A LOUCURA E O DESESPERO

“... ouvia seus uivos e as gargalhadas da paixona, porém, não os via mais. Sumiram todos misteriosamente...”.

O Ano de 2005 começou um tanto confuso para mim. Passei o reveillon na cidade de Itaituba no Pará, pois não deu para ir passar na minha cidade para a companhia de meus familiares. Depois da virada de ano ceamos, mas ao contrário dos outros, tomei apenas refrigerante pois, eu não podia beber, estava  me recuperando de uma hepatite.  Por volta das 2:00 horas da manhã despedi-me dos amigos presentes e fui para o hotel. Preferi ir a pé, a cidade estava deserta e bela. Desci pela 13 de maio. A madrugada estava triste, poética e melancólica, ou era a saudade que me evadia e criara aquele cenário solitário e tedioso.

    Quando me aproximei da 9ª rua, uma cena me chamou atenção. Saíram três elegantes damas, bem-vestidas. Alguns passos à frente uma delas, descalça, trajando um longo vestido branco e lindo, solto em seu corpo, com uma pala esvoaçante de cor creme por cima.  Seus cabelos negros, encaracolados, soltos e despenteados, com duas rosas amarelas, lhe davam uma beleza singular, mas que não combinavam muito com o tom de sua pele branca como a névoa, uma beleza sem vida, porém espetacular. Ela tinha em sua mão direita uma taça grande com vinho e na esquerda um bonito buquê de  variadas flores coloridas. De vez em quando voltava até as outras duas para brindar, bebiam e  sorriam. Ela apresentava característica de louca no jeito de andar, de falar e gesticular.  Da distância que eu estava me parecia que recitava alguns versos,  que sorria, que   chorava, que delirava...

           Mais perto pude ver bem a segunda mulher. Era altiva, tinha pele marrom como o ceio da terra, olhos negros como a ausência da luz, como o caminho das trevas percorrido por todo apaixonado. Longos afro cabelo desvairado da cor do próprio mistério. Seu sorriso, cuja descrição seria impossível, pois inspirava desejo, medo, volúpia e desdém. Usava um vestido vermelho, a própria cor da paixão, um véu da mesma cor que pairava sobre seus  ombros seminus e escondendo um pouco da devassidão do decote que parecia querer mostrar mais do que esconder. A terceira dama parecia ser a mais jovem das três, com um teor de beleza arrepiante. Seu cabelo de cor vermelha com mexas amarelas parecia labareda de fogo.  Esbelta, pele bronzeada, olhos amendoados e expressivos, vestia um vestido longo alaranjado,  calçando um salto agulha com toda a elegância que convém apesar de visivelmente embriagada. Levava em suas mãos uma garrafa de vinho que servia as taças das outras duas e depois  bebia no gargalo.  Quando brindavam, Embriagues gritava:

            _ Viva o subterfúgio dos descontrolados!

            A  garrafa enchia-se naturalmente por uma força sobrenatural. A louca de branco gritava:

            _ Viva a loucura de amar!

             A  de vermelho entre gargalhadas alucinadas gritava:

            _ Viva o abismo da paixão.

            Percebi que um cão preto que parecia morrer de felicidade e de tristeza ao mesmo tempo, pulava e abanava o rabo em volta das damas, fazendo  festa, apesar de grunhir tristemente e soltar arrepiantes uivos.

              Cheguei meio que travar as pernas de medo, mas, eu sentia necessidade de conhece,  principalmente a dama de vermelho, sua beleza hipnotizava-me. Continuei a acompanhá-las Percebi que a louca parava, colocava a taça e as flores no chão e entrava nos quintais, pulando os muros e voltando com mais flores, as quais  acrescentava a seu buquê. Brindavam, sorriam e o cachorro não se cansava um segundo de festejar com certo agouro. Eu então resolvi chegar até elas, não sei como tive coragem e falei:

            _ Feliz ano novo para vocês!

            A louca fingiu não me ver nem me ouvir. A do cabelo de fogo, queria que eu bebesse imediatamente uma garrafa inteira só de um gole, mas não aceitei. A de vermelho segurou em minha mão com muita delicadeza e beijou-a. Fiquei todo arrepiado, pois seus lábios eram tão quentes que por pouco, não queimaram minha mão, cheguei até a sentir um fogo n’alma.Ela apresentou-se dizendo:

           _ Meu nome é Paixona. Sou a deusa da paixão, o abismo necessário da razão de ser feliz. Sou a vida absurda, o engano. Por pouco eu não seria o amor, isso tudo é uma questão de pacionalidade, entende? Mas também sou tudo o que você quiser que eu seja, que eu sinta, sou boa até demais...

            Eu estava sem fala quando ela gritou como se a outra estivesse muito longe dali:

              _ Embriaguez! Se apresente para o jovem, seja gentil.

                  Nessa hora seu bafo parecia queimar-me a face, e a cabelo de fogo me entregou a garrafa  de vinho dizendo:

             _ Eu sou tudo, quando tudo parece nada, sou a única saída ou a única queda. Acho que já bebi um pouco. Só sei que dou leveza a essas pobres almas pesadas que não podem levitar. Eu tenho o poder de fazer a vida girar deliciosamente, acompanhando o movimento de rotação da terra. Faço a responsabilidade desaparecer, o trabalho sumir. Quem está comigo está com tudo, ou com nada, não sei. Mas vou te apresentar a loucura, que está sempre junto a nós, somos um trio, paixão, embriaguez e loucura.

             Eu não pude dizer nada, pois a de branco me entregou uma flor dizendo em versos:

  “_ Eu sou a doce e contagiante loucura de amar

Quero encontrar meu amor que partiu

Ou nem sei se existiu...

Só sei que estou louca de amor!

Ele é belo e meigo como esta flor

Agradável como este clima

Inevitável como a brisa matutina.

 

Ele me machuca como a verdade

E dói como esta saudade...

Sabe por que estou assim?

Por ter gostado mais dele do que de mim.

 

O amor é como uma flor

Que o maldito tempo faz murchar

E pétala por pétala rolar,

 Sobre espinhos

 Que as ferem fatalmente..

 

Matando tudo o que se acredita

Os fortes esquecem da dor

Nem se lembram que ali havia

 Uma bela flor.

 

Porém não sou forte

Sem minha flor

  Quero a morte

 

Quero a morte de todos os afetos

O fim de todos os começos

Queria tudo para saciar o nada

Que ele deixou depois do adeus

 

Quero beber chorar, sorrir.

Voltar pro passado

Pular o futuro

 Atropelar o tempo presente

 

Afinal de que me serve este viver?

Quero toda paixão do mundo

Para fazer companhia a desventura

 E mais uns goles de vinho

Para aperfeiçoar minha loucura!

 

       Falou tudo isso olhando nos meus olhos e andando de costas. Empolgada, falava alto e sentia cada palavra como quem declamava o último e mais triste poema de amor. Começou a correr em direção ao rio Tapajós. A Paixona e a Embriagues me soltaram e correram saltitando e fazendo festa atrás da louca. Fiquei arrepiado quando a Paixona olhou para o cão que as acompanhava e gritou:

            - Desesperooooo! Desesperooooo!

             E cachorro atendendo por esse nome seguiu-as. As damas desceram as escadas da orla, deixando um perfume que não ouso descrever, pois seria audácia de um simples mortal Corri para ver o ritual de dar dó A dama de branco parecia ver alguém no meio do rio, talvez o seu amor, pos assim chamava a gritar:

              _ Amor, amor, meu amor volta. Leve-me contigo. A embriaguez lhe servia uma taça atrás da outra e a maldita garrafa não secava, se enchendo até derramar. A pobre louca ingeria todo aquele líquido amaldiçoado que a enlouquecia mais e mais. Bebia como se fosse acalmar sua dor. A tal Paixona aconselhava imperativa:

            _ Vá, vá atrás do teu amor. Vá não o deixe escapar. Não deixe essa loucura acabar.

            Então a loucura entrou devagar nas águas do  imenso Tapajós, até suas águas esconderem seu último fio de cabelo visível.  Quando olhei para as duas damas que pareciam felizes ao ver a louca mergulhar no rio... Elas haviam sumido juntamente com o cachorro Desespero, no entanto eu ouvia seus uivos e as gargalhadas da Paixona, porém, não os via mais. Sumiram todos misteriosamente e eu fiquei com uma rosa amarela na mão e o coração partido de ver aquela bela mulher afogar-se, não só nas frias águas do belo Tapajós, mas na loucura embriagante da paixão.

             Sentei-me à beira do rio na espera de um sinal da pobre louca. Eu não havia sonhado foi real, a prova era a rosa amarela que eu tinha na mão e mais as duas que se soltaram dos cabelos da louca e chegaram até a beira do rio das quais me apossei. Eram exatamente 05h20min da manhã. Juntei as três belas flores na mão e fui para o hotel. Não consegui fechar os olhos. Levantei-me às 07 h para pegar o vôo direto à Cuiabá. Tomei banho, desci para o café; pensando que se eu contasse o acorrido, ninguém iria acreditar. Pensei: vou ficar calado, de repente foi um sonho. Entrei na sala de café e um hóspede, que sempre tomava café comigo, comentou:

              _ Isso é que é começar o ano bem. Hem amigo?  Êta, você, camarada, de braços dados com duas damas? E mais uma declamando poemas, “olhos nos olhos”?  E ainda foi tomar banho com as três no rio? Começou o ano bem amigo. Mas é muito egoísta, passou por mim e nem me cumprimentou, fingiu não me conhecer. Que feio! Que guloso!

            _ Eu não sei do que você está falando.

            Levantei-me e segui para o quarto. Lembrei-me das flores, e pensei então: se as flores estiverem aqui, foi verdade, a mulher realmente se afogou e eu não estou louco. E se alguém mais tiver me visto passar com elas? A polícia irá prender-me, com certeza, mesmo eu não devendo nada, meu Deus! 

             Abri a porta do quarto e  avistei sobre a mesa três rosas, porém não eram mais amarelas e sim uma laranja, uma vermelha, e outra  amarela desbotada. Respirei fundo, fui até as flores, pois precisava tocá-las para acreditar. Retirei as três flores da mesa mas a amarela desmanchava-se caindo pétala por pétala sobre meus pés. Gelei de medo! Arremessei as duas que sobraram e somente a laranja caiu, a rosa vermelha parecia me dominar, grudando na minha mão. Peguei minhas bagagens, fui até a recepção com a rosa na mão. Fui para o aeroporto onde embarquei no avião e todos elogiavam  a maldita rosa vermelha colada em minha mão.              

             Ao desembarcar em Cuiabá minha noiva me esperava.  Foi logo pegando com alegria e naturalidade a rosa vermelha que com ela quis ir, desgrudando facilmente da minha, me deixando sem ação. Tereza me abraçou, me beijou e agradeceu a bela rosa.  No caminho para casa permaneci calado e tomei uma decisão sem saber o porquê. Não quero mais minha noiva, fiquei com medo dela.  Nunca mais irei a Itaituba. Então, no dia 04 de janeiro rompi o noivado. Tereza em prantos me devolveu a rosa vermelha que não murchava nem perdia o viço. 

            Não tinha mais paz. Passei num bar e enchi a cara com os amigos. Sentia-me um covarde em abandonar a mulher amada por simplesmente ter recebido uma rosa da minha mão. Ela agora está a chorar de desespero e sem razão de ser, sendo que nem deveria sentir essa paixão absurda por um idiota como eu.

             Saí na noite cuiabana, completamente embriagado, louco e apaixonado  na companhia de uma garrafa de vinho. Eu sentia medo de Tereza, um inexplicável pavor da pessoa amada, era como se eu tivesse escolhido aquele cenário para aperfeiçoar a loucura que se apoderara de mim.  Rosa vermelha, paixão, subterfúgio e amargurai...  Eu já estava débil, tresloucado, embriagado na loucura da ausência da minha amada Teresa.      

              Caminhei em direção ao nada para destruir a rosa e ter de volta minha amada. Deparei-me com a ponte, caminhei sobre ela, e ao ultrapassar sua metade, olhei para baixo, para as águas  e  percebi que havia nas águas negras e frias,  uma rosa vermelha  gigante  que zombava do estado lastimável em que eu me encontrava.  A maldita bailava sobre as águas com seu perfume e beleza inebriante. Não resisti a tal desaforo. Eu desejava vê-la extinta, mesmo que isso custasse a minha inútil vida. Arremessei-me sobre ela.

                                                                                                                    Atiana Gomes e Mara Nascimento