MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA: QUAIS AS MOTIVAÇÕES PARA A DENÚNCIA POLICIAL?   

 

Daisy Santos da Silva[1]

Luiz Felipe Bastos Duarte[2]

RESUMO

 A presente pesquisa trata do estudo sobre o tema da denuncia policial, onde se procura investigar, a partir do relato das entrevistadas, os fatores psicológicos que levam mulheres agredidas fisicamente a realizarem uma denúncia policial, sendo guiadas também, pelas questões que norteiam esta pesquisa. Foi utilizada uma metodologia qualitativa, através de entrevistas com três mulheres que realizaram denúncia contra seus agressores e quantitativa para acrescentar as respostas das entrevistas nas fichas de atendimento do setor psicossocial do Departamento Médico Legal de Porto Alegre. Os depoimentos foram submetidos a uma analise de conteúdo. Os resultados apontam para uma uniformidade de motivos que levam as vitimas a realizar as denúncias, constatando-se assim que as mulheres entrevistadas, ao denunciar, buscam praticamente os mesmos objetivos, como o desejo de uma vida sem agressão e a vergonha que impede de falar sobre o assunto,  não podendo atribuir a um único fator de forma isolada, considerando que a violência é um problema social com repercussões psicológicas.

 

 

Palavras- chaves: Violência; denúncia; mulheres

 

 

Abstract

This research deals with the study on the theme of denouncing police, which seeks to investigate the basis of statements of the interviewees, the psychological factors that lead women to perform physically assaulted a police report, and also guided by the questions that guide this research. We   used   a   qualitative   methodology,   through   interviews  with  three  women  who   made   the   complaint   against   his   attackers   and   to   add  quantitative  responses   from   interviews   in   the   medical   records   industry  psychosocial  Department   of   Forensic   Medicine   of   Porto   Alegre.  The  transcripts  were  subjected  to  content  analysis.  The  results  point   to  a   uniformity  of  reasons  why  the  victims  to  make  complaints,  confirming  thus  that   the  women interviewed  to  seek  to  withdraw  virtually  the  same  goals  can  not  assign  to  a  single  factor  in  isolation, whereas violence is a problem with social psychological repercussions.


Keywords: Violence; complaint; women

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

O drama da violência contra a mulher faz parte do cotidiano das cidades, do país e do mundo. É um fenômeno antigo, silenciado ao longo dos anos, tratado como natural e considerado menor, sem importância. No entanto, com o crescente número de denúncias policiais e o surgimento da Lei Maria da Penha, exige-se o rompimento da violência contra a mulher.

A presente pesquisa terá como foco a denúncia policial, onde se procura investigar os fatores psicológicos que levam mulheres vítimas de violência a realizar queixa contra o agressor, quais os fatores envolvidos, presentes e freqüentes, sendo guiada também, pelas questões que norteiam esta pesquisa.

Visa apontar os fatores psicológicos que motivaram a denúncia, para melhor entender e apoiar as mulheres que procuram denunciar os maus tratos sofridos, assim como seus filhos e até mesmo o agressor.  É crescente o número de denúncias policiais por parte de mulheres agredidas e o surgimento da Lei Maria da Penha, trouxe novas perspectivas de solução a este sério problema social. Diante do exposto, justifica-se a realização da presente pesquisa, tendo a pesquisadora realizado estágio na área e se integrante do Núcleo de Estudos sobre a Violência de Gênero.

Foi utilizada uma metodologia qualitativa, através de entrevistas com quatro mulheres que realizaram denúncia contra seus agressores no setor psicossocial do Departamento Médico Legal de Porto Alegre, além da abordagem teórica sobre o assunto, com base em autores como Cunha (2007), Couto (2005), Dias (2007), Azevedo (1995), Teles e Melo (2003), entre outros.

 

METODOLOGIA

Para investigar os fatores psicológicos que levam mulheres agredidas fisicamente a realizarem uma denúncia policial o estudo contou com a utilização de cinqüenta fichas de atendimento do Departamento Médico Legal de mulheres vítimas de violência que denunciaram seus agressores (marido, companheiro ou namorado) e logo após a perícia médica foram encaminhadas ao setor psicossocial. Estes dados correspondem ao atendimento no período de janeiro a dezembro de 2007. O estudo contou também com a entrevista de três mulheres, escolhidas por conveniência. Para a identificação dos sujeitos utilizaram-se nomes fictícios.

 

 

Tabela 1 – Dados de identificação dos sujeitos:

 Sujeito

 Sexo

 Idade

 Profissão/ocupação

 Estado Civil

  Tempo de relacionamento

  Grau de instrução

Sujeito 1: A.

F

36 anos

Dona de casa

Solteira

Sete anos

Ensino fundamental incompleto

Sujeito 2: B.

F

42 anos

Técnica de Enfermagem

Solteira

Dezessete anos 

Ensino médio completo

Sujeito 3: C.

F

38 anos

Pensionista 

Solteira

Dois anos

Ensino fundamental completo

 

As entrevistadas responderam a uma entrevista semi-estruturada, com a abordagem dos seguintes aspectos: história de vida da mulher, tempo de união com o agressor, número de filhos, início e características da violência na atual relação, data da primeira denúncia e quais os fatores que a fez em pensar em uma denúncia, as respostas serão agrupadas em categorias, conforme cada relato. Os resultados de uma boa pesquisa depende de como o pesquisador irá explorar os dados obtidos, utilizando-se de perguntas bem esclarecidas para não desviar o assunto (GIL, 1994) [3] .

Na analise das fichas foi feito um levantamento quantitativos das respostas para que se possa complementar as respostas das entrevistas. As mulheres foram entrevistadas no próprio local onde realizaram a denúncia. Com o consentimento do local, ficará a disposição o projeto de pesquisa, após, ao comitê de ética, esclarecendo os objetivos da pesquisa e que esta não interfere nem compromete às vítimas.

A análise de conteúdos “É um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens” (BARDIN, 2000).[4]Pelo exposto, entende-se a análise de conteúdo como a forma pelas quais os dados coletados na pesquisa serão analisados para obter o resultado da mesma, ou seja, procurar conhecer aquilo que está por trás das palavras.

 

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A violência tem crescido enormemente no país, é um tema que vem sendo a cada dia mais abordado como uma questão de saúde. As mulheres são os principais alvos como vítimas desta realidade. A grande maioria dos atos violentos contra a mulher é praticada pelo homem. As causas são muitas, sendo a mais popular associada a dominação,  para dominar a mulher.

Cunha (1982)[5] informa que a  palavra violência vem do latim “vis” e tem o sentido de força e de vigor, podendo ser considerada como a natureza, a substância e a essência. Neste sentido, a violência é um meio de coagir, de submeter o outro a seu domínio, é usar da força física e psicológica para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade.

Para Azevedo (1995)[6] a violência de gênero é uma relação determinada por relações de força, tanto em termos de classes sociais como em termos interpessoais. Trata-se da conversão de uma diferença em uma relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, exploração e opressão.

A fragilidade do sexo feminino demonstra que geralmente são as mulheres que sofrem a violência por parte de seus agressores, que podem ser os parceiros, ex-parceiros, tios, filhos ou qualquer parente. Apesar dos parceiros serem os agressores mais comuns, não são os únicos, mulheres também podem agredir mulheres e muitas  vezes o fazem.

Conforme Teles; Melo (2003)[7], os papéis impostos às mulheres e aos homens induzem relações violentas entre os sexos e indica que a prática da violência não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas. Ou seja, não é a natureza a responsável pelos padrões que determinam o comportamento agressivo dos homens. Os costumes, a educação e os meios de comunicação tratam de criar e preservar estereótipos que reforçam a idéia de que o sexo masculino tem o poder de controlar os desejos, as opiniões e a liberdade de ir e vir das mulheres. 

Azevedo (1995)[8] define a violência contra a mulher como um fenômeno extremamente complexo, com raízes profundas nas relações de poder e de gênero, a tendência masculina de dominar a mulher é considerado a essência da masculinidade. A violência tem sido usada para dominar, para fazer a mulher acreditar que seu lugar na sociedade é estar sempre submissa ao poder masculino, resignada, quieta, acomodada, como as telhas dos telhados que se sobrepõem uns aos outros.

As denúncias têm sido crescentes no Brasil desde a criação da primeira delegacia de defesa da mulher em 1985. O crime contra a mulher que apresenta o maior volume de denúncia é o de lesão corporal, definido legalmente como ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem (TELES; MELO, 2003).[9]

As mulheres referem varias explicações para continuar na condição de violência, elas justificam dizendo que gostam de seus parceiros, que têm medo deles, da falta de emprego, ou da falta de moradia e da falta de apoio familiar. Têm a necessidade de ter uma figura masculina ao lado para serem mais respeitadas na sociedade. Outro motivo, referido para permaneceram nesta situação, são os filhos, pelas dificuldades de assumi-los sozinhas, desmotivando-as na decisão de sair de casa. Muitas encorajam-se a tomar uma atitude, mas a falta de perspectivas positivas e a insegurança de si mesmas, acabam voltando para aquele ambiente de violência (BRAGHINI, 2000).[10]

Tomar a iniciativa de denunciar é um ato de coragem, pois cria-se  um clima de constante insegurança, desorientação, medo e incapacidade de tomar iniciativas para sair da situação, gerando paralisação e mais submissão. Mais grave é o fato de a mulher tomar coragem para denunciar o crime a autoridade e nada ou quase nada ser feito, o que aumenta ainda mais os riscos de concentração da ameaça, gerando mais imobilismo por parte da vítima. Depois de gravemente ameaçada é freqüente a mulher voltar ao convívio com o agressor, o que a coloca muitas vezes em situação de risco de vida (TELES; MELO, 2003).[11]

Existem diversas explicações, segundo Hermann (2000)[12], pelas quais uma mulher não conta os episódios de violência. Eis alguns exemplos: ela sente-se envergonhada ou humilhada; culpa-se pela violência; teme pela segurança pessoal e pela segurança de seus filhos; teme más experiências no passado quando contou  sua situação; sente que não tem controle sobre o que acontece na sua vida; espera que o agressor mude como ele prometeu; crê que suas lesões e problemas não são importantes; quer proteger seu companheiro por razão de dependência econômica ou afetiva e tem medo de perder os filhos.

Estas mulheres dificilmente libertam-se destes relacionamentos de violência, pois revelam um conformismo e uma acomodação. O que aparece é um quadro de abandono de si, negativismo das coisas e dependência do outro (BRAGHINI, 2000).[13]

Na denúncia, ela geralmente queixa-se de seu companheiro, apresentando-se como vítima de uma situação infeliz. O companheiro é responsável por todas as suas mazelas e infelicidades. A mulher se considera vítima passiva de uma situação de violência, não sendo capaz de se atribuir qualquer parcela  de responsabilidade (COUTO, 2005).[14]

Relatar uma situação comprovada por fatos, com o claro propósito de se mostrar inocente na situação e isenta de culpa ou de responsabilidade é, segundo Couto (2005)[15],  responsabilizar o outro pela resolução do conflito, escondendo um gozo que se encontra encoberto e que mantêm a pessoa “presa” à situação de vítima dificultando a denúncia. 

Através da dor de uma mulher chamada Maria da Penha, que sofreu agressões físicas por seu marido, hoje milhares de mulheres podem usufruir de uma lei que as protege da violência doméstica, esta mulher lutou por seus direitos e hoje é lembrada por uma lei que possui o seu nome.

Conforme Cunha (2007)[16], Maria da Penha protagonizou uma caso simbólico de violência doméstica e familiar contra a mulher. Em 1983, por duas vezes, seu marido tentou assassiná-la. Na primeira vez com uma arma de fogo e na segunda por eletrocussão e afogamento.

Não são poucas as mudanças que a Lei Maria da Penha estabelece, tanto na tipificação dos crimes de violência doméstica contra a mulher, quanto nos procedimentos judiciais e da autoridade policial.  Ela  tipifica  a  violência  doméstica como uma das formas de violação dos direitos humanos.   Altera   o   Código Penal e possibilita que agressores sejam presos em flagrante, ou tenham sua  prisão  preventiva   decretada,  quando  ameaçarem

 

a integridade física da mulher. Prevê, ainda, inéditas medidas de proteção para a mulher que corre o risco de vida, como o afastamento do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação física junto à mulher agredida e aos filhos (CUNHA, 2007).[17]

Trata-se de uma vitória pelos direitos da mulher, mas a luta deve prosseguir para que esta lei seja cumprida e para que as delegacias sejam preparadas para atender este tipo de denúncia.  Um ganho importante trazido por esta lei foi o estabelecimento de uma das formas de violência doméstica contra a mulher como a psicológica, é uma das mais graves pois não deixa marcas visíveis, mas causa vários danos a mulher que podem ficar para sempre. 

Para Cunha (2007)[18], a violência psicológica é entendida como qualquer  conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e a auto determinação.

A violência afeta a auto-estima, a integridade mental e aumenta as doenças, podendo ocorrer problemas mentais, depressão e até mesmo suicídio em muitas mulheres. São indispensáveis maiores debates sobre esta lei e destacar os prejuízos que a falta da denúncia pode trazer, tanto física como mental, para uma mulher.

Segundo Grossi e Werba (2001)[19], a violência doméstica é muito mais comum do que se pensa, desde cedo fica estabelecida uma  relação entre amor e violência; ou seja, a criança desde cedo aprende que aquela ou aquele que a espanca é também a pessoa que a ama e é esse amos que lhe autoriza bater para educar.

Para Azevedo (1995)[20], o agressor apresenta maior probabilidade de haver sofrido ou testemunhado violência em sua família de origem e assim, reproduzindo nas suas relações atuais.

Para Grossi e Werba (2001)[21], o fato de sujeitos que sofreram violência terem vivenciado a violência na família de origem faz com que repensamos a violência como aquisição de padrões interativos de comportamento que são introjetados pelos indivíduos na sua socialização e se transmitem de geração para geração.  

Braghini (2000)[22], ao descrever o cotidiano do casal e o chamado “ciclo da violência” que se repete sucessivamente, refere que o nível de tensão na relação vai aumentando gradativamente, até que fica insuportável, e então, por um motivo aparentemente banal, o homem explode agredindo violentamente a companheira.

Grossi e Werba (2001)[23], para explicar  a permanência da mulher em um relacionamento violento denominam de “vínculo traumático”, que consiste no envolvimento de laços emocionais fortes entre duas pessoas onde uma intimida, ameaça e agride a outra, resultando num desequilíbrio de poder  na relação; quanto maior, mais  incapaz a pessoa se sente de sair da relação.

Segundo Braghini (2000)[24], um fator que atua na manutenção das mulheres em situações de violência é o peso insuportável provocado pelas culpas por ter que arcar sozinha com a opção pela separação; assumindo mais responsabilidades.

Para Grossi e Werba (2001)[25], em nível psicológico, a auto estima da mulher que sofre violência caracteriza-se pela autodepreciação e pela vergonha, tanto em relação ao seu corpo como em relação a outras características pessoais. Sua auto estima pode estar tão baixa que ela se culpa por tal situação, chegando a crer que sua vitimização prova a sua desvalorização como mulher e mãe e que não merece o tempo e o esforço das outras pessoas.

As mulheres de baixa renda são as que mais utilizam da denúncia por não ter nada a perder. Muitas delas encorajam-se a tomar atitude, mas com a falta de perspectivas positivas e a insegurança de si mesmas, acabam voltando para aquele ambiente de violência (BRAGHINI, 2000)[26].

A autora Maria Berenice Dias (2007)[27], na sua obra “A Lei Maria da Penha na Justiça”, demonstra de forma reflexiva a importância da universalidade dos direitos humanos, e demonstra que a Lei Maria da Penha é um convite a todos que têm o dever de construir uma sociedade mais justa, um apelo para que se levante o véu da impunidade e se devolva às mulheres “o seu lar doce lar”.

A reversão do quadro de violência contra a mulher implica esforços para a construção de um modelo social que permita desenvolver interações igualitárias. Sem igualdade real, jamais se poderá falar em exercício de cidadania, e enquanto as mulheres continuarem a ser despojadas (pela sociedade e pelo direito), elas continuam sujeitas a práticas arbitrárias, violentas e opressivas que, na verdade, não ocorrem apenas no ambiente familiar, mas em todos os locais.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este estudo vem pesquisar os fatores psicológicos que levam mulheres agredidas fisicamente a realizarem uma denúncia policial, a partir da verbalização de mulheres que responderam as entrevistas e através da análise das fichas de atendimento as vítimas de violência atendidas no Departamento Medico Legal. Os dados coletados foram apresentados e serão discutidos tendo por base a teoria já citada no trabalho.

Enfocando entender e responder o problema em questão desta pesquisa: “Quais os fatores psicológicos que levam as mulheres vítimas de violência a denunciar seu agressor?”. E, sendo guiada no decorrer desta pesquisa pelas questões norteadoras contidas no corpo deste trabalho.

Desta forma, a reflexão sobre as sete categorias que emergiram da análise dos dados e que permitiram entender e responder o problema desta pesquisa, bem como o diálogo com a literatura, serão apresentados neste capitulo do trabalho, tendo como ilustração algumas falas das entrevistadas, ou seja, as falas de A, B e C.

 Em relação à categoria historia de vida das entrevistadas observaram-se as vivencias infantis que possam ter projetado as mesmas situações de violência em seus relacionamentos. As entrevistadas consideram que não tiveram uma infância marcada pela violência, A e C percebem que as palmadas recebidas pelos seus pais eram para educar e as consideram como uma forma de dar educação, negando que conviveram em um ambiente violento.

 B praticamente não recebeu esse mesmo tratamento de sua família, sua mãe não batia nos filhos, era uma mulher submissa ao marido, acatava todas as decisões dele, sem nunca deixar os filhos presenciarem qualquer discussão e fazia o uso do diálogo para dar educação.

Segue vinhetas das entrevistadas falando de sua infância:

Quando eu era pequena meus pais me deram para meus avós criar. Cada um dos meus cinco irmãos foi dado pra um parente criar. Eu apanhava, mas era normal, era para educar. (A)

Nunca vi nada de violência dentro de casa, meu pai nunca brigava com minha mãe ou batiam nos filhos. A mãe era de ficar em casa lavando, passando e quando ele chegava do serviço a comidinha estava na hora pronta na mesa, mas sem violência verbal ou física, nunca vi nada disso. (B)

Achava normal apanhar da mãe, mas não era tão violência, era mais para eu escutar ela, mas não era nada muito grave que seja uma violência. (C)                                                     

Estes relatos demonstram que as entrevistadas negam a formação da estrutura de personalidade em ambientes violentos, sem saber o significado do apanhar na infância como forma de promover o desenvolvimento da capacidade intelectual, moral e física, sendo para A e C como algo normal e necessário para se dar educação e fazer-se ouvir pelos pais.

Segundo Grossi e Werba (2001)[28], a violência doméstica é muito mais comum do que se pensa, desde cedo fica estabelecida uma  relação entre amor e violência; ou seja, a criança desde cedo aprende que aquela ou aquele que a espanca é também a pessoa que a ama e é esse amor que lhe autoriza bater para educar.

Para Grossi e Werba (2001)[29], o fato de sujeitos que sofreram violência terem vivenciado a violência na família de origem faz com que repensamos a violência como aquisição de padrões interativos de comportamento que são introjetados pelos indivíduos na sua socialização e se transmitem de geração para geração.

Existem famílias em que a mãe é submissa a diversas situações, inclusive de violência, não se impondo para não enfrentar o marido. A mãe de B fazia de tudo para não contrariar seu esposo acatando suas vontades e decisões, neste fato evitava qualquer tipo de discussão para não dar entrada em conflitos familiares.

Cunha (1982)[30] informa que a  palavra violência vem do latim “vis” e tem o sentido de força e de vigor, podendo ser considerada como a natureza, a substância e a essência. Neste sentido, a violência é um meio de coagir, de submeter o outro a seu domínio, é usar da força física e psicológica para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade.

Para Azevedo (1995)[31] a violência é uma relação determinada por relações de força, tanto em termos de classes sociais como em termos interpessoais. Trata-se da conversão de uma diferença em uma relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, exploração e opressão.

Azevedo (1995)[32] define a violência contra a mulher como um fenômeno extremamente complexo, com raízes profundas nas relações de poder e de gênero, a tendência masculina de dominar a mulher é considerado a essência da masculinidade.

Na analise das fichas de atendimento foi possível verificar o perfil das mulheres que fazem a denuncia, a maioria tem entre 21 a 40 anos, investigou-se também a grande troca de companheiros nesta faixa etária e a quantidade de filhos, sendo praticamente um de cada relacionamento, poucas são casadas com os agressores. A maioria é dona de casa ou diarista, cuidam da casa, dos filhos e quando surge algum trabalho vão fazer faxina, não tem carteira assinada. Examinou-se o grau de instrução escolar, sendo a maioria com ensino fundamental incompleto ou completo e poucas com o ensino médio completo.

            As entrevistadas tiveram uma infância sem o contato com a figura masculina do pai, foram criadas longe dos irmãos que já eram mais velhos e com pouco contato com a mãe. A. não conseguiu ter um ambiente familiar normal, por ter recebido a criação dos avós, longe dos pais e dos irmãos. O pai de B. e C. faleceu quando eram crianças.

            Apenas A. passou por agressões nos relacionamentos anteriores, que não foram duradouros e praticamente tem um filho de cada pai, assim como C. que  troca seguidamente de companheiro, tendo também um filho de cada pai, ambas terminaram seus relacionamentos por ciúmes e permanecem com pouco tempo de união com seus parceiros.

 Na categoria início da violência, o objetivo é apresentar os motivos que deram a partida para o constrangimento, focalizando no inicio do relacionamento, caracterizando o tipo de violência sofrida. As entrevistadas afirmaram que o começo do relacionamento foi tranqüilo, harmônico e sem violência. Os fatores para desencadear a violência na relação foram os desentendimentos, as discussões e as desavenças, a agressão física veio após como conseqüência.

            Para A. as agressões vieram posteriores a chegada de um novo bebê, ao desemprego do companheiro, juntamente com o vicio do álcool e das drogas. Com B. o companheiro saía, chegava em casa tarde, até que as discussões começaram a ser freqüentes, pois ela achava que também tinha o direito de sair e chegar a hora que bem pretendesse. O fim do namoro não aceito pelo companheiro de C. despertou as atitudes agressivas.

            A violência psicológica deu-se primeiramente nas entrevistadas B. e C. que receberam ameaças e insultos que se tornaram freqüentes até chegar de forma física com empurrões na parede, tapas no rosto, socos e chutes. Os agressores não medem as conseqüências e geralmente os filhos das entrevistadas assistia tudo. Os filhos de A. começaram a ter um baixo rendimento escolar por conta de ver a mãe sendo agredida.

            Como referem às entrevistadas:

               A gente não brigava não, só depois que ganhei o filho dele é que começou tudo, era uma semana de paz e outra de inferno. Ele me batia mesmo, era tapa na cara, socos, empurrões e até chutes, o problema é que ele ficou desempregado e o nosso bebê era pequeno, daí começou a beber e depois até se drogar. (A)

Eu sempre fui muito pelos direitos iguais, no sentido de, se ele vai numa festa, não tem problema eu fico em casa, limpo e passo, mas na outra semana sou eu quem sai, então, a violência maior dentro da minha casa começou assim. Ele é do interior e acostumado com aquela coisa que a mulher tem que fazer as coisas em casa, eu tinha muito dessa coisa de que não nasci pra ser Amélia. Agora o homem já não aceita isso né, a mulher também não aceita, mas é que a mulher é menos declarada do que o homem. (B)

Quando eu terminei o namoro, ele não gostou e começou a incomodar, isso estava me perturbando bastante. No início foi verbal e dizem que isso aí tu pode denunciar, porque eu estava sendo acuada e não podia sair pra rua, pra lugar nenhum, ele estava sempre na esquina me esperando então isso soa pra mim como violência. (C)

Para Cunha (2007)[33], a violência psicológica é entendida como qualquer  conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e a auto determinação.

Conforme Teles; Melo (2003)[34], os papéis impostos às mulheres e aos homens induzem relações violentas entre os sexos e indica que a prática da violência não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas. Ou seja, não é a natureza a responsável pelos padrões que determinam o comportamento agressivo dos homens. Os costumes, a educação e os meios de comunicação tratam de criar e preservar estereótipos que reforçam a idéia de que o sexo masculino tem o poder de controlar os desejos, as opiniões e a liberdade de ir e vir das mulheres. 

A fragilidade do sexo feminino demonstra que geralmente são as mulheres que sofrem a violência por parte de seus agressores, que podem ser os parceiros, ex-parceiros, tios, filhos ou qualquer parente. Apesar dos parceiros serem os agressores mais comuns, não são os únicos, mulheres também podem agredir mulheres e muitas  vezes o fazem.

Nas agressões é freqüente o envolvimento de álcool e drogas, os efeitos dessas substâncias deixam a pessoa agressiva e violenta, principalmente quando se esta envolvida pelo ciúme, partindo para o desrespeito, gerando maus tratos e as dificuldades do dia-a-dia, geralmente as financeiras tendem a somar no relato das entrevistadas.

Quanto à categoria violência na atual relação, buscou-se saber quais as atitudes e pensamentos que ocorrem no momento da entrevista. Presenciou-se a crença entre as entrevistadas de que a violência iria parar e tudo voltaria tranquilamente como era no inicio e a existência do medo de que algo mais grave acontecesse para elas ou para os filhos. A. chegou a pensar que iria morrer, ficou traumatizada e afirma que não permitirá passar novamente por esta situação, ela não percebe que vem tendo uma seqüência de relacionamentos violentos.

 

            Como relata A:

            Eu tinha um sentimento muito forte que me fazia acreditar que ele iria parar e tudo voltaria como era quando nos conhecemos. Tenho medo que acontecesse algo grave comigo ou com as crianças, pensava que iria morrer, nós todos sentimos muito medo dele. Fiquei traumatizada, nunca mais vou deixar outro homem levantar a mão pra mim. Se esta situação acontecesse de novo eu terminaria tudo já no início, não sei o que poderá vir depois. (A) 

 

            A violência quando instalada no relacionamento é alcançada de forma continua, existe um ciclo que a retrata em períodos regulares, A. definiu como sendo uma semana sim e outra não. O fato de acreditar que tudo vai voltar como no início e haver essa pausa onde retorna a harmonia fez com que A. e B. permanecessem por alguns anos com os agressores.

 

            Como relata B:

               Ele nunca chegou e me espancou, mas existia aquela coisa de me empurrar na parede, que também é violência, nunca me deixou com o rosto inchado com os dentes quebrados, mas empurrava, falava palavra de baixo nível, quando vê estava sendo agredida dentro de casa. A minha primeira denuncia não foi por agressão física, foi por agressão psicológica, eu era muito ameaçada no sentido de, tu tem que fazer as coisas dentro de casa. (B)

 

As mulheres referem varias explicações para continuar na condição de violência, elas justificam dizendo que gostam de seus parceiros, que têm medo deles, da falta de emprego, ou da falta de moradia e da falta de apoio familiar. Têm a necessidade de ter uma figura masculina ao lado para serem mais respeitadas na sociedade. Outro motivo, referido para permaneceram nesta situação, são os filhos, pelas dificuldades de assumi-los sozinhas, desmotivando-as na decisão de sair de casa. Muitas encorajam-se a tomar uma atitude, mas a falta de perspectivas positivas e a insegurança de si mesmas, acabam voltando para aquele ambiente de violência (BRAGHINI, 2000 e HERMANN, 2000. ).[35]

Braghini (2000)[36], ao descrever o cotidiano do casal e o chamado “ciclo da violência” que se repete sucessivamente, refere que o nível de tensão na relação vai aumentando gradativamente, até que fica insuportável, e então, por um motivo aparentemente banal, o homem explode agredindo violentamente a companheira.

Grossi e Werba (2001)[37], para explicar  a permanência da mulher em um relacionamento violento denominam de “vínculo traumático”, que consiste no envolvimento de laços emocionais fortes entre duas pessoas onde uma intimida, ameaça e agride a outra, resultando num desequilíbrio de poder  na relação; quanto maior os laços emocionais, mais  incapaz fica a pessoa para conseguir sair da relação.

Na categoria que atitudes mulheres que elas conhecem tomam quando são agredidas, foi investigada com as entrevistadas qual sua opinião sobre como elas vêem a violência em torno de outras mulheres. Na percepção de C. as mulheres reagem de forma diferente, umas denunciam e outras não, depende de cada mulher e da relação que ela tem com esse homem.

 

Como C mesmo relata:

               São tudo safada e sem vergonha, apanham e depois ficam com eles. Tem umas que gostam de apanhar,  tem  umas  que  não  gostam. (C)

 

B. percebe entre as mulheres que conhece a ausência da denuncia, elas ainda acreditam que isso vai passar e muitas não gostam de falar no assunto. As amigas de A. também não têm o costume de fazer a denuncia, considera as amigas como dependentes emocionalmente dos companheiros pelo fato de brigarem num dia e no outro já saírem abraçadas com eles.

 

Como referem B e A:

               A maioria das mulheres que eu conheço não esta denunciando, tem pessoas mais velhas do que eu achando que dando uma volta para respirar vai ficar tudo bem, se tu vai tocar no assunto, há é bem capaz, elas não tomam meu exemplo pra elas. Sei que é brabo chegar numa delegacia e mesmo sendo da mulher é raro ser bem acolhida. Quando tu chega falam bem alto querendo saber o que aconteceu contigo, fica todo mundo te olhando, se tu não é forte o bastante tu sai sem ser percebida ou tu fala com eles baixinho e depois desiste de tudo, é isso que acontece com a maioria das mulheres. (B)

 

                Vejo brigas toda hora com as minhas vizinhas e até com minhas amigas. Elas não fazem a denúncia, por que dependem dele, é uma dependência emocional, todos viam as brigas, alguns se metiam e no outro dia estava o casal de bem, e de mal com quem foi ajuda. (A)

              

Estas mulheres dificilmente libertam-se destes relacionamentos de violência, pois revelam um conformismo e uma acomodação. O que aparece é um quadro de abandono de si, negativismo das coisas e dependência do outro (BRAGHINI, 2000).[38]

Tomar a iniciativa de denunciar é um ato de coragem, pois cria-se  um clima de constante insegurança, desorientação, medo e incapacidade de tomar iniciativas para sair da situação, gerando paralisação e mais submissão. Mais grave é o fato de a mulher tomar coragem para denunciar o crime a autoridade e nada ou quase nada ser feito, o que aumenta ainda mais os riscos de concentração da ameaça, gerando mais imobilismo por parte da vítima. Depois de gravemente ameaçada é freqüente a mulher voltar ao convívio com o agressor, o que a coloca muitas vezes em situação de risco de vida (TELES; MELO, 2003).[39]

Em relação à categoria quando elas começaram a pensar em fazer a denúncia, buscou-se saber qual é o ponto de partida para se chegar até uma delegacia e relatar as agressões sofridas. B. pensou em denunciar não para se separar, e sim para dar um jeito na situação e a mostrar para o companheiro que ela não estava desamparada e que existe uma Lei que a protege, não se permitindo continuar em um relacionamento que não lhe é prazeroso.

 

            Tal situação é evidenciada no relato a seguir:

               Eu comecei a ver, a querer, não em me separar, eu pensava só em dar um jeito, por isso que procurei denunciar, depois começou a beber e a quebrar as coisas dentro de casa, aí é o final, eu estava era arriscando minha vida. Por um homem tu não precisa ficar apanhando. (B)

 

Segundo Braghini (2000)[40], um fator que atua na manutenção das mulheres em situações de violência é o peso insuportável provocado pelas culpas por ter que arcar sozinha com a opção pela separação; assumindo mais responsabilidades.

         Acreditar que tem um pouco de culpa, devido à insegurança e a desconfiança, era o que A. pensava, somado com a falta de respeito com as crianças, baixa auto-estima foi encontrando forças na religião que a ajudou a olhar para si e pensar em denunciar.

Conforme evidenciado nas falas abaixo:

               Eu acho que tinha um pouco de culpa por ser muito insegura e ter muita desconfiança. Ele já não respeitava mais minhas crianças e os vizinhos e isso foi acabando com o amor e o respeito que sentia por ele.Eu já nem me cuidava mais, não me limpava e nem me arrumava, me achava um porcaria, a ultima mulher na fase da terra. Foi na igreja que consegui forças para sair dessa situação, quando me olhei no espelho vi que era um lixo. (A)

Para Grossi e Werba (2001)[41], em nível psicológico, a auto estima da mulher que sofre violência caracteriza-se pela autodepreciação e pela vergonha, tanto em relação ao seu corpo como em relação a outras características pessoais. Sua auto estima pode estar tão baixa que ela se culpa por tal situação, chegando a crer que sua vitimização prova a sua desvalorização como mulher e mãe e que não merece o tempo e o esforço das outras pessoas.

            O sentimento de pena do agressor foi o que C. relatou, por não querer que a polícia tomasse atitudes severas contra ele, foi através de suas vizinhas que pensou em denunciá-lo na Maria da Penha, a partir deste momento não sentia mais pena dele.

               O policial falou que eu poderia enquadrar ele na Maria da Penha, fiquei com dó da criatura na época e não fiz, por que eles iam comigo de viatura na hora atrás dele. Depois que ele agrediu eu e minhas vizinhas, fomos fazer o registro, só sentia muita raiva por toda a vergonha que ele me fez passar. (C)

Na denúncia, ela geralmente queixa-se de seu companheiro, apresentando-se como vítima de uma situação infeliz. O companheiro é responsável por todas as suas mazelas e infelicidades. A mulher se considera vítima passiva de uma situação de violência, não sendo capaz de se atribuir qualquer parcela de responsabilidade (COUTO, 2005).[42]

Na categoria dos fatores importantes para realizar a denuncia policial, verificou-se os motivos relevantes para se tomar tal atitude e fazer a queixa na delegacia.  Foram constatados o nervosismo e o medo existente em ambas entrevistadas, como se algo pior viesse acontecer com elas ou com seus filhos, não saber quais atitudes eles poderiam tomar foi o que não as deixou pensando por mais tempo e resolveram agir executando a denuncia.

Através das fichas de atendimento verificou-se que há uma uniformidade nos motivos que levam as vitimas a realizar as denúncias, praticamente estão relacionados o desejo de uma vida sem agressão ao conseguir provocar o medo no agressor ao chegarem em casa com o ofício da denúncia policial e a vergonha que acaba sendo enorme ao ponto de somente com o auxílio de outras pessoas essas mulheres conseguem ser conduzidas a falar sobre as agressões.

         Geralmente as vítimas chegam acompanhadas de uma pessoa, que as incentivam ou até mesmo as acompanham, muitas auxiliam no relato por serem pessoas que vivem a violência junto com a mulher agredida.

            A falta de privacidade para seguir sua vida sem o companheiro foi o fator principal para C. que era perseguida e não saia de casa sem antes cruzar com ele. B tentou unir a relação antes de fazer a denuncia, dialogando com o companheiro para tentar amenizar as brigas, após percebeu que as agressões estavam passando dos limites.           

 

            Tais conseqüências sofridas se tornam evidentes nos relatos a seguir:

               Ele ficava 24 horas no meu portão, ele me incomodava, não podia sair pra lugar nenhum, eu ia ao supermercado ele tava lá, ia para rua ele tava lá do outro lado. Chamava a policia e nada acontecia, ficava assustada  a gente não sabe o ele pode fazer, medo eu tinha e muita vergonha dos meus filhos e dos vizinhos. (C)    

               A agressão física foi o fator principal, nunca me esqueço do primeiro empurrão na parede. Eu nunca maltratava meus filhos, mas eu já estava batendo nas crianças, quando comecei a ser agredida, eu pensei, estou fazendo a mesma coisa, resolvi parar. Antes de tu sair e fazer uma denuncia, existiu a conversa dentro de casa, quando chegou a agredir a mim e aos meus filhos é por que a situação estava crítica, eu ter procurado dar parte dele não foi de uma hora pra outra. (B)

 

O fato de B estar reproduzindo nos filhos a violência, representa o ciclo da violência familiar e para Azevedo (1995)[43], o agressor apresenta maior probabilidade de haver sofrido ou testemunhado violência em sua família de origem e assim, reproduzindo nas suas relações atuais.

            A fé em Deus através da busca por ajuda na igreja foi o fator principal para A. realizar a denuncia, o pastor a fez pensar em sua vida, nos filhos e a trazia palavras confortantes de coragem, onde novas forças foram criadas e o medo amenizado.

           

Como relata A:

               O pastor perguntou para mim até quando que eu iria permitir passar por isso? Chegou ao ponto de um dos meus filhos dizerem que ia matar ele e me perguntar por que eu continuava com esse cara ainda, isso foi o que mais marcou. Ele não é uma pessoa ruim, tenho medo de vê-lo e começar tudo outra vez. (A)

A violência afeta a auto-estima, a integridade mental e aumenta as doenças, podendo ocorrer problemas mentais, depressão e até mesmo suicídio em mulheres violentadas. É indispensável destacar os prejuízos que a falta da denúncia pode trazer, tanto física como mental, para uma mulher.

As mulheres de baixa renda são as que mais utilizam da denúncia por não ter nada a perder. Muitas delas encorajam-se a tomar atitude, mas com a falta de perspectivas positivas e a insegurança de si mesmas, acabam voltando para aquele ambiente de violência (BRAGHINI, 2000)[44].

            Na categoria data da primeira denuncia das entrevistadas, verificou-se o período da violência que já se iniciou nos primeiros anos de união, se arrastando por um longo período. No caso de C. que teve o relacionamento curto, a primeira denuncia ocorreu com o término do namoro e só pararam por ordem judicial.

 

            Conforme relata C:

               Essas três denúncias foram todas depois que terminei com ele e só parei de denunciar depois da ordem do juiz quando ele parou de me perseguir. (C)

 

             Grossi e Werba (2001) [45] ressaltam que a baixa auto-estima detém a mulher dentro do relacionamento violento, pois a mulher vítima de violência doméstica acredita que a sua aceitação da violência “prova que ela é imprestável como mãe e mulher, não sendo merecedora nem do tempo nem da atenção exigida por outras pessoas para ajudá-la a criar um ambiente seguro”.

            Em relação à categoria Lei Maria da Penha, investigou-se das entrevistadas o que elas sabem ou já ouviram falar da Lei Maria da Penha e se elas percebem algum beneficio para a mulher. Todas já ouviram falar, mas não sabem exatamente sobre o que se trata a Lei, A. sabe apenas que garante deixar o companheiro longe de sua casa.

                        Como relatam A e C:

               Só ouvi falar nessa Lei na TV, só sei que garante que ele não chegue perto da minha casa. (A)

               Só ouvi falar na Lei Maria da Penha, conhecer eu não conheço, até por que tem um monte de gente que denuncia e não acontece nada, eu vi os casais fazendo a triagem, depois falavam com a juíza e saiam abraçados, por que desistiram lá na hora. Eu preferi seguir, por isso acho que não acontece coisas mais eficazes com essa Lei, pois eles fazerem e acontece, de vez em quando vão presos, então tem uns que não tão nem ai pra Maria da Penha. (C)

 

Nas fichas de atendimento, as mulheres atendidas são da região metropolitana e reclamam do atendimento policial, pois nem todas fazem a primeira denúncia na Delegacia da Mulher e sim costumam ir às delegacias mais próximas onde não há um atendimento especializado.

Ouve-se muito falar nesta lei e através dela as mulheres sentem-se motivadas a denunciar. Corresponde a busca mais efetiva no tratamento às vítimas, é uma forma de atender e melhorar o problema da violência contra a mulher.

A Lei Maria da Penha tipifica a violência doméstica como uma das formas de violação dos direitos humanos. Altera o Código Penal e possibilita que agressores sejam presos em flagrante, ou tenham sua prisão preventiva decretada, quando ameaçarem a integridade física da mulher. Prevê, ainda, inéditas medidas de proteção para a mulher que corre o risco de vida, como o afastamento do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação física junto à mulher agredida e aos filhos (CUNHA, 2007).[46]

Trata-se de uma vitória pelos direitos da mulher, mas a luta deve prosseguir para que esta lei seja cumprida e para que as delegacias sejam preparadas para atender este tipo de denúncia.  Um ganho importante trazido por esta lei foi o estabelecimento de uma das formas de violência doméstica contra a mulher como a psicológica, é uma das mais graves, pois não deixa marcas visíveis, mas causam vários danos a mulher que podem ficar para sempre. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tratar das considerações finais deste estudo, é importante retomar o que foi escrito na introdução, ou seja, no inicio da pesquisa, pois a violência contra a mulher faz parte do cotidiano das cidades, do país e do mundo. É um fenômeno antigo, silenciado ao longo dos anos e que hoje vem tendo um crescente número de denuncias policiais através do surgimento da Lei Maria da Penha.

Com a realização desta pesquisa, constata-se que existem fatores psicológicos que levam mulheres agredidas fisicamente a realizarem a denúncia policial. Podem-se destacar os fatores que se apresentam de forma freqüente no relato das mulheres: ansiedade, medo, vergonha, dependência emocional, depressão, sentimento de culpa, ciúme e baixa auto-estima.

 Estes fatores se destacam por se apresentarem em uniformidade nos motivos que levam as vítimas a realizar as denúncias. Assim, constata-se que as mulheres entrevistadas ao denunciar buscam praticamente os mesmos objetivos.

Após este estudo, verificou-se que a atribuição não se deve a um único fator de forma isolada, considerando que a violência é um problema social com repercussões psicológicas. Desta forma, todas as categorias analisadas e discutidas neste trabalho soam significativas e relevantes para serem consideradas em qualquer modalidade de intervenção.

Sugiro que novas pesquisas sejam realizadas explorando melhor o ambiente familiar regido pela violência domestica com destaque aos filhos das vitimas que convivem num ambiente violento e como fazer para que essa violência não seja reproduzida por essas crianças no futuro. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AZEVEDO, Maria A. Mulheres espancadas: a violência denunciada. São Paulo: Cortez, 1995.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2000.

BRAGHINI, Lucélia. Cenas Repetitivas de violência doméstica: um impasse entre Eros e Tanatos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.

COUTO, Sônia Maria Araújo. Violência doméstica: uma intervenção terapêutica. Belo Horizonte: Autêntica / FCH-FUMEC, 2005.

CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica (Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2007.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1994.

GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. Violência e gênero: coisas que a gente  não gosta de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

HERMANN J., BARSTED L. L. Violência contra a mulher: um guia de defesa, orientação e apoio. CEPIA / CEDIM, 2000.

TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher? São Paulo: Brasiliense, 2003.


[1] Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil, Campus Guaíba

[2] Professor orientador da disciplina de TCC II, da Universidade Luterana no Brasil, Campus Guaíba.

 

3 GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1994.[4] BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2000 

[5] CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica (Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

[6] AZEVEDO, Maria A. Mulheres espancadas: A violência denunciada. São Paulo: Cortez, 1995.

[7] TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica. O que é violência contra a mulher? São Paulo: Brasiliense, 2003.

[8] AZEVEDO, 1995.

[9] TELES; MELO, 2003.

[10] BRAGHINI, Lucélia. Cenas Repetitivas de violência doméstica: Um impasse entre Eros e Tanatos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.

[11] TELES; MELO, 2003.

[12] HERMANN J., BARSTED L. L. Violência contra a mulher: Um guia de defesa, orientação e apoio. CEPIA / CEDIM, 2000.

[13] BRAGHINI, 2000.

[14] COUTO, Sônia Maria Araújo. Violência doméstica: uma intervenção terapêutica. Belo Horizonte: Autêntica / FCH-FUMEC, 2005.

[15] Idem.

[16] CUNHA, 2007.

[17] CUNHA, 2007.

[18] CUNHA, 2007.

[19] GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. Violência e gênero: Coisas que a gente  não gosta de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

[20] AZEVEDO, 1995.

[21] GROSSI; WERBA, 2001.

[22] BRAGHINI, 2000.

[23] GROSSI; WERBA, 2001.

[24] BRAGHINI, 2000.

[25] GROSSI; WERBA, 2001.

[26] BRAGHINI, 2000.

[27] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2007.

[28] GROSSI, Patrícia K.; WERBA, Graziela C. Violência e gênero: Coisas que a gente  não gosta de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

[29] GROSSI; WERBA, 2001.

[30] CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica (Lei Maria da Penha: Lei 11.340/2006). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

[31] AZEVEDO, Maria A. Mulheres espancadas: A violência denunciada. São Paulo: Cortez, 1995.

[32] AZEVEDO, 1995.

[33] CUNHA, 2007.

[34] TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica. O que é violência contra a mulher? São Paulo: Brasiliense, 2003.

[35] BRAGHINI, Lucélia. Cenas Repetitivas de violência doméstica: Um impasse entre Eros e Tanatos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.     HERMANN J., BARSTED L. L. Violência contra a mulher: Um guia de defesa, orientação e apoio. CEPIA / CEDIM, 2000.

[36] BRAGHINI, 2000.

[37] GROSSI; WERBA, 2001.

[38] BRAGHINI, 2000.

[39] TELES; MELO, 2003.

[40] BRAGHINI, 2000.

[41] GROSSI; WERBA, 2001.

[42] COUTO, Sônia Maria Araújo. Violência doméstica: uma intervenção terapêutica. Belo Horizonte: Autêntica / FCH-FUMEC, 2005.

[43] AZEVEDO, 1995.

[44] BRAGHINI, 2000.

[45] GROSSI; WERBA, 2001. 

[46] CUNHA, 2007.