Manuel Noriega: Um Ditador Nada Ideológico 

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho 

*Artigo escrito e publicado em 2022

Existem ditadores e ditadores. Dependendo de como atuam, os acontecimentos em que são protagonistas podem variar drasticamente, afetando sobremaneira seus vizinhos. E isso se torna ainda mais evidente na América Latina.

Ditadores brasileiros são mais ideológicos que corruptos (é óbvio que, por mais que o “mito” diga que não havia corrupção, sabemos que essa era uma dura realidade imiscuída já no primeiro escalão governamental, e nós de nada éramos informados em virtude de um mecanismo jurídico que as pessoas tendem a ignorar, e que se chama “censura”). Os chefes do Poder Executivo não eram pessoalmente corruptos, mas muitos ministros, por exemplo, eram. Imaginem, então, os escalões mais inferiores.

Já os ditadores dos países vizinhos ao nosso, desde o norte da América Central até a Argentina e o Chile, eram mais corruptos que ideológicos. Como exemplo, podemos citar que, quando perguntaram a Anastácio Somoza se ele não tinha vergonha de possuir não sei quantas fazendas em um país onde era o ditador, respondeu que tinha uma única fazenda: a Nicarágua. Quanto a Cuba, até a Revolução Castrista (que também foi genocida) fora transformada pelo sargento, ladrão de fato e aliado dos EUA Fulgêncio Batista em um território de drogas e prostituição, onde americanos mais ricos da Flórida iam nos finais de semana apenas para satisfazerem seus instintos carnais. Já Leónidas Trujillo saqueou totalmente as finanças da República Dominicana, deixando o país como um dos mais pobres da América Central e Caribe, sempre sob a complacência dos EUA. O peruano Alberto Fujimori, além de fechar o Congresso, foi condenado a dezenas de anos de prisão por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e violações dos direitos humanos, e até hoje cumpre pena. O guatemalteco Efraín Ríos Montt foi um importante aliado dos EUA no extermínio de etnias indígenas que representavam uma ameaça aos interesses corporativos dos americanos em seu país.

Há outros exemplos que podemos aqui mencionar, mas o cerne da questão é o ditador panamenho Manuel Noriega. Produto, segundo os próprios EUA, da Guerra Fria, o general Noriega ascendeu ao poder em 1983, quando já havia sido assinado o Tratado de Torrijos-Carter, no qual o então governo dos EUA devolveu o controle do Canal do Panamá - ao menos de direito - às autoridades panamenhas. Posto na lista de empregados da CIA como virtual espião nas Américas Central e do Sul e pago com o dinheiro dos contribuintes americanos, não se contentou com tamanhas vantagens, e durante todo o tempo em que esteve à frente do país praticou dezenas de crimes, como corrupção, lavagem de dinheiro, extorsão, sequestro, e, principalmente, tráfico de drogas, que tinham como principal destino final os EUA.

O governo Reagan - com George Bush pai como vice-presidente - sabia e fez vista grossa ao fato de que seu país estava sendo alvo do tráfico de drogas promovido por Noriega, eis que ele, no seu imaginário, representava um importante aliado na luta contra o marxismo no nível continental. Luta essa que se externava no controle do canal, disputado entre o Ocidente, capitalista, e o Oriente, marxista.

Mas Noriega não tinha ideologia, e sim sede de poder e de dinheiro. Por isso, embora houvesse, sim, uma luta pelo canal, tal foi o estopim para que Noriega começasse a flertar com serviços de inteligência estrangeiros, muitos deles inimigos dos EUA. Quando dita situação chegou ao limite, Bush pai, já presidente dos EUA e usando como pretexto o tráfico de drogas para o seu país, maior mercado consumidor do mundo (como se ele não tivesse sido cúmplice quando vice-presidente), ordenou a invasão do Panamá em 1989, rasgando o tratado de Torrijos-Carter e retomando, de fato, o controle do canal, numa operação genocida que custou as vidas de cerca de 04 mil panamenhos inocentes. Noriega foi preso pelos americanos e julgado numa corte federal da Flórida, sendo condenado a 40 anos de prisão.

Agora, imaginem esse fictício diálogo entre Noriega e o soldado que o prendeu quando da invasão:

Soldado, gritando - "Nem soviéticos, nem chineses e nem árabes. Ninguém colocará os pés neste canal senão os EUA, entende, ‘Mister’ Noriega? E o senhor está preso por traficar drogas para os EUA".

Noriega, respondendo - "Traficar drogas para os EUA, eu? Com a vossa concordância, meus caros...com a vossa concordância”.

Uma coisa eu vos digo: que o destino abençoe e salve o Brasil e nossos irmãos hispano-americanos.