MITOS, FILÓSOFOS E CIENTISTAS

Nilton Rodrigues de Souza


Desde que teve consciência de existir no mundo, o homem, tanto quanto cuidar de sua própria sobrevivência, esteve incessantemente preocupado em saber de onde veio e para onde vai. Inquietou-se por captar a realidade, por saber como e porque as coisas ao seu redor acontecem, da forma como acontecem. Nada mudou com relação a isso, dos primórdios até hoje. Mas do que nunca essas preocupações ainda existem. A maneira de tratar delas, no transcorrer da história, é que tem seguido caminhos diferentes.
Para os povos primitivos e os da Antiguidade, na Grécia, a primeira forma de tentar explicar a realidade foi através da Mitologia. Alguns fenômenos naturais passaram a ser explicados como sendo determinados por entidades chamadas Deuses. Os ventos, os oceanos, o fogo, as chuvas e outros tantos fenômenos passaram a ser atribuídos à vontade desses Deuses. Os povos de então os imaginaram como tendo poderes sobrenaturais, e os reverenciaram e cultuaram.
Para aqueles povos, no seu tempo, as coisas estavam resolvidas. Existiam os fenômenos porque essas entidades poderosas os faziam acontecer. Essa crença dos povos nos deuses mitológicos perdurou por muito tempo, contemplando o homem nas suas indagações básicas sobre o mundo. Mas uma outra forma de explicar a realidade começou a surgir, também ainda na Antiguidade. Foi o advento da Filosofia.
Por filosofia entende-se "amiga da sabedoria" (filo=amigo + sofia=saber). Diferentemente da mitologia, que é uma forma de conhecimento baseada na representação fantasiosa da realidade, em que deuses surgidos como produto da imaginação de um povo, manobram os fenômenos naturais e sobrenaturais, a filosofia tem na razão o fundamento das suas explicações de problemas que ela mesma elegeu como fundamentais. Sendo baseada na razão, a filosofia se propõe estudar problemas que tenham no rigor do pensamento o seu fio condutor.
Uma outra característica da filosofia é que ela não se detém em particularidades do real. Para ela, as questões universais, essenciais, que não se subordinam a tempo e lugar é que lhe interessam de fato. Daí pode-se concluir que a empreitada da filosofia de antemão não é nada fácil, porque cabe a ela a difícil tarefa de afirmar verdades não particulares, não contingenciais. Pra mim, este é o grande mérito da filosofia. Ela trabalha a verdade na sua inteireza, de maneira não fragmentada, mas sistemática, permitindo que se possa entender as coisas em todas as suas dimensões, o que, sem dúvida, constitui o verdadeiro conhecimento.
Os grandes filósofos da humanidade viveram em épocas diferentes, e são classificados em três categorias gerais: filósofos da antiguidade, citando como exemplo Sócrates, Platão e Aristóteles, filósofos medievais, sendo os mais importantes Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho, e os filósofos modernos, como Decartes (este sendo considerado o pai da filosofia moderna), David Hume, Immanuel Kant, Hegel, e muitos outros nomes importantes que se seguiram, a partir daí; a maioria deles foi criadora de sistemas filosóficos geniais. Muitos conhecimentos que sustentam a visão da realidade que hoje se tem do mundo, no seu todo, nas diversas esferas do conhecimento, têm na filosofia os seus fundamentos. O próprio cristianismo, que experimentou o seu apogeu na idade média, neste mesmo período histórico fundiu-se com a filosofia e a ciência, resultando daí um todo indiferenciado.
Até aí, religião, filosofia e ciência formavam um único corpo de conhecimento, e a religião é que tinha as outras fontes a si subordinadas. Somente na Renascença, já na Era Moderna, é que a filosofia veio a separar-se da religião, tornando-se autônoma (na verdade retomando a sua condição anterior, dos tempos da Antiguidade, quando surgiu). Mais tarde, também a ciência repetiu o feito e seguiu também caminho próprio.
Filosofia e ciência têm semelhanças e diferenças. As semelhanças, inicialmente, assentam-se na busca incessante por desvelar a realidade, no que diz respeito aos fenômenos naturais. Mas a partir da era moderna, os seus objetos de estudo tomam caminhos diferentes. O objeto da filosofia passa a ser as verdades essenciais; e o da ciência as verdades naturais, isto é, as leis e relações que ligam os fenômenos entre si (MONDIM, 1989). Ambas representam os anseios do homem na sua busca sempre renovada de compreender o mundo. A filosofia não tem uma finalidade prática para as suas investigações, salvo o propósito de conhecer por conhecer. Já a ciência prima por desvendar a natureza, tendo como escopo dominá-la a seu favor, por via direta, ou como instrumento para desenvolver tecnologias que venham facilitar a vida do homem.
Outra diferença reside na questão do método de investigação empregado por cada uma delas. Enquanto a filosofia adota o método raciocinativo para captar a realidade, a ciência emprega o método experimental, para verificar ou refutar as suas hipóteses. Assim, ambas investigam a realidade, mas percorrem caminhos distintos. A ciência é mais "prestigiada" pela sociedade, porque suas pesquisas contemplam problemas mais diretamente afetos ao dia-a-dia do homem, como, por exemplo, a cura de doenças, a descoberta de novas leis da física que lhe permitam construir artefatos inéditos, a produção de novas variedades de plantas agrícolas mais precoces e produtivas, a descoberta de novos combustíveis renováveis e menos poluentes etc.
Devido a sua função utilitária, a ciência revestiu-se de prestígio, tomando a dianteira da filosofia, de modo que, no século XIX, com o surgimento da indústria, na Inglaterra, a ciência praticamente desbancou a filosofia, alcançando o seu máximo prestígio e praticamente relegando esta ao esquecimento. Essa condição estendeu-se por bom tempo, mas já no século XX estabeleceu-se o reconhecimento do valor da filosofia como fonte importante de conhecimento, não podendo o homem ignorá-la, haja vista que ele não se satisfaz apenas com o conhecimento fragmentado da realidade que a ciência lhe oferece, porque não vive só para satisfazer as suas necessidades físicas e biológicas; ele precisa de alimentar o seu espírito, reconhecendo e preservando valores morais e éticos (alguns dos problemas investigados pela filosofia) que o conduzam à harmonia, à paz e à prática das virtudes.
Aí estão, resumidamente, as três principais fontes de conhecimento que até agora permearam a trajetória da humanidade. Os mitos, tendo sido a primeira delas, e apesar de hoje podermos apontar as suas deficiências, do ponto de vista do conhecimento verdadeiro, há que se reconhecer, entretanto, que, no período histórico em que surgiu, constituiu-se em algo extraordinário para a humanidade de então, até porque as ambições cognoscitivas desta eram modestas. Sedento de explicações principalmente para os fenômenos que o cercavam, o homem encontrou na mitologia uma excelente fonte para saciar a sua curiosidade.
A filosofia resultou da insatisfação de alguns habitantes da Grécia Antiga, mais ambiciosos e insatisfeitos com as explicações da realidade, fornecidas pela mitologia. Queriam algo mais consistente do que a simples existência de deuses poderosos, de cujas vontades dependiam os acontecimentos do mundo e da vida das pessoas. Ela marcou um avanço extraordinário e definitivo para a humanidade, por ter desenvolvido conhecimentos de abrangência universal, cuja validade não só tem resistido ao tempo, como servido de base para desenvolver outros conhecimentos de cunho científico, na área das humanidades, e cada vez mais afirma-se como legítima e indispensável.
A importância da ciência para o mundo moderno é incontestável. Mas ela tem as suas limitações e por isso não dá conta de prover todas as necessidades do homem, na busca da verdade essencial, absoluta. A imagem que temos dela ainda é aquela do século XIX, quando, por conta da explosão industrial, foi guinada à condição de fonte de conhecimento única, porque todos os povos da época estavam inebriados com a fartura de novidades por ela proporcionadas. Mas, uma vez que o foco de suas investigações consiste em desvelar parcelas da realidade, ela não pode dar ao homem respostas para todas as suas indagações, como se propõe a filosofia, dentro do rol de problemas que elegeu para investigar. Assim, cada uma a seu modo, ambas são importantes para o homem.
Quanto ao mitos, eles ainda existem para algumas pessoas e povos. Entretanto, como fonte de conhecimento da realidade, perderam, já há muito tempo, o seu status. A modernidade praticamente os baniu da história porque suas explicações da realidade carecem de um mínimo de fundamento lógico, que eles não podem oferecer.
Neste século XXI, há uma forte tendência para se buscar o conhecimento sistemático da realidade, sob pena de se perder o controle sobre a cada vez maior complexidade do mundo. Isto se faz necessário, dentre outras tantas coisas, por exemplo, para os governos estabelecerem as suas políticas e para os sociólogos preverem os novos rumos das sociedades. Os sistemas educacionais precisam se compenetrar dessa necessidade, para melhor formar as novas gerações. Mais uma vez vêm à tona os preceitos da filosofia, ou seja, a busca da unidade do conhecimento. Não dá para compreender o mundo pelo conhecimento de parcelas compartimentadas e estanques da realidade.


Nilton Rodrigues de Souza é Engenheiro Agrônomo, Professor Licenciado para o ensino fundamental e Pós-graduado (especialista) em Medodologia do Ensino Superior pela UNEB ? Campus XVI - Irecê

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