Em um de seus dias de folga fora visitar o museu britânico. Era um prédio imenso de fachada imponente. Com um grande pátio em sua entrada principal rodeados por jardins muito bem cuidados e com portas e largas que dão acesso ao prédio. Esse museu é um dos maiores da cidade. É famoso por conter artefatos e antigidades de toda parte do mundo. Provavelmente foram adquiridos como resultados de muitas colonizações inglesas ao redor do planeta e alguns ganhados como presentes (e ainda outros que provavelmente foram pegados emprestados). Ao andar pelo prédio, Migrantino nota em umas dos quadros de avisos que estavam recrutando funcionários para o trabalho de Cleaner (um faxineiro de primeiro mundo). Resolve preencher um formulário e arriscar a se candidatar a vaga.

Para sua surpresa, dois dias depois lhe chamariam para cobrir as férias de um funcionário. Até então, não trabalhara ainda muito tempo em emprego fixos. Sempre cobria folga de alguém, férias ou falta de outros. Funcionava como coringa num jogo de cartas. Assim que chegou, em seu primeiro dia de trabalho, foi recebido por Mike, o gerente de limpeza. Mike era da Lituânia, mas morava em Londres por mais de dez anos. Ele foi logo chamando seu subordinado para lhe explicar os trabalhos. Seu nome era Anael (este nome sempre lhe lembrava alguma coisa, mas não sabia exatamente o que era). Como não poderia deixar de ser, Anael era também brasileiro (Como tinha brasileiro em londres!!, poderia encontrá-los até em banheiros públicos).

Seu primeiro dia foi basicamente de treinamento (enfim, agora seria treinado antes de começar a trabalhar). Já havia passado antes por várias situações desagradáveis por não ter sido treinado previamente. O prédio, como já foi dito não era alto. Possuía 4 andares, mas porém extenso. Com vários blocos anexos à construção. Mais parecia um grande palácio, com suas grandes colunas de mármore e salas imensas que expunham milhares de artefatos e uma variedade enorme de objetos dos mais variados tipos e idades. Desde pequenos utensílios das antigas tribos indígenas das Américas , passando pela Àfrica até múmias e sarcófagos do Egito antigo.

Anael vai lhe mostrando onde teria que fazer o seu trabalho. Entravam na sala que continha basicamente antiguidades egípcias. Era uma sala grande com peças e objetos expostos em mesas protegidas por vidros grossos, nas suas laterais. Contendo um corredor central por onde passavam os visitantes. Em uma parte dela podia se ver vários sarcófagos que ficavam expostos em posição vertical. Porém a peça mais importante ficava em uma área à parte, em um grande salão ao lado, pois se tratava da peça mais valiosa e mais sagrada do museu.

Era uma área muito restrita, com todo cuidado nescessário para a conservação, proteção e principalmente respeito. Se tratava do sarcófago do mais importante faraó egípcio, um tal de Tutankamon, como lhe disse Anael. Migrantino Achava aquele nome muito esquisito, e até engraçado quando Anael pronunciara. "Cuidado ao limpar as peças"!, dizia ele. Será lhe fornecido todo o material nescessário. Jamais poderá tocar nelas diretamente. Precisa usar luvas especiais, bem como produtos desenvolvidos unicamente para a limpeza das mesmas. Depois de muito instruído, finalmente Migrantino começa seu trabalho de limpeza.

"Finalmente", pensava ele, "arrumei um trabalho leve e simples e principalmete limpo". Já não suportava mais trabalhar naquelas cozinhas agitadas, fedorentas e sujas. Fazendo sempre trabalhos pesados. Apesar deste ser apenas temporário. Na pior das hipóteses, poderia descansar e relaxar um pouco (ele era demasiadamente inocente). Com este novo trabalho, Migrantino parecia (só parecia) estar conhecendo o paraíso. Não gostava muito de ficar comemorando, pois sabia que em Londres, todo dia algo de ruim acontecia, como ouvira sempre Ana lhe dizer. Quando ouviam alguma notícia boa, as pessoas já começam a ficar preocupadas. Sabiam que algo muito ruim estava para acontecer. Aquele serviço não poderia ser tão normal quanto aparentava. Aquilo tudo estava preocu

pantemente muito normal e tranquilo para os padrões londrinos.

Achava estranho sem sentido aqueles sarcófagos todos. Qual a importância disto agora. Não entendia porque as pessoas guardava tanta coisa velha. E andar no meio daquelas múmias não lhe deixava muito à vontade. Lembrara de uma certa vez quando trabalhara em uma loja de roupas. Vendiam ternos para executivos. Naquela época ele ruvava (passava aspirador de pó no carpete). Andava por entre dezenas de manequins masculinos e femininos. Para movê-los, tinha de supendê-los, enfiando o braço direito entre as coxas pela parte de traz. Levantando-os, e com a direita pegava sobre seu peito, abraçando-os. Segurando na parte superior para que não tombassem para a frente. Trabalhava sempre sozinho, pois tinha de limpar toda o piso antes que a loja abrisse.

Certo dia quando movia os manequins, algo muito incomum aconteceu. Como só olhava pra baixo ao ruvar, pegava os manequins quase que mecanicamente os movendo para desobstruir a passagem. Mas, ao levantar um do sexo feminino, ouviu em seguida um grande grito de espanto. Como sabia que os manequins não costumavam gritar, ao olhar pra cima, constatou que tinha movido uma funcionária que estava parada de costas em sua frente, anotando o estoque da loja. Ela chegara mais cedo sem que Migrantino percebesse. Desnescessário dizer o grau de constragimento que se seguiu. Mesmo com seus milhões de pedidos de desculpas, enquanto ela ajeitava sua roupa.

Ao contemplar aquelas múmias, lembrava dos manequins, apesar destas lhe causar um certo receio ao tocá-las. Segundo as instruções de Anael, ele deveria ter muito cuidado ao fazer o serviço, principalmente a que ficava no salão ao lado. Pois era a do mais famoso faraó egípcio, Tutankamon. Ele geralmente a deixava por último. Seu sarcófago ficava em posição horizontal. Exposto sobre uma base de mármore com mais ou menos 50 centímetros de altura. Rodeada dos quatro lados por uma pequena escada de 3 degraus. Toda esta área era cercada por uma corrente grossa, com grandes elos dourados. Para limpá-lo, ele náo poderia o tocar diretamente. Uava um tipo especial de ventilador para remover com cuidado algum possível pó.

Normalmtente seu horário de serviço era das seis as nove horas da manhã, quando o museu abriria para a visitação pública. Normalmente naquele bloco do prédio Migrantino ficava sempre sozinho fazendo seu serviço. Numa certa manhã, enquanto fazia seu trabalho, ouviu algum movimento de pessoas no andar de baixo. Parecia impossível, pois nunca notara a presença de ninguém no prédio todos os dias em que trabalhara. Mas o barulho do movimento começava a lhe incomodar. Ele sai de sua sala para poder averiguar o que poderia ser. Para sua surpresa, ao olhar de cima do segundo andar, nota uma pequena multidão de homens fantasiados com uma roupas estranhas, coloridas. Os rostos pintados, segurando umas máscaras em suas mãos. Pareciam fantasiados de índios. Mas não era exatamente isso. Suas roupas eram feitas de um material similar a palha. Alguns usavam chapéus, outros um tipo estranho de chifres. Notou que havia vários outros que viam atrás com tambores e instrumentos de sons que ele não podia indentificar direito, até porque, não conseguia prestar muito atenção, pois já estava começando a se inquietar com a situação.

Não fazia a mínima idéia do que poderia ser aquilo. Tinha Verdadeiro pavor desse tipo de coisa. O que ele sabia, era que não podia ser visto em hipótese alguma. Resolveu então ficar um tempo quieto, esperando que fossem embora pra outro local do prédio, dando oportunidade assim para que ele pudesse escapar daquele prédio o mais rapido possivel. Evitava ao máximo se expor, devido a sua ilegalidade no país.

Mas, porém notara que os tambores já começavam a tocar, iniciando assim um aquecimento para um possível ritual. Ele torcia para que fosse bem longe dele. Para seu desespero, o barulho ia cada vez aumentando mais. Parecia que subiam as escadas em direção ao seu andar. Aos poucos ia sendo tomado por aquela sensação que conhecia muito bem. Pequenas doses de adrenalina já estavam sendo injetadas em seu sangue, fazendo seu coração aumentar o rítmo das batidas. Já começava a andar de um lado para o outro, torcendo para que eles não viessem para perto dele. Se tivesse agido um pouco antes, poderia ter escapado, mas agora era tarde demais. Ao dar uma olhadinha pela porta, percebe que eles estão vindo em direção ao seu andar.

Nao teria para onde correr, pois não existia nenhuma saída possível, nem janelas. Notara nos outros andares, saídas de emergências e sempre as mapeava para uma possível fuga. Mas se esquera (ele sempre se esquecia de alguma coisa, geralmente era sempre a mais importante), que naquele andar não havia nenhuma destas saídas (afinal de contas, era ele que trabalhava alí). Portanto era impossível escapar sem passar por eles. Sempre em situações como essas, tentava se acalmar, respirando 3 vezes profundamente. Às vezes, funcionava. Mas agora nem tempo para respirar ele tinha e muito menos três vezes, profundamente então, nem pensar. Tinha de agir logo. O barulho dos tambores estavam aumentando. Não tinha mais dúvidas, eles viriam para seu salão. Olhava rapidamente para todos os lados, procurando onde poderia pelo menos esconder, mas não havia nada que lhe coubesse ou pudesse pelo menos lhe encobrir. O tempo já estava ficando muito curto, ja ouvia as vozes dos homens começando a cantar, acompanhando os tambores.

Até que olhou para os sarcófagos que estavam em posição vertical. Pensou logo em abrí-los pra ver se cabia dentro deles. Mas teria dificuldade para fechar a tampa (e não podia evidentemente pedir algum deles pra fechá-la pra ele), depois que estivesse do lado de dentro. Só lhe restava uma saída. Poderia ficar no salão à parte. Como era uma área restrita, "eles jamais entrariam naquela sala, ainda mais fazendo um barulhao daqueles", pensava ele. Rapidamente Migrantino abre a grande porta de vidro e entra na sala, onde ficava o sarcófago de Tutankamon. Ele fica meio encolhido num canto da sala. A sala não continha nada além do sarcófago. De certa maneira ele ainda não se sentia totalmente seguro. De repente lhe vem a mente uma terrível suposição. "E se eles vieram aqui justamente por causa desse tal faraó"?

Não teve mais dúvidas. Agora tinha de agir rapidamente e foi logo em direção ao sarcófago. Não poderia pensar nas consequências naquele momento. Teria de fazer algo e rápido. Para seu alívio a porta não estava trancada ou lacrada e o mais importante: o faraó não estava lá dentro. Portando poderia entrar no sarcófago, apesar de ser uma atitude de desespero, e de certa maneira, até profana. Mas afinal de contas era uma questão de sobrevivência. Não tinha outra saída. Pelo menos teve um pouco de sorte, pois como o sarcófago estava em posição horizontal, seria mais facil fechar a tampa, e o Faraó era exatamente do seu tamanho, apesar de não sobrar espaço nem pra pensar lá dentro. Mal conseguia mover os dedos. O que lhe deixava apreensivo era por quanto tempo teria que ficar naquela desconfortável posição.

Pelo menos alí sentiria mais seguro enquanto esperava até que eles saíssem da sala ao lado. Nunca havia imaginado que passaria por uma situações como essas. O escuro era total dentro alí dentro. Podia sentir um cheiro horrível de madeira envelhecida, e como!!, tinha nada menos que 3.000 anos. E pensar que o corpo do faraó esteve alí por anos, lhe dava até arrepios. Migrantino tinha pavor de lídar com o desconhecido. Costumava dizer que respeitava muito tudo que tinha poder, num entanto era invisível, como por exemplo: eletricidade e espiritismo. Mantinha-se sempre o mais longe possível destas coisas. Mas agora tinha de esquecer suas crenças e surpertições e enfrentar a situação.

Ele notara uma pequena fresta horizontal na altura da testa da máscara mortuária. Dali dava pra ver o teto da sala. Como havia um espelho convexo um pouco afastado no teto, lhe permitia ver parcialmente a sala através dele. Mas, o mais importante era que isso permitiria a entrada de ar dentro do sarcófago.

Na verdade ele não estava nem um pouco a vontade. Só pensava em sair logo daquela situação. Evidentemente não se sentia nem um pouco confortável. Notara que o barulho dos tambores cessara, permancendo só algumas vozes na salão ao lado. Calma esta, que nao durou por muito tempo, pois os instrumentos começaram de novo a tocar. Pareciam que estavam só fazendo os preparativos e agora finalmente ia começar o que ele não sabia ainda o que era. O barulho ia aumentando aos poucos e se tornando bem alto. Começam novamente os cantos acompanhando os instrumentos. Agora acrescidos de passos, como se estivessem marchando, batendo fortemente os pés no chão. E pior, estavam entrando na sala onde Migrantino estava.

Ele tinha razão, vieram aquele local único e exclusivamente para homenagear o grande Faraó egípcio Tutankanon. Lembrava agora que um dia teria lido a respeito (um de seus problemas era ler demais. Ele trocaria agora sem hesitar toda a ansiedade e inquietação do conhecimento pela paz e o conforto da ignorância). Os ingleses ficaram com seu sarcófago, porém com uma condição. De 15 em 15 anos permitiriam que fosse homenageado. Assim sendo, o museu seria fechado neste dia solene. Existia ainda no Egito uma espécie de seita que reuniria seus mais importantes chefes, que iriam até Londres, fazer a devida homenagem. Seria realizada no museu britânico diante de seu sagrado sarcófago, no qual Migrantino estava dentro agora, rodeado por homens tocando tambores e marchando, cantando em uma língua falada a 3.000 anos atrás que ele não fazia a mínima idéia do que significava, pois ainda não tinha aprendido nem mesmo o inglês.

De dentro do sarcófago, poderia sentir as vibrações das batidas dos tambores e de seus pés, que batiam no chão com uma força anormal. Parecia que queriam derrubar o museu. O andar todo tremia. "É inacreditável", pensava ele. "Um ritual que ocorre de 15 em 15 anos. Acontecendo justamente hoje, num trabalho temporário e ainda por cima no meu último dia de serviço!! E comigo no lugar do faraó!! É demais!!" Mas sabia que aquilo era coisa do Anael, o supervisor. No dia anterior, ele lembrara de ter visto Anael ler um aviso deixado por Mike, o gerente. Teria escrito pra ele e era muito importante. Ele recordava de ter visto na capa do envelope a palavra "urgent" em inglês.

Provalmente era lhe avisando que não haveria expediente neste dia pra ninguém. Mas ele deveria ser um daqueles brasileiros que falava inglês e entendia quando ouvia, mas não entendia quando lia. Acabou por ler erradamente e dizendo que para ele, Migrantino, haveria expediente normal, pois a limpeza não poderia deixar de ser feita. Jamais imaginara que um destes brasileiros bilingues de meia tigela poderia lhe deixar numa situações destas. Mas agora não adiantaria ficar culpando ninguém. Tinha de manter a calma e esperar. Mas era quase impossível manter a calma naquele momento e muito menos naquele lugar.

Quando passava por situações como estas (fora do sarcófogo, é claro), tinha o hábito de se assentar, levantar, andar para um lado e para outro. Até que conseguisse se acalmar um pouco. Mas alí agora, naquele caixote metido a besta, mal conseguia mexer os olhos. Estava passando por um teste de nervos que nunca havia experimentado antes. Mas o que desconhecia ainda, era que o pior estava para acontecer. Seus pensamentos entrariam em ação e aquela voz, ou sugestão, que ele jamais indentificara, iria começar a seção de tortura. Quando olha pela fresta percebe através do espelho, que os homens estão marchando, rodeando o sarcófago. Num rítmo parecido com a dança da chuva dos índios brasileiros. O barulho dos instrumentos eram ensurdecedores. Sentia até saudades daqueles sons das cozinhas dos restaurantes que trabalhara. Não dava para ouvir nem seus próprios pensamentos. O batido da percussão parecia entrar-lhe pelo peito.

Naquele momento lembrara de seu primeiro quarto quando chegou em Londres. Costumava sempre reclamar de seu tamanho. Mas comparado àquele sarcófago agora, o quarto parecia mais uma suite presidencial. Como ele era feliz e não sabia!!. De repente os tambores param, e faz-se um silêncio mortal. Segundos depois, ouve passos vindo em sua direção. Um calafrio lhe sobe por todo o corpo. A vóz ja lhe começa a lhe fazer sugestões: "ele pode abrir o sarcófago". Era tudo que ele não queria saber. Aquela sensação estranha, que já experimentara várias vezes, começa a lhe tomar conta. Todo o estoque de adrenalina corre através de sua corrente sanguínea. Seu coração bate num ritmo frenético. Ele fecha os olhos, pois era a única reação possível naquele momento. Seu cérebro já começava a lhe mostrar imagens. Se via nitidamente sendo dopado e levado clandestinamente para ser sacrificado no Egito. Provalvelmente seria queimado vivo em uma grande fogueira, diante de uma imensa multidão eufórica. Esperando o grande momento de ver o grande profanador sendo consumido aos poucos pelas chamas. Seria considerado um Bin Laden para os egípicos. Um eterno inimigo, mas ao invéz de seu corpo ser jogado ao mar, seria destruído vagarosamente pelo fogo. Suas cinzas seriam enterradas em algum lugar remoto num grande deserto egipício e permaneceriam ali eternamente ilegais.

Ao chegar perto do sarcófago, o homem se ajoelha, se apoiando com as mãos em cima da tampa. Vai abaixando sua cabeça aos poucos, como que se preparasse para fazer um tipo de reza. Ele Deveria ser o "grande chefe". Uma espécie de sarcedote. Devidamente escolhido entre uma casta selecionada de gerações de sacerdotes egípcios. Posteriormente preparado por anos para poder ter a honra de tocar o sagrado sarcófago do grande deus. Migrantino começa a ouvir uns sussuros vindos de sua boca (e que boca, mas parecia uma caverna). Por sua sorte, não entendia uma só palavra. Mas aquela voz, ou sugestão, se encarregou de traduzir, fazendo uma traducao simultânea: "Oh grande e onipotente deus Tutankamon!! Permitimos que sua sagrada morada permanessesse aqui para que o mundo pudesse lhe conhecer. Mas maldito seja o mortal que lhe profanar, tocando seu sarcófago com suas mãos impuras. Melhor seria para ele, se não tivesse vindo a este mundo.". (ele não entendia era o porque que esta voz nunca traduzira o inglês que ele tanto precisava, que provavelmente seria bem mais fácil).

Ele ainda de olhos fechados, fingia que não escutava aquela tradução. havia colocado não somente suas mãos, mas todo seu corpo literalmente impuro. Pois quando fazia a limpeza, costumava usar sempre o mesmo uniforme vários dias e ainda por cima estava de botas. Sua vontade era abrir aquilo e sair correndo, acabando logo com aquele sofrimento. Mas tinha de se manter calmo, apesar da situação, afinal nao tinha outra alternativa. O pior era o bafo dele. Parecia ter bebido todos os tipos de bebida do mundo ao mesmo tempo. O oxigênio alí dentro já era escasso. Agora ele se encarregara de acrescentar mais outros gases nocivos, alem de gás carbônico. Agora percebia claramente que todas aquelas pessoas estavam completamente dopadas e o único ainda sóbrio naquela sala era ele. Pelo menos até aquele momento, pois tinha a sensação que ao continuar aqueles sussurros que passavam pela fresta, desmaiaria por over dose

O "grande chefe" se afasta, lhe deixando enfim respirar um pouco. Enquanto percebe, através do espelho, ele se movendo, chega seu nariz mais perto da fresta para poder respirar o pouco de oxigênio que ainda restava naquele salão. Os malditos tambores começam novamente a tocar. Mas agora muito mais forte. As bebidas estavam começando a fazer efeito. (Para ele, aquelas figuras não passavam de uns viciados que viriam de 15 em 15 anos à londres para se drogarem com o pretexto de homenagear o faraó). Os homens começam a rodear e a dançar em volta do sarcófago novamente. Sempre batendo com seus pés no piso que fazia tremer toda a sala e provavelmente todo o museu. O sarcófago chegava a se mexer em cima da estrutura de mármore. O que mais lhe angustiava era não saber quando aquele ritual iria acabar. Depois de algum tempo, cessa-se novamente os instrumentos e a dança. Aquele silêncio anterior volta a dominar o ambiente. O sacerdote volta novamente. Se abaixa, e para seu alívio, desta vez ele não sussurra mais.

Nota que ele agora está sem mascara (apesar de Migrantino achar que ele ficava bem melhor com a máscara). Abaixa novamente sua cabeça devagar fitando a máscara mortuária do sarcófago. Agora o olhava diretamente nos olhos. Usava um chapeu com um par de grandes chifres e pinturas por todo o rosto. Tinha uma expressão transfigurada. A pupila de seus olhos estavam meio afinadas e quase na posição vertical. Parecia com olhos de tigre. Completamente entorpecido. Usava umas lentes de contato, para dar mais colorido aos olhos. (era de fazer inveja aquelas mulheres que ele sempre via no metrô com lentes artificiais). Mas ele olhava de vez em quando só por curiosidade, pois preferia manter os olhos fechados.

Agora, o "grande chefe" começava a bater com a cabeça no sarcófago. Primeiro vagarosamente; aumentando aos poucos em seguida, como os judeus faziam naquele muro das lamentações, e dando umas resmungadas de vez em quando. Em seguida alguém lhe traz uma grande charuto e o acende em sua grande boca. Ele da uma sugada profunda e prende a fumaça na boca e começa em seguida a dar baforadas por cima do sarcófago. Parecia mais um compressor de ar do que propriamente uma boca. Como não poderia deixar de ser, a primeira baforada vai bem em cima da fresta, por onde Migrantino mal conseguia respirar. Ele aspira um pouco dela sem querer e quase se engasga, fazendo um esforço enorme para segurar. Assim que o sarcedote se afasta com a cabeça pra cima, ele da umas sopradinhas bem de leve para evitar a entrada de mais fumaça das outras baforadas.

Segue-se o silêncio e o grande chefe apóia sua cabeça no sarcófago, se concentrando, numa profunda metitação. Lá dentro o ar ja estava viciado. Quase não dava para respirar e ele deixava seu nariz o mais próximo da fresta possível. Caso contrário poderia perder os sentidos. Estava cada vez mais desesperado. Se o descobrissem alí, não era bom nem pensar no que poderia acontecer. Mas para se aliviar um pouco daquele stress, começava a ter lapsos de otimismo (talvez por causa do efeito dos gases). Se o descobrissem, não seria tão mal assim. Na confusão, viria com certeza a polícia. Na pior das hipóteses poderia apenas ser preso e deportado. Seu cérebro lhe mostrava novamente a imagem de uma reportagem nos jornais sensacionalistas da cidade: "IMIGRANTE ILEGAL É ENCONTRADO DENTRO DE UM SARCÓFAGO NO MUSEU BRITÂNICO". E as caras das pessoas balançando suas cabeças, num gesto de reprovação e indignação. (ainda se comportando como se não tivessem feito nada de errado ao longo de suas vidas)

Poderia ter a felicidade de cair nas mãos da imigração (jamais imaginaria que isto um dia poderia ser motivo de felicidade). E tinha a sorte também de não ser caustrofóbico. Já imaginou se fosse? Não ficaria um segundo dentro daquela caixa. Mas a voz, ou sugestão achou que as coisas estavam caminhando muito para o normal e logo disparou: "em compensação o celular pode tocar". Ele então dá uma engolida em sêco. Deixara o celular no bolso da calça que ficava na altura do joelho, que estava por baixo de seu uniforme. Nao tinha a mínima condição de chegar até ele com a mão. Estava regulado para tocar no último volume de som, pois no restaurante que trabalhava o barulho era intenso. Mas, sempre ouvira falar que naquele museu não funcionava celulares. Mas como conhecia muito bem as leis de Murphy, para ele seria aberta uma excessão e provavelmente a antena de seu aparelho estaria à todo vapor, ansiosamente esperando qualquer ligação, mesmo que fosse só um daqueles vendedores chatos, interrompendo assim a meditação do "grande chefe". Aquela sugestão ou voz, lhe lembrava isto agora para o deixar mais tenso ainda. Se o celular tocasse naquele momento, era o seu fim. Poderia ser demascarado ou considerado como o faraó ressucitado, pela forca da oração do "grande chefe". Nesta segunda hipótese não poderia nem imaginar o que aqueles fanáticos poderiam fazer com ele.

Depois de um longo tempo de meditação, finalmente o "grande chefe" se afasta novamente, lhe dando mais um tempo para poder respirar mais tranquilamente. Novamente começa os tambores e as danças. Agora muito mais à vontade. Sem aquelas formalidades todas. O ritual então chega ao seu climax. Até o "grande chefe" já entrara na dança, tirando seu chapéu e dançando como queria. Migrantino já conhecia muito bem isto. Toda festa era assim. Começava tudo certinho, mas quando todos estavam mais empolgados pela bebida, perdiam todo aquele ar de formalidade. Naquela altura já estavam doidões. Deveriam já terem até esquecido o que vieram fazer alí. Pela fresta, ele dá uma olhadinha através do espelho no teto e vê o chefe com um tambor na mão, dando batidas já completamente fora do rítmo. Agora pelo menos ele não correria mais tanto risco. Era só esperar eles se cansarem e terminar logo com aquela tortura.

Finalmente, eles vão aos poucos saindo do grande salão e ele permanece imóvel dentro do sarcófago, nao vendo a hora de abrir aquela tampa pra poder sair. Mas ainda teve de esperar pelo menos uma hora até que pudesse ter certeza de que não haveria mais ninguém naquele prédio. Quando enfim saiu daquele caixote, nem acreditava que tivesse sobrevivido a aquilo tudo. Ao ganhar a rua novamente pode respirar oxigênio puro. Isto tudo lhe deixou meio traumatizado. Além dos sons de siriene que tinha pavor quando escutava, agora se juntou a isso também os sons de tambores. Finalmente ele estava novamente de volta ao século XXI.