).

Percebe-se que a lei possibilita a adoção e não faz distinção dos filhos adotados com os filhos biológicos, esta é uma evolução no ramo do direito familiar, pois no código antigo havia distinções de filhos. Logo, os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatória relativas à filiação. (WALD, 2005, pag. 241).

Sendo assim, a relação de paternidade não depende mais exclusivamente da relação biológica. Portanto toda paternidade é necessariamente socioafetiva podendo ser biológica ou não. (FILHA, 2008, pag. 32 e 33).

A filiação socioafetiva encontra sólido apoio nas normas constitucionais sobre direito de família, passa a ter a assento infraconstitucional no art. 1.593 do Código Civil, que menciona a possibilidade de embasar-se o parentesco na consanguinidade ou em "outra origem", locução que engloba a origem afetiva (FACHIN, 2003, p. 17 apud. FILHA, 2008, pag, 37).

A evolução do direito nesse sentido se dá pelos motivos sociais em que se encontra o Brasil, pois segundo dados do IBGE são aproximadamente 8 milhões de crianças abandonadas e 2 milhões destas vivem exclusivamente na rua, envolvida com prostituição, drogas e pequenos furtos (IBGE, 2009). Por isso o direito vem tendo uma interpretação mais ampla de filhos e relação familiar.

3. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E A FILIAÇÃO SÓCIOAFETIVA

 

A família tem uma grande importância social, pois tem a responsabilidade de prestar educação, dar assistência aos filhos, tal assistência também se da no âmbito alimentar.

“Destaca-se a importância primordial do elemento social e ético. Abrange o direito de família, além de normas essencialmente jurídicas, diretrizes morais que só revestem o aspecto jurídico e passam a ser munidas de sanção quando frontalmente violadas.” (WALD, 2005, pag. 4).

Portanto quando não há tais prestações de assistência a lei os obriga a fazer podendo ser de forma alimentícia.

O primeiro direito humano é sobreviver. Logo, parar que isso seja possível o individuo precisa de meios materiais como alimentos. (RODRIGUES, 1993, pag. 379). De acordo com Orlando Gomes, alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. (apud. DINIZ, 2002, pag. 466). Por isso, cabe ao Estado prestar assistência na forma de aplicar a lei para que o direito a sobrevivência seja cumprido. A obrigação alimentar Caracteriza a família moderna. Trata-se de uma manifestação de solidariedade econômica, é um dever mútuo e recíproco entre parentes. (WALD, 2005, pag. 43)

A obrigação da prestação de alimentos tem por fundamento o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade familiar. Por ser um dever personalíssimo devido pelo alimentante, em razão do parentesco que liga ao alimentado. Assim, na obrigação alimentar um parente fornece a outro aquilo que lhe é necessário a sua manutenção, assegurando-lhe meios de subsistência, se ele, em virtude de idade avançada, doença, falta de trabalho ou qualquer incapacidade, estiver impossibilitado de produzir recursos materiais com o próprio esforço. (DINIZ, 2002, pag. 467)

Quanto a isso, veja algumas decisões que geraram os mesmos efeitos de uma espécie comum de filiação:                                         

O STJ, utilizando-se da uniformização de jurisprudência, se colocou a favor da filiação socioafetiva:

RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS  PARTES.  IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO. Merece reforma o acórdão que, ao julgar embargos de declaração, impõe multa com amparo no art. 538, par. único, CPC se o recurso não apresenta caráter modificativo e se foi interposto com expressa finalidade de prequestionar. Inteligência da Súmula 98, STJ. O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil. O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo,para reconhecer a existência de filiação jurídica. Recurso conhecido e provido. (STJ, 2007)

Outra decisão do TJRS, confirma o entendimento de que a obrigação alimentar é imposta, até mesmos quando o pai afetivo tenta anular o registro civil que fora irregular – adoção brasileira –, diante da irrevogabilidade do ato da filiação afetiva, que fora voluntário, e que dessa forma, gera os mesmos efeitos jurídicos.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DO PAGAMENTO DE ALIMENTOS.O ato jurídico de reconhecimento da paternidade apenas poderá ser anulado se comprovado ser resultado de vício como coação, erro, dolo, simulação ou fraude. VÍNCULO BIOLÓGICO E VÍNCULO SOCIOAFETIVO. O  primeiro não se sobrepõe ao segundo, se comprovada sua existência.  PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. INDISSOLUBILIDADE. A  consolidação livre e espontânea de uma relação pai e filha, não fica à disposição de interesses outros que possam destituir a criança da condição de filha do pai que a escolheu e assumiu. Recurso desprovido. [...] Não se pode admitir que um cidadão, livre e conscientemente, assuma a paternidade de uma criança, permita que com ela se estabeleça uma relação de pai e filha permitindo que esta criança acalente dentro de si este sentimento e que, após consolidada tal relação, por razões diversas das que ensejaram tal gesto, busque romper tal compromisso. Ao tutelarmos tal propósito, estaríamos priorizando a mesquinhez e o desafeto próprios dos adultos em detrimento do sentimento puro e desinteressado de uma criança que não provocou tal situação. E a lei de igual forma obsta tais atitudes através dos arts. 1609 e 1610 do CCB, admitindo a anulação apenas para atos que, comprovadamente, resultaram de vício, como anteriormente já referido[...] (TJ/RS, 2009).

Logo, em face do que foi apresentado não nos resta dúvida de que a prestação de alimentos é fundamental a um indivíduo que dela necessite. Sendo assim o pai socioafetivo na sua condição de alimentante tem a obrigação de prestar assistência ao alimentado, ao filho na relação socioafetiva.

4. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DOS FILHOS E SEUS EFEITOS.

 

O reconhecimento é ato pessoal, caso os pais não possam fazer expressamente autorizando o reconhecimento este deve ser feito por meio de um procurador especial, para reconhecê-lo, assinar(RODRIGUES, 1993, pag 311).

O reconhecimento é :

É ato pessoal dos genitores, não podendo ser feito por avô ou tutor, sucessores do pai ou herdeiros do filho, porém será válido se efetuado por procurador, munido de poderes especiais e expressos, porque nesse caso a declaração de outorga já está contida na própria outorga de poderes, de maneira que o mandatário apenas se limita

a formalizar o reconhecimento (PEREIRA, 2006, p 233 apud. FILHA, 2008 pag 29).

Sendo assim se percebe que não é necessário a prova genética para tal reconhecimento na forma voluntária.

De acordo com art. 1.604 Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

Portanto, depois do reconhecimento não há como cancelar o registro, apenas nas hipóteses acima, e também como ressalta a jurisprudência citada acima.

CONCLUSÃO

 

Tem-se a consciência de que como é direito humano sobreviver, e tal sobrevivência depende da prestação de alimento por seu alimentante. Este por sua vez reconhecendo-o voluntariamente como filho ou tendo relação socioafetiva com o mesmo no grupo familiar este se obriga a prestar assistência alimentar perante ao Estado, ou seja, de acordo com as leis vigentes. Caso seja descumprida tais leis o Estado obrigará o pai da condição socioafetiva para com seu filho prestar-lhe alimentos.

REFERÊNCIAS:

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. Vol. 5, 18º ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

FILHA, Iaci Gomes Da Silva Ramos. Paternidade Socioafetiva e a Impossibilidade de Sua desconstituição Posterior. Monografia Macapá. Centro de Ensino Superior do Amapá- CEAP, 2008. Disponível em: <http://www.ceap.br/tcc/TCC12122008111148.pdf>. Acesso em: 19/05/2012

MAIDANA, Jédison Daltrozo. O fenômeno da paternidade socioafetiva: a filiação e a

revolução da genética. Revista Brasileira de Direito de Família. IBDFAM, v. 6, n. 24, Jun/jul. Porto Alegre: Síntese, 2004.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família. Uma Abordagem Psicanalítica. Belo horizonte: Ed. Del Rey, 2006.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. Vol. 6 18º ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1993.

STJ. Jurisprudências. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/13577/recurso-especial-resp-878941-df-2006-0086284-0-stj> Acesso em: 19/05/2012

TJ/RS. Jurisprudencia. Disponível em: <http://centraljuridica.com/juris/7730/apelacao_civel_acao_de_investigacao_de_paternidade_cumulada_com_alimentos.html>. Acesso em: 19/05/2012

Síntese, IBDFAM, v. 6, n. 24, Jun/jul., 2004

WALD, Arnold. O Novo Direito de Familia. Rev. 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.


[1] Aluna do 6º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (email: [email protected])

[2] Professora, Orientadora da cadeira de família e sucessões.