Uma marca cruel dos tempos em que vivemos é a superficialidade dos relacionamentos. As pessoas se tornam, forçosamente, ilustres desconhecidas, já que as relações sociais são restringidas ao mínimo necessário para a sobrevivência. Além disso, quanto menos envolvimento emocional ou afetivo com o outro, melhor. Para não haver compromissos. Para não haver carências. Para não sofrer rupturas.

                Esta abordagem que mostra a vivência superficial dos relacionamentos revela que tal comportamento atingiu também a família. Casamento passou a ser não mais aquele compromisso "até que a morte separe", mas "até que surja uma nova opção". Com isso, a família saiu prejudicada e o futuro passou a correr o risco de tornar-se mais sensaboroso para aqueles que de alguma forma continuam acreditando na família e têm que lutar contra os novos conceitos, novos valores e novas formas de "ser família" dos tempos modernos.

 

Os perigos de uma sociedade extremamente voltada para o prazer

                Esta sociedade que cultua o individualismo é uma sociedade extremamente voltada para o prazer. Um lema de uma grande Loja de Departamentos que faliu (talvez tenha sido por isso) era: "Sua satisfação garantida ou seu dinheiro de volta!" Isto retratava bem claramente a ambição humana de encontrar satisfação, ter lucros, se dar bem. Também é isso que as pessoas querem obter em seus relacionamentos: Satisfação! Numa visão egoísta da vida, para dentro de si mesma, esquecendo-se que relacionamento é uma via de mão dupla: à medida em que eu procuro satisfazer meu parceiro/a, eu sou satisfeito.

                A busca irrefreada e irrefletida do prazer tem absorvido em grande escala o que o ser humano tem de melhor: Criatividade, saúde, espontaneidade, laços familiares, espiritualidade. E o ser humano não tem se dado conta disto. É bíblico: "O homem natural não compreende as coisas que são do Espírito de Deus" (1Co 2.14) Assim sendo, este hedonismo leva as pessoas para mais perto de um mundo imoral, em que as velhas crenças e o velhos valores são postos de lado, em benefício de supostas satisfações mais imediatas. Casas de shows, praias de nudismo, filmes, eventos, publicações, são a ponta mais visível de uma indústria, do entretenimento, que visa a oferecer prazer para as pessoas. Não há nenhum tipo de compromisso com as verdades bíblicas.

                Num certo sentido, também a liberalização feminina, à partir dos movimentos feministas que buscavam a libertação da mulher do jugo opressor do homem, contribuiu para estas mudanças. Com o advento da pílula anticoncepcional, a mulher tornou-se mais independente, foi à luta, conquistou seu espaço no mercado de trabalho, galgando maior desenvoltura pessoal e desapegando-se da figura masculina. Não se questiona a importância que teve a mulher buscar seus direitos sociais, todavia não se pode deixar de perceber o quanto isto representou de perda para a família em muitos aspectos.

 

Casamentos que não são celebrados com amor

                Outra marca típica destes tempos em que se experimenta relacionamentos descartáveis é a presença quantitativa de casamentos que são celebrados por interesses outros que não o amor. Este sentimento antigo chamado de "amor" tem sido descartado por muitos que aventuram-se no casamento. Para estes, casamento é realmente uma aventura e não um compromisso. Se der certo, tudo bem; se não der, parte-se para outra. Entra-se e sai-se de casamentos como se troca de roupa diante do espelho da vida, na busca daquela que componha melhor o figurino da ocasião. As desgastadas, envelhecidas, demodês, põe-se de lado ou simplesmente elimina-se.

                Mas o fim de casamentos celebrados sem amor é a ruína, à semelhança da sorte do ímpio (Sl 1.6). Beleza (como dizia Vinícius, "que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental!"), riqueza, destreza, e se continuarmos nesta linha podemos chegar até safadeza, tem sido "qualidades" buscadas no outro para o estabelecimento de relacionamentos que culminem em casamento. Ou seja, está instaurado o "jogo de interesses" na "caça ao solteiro/a mais cobiçado do momento". Então o amar passa para um segundo plano. Este sentimento passa a ser subalterno de outros interesses que o precedem na escala de prioridades sociais.

                Não pode dar certo um casamento que se estabelece em bases tão frágeis como essas. Diante do primeiro obstáculo da vida, tal relacionamento sucumbe porque não tem raízes sólidas e seguras. Vem, então, o desinteresse, a desarmonia, a desavença, o ciúme, a inveja, a desconfiança e outros tantos sentimentos menos nobres. Nessa altura, fica difícil de sustentar um casamento com bases tão superficiais. Como diz o antigo hino sacro: "Onde houver desconfiança, ai do amor!" Mas uma das marcas deste tempo de relacionamentos descartáveis, é a inexistência ou a pouca presença do amor. Estivera ele presente, então, tornar-se-ia possível vencer as dificuldades da vida, afinal de contas o amor: "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta" (1Co 13.7).

 

Casamentos que prescindem do compromisso

                Neste tópico queremos discutir um pouco a diferença entre "o amar" e "o gostar". Para um relacionamento dar certo, funcionando como deve, precisa existir os dois. Os dois são importantes, cada qual na sua função. Mas falemos antes, de outro elemento muito presente nos relacionamentos: "a paixão". A paixão difere do amor, na medida em que ela possui a marca da extemporaneidade, num concerto improvisado do amor que nem sempre afina. A paixão é galopante, avassaladora, muito sentida e pouco pensada. Assim que, possuiu uma forte dose de ilusão, podendo conduzir quem por ela se deixa dominar, ao pensamento de que se está totalmente convicto de algo, quando tudo não passa de um sentimento de momento, passageiro que não dura uma estação.

                É preciso se ter muito cuidado com a paixão. Aquele sentimento de se estar "perdidamente apaixonado" por alguém, muitas vezes não passa de um interesse físico, sexual, que tão logo seja satisfeito pode levar ao rompimento da relação. Os adolescentes (principalmente) e jovens e, mais presentemente, os quarentões da vida, são presas fáceis da paixão. Uma vez por ela engodado, pode-se pôr muita coisa a perder, e o Diabo é astuto em suas maquinações para destruir a família.

                Mas, falemos do "amar" e do "gostar". Dizíamos que ambos precisam se fazer presentes nos relacionamentos; nos casamentos. O que é o gostar? O gostar é uma qualidade de interesse em algo ou alguém que revela tendência ou inclinação para algo. É ter prazer em possuir, experimentar, saborear, pertencer a algo ou alguém. É ser simpático, interessado, com a atenção voltada para aquilo que lhe desperta afinidades. É sentir o sabor de algo que lhe agrada. Não pode faltar o "gostar" num relacionamento que se pretende eterno (não "eterno enquanto dure" como apregoou Vinícius de Moraes). Como pode alguém conviver por anos à fio com outrem de quem não se gosta? É preciso gostar! E no casamento este gostar é sinônimo de ter prazer.

                Gosto de ilustrar isto dizendo que a experiência de gostar da esposa ou do esposo deve ser a mesma, comparativamente falando, experimentada pelo prazer de saborear uma fruta que se goste. E, no meu caso, ilustro dizendo que minha fruta preferida é a manga. E bem gelada! Então, reservo uma meia dúzia e, quando vou saboreá-las, me delicio de lambuzar... Assim deve ser o seu gostar da pessoa amada: Ter prazer; sentir todo o sabor daquela/e que se ama! Então, a experiência de gostar está muito próxima do degustar.

                Mas e o amar? O que é? O amor, como acontece? Ah, "o amor é lindo", diria o romântico. "O amor é a porta que abre o paraíso", diria o poeta. "O amor é o compromisso que se estabelece nas dobras do coração", diria o filósofo. Este sentimento fundamental para a vida e para a fé; para o presente e para o porvir, é algo inerente à vida cristã, ao casamento cristão. Sem amor não há lar que resista. Diria que o amor é conceitual, é filosófico. É mais da cabeça do que do coração (embora Blaise Pascal tenha dito que "o amor tem razões que a própria razão desconhece..."). Então, o amor é uma escolha, uma decisão.

                O profeta Jeremias registra "o amor eterno de Deus" para conosco: "Há muito que o Senhor nos apareceu, dizendo: Com amor eterno de amei; com benignidade de atraí" (Jr 31.3). Deus tomou a decisão de nos amar. Decisão voluntariosa, despojada, desinteressada, incondicional. Hoje, somos alvos deste amor insuperável de Deus. Vejamos as palavras sinonímicas para casamento: matrimônio, consórcio, acordo, aliança. Só o amor pode propiciar este tipo de entrega despojada, à semelhança do que cita Paulo ao comparar o amor do homem para com sua esposa ao amor de Cristo para com a Igreja (Ef 5.25-30).

                O "amar" decorre do "gostar". Porque houve uma atração, um interesse, por alguém, então, toma-se a decisão de amar este alguém. É por isso que se diz que o amor é plantinha que, preciosa, de espécie rara, deve-se cuidar: regar, podar, arar, adubar, para que possa crescer viçosa, florescente e frutífera. Amor, então, é compromisso. O casal cristão tem o compromisso de amar-se mutuamente por toda a vida. Não será fácil, mas se cada casal souber fazer o investimento necessário em sua vida, então poderá ver os resultados de seu amor.

                Tudo isso que temos falado neste tópico é o oposto do que essa sociedade de relacionamentos descartáveis apresenta. Vivemos dias de casamentos sem compromisso, obviamente, casamentos sem amor. Devemos responder com casamentos de qualidade para influenciarmos positivamente nossa geração.

 

A problemática do divórcio

                Não poderíamos deixar de abordar esta questão neste estudo. A drástica conseqüência de tudo o que temos visto sobre esta era de relacionamentos descartáveis é o aumento agressivo de separações de casais. A superficialidade, a falta de amor, o descompromisso dessa geração, desemboca na cruel realidade do divórcio que destrói famílias, agride filhos e provoca rupturas difíceis de serem corrigidas.

                Como a Igreja deve se comportar diante da escalada do divórcio na sociedade? Pode a Igreja fechar os olhos a essa realidade? E quando as pessoas que tomam decisões espirituais em nossas igrejas vêm de lares desfeitos ou estão com seus casamentos rompidos? Esta é uma questão muito delicada, para a qual não podemos tapar os olhos.

                Em primeiro lugar, a Igreja de Jesus Cristo deve pautar-se por uma postura contrária ao divórcio. Todo líder que é espiritual, deverá ir até as últimas conseqüências para salvar um casamento à beira da ruína. Mas, muitos casos têm chegado até nossas igrejas já insolúveis, questão de anos, de novos relacionamentos, novas famílias. O que fazer? Então, reafirmamos: A Igreja de Jesus Cristo deve ser contrária ao divórcio, mas a favor do divorciado! Todo divorciado é também um pecador digno do amor de Deus, alvo do perdão e da graça divinos. Se tudo se faz novo na vida de quem está em Cristo, se todas as coisas velhas já passaram (cf. 2Co 5.17) então isto também é uma verdade na vida do divorciado.

                Reiteramos que o projeto original de Deus para o casamento é a sua indissolubilidade, um casamento para sempre (Mt 19.6), e que isto continua sendo válido para nossos dias, mas que, por causa da dureza dos corações humanos (Mt 19.8), nossos pecados, Deus permite que haja uma válvula de escape, a cláusula exceptiva mencionada por Jesus (Mt 19.9) para contribuir com ministrações de misericórdia  aos que estejam enfrentando tais problemas. Trata-se de assunto sério, que não podemos tratar com leviandade, muito menos sem amor, mas que deve-se enfocar a partir da perspectiva de que "cada-caso-é-um-caso" a fim de que se busque as melhores soluções de Deus. 

 

Aplicações para a vida

                Fiquemos com as seguintes conclusões, que são desafios, de tudo o que temos visto neste estudo:

                1ª) A família precisa valorizar a espiritualidade - Em um mundo que valoriza o material e o que satisfaz ao corpo, a família precisa valorizar o espiritual, investindo na comunhão com Deus.

                2ª) A família precisa fundamentar-se no amor - A família não pode abrir mão do amor como amálgama a unir seus membros. Espelhar-se em Deus e no seu amor incondicional deve ser busca constante (Rm 5.8).

                ) A família precisa estabelecer-se em laços de compromisso - O compromisso de amparar, zelar, investir, amar, cuidar e proteger a família não deve ser posto de lado. Todos os membros da família precisam contribuir para seu sucesso.

                4ª) A família precisa acreditar em sua durabilidade - De fato, o que Deus uniu, homem nenhum pode separar (Mt 19.6). A família deve acreditar neste princípio da indissolubilidade do casamento e investir o que for necessário para a sua edificação.