LIBERDADE PROVISÓRIA EM CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente artigo tem por meta a realização de estudo acerca das divergências que permeiam o art. 44 da Lei 11.343/06 (Lei de Tóxicos), que vedou a concessão de liberdade provisória aos acusados de perpetrarem os delitos tipificados (no art. 33, caput, e § 1º e art.34 a 37), a fim de constatar se a vedação contida em tal dispositivo legal se adequou às exigências materiais da Constituição Federal.

Tal tema traz à tona a indagação sobre em que medida o sacrifício à liberdade individual deve ceder lugar à persecutio criminis estatal que, em última análise, visa resguardar o interesse social, garantia da ordem pública, e acautelar, dessa maneira, toda uma sociedade, já que tais delitos produzem no meio social sensação de insegurança e o próprio descrédito da justiça.   

Ademais, o comércio ilícito de substâncias entorpecentes cresce sobremaneira, trazendo consigo diversos problemas sociais e contribuindo para o aumento da criminalidade, porquanto se entende o tráfico de drogas fomenta a maioria dos crimes violentes que causam temor no meio social.

Diante de tal contexto, entrou em vigor a Lei 11.343/06, que trata especificamente da matéria em testilha, pretendendo dar tratamento mais rigoroso aos delitos nela tipificados.

A entrada em vigência de tal diploma legal provocou discussão acerca da aplicabilidade do art. 44, que, de forma expressa, vedou fosse concedida liberdade provisória aos crimes capitulados nos artes. 33/34 e 37 do mesmo diploma.

Nossos tribunais, e também a doutrina, divergem acerca da aplicabilidade do citado artigo da Lei de Drogas, sendo que, por um lado, há os que alegam ser inconstitucional o dispositivo legal em voga, porquanto tal vedação atentaria contra princípios constitucionais expressos, mormente o da presunção de inocência, havendo também os que sustentam a tese contrária, da constitucionalidade, vez que nenhum direito fundamental seria absoluto, pois a própria Constituição Federal trata de impor-lhes limites.

Utilizar-se-á como metodologia a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, sendo que este artigo será elaborado com base em livros, decisões dos Tribunais Superiores e, também, artigos publicados na internet.

Ao final, pretende-se responder à indagação acerca da pretensa (in) constitucionalidade do mencionado dispositivo da Lei de Tóxicos, face aos princípios constitucionais que visam tutelar os direitos e garantias individuais.

 

ASPECTOS GERAIS

 

Antes das alterações promovidas pela Lei 11.464/07, em sua redação original, a Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos e Equiparados) vedava expressamente fosse concedida tanto a fiança quanto a liberdade provisória, nos seguintes termos:

 

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I – (...)

II – fiança e liberdade provisória (grifei).

 

Sem embargo, seguindo entendimento jurisprudencial majoritário, o Supremo Tribunal Federal entendia pela inadmissibilidade da concessão de liberdade provisória aos agentes acusados de terem perpetrado crime hediondo ou equiparado, com supedâneo no dispositivo legal supratranscrito, vejamos:

 

(...) Não se admite liberdade provisória nos processos por crimes de tráfico de entorpecentes (inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal e art. 2º da Lei nº 8.072/90). Habeas corpus conhecido em parte e, nessa parte, indeferido (...). (HC nº 89068, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, DJ de 23.02.2007).

“(...) Não se admite liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por homicídio qualificado, tido por crime hediondo (...) (HC nº 86118, Relator Min. CEZAR PELUSO, Primeira Turma, DJ de 14.10.2005).

 

Em meados de 2006 o legislador ordinário editou a Lei 11.343/06, intentando colocar freios ao aumento do índice de criminalidade, porquanto se entende como pano de fundo para a maioria dos crimes violentos que assolam a população exatamente o tráfico de drogas.

Com o advento do indigitado diploma normativo e da Lei 11.464/07 a discussão acirrou-se, agora, questionando-se a vigência da norma que serve de supedâneo à vedação peremptória de liberdade provisória referentemente aos crimes de tráfico de substâncias estupefacientes.

Como é cediço, a Lei 11.343/06, ao disciplinar tais crimes, veda em seu art. 44, de forma expressa, a concessão de liberdade provisória.

Ocorre que, a Lei 11.464/07, posterior como se percebe, inovou, dando nova redação ao inciso II do artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos e Equiparados e suprimiu deste dispositivo legal a norma que vedava a liberdade provisória, assim dispondo:

 

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I – (...)

II - fiança.

 

Buscando conciliar tal conflito de regras, pois na hipótese vertente, aparentemente, duas leis pretendem regular as mesmas situações, a Lei 11.343/06, vedando a concessão de liberdade provisória, e a Lei 11.464/07, suprimindo tal obstáculo presente na Lei de Crimes Hediondos e Equiparados (dentre eles o tráfico de drogas), a doutrina aponta alguns critérios, quais sejam, o da especialidade, o da hierarquia e o cronológico (cf. Fernando Capez, Curso de Direito Penal, vol. I).

O professor Marcos Antônio Ferreira, discorrendo sobre o assunto pontua que:

 

(...) Nos casos de tensão aparente ou real, entre regras legais, a adoção do critério “tudo ou nada”, preconizado por Dworkin, pode ser resolvida pela aplicação do critério cronológico, pelo qual entre duas normas inconciliáveis, deve prevalecer a norma posterior: lex posterior derogat priori (lat.). Critério já proposto por Maximiliano (2010), na segunda década do século passado e positivado na Lei de Introdução do Código Civil de 1916, Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, artigo 2º, parágrafo 1º: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. (BRASIL, 1942). A antinomia entre regras pode ser solvida ainda pelo critério hierárquico, no qual a lei de hierarquia superior prevalece quando confrontada com aquela que lhe é hierarquicamente inferior, como expresso no brocardo latino lex superior derogat inferiori (lat). A solução da antinomia entre regras pode resolver-se também pelo critério da especialidade, quando a lei especial prevalece e derroga a geral: Lex specialis derogat generali (lat). (FERREIRA, 2011, p. 75.).

 

Pelo critério cronológico, a Lei de Tóxicos, porquanto anterior às alterações promovidas pela Lei 11.464/07, teria sido derrogada por esta, no que tange à vedação à concessão de liberdade provisória.

A seu turno, pelo critério da especialidade, por tratar especificamente dos delitos de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, a Lei de Drogas não teria sofrido nenhuma modificação pelo indigitado diploma legal alterador.

Ademais, o art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas Do Direito Brasileiro assim dispõe:

 

Art. 2.º (...)

§ 2.º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

 

Portanto, este passou a ser o contexto jurídico-normativo em que está inserido o tema objeto do presente trabalho.

 

 

TESES ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO À CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA

 

O tráfico ilícito de substâncias estupefacientes repercute de maneira danosa no seio comunitário, desencadeando, uma sensação de intranquilidade e um clima de violência que assola toda a sociedade, sendo que, nesta ordem de ideias, estaria presente, portanto, a necessidade de se resguardar a ordem pública.

De se observar que, na arguta lição de Mirabete:

 

(...) o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à prática delituosa. (Mirabete, 2002, p. 803).

 

Por conseguinte, a restrição à liberdade ambulatorial do agente na realidade constituiria imolação individual em prol do resguardo da ordem e da segurança que devem pairar no seio comunitário.

Destarte, conquanto a segregação cautelar seja uma medida extrema, certo é que, em determinadas situações, como a que estamos a tratar, a ordem pública deveria prevalecer sobre o direito de ir e vir, já que a periculosidade e a lesividade social dos que praticam o delito em voga salta aos olhos, porquanto aparentemente fomentadora de tantos outros crimes. 

Nesta ordem de ideias, o legislador pátrio, ante a sensação de impunidade e insegurança que impera no seio da sociedade, ao vedar fosse concedido benefício como o da liberdade provisória teria optado por tratar de forma mais incisiva os agentes sobre os quais recaia a imputação de perpetrar o comércio ilícito de substâncias estupefacientes, numa nítida opção de preterir o direito à liberdade individual em prol do resguardo da ordem pública, da segurança pública, bem este que entendeu ele que na hipótese vertente deveria prevalecer, na medida em que, com tal proceder, estar-se-ia impedindo a ocorrência de novos delitos e acautelando o meio social.

Ademais, o inciso LXVI, do art. 5º, da CF, ao dispor que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança, teria franqueado ao legislador a possibilidade vedar a concessão de liberdade provisória nas hipóteses que entenda ele ser oportuno.

 Não é outro o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, para quem:

 

(...) Para a Constituição da República, a prisão em flagrante seria espécie de prisão processual, ficando, de regra, reservada à legislação ordinária definir se admite, ou não, a liberdade provisória. Pode não admiti-la pelo menos de duas formas: a) dizendo expressamente que o delito não permite a liberdade provisória; ou b) dispondo que o crime é inafiançável, vale dizer, vedando-se a oposição da contracautela da fiança. Se a admite, pode a liberdade provisória dar-se: a) com o pagamento de fiança (delitos afiançáveis); ou b) sem a necessidade daquela contracautela, ou seja, nas hipóteses em que a fiança não é exigida (delitos em que a pessoa se livra solto, por exemplo, ou de dispensa da fiança). Nesse sentido, foi bastante incisivo o art. 5º, inc. LXVI, da Constituição da República, ao estabelecer que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a Lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 5º Inc. LXVI). Ao dizer ‘quando a Lei admitir’, evidencia-se, de forma clara, que – embora sujeita à observância do que o eminente Ministro Celso de Mello denomina ‘padrões mínimos de razoabilidade’ – pode a legislação ordinária não admitir a liberdade provisória em algumas situações. [...] Há, no entanto, ao lado das normas gerais, segundo as quais cabe à legislação ordinária definir sobre a admissão, ou não, da liberdade provisória, e se esta será concedida com ou sem fiança (Constituição da República, art. 5º, inc. LXVI), normas constitucionais específicas, que estabelecem verdadeiros limites materiais à legislação ordinária. A primeira dessas normas especiais é aquela que considerou inafiançáveis – desde logo – a ‘prática do racismo’ (art. 5º, inc. XLII) e a ‘ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático’ (art. 5º, inc. XLIV). Outra norma especial está no art. 5º, inc. XLIII, da Constituição da República, que, estabelecendo limites materiais à legislação ordinária, determinou que esta considerasse crimes inafiançáveis ‘a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os delifinidos como crimes hediondos’ (art., 5º, XLIII). [...] Por isso mesmo, é absolutamente irrelevante a existência, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão do Paciente. Não se trata, aqui, de prisão preventiva, esta, sim, a exigir, conforme os precedentes invocados pelos impetrantes, a presença de fundamentação cautelar idônea, mesmo quando se refere à suposta prática de crime hediondo ou equiparação. Cuida-se, diversamente, de prisão em flagrante por tráfico de drogas, caso em que, da proibição de liberdade provisória – decorrente, assinale-se mais uma vez, da inafiançabilidade imposta pela Constituição (art. 5º, inc. XLIII) e disciplinada pela legislação ordinária (...) (HC 93302, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 08.05.2008). (grifei).

 

Oportuno colacionar, também, notícia veiculada no site do STF, oportunidade em que o Ministro Marco Aurélio entendeu não caber liberdade provisória à pessoa acusada pela prática do delito de tráfico de drogas, notando a compatibilidade do texto da Constituição Federal de 1988 com a vedação contida no dispositivo legal em testilha (art. 44 da Lei 11.343/06):

 

 (...) Em sua decisão, entretanto, o ministro Marco Aurélio relata ter verificado, em consulta ao site do TJ-MG que W.A.G. foi preso em flagrante e que o procedimento relacionado ao auto de prisão em flagrante ainda está em processamento e dele não ainda consta o oferecimento e o recebimento de denúncia. “Para o HC mostrar-se adequado, suficiente é que se aponte, na inicial, a prática de ato à margem da ordem jurídica a alcançar, direta ou indiretamente, a liberdade de ir e vir do cidadão”, observa o ministro, constatando que esse suposto ato ilegal não é demonstrado no HC. O ministro contestou, também, a informação sobre a quantidade da droga apreendida. Segundo ele, do auto de prisão em flagrante consta que uma pessoa flagrada pela polícia com cocaína apontou o bar de W.A.G. como local em que adquirira a droga. E lá, ainda conforme o referido auto, foram encontrados pela polícia “uma bucha de maconha, uma peteca de cocaína, um saquinho com substância semelhante a bicarbonato de sódio, possivelmente para ser misturado em cocaína, e alguns saquinhos plásticos, todos cortados do mesmo tamanho, próprios para embalar drogas”. Por fim, quanto ao argumento da defesa de incompatibilidade do artigo 44 da Lei 11.343/06 (vedação de liberdade provisória para traficante) com a Constituição Federal (CF), o ministro Marco Aurélio observou que os incisos LXI , LXV e LXVI do artigo 5º da CF preveem, respectivamente, a prisão em flagrante, o relaxamento apenas da prisão ilegal e a competência do legislador para disciplinar a manutenção, ou não da custódia (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”). Portanto, segundo ele, “ao vedar a liberdade provisória nos casos de prisão em flagrante por tráfico, o artigo 44 da Lei 11.343/2006 encerra política normativo-penal definida pelos representantes do povo brasileiro – os deputados federais – e pelos representantes dos Estados – os senadores da República”. (disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=173551&tip=UN, acessado em 11.03.2011). (grifei).

 

 

Quanto à alteração promovida pela Lei 11.464/07 na Lei de Crimes Hediondos e equiparados, instada a se manifestar acerca da possível derrogação sofrida pela Lei de Tóxicos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a vertente meramente infraconstitucional, analisando somente os critérios de solução de conflito aparente de regras, firmou entendimento no sentido de que a Lei 11.343/06, posto que anterior ao supracitado diploma alterador, Lei 11.464/07, é especial em relação ao mesmo, e por isso, pelo princípio da especialidade, não teria aquela (Lei de Tóxicos) sofrido qualquer alteração.

Neste sentido, o seguinte excerto:

 

(...) A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90 atendeu o comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão 'e liberdade provisória' do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual: a proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos. 3. A Lei n. 11.464/07 não poderia alcançar o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava de lei especial (Lei n. 11.343/06, art. 44, caput), aplicável ao caso vertente. 4. Irrelevância da existência, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão em flagrante por crimes hediondos ou equiparados: Precedentes. 5. Ao contrário do que se afirma na petição inicial, a custódia cautelar da Paciente foi mantida com fundamento em outros elementos concretos, que apontam a participação da Paciente em organização criminosa voltada para o tráfico de entorpecente e a quantidade de droga apreendida como circunstâncias suficientes para a manutenção da prisão processual. Precedentes. 6. Os fatos que deram ensejo à não aplicação da causa de diminuição de pena prevista na Lei de Tóxicos são hígidos e suficientes para atestar a dedicação do Paciente às atividades criminosas (...). (HC nº 109236, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 14-02-2012). (grifei).

 

Impende frisar, ainda, que o principal argumento esposado pelos que entendem pela legitimidade da vedação contida no dispositivo legal sub examinem não se restringe ao aspecto meramente infraconstitucional, de conflito de leis no tempo, mas sim de uma análise macro, partindo da premissa de que a própria Lei Maior disciplinou o tema e o fez sob aspecto da íntima correlação entre os institutos da fiança, com a consequente inafiançabilidade de determinados delitos, os quais o constituinte originário pretendeu impor um maior rigor, e da liberdade provisória.

Releva pontuar que o crucial da questão, consoante entendimento prevalente no âmbito da 1ª Turma do STF, cinge-se ao enfoque de que inciso XLIII do art. 5º da CF, ao dispor que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos (...)”, partindo do pressuposto da inafiançabilidade dos citados delitos, leva necessariamente à vedação de concessão de liberdade provisória.

Neste sentido:

 

(...) Se o crime é inafiançável e preso o acusado em flagrante, o instituto da liberdade provisória não tem como operar. O inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/90, quando impedia a "fiança e a liberdade provisória", de certa forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso XLIII do art. 5º da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Redundância que foi reparada pelo art. 1º da Lei nº 11.464/07, ao retirar o excesso verbal e manter, tão somente, a vedação do instituto da fiança. Manutenção da jurisprudência desta Primeira Turma, no sentido de que "a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: [...] seria ilógico que, vedada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança" (HC 83.468, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). 4. Acresce que atualmente o paciente se acha condenado pelos delitos de tráfico de entorpecentes, lavagem de dinheiro e posse irregular de arma de fogo. O que, na linha da firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inviabiliza a concessão da pretendida liberdade provisória, pois não há sentido lógico permitir que o réu, preso em flagrante delito e encarcerado durante toda a instrução criminal, possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória, se mantidos os motivos da custódia cautelar. 5. Ordem denegada (...) (HC nº 98464, Relator: Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, DJe de 03.12.2009). (grifei).

 

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE POR TRÁFICODE DROGAS. LIBERDADE PROVISÓRIA: INADMISSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Aproibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90 atendeu ao comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão ‘e liberdade provisória’ do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual. A proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos. 2. ALei n. 11.464/07 não poderia alcançar o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava de lei especial (Lei n. 11.343/06, art. 44, caput), aplicável à espécie vertente. 3. Irrelevância da existência, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão em flagrante por crimes hediondos ou equiparados: Precedentes. 4. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Paciente, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar. Precedentes. 5. Ordem denegada. (HC 103715, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 24-03-2011).

 

A jurisprudência da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça não diverge do entendimento adotado pelo Pretório Excelso:

 

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. NARCOTRAFICÂNCIA. PRISÃOEM FLAGRANTE DELITO EM30.06.09. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO LEGAL. NORMA ESPECIAL. LEI 11.343/06. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA, NO ENTANTO. 1.   A vedação de concessão de liberdade provisória, na hipótese de acusados da prática de tráfico ilícito de entorpecentes, encontra amparo no art. 44 da Lei 11.343/06 (nova Lei de Tóxicos), que é norma especial em relação ao parágrafo único do art. 310 do CPP e à Lei de Crimes Hediondos, com a nova redação dada pela Lei 11.464/07. 2.   Referida vedação legal é, portanto, razão idônea e suficiente para o indeferimento da benesse, de sorte que prescinde de maiores digressões a decisão que indefere o pedido de liberdade provisória, nestes casos. 3.   Ademais, no caso concreto, presentes indícios veementes de autoria e provada a materialidade do delito, a manutenção da prisão cautelar encontra-se plenamente justificada na garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade e natureza de entorpecente apreendido (0,49 gramasde maconha,5,09 gramasde crack e0,16 gramasde cocaína), a indicar a periculosidade do acusado. 4.   Ordem denegada, não obstante o parecer ministerial em contrário. (STJ - HC 144738 / MG, QUINTA TURMA, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 15/03/2010).

 

RECURSO ORDINÁRIOEM HABEAS CORPUS. CRIMEDE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NEGATIVA DE AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DE PROVAS. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO EXPRESSA CONTIDA NA LEI N.º 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E SUFICIENTE PARA JUSTIFICAR O INDEFERIMENTO DO PLEITO.  PRECEDENTES DESTA QUINTA TURMA E DE AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.1. A alegação concernente à negativa de autoria depende do reexame da matéria fático-probatória, sendo imprópria sua análise em sede de habeas corpus. Precedentes. 2. Não se descura o que o Plenário Virtual da Corte Suprema reconheceu a existência de repercussão geral da questão suscitada no Recurso Extraordinário n.º 601.384/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – no qual se discute a validade da cláusula proibitiva de liberdade provisória aos acusados do crime de tráfico de drogas, prevista no art. 44 da Lei n.º 11.343/2006. 3. Entretanto, a matéria em análise no referido Recurso Extraordinário ainda não teve o mérito debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, prevalecendo, na jurisprudência dos Tribunais Pátrios, o entendimento de que a vedação expressa do benefício da liberdade provisória aos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes é, por si só, motivo suficiente para impedir a concessão da benesse ao réu preso em flagrante por crime hediondo ou equiparado, nos termos do disposto no art. 5.º, inciso LXVI, da Constituição Federal, que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais. 4. Recurso desprovido. (STJ - RHC 27001 / MG, QUINTA TURMA, Ministra LAURITA VAZ, DJe 08/03/2010).

 

Enfim, analisando-se os julgados acima colacionados, para a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a vedação à concessão de liberdade provisória contida no art. 44 da Lei de Tóxicos nada mais é que um efeito decorrente da inafiançabilidade dos delitos de tráfico de drogas, consagrado no inciso XLIII, do art. 5º, da Constituição Federal, entendimento este que se coaduna com o posicionamento adotado no âmbito da 5ª Turma do Colendo STJ.

Portanto, além de haver tal vedação na própria CF, há também a possibilidade de o legislador ordinário tratar de forma mais severa os delitos que entenda ele ser de maior gravidade, com repercussões ainda mais negativas no meio social, vedando aos agentes acusados de tê-los praticado benefícios como o da liberdade provisória.

 

 

TESES ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO À CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA

 

Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança em sua pessoa (art. 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão)”.

 

Conforme mencionado linhas atrás, nosso legislador ordinário pressionado pelas exigências da mídia a adotar postura legislativa apta a conter o avanço da criminalidade violenta que atemorizava, e ainda atemoriza a população, editou a Lei de Tóxicos, vedando aos acusados de cometerem determinados delitos nela tipificados benefícios como o da liberdade provisória.

Ocorre que, o direito de ir e vir consagrado em qualquer constituição de Estado que pretenda intitular-se democrático de direito é impostergável. “(...) Logo, qualquer restrição a essa liberdade é inteiramente excepcional. Quando a autoridade pública restringe a liberdade de alguém (com a prisão preventiva, por exemplo), ou permite que tal restrição prossiga (com a mantença da prisão em flagrante), urge que diga por quê. O detido tem direito de ser esclarecido dos motivos de sua custódia (...)”. (MIRABETE, 2002, p. 490).

Atentos a tais fatos, os mais garantistas, em posicionamento capitaneado pela 2ª Turma do STF, adotam entendimento mais favorável quanto à concessão de liberdade provisória, na medida em que entendem serem inconstitucionais os dispositivos legais que vedam a concessão de tal benefício, assim teríamos o seguinte contexto jurídico-normativo:

De acordo com nosso ordenamento jurídico, principalmente depois da reforma processual penal promovida pela Lei 12.403/11, a liberdade do agente é, indiscutivelmente, a regra, afigurando-se como exceção sua segregação cautelar, sendo que esta somente deverá ser imposta como ultima ratio, quando presentes os fundamentos de natureza cautelar.

Para tal corrente jurisprudencial, afigura-se imprescindível a compreensão da importância do tema em voga, porquanto o agente, ao ser preso em flagrante pela prática dos delitos elencados no art. 44 da Lei 11.343/06, estaria irremediavelmente fadado ao cumprimento antecipado de uma futura e pretensa pena que lhe seria impingida, maculando, com isso, o núcleo essencial do princípio da presunção de inocência e, em última instância, a própria dignidade da pessoa humana.

Mendes pontua que:

 

(...) Não se pode conceber como compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência qualquer antecipação de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundada em legítimas razões jurídicas e em fatos concretos individualizáveis com relação à pessoa do formalmente acusado. Aplicação de sanção antecipada não se compadece com a ausência de decisão condenatória transitada em julgado. Outros fundamentos existem para se autorizar a prisão cautelar (art. 312 do Código de Processo Penal), no entanto, o cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir um castigo àquele que não conta sequer com uma condenação definitiva contra si. Uma execução antecipada em matéria penal configuraria grave atentado contra a própria ideia de dignidade humana. Se se entender, como já enfaticamente destacado, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há como compatibilizar semelhante ideia com a execução penal antecipada. Feitas essas considerações, parece-me que o recolhimento à prisão, quando não há uma definitiva sentença condenatória, determinada por lei, sem qualquer necessidade de fundamentação, afronta, a um só tempo, os postulados da presunção de inocência, da dignidade humana e da proporcionalidade. Justamente porque não se trata de uma custódia cautelar, tal como prevista no art. 312, do Código de Processo Penal, que pode efetivar-se a qualquer tempo, desde que presentes os motivos dela ensejadores, o recolhimento à prisão por força legal afigura-se-me uma antecipação da pena não autorizada pelo texto constitucional (...) (MENDES, Gilmar; MÁRTIRES, Inocêncio; BRANCO, Paulo. 2008 p.637) (grifei).

 

Não é outra a visão de Tourinho Filho, para quem:

 

Todos sabem o perigo que representa o encarceramento do cidadão antes de ter sido culpado. E se vier a ser absolvido? Se o for, decerto o Estado não tinha nenhuma pretensão punitiva, e, se não havia pretensão, a que título ficou ele preso? Quem lhe indenizaria os prejuízos? Quem lhe devolveria o tempo perdido? (TOURINHO FILHO, 2009, p. 490).

 

 

A ilustrar o exposto, trago à tona o seguinte julgado do Pretório Excelso:

 

E M E N T A: “HABEAS CORPUS” - CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL –

 SUBSISTÊNCIA, MESMO ASSIM, DA PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII) - RECONHECIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - SENTENÇA QUE MANTÉM A PRISÃO DO CONDENADO - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - LEI DE DROGAS (ART. 44) - PRISÃO CAUTELAR “EX LEGE” - INADMISSIBILIDADE (HC 100.742/SC, REL. MIN. CELSO DE MELLO) – EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA - IMPOSSIBILIDADE - DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR - POSSIBILIDADE, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS MENCIONADOS NO ART. 312 DO CPP - NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA, EM CADA CASO, DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE - INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO - IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITO DE CONTROLE DE LEGALIDADE DA DECISÃO QUE MANTÉM A PRISÃO CAUTELAR, DE EVENTUAL REFORÇO DE ARGUMENTAÇÃO ACRESCIDO PELAS INSTÂNCIAS SUPERIORES - PRECEDENTES - “HABEAS CORPUS” DEFERIDO. PRISÃO CAUTELAR - CARÁTER EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. - A questão da descredibilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Doutrina. Precedentes. A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão cautelar não pode - nem deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. INADMISSIBILIDADE DO REFORÇO DE FUNDAMENTAÇÃO, PELAS INSTÂNCIAS SUPERIORES, DO DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR. A legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores. Precedentes. A motivação há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta (ou que mantém) o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas “a posteriori”. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA E O POSTULADO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. - O Supremo Tribunal Federal não reconhece a possibilidade constitucional de execução provisória da pena, por entender que orientação em sentido diverso transgride, de modo frontal, a presunção constitucional de inocência. Precedentes.  (HC 103583, Relatora: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 29-09-2011). (grifei).

 

O que se observa, consoante tal corrente, é que o encarceramento compulsório, mormente em se tratando da Lei de Tóxicos, subtrai ao imputado a garantia mínima de ter em favor de si uma presunção de não-culpabilidade, presunção esta que somente poderia ser ilidida com o advento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Mais uma vez trago à colação os ensinamentos de Tourinho Filho, senão vejamos:

 

“(...) se toda e qualquer prisão provisória descansa, inquestionavelmente, na necessidade, a proibição de liberdade provisória (...) mesmo ausente os motivos para a decretação da prisão preventiva, é um verdadeiro não-senso e violenta o princípio constitucional da presunção de inocência. Por outro lado, uma leitura de todo aquele diploma legal mostra, à evidência, que os responsáveis pela sua elaboração estavam despreparados. (TOURINHO FILHO, 2009, p. 491).

 

No mesmo sentido, Nucci:

 

“(...) não há sentido algum para a proibição em abstrato e padronizada, da liberdade provisória. Afinal, todo sistema processual penal, no tocante à prisão cautelar, atualmente, gravita em torno da necessidade e indisponibilidade da segregação processual, exigindo-se os requisitos da prisão preventiva para tanto. As últimas reformas do código de processo penal deixaram bem clara essa posição. Além disso cuida-se de privilegiar o princípio constitucional da presunção de inocência, não se permitindo a prisão cautelar a bel-prazer, sem necessidade, calcando-se em preceito legal simplista e generalizante. Não se pode fundar a proibição de liberdade provisória em elementos abstratos, tal como a singela tipificação em crimes de tráfico de drogas; é indispensável haver mais que isso, demonstrando-se a real exigência da segregação antes de formada a culpa (...)”. (NUCCI, 2010, p. 394).

 

Ademais, tal vedação em abstrato não passaria pelo filtro da proporcionalidade, porquanto impõe a privação em toda e qualquer hipótese, sendo que não se deve decretar prisão sem que haja sua real necessidade de efetivação.

Destarte, por intermédio do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, almeja-se perquirir se a preterição de um direito fundamental, em face de outros de igual status, é justificável ante as vantagens a serem obtidas.

Os que apregoam a validade da restrição à concessão de liberdade provisória na hipótese vertente, dentre outros motivos invocados, sustentam, principalmente, que o tráfico de substâncias estupefacientes é “pano de fundo para a maioria dos crimes violentos que assolam a população”, gerando, consequentemente, sensação de insegurança e clima de intranquilidade, motivo pelo qual os agentes sobre os quais recaiam a imputação de tê-lo perpetrado mereceriam permanecer enclausurados. Dentro desta ordem de ideais, a liberdade ambulatorial ao ser sopesada com segurança e tranquilidade que devem pairar no seio da coletividade, em um jogo de pesos e contrapesos, deveria ceder passo em prol de um bem maior.

Ocorre que, tal tese não merece prosperar, porquanto como cediço, os “grandes” traficantes, mesmo encarcerados, continuam a “comandar” o tráfico de drogas.  Logo, tal vedação em abstrato à concessão de liberdade provisória acabaria por restringir um direito fundamental, a liberdade ambulatorial, de forma generalizada sem em contrapartida privilegiar o bem que deveria ou se queria que prevalecesse.

Em última análise, ao cabo, visa o princípio da proporcionalidade criar um núcleo de proteção em torno dos direitos fundamentais conferidos constitucionalmente, protegendo-os de toda e qualquer arbitrariedade estatal, e não o contrário, deixando-os à mercê dos interesses políticos dominantes, numa pretensa vontade legislativa de atender ao clamor social, “almejando”, a qualquer custo espancar o aumento vertiginoso da criminalidade em nosso país.

Quanto a este ponto mister trazer à baila decisão proferida em sede de Habeas corpus pelo STF:

 

(...) Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público. Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade. Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros). Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e  institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal. Igual objeção pode ser oposta ao E. Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento, fundado em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) - no sentido de que “(...) a vedação imposta pelo art. 2º, II, da Lei 8.072/90 é (...) fundamento idôneo para a não concessão da liberdade provisória nos casos de crimes hediondos ou a ele equiparados, dispensando, dessa forma, o exame dos pressupostos de que trata o art. 312 do CPP” (fls. 257 - grifei) -, constitui, por ser destituído de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual. (HC 96715-MC/SP, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Quinta Turma, DJE de 03/02/2009). (grifei).

 

Por fim, cumpre frisar que a simples referência à gravidade em abstrato do delito e a vedação legal de concessão do benefício da liberdade provisória não são motivos bastantes para a segregação compulsória do inculpado, há de se observar em primeiro lugar se estão presentes, no caso concreto, os requisitos para a decretação de prisão preventiva, elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, caso contrário, a liberdade é medida que se impõe.

Assim, primeiramente, hão de serem consideradas as consequências negativas que o cerceamento da liberdade poderá provocar na vida do indivíduo e se tal medida realmente afigura-se necessária, não é outro o entendimento esposado pela 2ª Turma do STF, senão vejamos:

 

(...) Em tema de prisão cautelar, a garantia da fundamentação importa o dever judicante da real ou efetiva demonstração de que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Pelo que a vedação legal à concessão da liberdade provisória, mesmo em caso de crimes hediondos (ou equiparados), opera uma patente inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 2. A mera alusão à gravidade do delito ou a expressões de simples apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar; sendo certo que a proibição abstrata de liberdade provisória também se mostra incompatível com tal presunção constitucional de não-culpabilidade. 3. Não se pode perder de vista o caráter individual dos direitos subjetivo-constitucionais em matéria penal. E como o indivíduo é sempre uma realidade única ou insimilar, irrepetível mesmo na sua condição de microcosmo ou de um universo à parte, todo instituto de direito penal que se lhe aplique – pena, prisão, progressão de regime penitenciário, liberdade provisória, conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos – há de exibir o timbre da personalização. Tudo tem que ser personalizado na concreta aplicação do direito constitucional-penal, porque a própria Constituição é que se deseja assim orteguianamente aplicada. 4. O flagrante há de incidir por modo coerente com o seu próprio nome: situação de ardência ou calor da ação penalmente vedada. Ardência ou calor que se dissipa com a prisão de quem lhe deu causa. Não é algo destinado a vigorar para além do aprisionamento físico do agente, mas, ao contrário, algo que instantaneamente se esvai como específico efeito desse trancafiamento; ou seja, a prisão em flagrante é ao mesmo tempo a conseqüência e o dobre de sinos da própria ardência (flagrância) da ação descrita como crime. A continuidade desse tipo de custódia passa a exigir fundamentação judicial. 5. O fato em si da inafiançabilidade dos crimes hediondos e dos que lhe sejam equiparados parece não ter a antecipada força de impedir a concessão judicial da liberdade provisória, conforme abstratamente estabelecido no art. 44 da Lei 11.343/2006, jungido que está o juiz à imprescindibilidade do princípio tácito ou implícito da individualização da prisão (não somente da pena). Pelo que a inafiançabilidade da prisão, mesmo em flagrante (inciso XLIII do art. 5º da CF), quer apenas significar que a lei infraconstitucional não pode prever como condição suficiente para a concessão da liberdade provisória o mero pagamento de uma fiança. A prisão em flagrante não pré-exclui o benefício da liberdade provisória, mas, tão-só, a fiança como ferramenta da sua obtenção (dela, liberdade provisória). Se é vedado levar à prisão ou nela manter alguém legalmente beneficiado com a cláusula da afiançabilidade, a recíproca não é verdadeira: a inafiançabilidade de um crime não implica, necessariamente, vedação do benefício à liberdade provisória, mas apenas sua obtenção pelo simples dispêndio de recursos financeiros ou bens materiais. Tudo vai depender da concreta aferição judicial da periculosidade do agente, atento o juiz aos vetores do art. 312 do Código de Processo Penal. 6. Nem a inafiançabilidade exclui a liberdade provisória nem o flagrante pré-exclui a necessidade de fundamentação judicial para a continuidade da prisão. Pelo que, nada obstante a maior severidade da Constituição para com os delitos em causa, tal resposta normativa de maior rigor penal não tem a força de minimizar e muito menos excluir a participação verdadeiramente central do Poder Judiciário em tema de privação da liberdade corporal do indivíduo. Em suma: a liberdade de locomoção do ser humano é bem jurídico tão superlativamente prestigiado pela Constituição que até mesmo a prisão em flagrante delito há de ser imediatamente comunicada ao juiz para decidir tanto sobre a regularidade do respectivo auto quanto a respeito da necessidade da sua prossecução. Para o que disporá das hipóteses de incidência do art. 312 do CPP, nelas embutido o bem jurídico da Ordem Pública, um dos explícitos fins dessa tão genuína quanto essencial atividade estatal que atende pelo nome de Segurança Pública (art. 144 da CF/88) (...). (HC 108134, Relator: Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, DJE de 21-03-2012). (grifei).

 

Tal posição encontra eco no âmbito da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

 

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃOEM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA.INDEFERIMENTO ANTE A VEDAÇÃO LEGAL E A GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. FUGA DO PACIENTE. ANÁLISE DA LEGALIDADE DA PRISÃO. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.1. Aprisão processual é medida odiosa, cabível apenas quando imprescindível para a escorreita prestação jurisdicional, ou seja, quando presente alguma das hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal. Por força do parágrafo único do art. 310 do mesmo diploma legal, tal disposição estende-se - evidentemente - à prisãoem flagrante. Incasu, nota-se a ausência de fundamentação concreta para a incidência da medida excepcional.2. ALei n.º 11.464/07 possibilitou, ao alterar o artigo 2º, II, da Lei n.º 8.072/90, a concessão da liberdade provisória em face dos delitos tidos por hediondos ou equiparados, não incidindo, assim, o óbice previsto no artigo 44 da Lei n.º 11.343/06.3. Afuga do paciente não obsta a análise do decisum que indeferiu a liberdade provisória. 4. Ordem concedida a fim de permitir ao paciente que aguarde o trânsito em julgado da ação penal em liberdade, se por outro motivo não estiver preso, mediante o compromisso de comparecimento a todos os atos do processo a que for chamado, sob pena de revogação da medida.  (HC 137991 / MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe de 18/12/2009).

 

(...) Sendo lícito ao juiz, no caso de prisão em flagrante, conceder ao réu liberdade provisória (Cód. de Pr. Penal, art. 310, parágrafo único), o seu ato, seja ele qual for, não prescindirá de fundamentação. Toda e qualquer prisão que tenha caráter de medida cautelar há de vir, sempre e sempre, efetivamente fundamentada. É o sistema – decorre das normas que informam o ordenamento jurídico brasileiro. Se o indeferimento da liberdade provisória está apoiado no frio texto da lei (por exemplo, no art. 44 da Lei nº 11.343/06), tal não é suficiente para justificar, a contento, a manutenção de medida de índole excepcional porque, se assim fosse, a prisão provisória passaria a ter caráter de prisão obrigatória, e não é esse o seu caráter (...). (HC 138.435/ES, Rel. Ministro NILSON NAVES, Sexta Turma, DJe de 08/02/2010).

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ante o exposto, é possível tecer as seguintes considerações:

O direito de ir e vir, nada mais é que um direito subjetivo do indivíduo, assegurado constitucionalmente, de não ter sua liberdade ambulatorial tolhida antes do advento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sendo que, uma vez ausentes os requisitos que ensejariam sua contenção cautelar, a liberdade é medida que se impõe.

O encarceramento cautelar, visa tão somente evitar que a prática delituosa se protraia no tempo e que o implicado não se subtraia à aplicação do direito posto, em virtude de tê-lo infringido, não intenta infligir àquele nenhuma execução antecipada de pena, com base em uma culpabilidade meramente projetada, em uma expiação pelo mal causado, até mesmo porque, em virtude do instituto da detração penal, eventual tempo que esteve preso provisoriamente será decotado da pena efetivamente imposta na sentença.

Portanto, ausentes os requisitos hábeis a ensejar a segregação cautelar antes de formada a culpa e, mesmo assim, arrimando-se tão somente na vedação fria e abstrata da lei a negativa de concessão de liberdade provisória, estar-se-á maculando às escancaras o inarredável princípio da presunção de inocência.

Na atual ordem constitucional, o disposto no art. 44 da Lei 11.343/06 não se adequa à nossa Constituição, na medida em que deixa assente uma suposta presunção de culpa aos acusados de terem perpetrado o comércio ilícito de substâncias estupefacientes.

Ademais, viola o princípio da proporcionalidade, pois acaba por restringir um direito fundamental, a liberdade ambulatorial, de forma generalizada sem em contrapartida privilegiar o bem que deveria ou se queria que prevalecesse.

Em última análise, ao cabo, visa o princípio da proporcionalidade criar um núcleo de proteção em torno dos direitos fundamentais conferidos constitucionalmente, protegendo-os de toda e qualquer arbitrariedade estatal, e não o contrário, deixando-os à mercê dos interesses políticos dominantes, numa pretensa vontade legislativa de atender ao clamor social, “almejando”, a qualquer custo espancar o aumento vertiginoso da criminalidade em nosso país.

Portanto, o dispositivo legal em voga, ao macular a presunção de inocência, violar o princípio da proporcionalidade (já que não é uma norma adequada à consecução dos fins visados), padece irremediavelmente do vício de inconstitucionalidade material, devendo ser extirpado de nosso ordenamento pela atividade interpretativa do guardião máximo de nossa Lei Maior, o Supremo Tribunal Federal.

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