João Romano da Silva Junior

Resumo: O presente artigo tem por escopo trazer à baila uma discussão, ainda que superficial, acerca da "nova questão social", e sustentar que não existe uma "nova questão social", e sim a "questão social" de sempre, fruto dos mesmos postulados decorrentes do capitalismo atual que impinge formas mais sutis e elaboradas de exploração.

Palavras-chave: pauperização, questão social, nova questão social, pobreza


1. INTRODUÇÃO

Como premissa inicial e indeclinável, assevera-se que "questão social" é um fenômeno histórico. Surge na Europa do século XIX, devido à efervescente transformação econômica ditada pela revolução industrial.
É com a instalação da ordem capitalista que surge a expressão "questão social", eivada de contradições e antagonismos.
Assim, para compreender o significado da "questão social", urge entender o próprio processo de produção capitalista.
Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que "questão social" carrega em seu bojo a faceta mais sensível da contradição entre capital e trabalho, a exploração de uma classe sobre a outra, tendo em vista que a produção de riqueza é coletiva, mas sua apropriação é privada.
Corroborando essa assertiva, transcreve-se a seguir o seguinte conceito de "questão social":
"É o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade." (Iamamoto, 1999, p.27).
Muitos autores sustentam que hodiernamente foi soerguida uma "nova questão social", corolário de demandas modernas do embate travado entre capital e trabalho.
Seria o retorno "metamorfoseado" de uma condição desfavorável por parte da classe operária que já havia sido superada por meio de uma proteção social implantada pelo advento do chamado "Estado de Bem-Estar Social", notabilizado no pós-guerra.
De qualquer forma, independente de se entender questão social, nova questão social ou simplesmente pauperização, há sempre uma constante, uma maioria de desapossados, ludibriados e vilipendiados por uma minoria cleptocrata.

2. A QUESTÃO SOCIAL DE SEMPRE

Até 1830, segundo Robert Castel, "questão social" era entendida como pauperização.
Não é lícito, no entanto, segundo eminente autor, reduzir a "questão social", com a denominada pauperização, que já ocorria antes mesmo do advento do capitalismo.
Castel, por meio de seu estudo sobre as metamorfoses da questão social, identifica já na Inglaterra do século XIV, a existência de uma população pauperizada.
Contudo, o pauperismo encontrado na sociedade pré-capitalista não ameaçava o poder vigente, tendo em vista que aquela sociedade dispunha de mecanismos informais de proteção social para a manutenção do "pertencimento" do indivíduo.
Com o advento do capitalismo, a novel classe proletária, vista como um contingente de miseráveis e indignos passa a não mais se conformar com estado de coisas em que estava inserida, e gradativamente o proletariado pauperizado converte a pauperização em "questão social".
A classe operária, escorchada por uma ordem capitalista que traz cingida em sua gênese contradições e uma desigualdade social que cresce em progressão geométrica, deflagrou lutas colimando o reconhecimento de direitos, mormente os trabalhistas.
Desta forma, essa relação social que subsistia apenas em âmbito privado careceu da indeclinável intervenção do Estado, conforme indica Iamamoto:
"Foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do estado para o reconhecimento e a legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos" (IAMAMOTO, 2000, p. 54).
Impostergável ainda, ter em mira que "questão social", no esteio do que já se afirmou, é um fenômeno eminentemente histórico, e como tal, a tendência é que seja reinventado constantemente no bojo de dadas conjunturas.
As distorções produzidas pelo sistema capitalista em seu estágio mais avançado e atual, trazem à reboque novas problemáticas, e nesse diapasão, alguns autores passam a discutir se floresceu ou não uma "nova questão social".
Nesse tanto, com o escopo de iluminar os cantos escuros dessa indagação é oportuno colacionar, mesmo que perfunctoriamente, a ideia de dois estudiosos, Robert Castel e Pierre Rosanvallon.
Rosanvallon, em sua obra La nueva cuestion social, admite uma "nova questão social", e o faz lastreado na crise do denominado Estado Providência, que dá mostras de sua inoperância no final de 1970.
O crescimento do desemprego e, nos passos de aludido autor, "novas formas de pobreza", guardam estrita ligação com as antigas formas de exploração, sendo que a não possibilidade de se adotar os antigos métodos para esses "novos problemas", funda a nova questão social.
Castel, a seu turno, em sua obra: " A metamorfose da questão social", sustenta que a suposta "nova" questão social, subsiste em decorrência do "enfraquecimento da condição salarial".
Dentro desse contexto, para festejado autor, ocorre o que se denomina de "desfiliação", ou seja, as desigualdades sociais fragilizam o sistema de proteção estatal, emergindo daí uma gama de pessoas que Castel denomina de "supranumerários".
Essas pessoas não existem para o mercado de trabalho e, embora estejam inteiramente aptas para fornecer sua mão de obra, não preenchem requisitos padronizados, o que as tornam "inúteis" para a sociedade.
Impende argumentar, que não obstante a contextualização dos referidos autores, e a tentativa vislumbrar novas facetas e arranjos para questão social, ou mesmo, até certo ponto desconstruí-la, e reerguê-la como "nova", "a questão social é um fenômeno histórico cujos elementos fundamentais permanecem intocados e inalterados" (Stein, 2000, p. 164).
Assim, aqui se ousa a entender que não existe uma "nova questão social", pois o ponto nevrálgico continua impassível, e a despeito de modernas nomenclaturas para fenômenos subjacentes, a decantada ?nova questão social" não passa da pauperaziação de outrora cunhada sob outro dístico, da mesma forma que a partir de 1830 foi entendida como "questão social", sob o manto do capitalismo.
Destarte, parece ser no mínimo contraditório o termo "nova questão social", uma vez que não houve superação do sistema capitalista, e nem mesmo há um novo sistema capitalista.
As desigualdades sociais são cada vez mais flagrantes, mas continuam ser decorrências da luta de classes fundada na dicotomia capital e trabalho, em que aquele dita as regras por conta de seu poderio econômico.
Deste modo, não há uma nova pobreza, há a pobreza com contornos particularizados devido ao contexto histórico atual, e não há um novo sistema econômico, há o mesmo sistema, cada vez mais contraditório e regido pela batuta de um pequeno grupo de pessoas cada vez mais ávido por lucros, nem que isso custe a miséria e a exploração de bilhares de pessoas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Denota-se que o ser humano sempre teve uma tendência de explorar seu semelhante, parece ser de sua própria natureza inata, e aqui, por certo, não se colaciona nem um dado científico para corroborar essa assertiva, mas se lança como palpite lastreado em fatos empíricos e históricos.
Não há, obviamente, a pretensão de confrontar renomados autores, até porque isso demandaria um conhecimento de alta envergadura, e aqui se engatinha nos pressupostos mais rudimentares do estudo da "questão social" e suas implicações.
Mas como indivíduo pertencente à sociedade, e oportunizado à intromissão em debates desse jaez, ousamos a tecer algumas conclusões emergidas desse mergulho incipiente.
Retomando o postulado da exploração intrínseca do ser humano, denota-se que em todos os momentos históricos da sociedade houve sempre uma distinção de classes sociais e um constante embate de classes.
É o que foi sustentado por Karl Marx, quando afirmou que "a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo da gleba, membro da corporação e aprendiz, resumindo, opressor e oprimido, estiveram em constante oposição uns contra os outros".
Quer se chamar a atenção pelo fato de que, independentemente de a "questão social" ter sido erigida sobre postulados bem definidos, ou seja, só passando a existir com essa nomenclatura com o advento do capitalismo, que deflagrou a luta de classes estribada no dualismo capital e trabalho, sempre houve a exploração de uma classe sobre a outra.
Decerto que com o capitalismo a pobreza ganhou novos contornos, e cada vez mais agudos, criando-se um abismo entre os chamados ricos e pobres, não só no tocante a uma classe experimentar mais superfluidades do que a outra, mas de uma grande massa viver em condições indignas e subumanas.
Deparamos-nos com um cenário em que fenômenos da precarização do trabalho, desfiliação, exclusão social, marginalização, fim do quase pleno-emprego, desemprego, desestabilização dos estáveis, vulnerabilidade social etc., são uma constante.
Todavia, tudo desemboca para um mesmo ponto, qual seja, a pobreza, e isso é o que há de mais velho na história da humanidade, não se conseguindo vislumbrar uma "nova pobreza", só uma forma diferente de a classe dominante hodierna impingir a pobreza à maioria.
Desta forma, o estudo sobre "questão social" e sua construção científica e didática é inarredável para o entendimento das mazelas do capitalismo, na busca de mecanismos minimizadores de seus efeitos, como a criação das políticas sociais, por exemplo, e no surgimento dos imprescindíveis profissionais de Serviço Social.
Entretanto, sustentar que eclodiu uma "nova questão social" soa por vezes tautológico, e por outras, contraditório. Nesse passo, impende argumentar que se afigura apenas empregar uma nova nomenclatura para velhos problemas.
Se a cada aperfeiçoamento ou sutiliza das formas de exploração houver uma tentativa de se mascarar velhos fundamentos com pretensos novos fundamentos, teremos em breve a "novíssima questão social", a "questão social potencializada", a "questão social modificada" etc.

Referências bibliográficas:

CASTEL, Robert. Metamorfoses da questão social. Petrópolis, Editora Vozes, 1998
FALEIROS, Vicente de Paula. Desafios do Serviço Social na era da globalização. Revista Serviço Social e Sociedade nº 61, São Paulo , Cortez, 1999, p.153-186.
PASTORINI, Alejandra. A categoria "questão social" em debate. São Paulo:
Cortez, 2004.

STEIN, Rosa. Helena. A (nova) questão social e as estratégias para o seu enfrentamento. IN: SER SOCIAL. Revista semestral do Programa de pós-graduação em Política Social do departamento de Serviço Social UNB: n.º 6, janeiro a junho de 2000.

ROSAVALLON, Pierre. La nueva cuestión social ? Repensar el Estado providencia. Buenos Aires - Argentina, Manantial, 1995.