Jussara de Lima Ferreira1

                                                                                                                                                                            AdrianaPeixoto Gonçalves2

Ninive Nogueira Simões3

Thaila Aparecida Blazzio4

1 – Orientadora , Professora do curso de Serviço Social da Faculdade Redentor,

2,3 e 4 Graduandas do curso de Serviço Social da Faculdade Redentor Itaperuna

 

RESUMO

Neste artigo pretendemos refletir sobre a promoção acerca da efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),Lei 8.069/90. Apresenta duas divisões, a primeira trata das disposições preliminares que consta os direitos fundamentais e de prevenção. A segunda preceitua sobre o atendimento, as medidas de proteção, a prática do ato infracional, entre outras questões.  Expressa os direitos, reconhece e afirma a criança e o adolescente como ser humano que goza de todos os direitos fundamentais à vida, assegurando os com absoluta prioridade e garantindo a condição de pessoa em desenvolvimento.  Traz ainda a interpretação de que reconhecida a situação de vulnerabilidade da criança e do adolescente os torna merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado.No entanto, a implementação integral do ECA ainda representa um desafio tanto para o Estado quanto para sociedade no que se refere à medida socioeducativa de internação e as violações de direitos humanos.

PALAVRAS CHAVE: ECA, Direitos Humanos, Adolescente em conflito com a lei.

 

 

 

INTRODUÇÃO

A doutrina da Proteção Integral apresentada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi adotada em substituição ao antigo paradigma punitivo e repressor do Código de Menores de 1927 que tratava as crianças e adolescentes no Brasil em situação de risco e vulnerabilidade social, que no inicio do século XX, eram consideradas como “deliquentes” “vagabundos” “trombadinhas”, “pivetes” comparados a um adulto. Neste momento nos reportamos a Airés (1981) que em seu estudo sobre a história da criança e da família aponta que entre o século XI e XVI não havia distinção, ou seja, crianças era percebidas como adultos em miniaturas.   Este código era permeado de uma cultura menorista, conservadora e de práticas perversas. Também veio substituir a condição de “menor” em situação irregular do Código de 1979, assim como o caráter repressor que manteve do código de menores (1927).

Os Códigos de Menores anteriores começaram a ser “questionados e combatidos pelos movimentos sociais, com a transição democrática” (RIZZINI, 2004,p.41). Na década de 1980, com o fim da ditadura e a retomada da democracia, os movimentos sociais e organizações voltadas para o tema da infância foram decisivos para as conquistas materializadas através da Constituição Federal de 1988 dentre outros marcos legais vinculados a questão da infância  e juventude. 

De acordo com Sales (2007), o Estatuto da Criança e do Adolescente na prática, é a regulamentação dos artigos 227 e 228 da Constituição de 1988, tendo sido criada “a cidadania da infância e as bases ético-politicas de uma profunda transformação cultural (p.88). A autora resume:

Da diluição no mundo adulto antes da era moderna, quando transitavam indistintamente entre as esferas pública e privada, isto é, entre a casa e a rua, à descoberta da infância nos séculos XVI e XVII, é à completa submissão ao poderio e controle dos adultos, na família, na escola, e demais instituições sociais desde então, as crianças ganharão pouco a pouco um estatuto jurídico e cívico no século XX. Inaugura-se, pois, para este segmento no Brasil, às vésperas do novo milênio, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/90), uma era de direitos e se delineia uma nova concepção de infância e de adolescência, agora, enfim, como sujeito de direitos (2007, p.86).

Portanto criança e o adolescente são considerados pessoas em desenvolvimento; com direitos e deveres e gozam de Direitos Humanos na perspectiva da proteção integral os quais são garantidos como a qualquer outra pessoa uma existência digna.

A criança e o adolescente desfrutam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que a Lei 8.069/90, assegurando-se lhes, por esta lei e por outros tratados, oportunidades e prioridades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade é o que dispõe o Artigo 3º do ECA. (BRASIL, 1990).

Partindo desse principio de que a criança e o adolescente são reconhecidamente sujeitos de direitos e pessoa humana referendamos que seus direitos deverão ser não só garantidos exclusivamente nas legislações pertinentes a sua proteção, prevenção e promoção como efetivados para que de fato venham ser beneficiados pelos direitos que ao longo da história gerações e gerações de pessoas lutaram para conquistar, materializados através de políticas públicas para este segmento.

Pautando-nos no Estatuto da Criança e do Adolescente instrumento que garante em seu Art. 4º e 5º que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com prioridade absoluta, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalizante, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária eno     Art. 5º em que Nenhuma criança ou Adolescente será objeto de qualquer forma negligência, discriminação, exploração, violência física, crueldade e opressão punido na forma da Lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais. (BRASIL, 1990).

Podemos afirmar que a proteção integral dos adolescentes garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é sem dúvida o caminho para buscar sua autonomia e reconhecimento como sujeitos de direitos que são.  No entanto cabe destacar que os vários segmentos da sociedade necessitam de tomada de consciência para que se torne real a efetivação dessa lei.

Percebendo que estes adolescentes cometeram atos infracionais, de diferentes gravidades, trazemos a reflexão quanto aos jovens que cumprem medida de internação.  Entretanto, o estigma de tal ato, os marca por um longo período de sua vida, deixando com que usufruam de políticas públicas e ações do Estado, ou políticas parciais existentes exclusivamente para o cumprimento legal e não como parte de uma política pública.

Neste caminho, a Constituição Federal de 1988, reconhecida como a “Constituição Cidadã” destaca os Direitos Humanos como alicerce do Estado Democrático de Direito. O Art. 227 vem a ser a base para fundamentação da Lei 8.069 que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e que o regulamenta. (BRASIL,1988).

Tais marcos legais são fundamentais para a construção e existência de uma sociedade mais justa e igualitária para os adolescentes e não se deve admitir  violações e  cerceamentos ao exercício dos direitos. Porém, mesmo diante de uma Lei que garante em sua integra a proteção integral de crianças e adolescentes, a realidade, é outra.  Em especial no que diz respeito à aplicação de medidas socioeducativas, em destaque, a medida de internação que é  foco desta discussão, pois mesmo que se garanta nos artigos da Lei 8.069/90 que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente como o que diz o Art 121: A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (BRASIL,1990). Expresso também nas regras de Beijing.

A não aplicabilidade desta lei torna violações de direitos a serem discutidas neste estudo.  Reis e Neves (2007, p. 57-67) contribuem para  essa discussão com o seguinte argumento:

O sistema brasileiro tem priorizado a privação de liberdade, em especial nas infrações contra o patrimônio, o que demonstra a aplicação, por parte dos magistrados brasileiros, de medidas pautadas na lógica da retributividade penal, que é incompatível com os atuais paradigmas de proteção à infância e adolescência e segundo os quais “o castigo, a retribuição pelo mal praticado, estigmatiza o infrator e desrespeita a sua situação de peculiar desenvolvimento” [...] Essa violação de direitos acontece impunemente dia após dia, pois não há responsabilização destes criminosos, que são funcionários públicos que deveriam estar a serviço da lei, e não do crime.

Importante refletirmos sobre a garantia de direitos, a legislação que os promove, posicionamentos e entendimentos no que condiz a primazia da dignidade humana que é o ponto de partida para serem destacados aqui os valores postos como princípios dos Direitos Humanos constituindo também o núcleo central da elaboração da Constituição Brasileira que por sua vez fundamenta legislação congênere e nos pauta na defesa da garantia e efetivação do direitos dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação.

Cabe destacar também que Direitos Humanos é uma expressão vaga e difícil de ser definida. Mais importante que a definição é sua ideia em si, até porque ela geralmente é tautológica ou redundante: “direitos humanos são os que cabem ao homem enquanto homem” ou “são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer a todos os homens”. Desta forma, o que deve ficar claro é que o homem, enquanto ser humano possui certos direitos que devem ser respeitados e garantidos e ninguém nem mesmo o Estado – e principalmente ele, que existe para garantir seu bem-estar – pode violar. Todos os homens são titulares destes direitos e nem os próprios podem os alienar. (BOBBIO, 2004, p.17).

O ECA E A PERSPECTIVA DO DIREITO

 

O Homem deve ser considerado o mais importante de todos os valores protegidos pelo Direito. Aliás, o Direito só existe em função dele e para ele. Dessa concepção é que nasceu a ideia de pessoa: “A pessoa é o valor-fonte de todos os valores”. (REALE, 1999, p. 211).

Durante a década de 1980 havia basicamente dois grupos: os “menoristas”, que defendiam a manutenção do Código de Menores e da doutrina do menor em situação irregular; e os “estatutistas”, que defendiam uma ampla mudança no Código, instituindo novos e amplos direitos, a partir da proteção integral da infância.  Neste contexto destacam-se o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que surgiu em 1985 em São Bernardo do Campo, um importante centro sindical do país, e a Pastoral da Criança, criada em 1983, em nome da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, envolvendo forte militância proveniente dos movimentos sociais da igreja católica.

Em 1987, foi criada a Assembleia Nacional Constituinte presidida pelo deputado Ulysses Guimarães (PMDB), era composta por quinhentos e cinquenta e nove congressistas e durou dezoito meses, neste espaço organizou-se um grupo de trabalho comprometido com o tema da criança e do adolescente. Então, em cinco de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal Brasileira que, marcada por avanços na área social, introduz um novo modelo de gestão das políticas sociais. Conhecida como a “Constituição Cidadã”, exalta os Direitos Humanos como alicerce do Estado Democrático de Direito.

O Art. 227, que introduz conteúdo e enfoque próprios da Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, trazendo os avanços da normativa internacional para a população infanto-juvenil brasileira, vem a ser a base para fundamentação da Lei 8.069 que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, a produção de um documento que desloca a discussão sobre infância e juventude, abarcando a todos, e não somente aqueles que se encontravam “em situação irregular”.  O  Estatuto da criança e do adolescente apresenta a primazia da proteção integral, desde o nascituro, tratando-os como um sujeito  de direitos, como também a criança e o adolescente, numa perspectiva de proteção e valorização dos direitos  humanos que contempla o que há de mais avançado na normativa internacional em respeito aos direitos da população infanto-juvenil. Este novo documento altera significativamente as possibilidades de uma intervenção arbitrária do Estado na vida de crianças e jovens.

O Estatuto da Criança e do Adolescente  apresenta duzentos e sessenta e sete artigos em duas divisões, sendo a primeira parte as disposições preliminares que consta os direitos fundamentais e de prevenção.

Já a segunda parte preceitua sobre o atendimento, as medidas de proteção, a prática do ato infracional, as medidas pertinentes aos responsáveis, os Conselhos, o acesso à Justiça, os crimes, as infrações administrativas e as disposições transitórias.

Para Porto (1999), a doutrina da Proteção Integral que é a base do Estatuto da criança e do Adolescente, “reconhece as crianças e adolescentes como cidadãos, possuidores de todos os direitos especiais, por serem pessoas em desenvolvimento”.  Ele fundamenta sua argumentação no artigo 3º do Estatuto que afirma:

A criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (PORTO, 1999, p.530)

As diretrizes que a referida lei estabelece para a política de atendimento a criança e ao adolescente além da articulação entre as três esferas do poder público: União, Estados, Municípios e Distrito Federal também norteiam as seguintes linhas de ação:

I – Políticas Sociais Básicas: são as políticas universais para todas as crianças e adolescentes, como as políticas de educação e saúde.

II – Políticas e Programas de Assistência Social: em caráter supletivo, para aqueles que delas necessitarem; são aquelas destinadas às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

III – Política de Proteção Especial: serviços especiais de prevenção e atendimento  médico e psicossocial às vitimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão – são destinadas as crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados.

Com essa legislação surgem as medidas socioeducativas que configuram um caminho à ressocialização de adolescentes em conflito com a lei. As medidas socioeducativas são aplicadas de acordo com a gravidade do ato infracional. A Medida de Internação, por exemplo, só é destinada a adolescentes que cometeram atos infracionais graves, essa medida é a ultima na escala que vai do ato infracional menos grave para o mais grave. Lembrando que de acordo com o art.122 do ECA,  a medida de internação só poderá ser aplicada quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves e por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

O adolescente não pode ser privado da liberdade se houver outra medida adequada. As medidas socioeducativas devem garantir o acesso do adolescente às oportunidades de superação de sua condição de exclusão bem como de acesso à formação de valores positivos de participação da vida social, pois como sabemos “a prática do ato infracional não é incorporada como inerente à sua identidade, mas vista como uma circunstância de vida que pode ser modificada”. (VOLPI, 2008, n.p.).

As medidas socioeducativas, nesse caso a medida de internação, devem respeitar o princípio da não-discriminação e não-estigmatização, evitando-se rótulos que marcam os adolescentes e os expõem a situações vexatórias, impedindo-os de superar suas dificuldades na inclusão social. A restrição de liberdade é a privação do direito de ir e vir, do afastamento da sociedade e da família como forma de ressocialização, frente a contravenção penal cometida.  Entretanto, no Brasil o que podemos observar através da pesquisa de Paiva (2007) que práticas repressivas e de encarceramento são saídas possíveis para ressocialização. Através a maus tratos, torturas físicas e psicológicas e humilhações, situações que não podemos considerar como ressocializantes e infringem ao Estatuto da Criança e do Adolescente entre outras normativas internacionais acerca do tratamento de adolescentes em conflito com  a lei.

Tal reflexão vai de encontro a propositura de Freire(2011) que aponta para a dificuldade que o Brasil apresenta acerca da problematização dos Direitos Humanos, pelo fato de que a construção da agenda dos direitos humanos no Brasil é tardia e remete ao período da ditadura militar e do terrorismo de Estado, que destruiu e encarcerou milhares de vidas ao longo de mais de vinte de anos de exceção.  Ações que não aconteceram exclusivamente no Brasil e avançaram por toda América Latina.  Fazendo com que praticas de tortura, violência e terror veiculados por agentes do Estado se perpetuassem, sem que os agentes do Estado que cometiam tais delitos fossem responsabilizados pelos mesmos. Tais fatos fazem com que a transição da ditadura para democracia seja uma transição superficial, isto é, marcada pela assinatura de tratados e politicas internacionais, mas na pratica as ações se mantém fazendo com o Brasil até hoje seja citado em relatórios internacionais relacionados a graves violações de Direitos Humanos, relacionadas ao tratamento e ao espaço físico das instituições e sendo chamado a modificar sua postura e tratamento.

Assim com o retorno a Democracia os aparelhos de Estado vinculados a Segurança Pública mantém ainda hoje em pleno século XXI tais praticas e no caso de adolescentes no cumprimento de medidas sócio educativas de internação acreditando serem instrumentos eficazes para ressocialização destes jovens.  Nos remetendo a  praticas realizadas desde o período inicial de institucionalização de crianças no Brasil.

O encarceramento não é novidade no que se refere a atos infracionais cometidos por adolescentes, historicamente, crianças e jovens são segregados, afastados da sociedade, outrora sob a justificativa de não possuírem família de cometerem pequenos furtos, crimes de “vadiagem”.  O afastamento era justificado  como forma de “proteção.” No decorrer da história, o avanço doutrinário, ou seja, com marcos legais voltados a valorização dos Direitos Humanos.  O encarceramento de jovens é mantido, a medida de internação não é pensada como excepcional mas como regra, haja vista que dos crimes cometidos por adolescentes não chega 4% são homicídios, em sua grande maioria são crimes contra o patrimônio. 

Neste quadro a cultura repressiva e violenta que domina delegacias e prisões para adultos e adolescentes em todo os pais tem obtido mais legitimidade. A crença de que não há nada a fazer, que quem comete uma infração está fadado ao crime, tem ganhado muitos adeptos e levado setores ligado ao aparato repressivo a acreditar que somente a eliminação dos infratores representa uma solução e a acionar estratégias correspondentes (PAIVA, 2007, pag.20).

De acordo com o art.124 do ECA é direito do adolescente privado de liberdade receber escolarização e profissionalização. A escolarização deve possibilitar, de maneira geral, que os adolescentes aprendam um conjunto de conhecimentos que colabore para o seu retorno à escola.“O trabalho e as atividades de profissionalização não podem se utilizados como castigo, mas como uma dimensão importante da vida humana, quer como fonte de sobrevivência, quer como fonte de realização profissional” (VOLPI, 2008, p. 36).

As violações de direitos, que sofrem os adolescentes em conflito com a lei é o oposto do que lhes são garantidos na legislação vigente, Reis e Neves (2007, p. 67) ressaltam isso quando afirmam:

[...] e nos faz a todo tempo retornar a uma realidade idêntica à do Código de Menores, com superlotação das instituições, torturas, maus-tratos, espancamento, mortes e condições insalubres, uma realidade contraditória em relação à concepção de respeito e dignidade dos adolescentes e oposta ao paradigma de proteção integral vigente no Estatuto da Criança e Adolescente.

Entendemos que o cumprimento de medida de privação de liberdade, deverá ser em último caso, por ser uma medida extrema, uma vez que o adolescente é considerado pelo ECA pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, sendo, importante enfatizar que dependerá da gravidade do ato infracional cometido, ficando a cargo do órgão competente analisar o ato cometido com o mal causado e a aplicação da sanção apropriada. Lembrando aqui o principio da excepcionalidade. Outro principio de valor exaltado constitucionalmente, vem a ser o da proporcionalidade contido no Art. 5º da Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988. Destacando em seu artigo 123 da lei 8.069/90 que o  cumprimento da medida dever ter critério de separação por idade, compleição física e gravidade da infração.

Enquanto membros de uma sociedade na perspectiva do Estado democrático de Direito devemos ser conscientes pela luta e validação da democracia e valorização dos direitos fundamentais de qualquer ser humano, e em especial de  crianças e adolescentes que constitucionalmente são prioridade absoluta venham ter realmente seus direitos efetivados. Haja vista que em relação aos Direitos Humanos não legislações ou tratados, o maior problema está em sua efetivação e garantia.

E acima de tudo buscar profissionalmente soluções e meios de viabilizar o que almejamos ser o ideário de dignidade para população juvenil que sofrem violações de toda ordem no interior de instituições que executam a medida socioeducativa deinternação.  Nestes espaços institucionais que se propõe a execução da medida de internação conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus arts. 121 a 125.  

O adolescentes deveriam estudar, serem capacitados profissionalmente, trabalhar alternativas de não violência, estimulo a pratica de esportes, tendo acesso à cultura e lazer, com vistas ao cumprimento do ato cometido mas de forma reflexiva, apresentando aos mesmos formas de lidar com seus problemas sendo preparados para retornarem ao convívio social  numa perspectiva efetiva de ressocialização, haja vista que o cumprimento da medida se dá em espaços gerenciados pelo Estado. Ou seja, protegidos pelo poder do Estado Brasileiro que é quem de fato os deveria proteger e lhes oportunizar uma vida justa e igualitária. Ou seja, por em prática o que diz a Constituição, lei magna de nosso país: “Todos são iguais perante a Lei”  - Artigo 5º. (BRASIL, 19988).

Cabe destacar que os profissionais que trabalham diretamente com os adolescentes nas unidades de internação deveriam ser capacitados continuadamente, pela peculiaridade do universo atendido, isto é, jovens advindos de realidade sociais diferentes, com historias de vida singulares, onde por diversas vezes o abandono e a violência já fazem parte do cotidiano de suas vidas,  eque através de um trabalho em rede, ou seja através do Sistema de Garantia de Direitos, possam oportunizar ao jovem e sua família a ressignificação de suas vidas e criação de novas oportunidades de enfrentarem as dificuldades que possam surgir após o cumprimento da medida.  Este trabalho deve ser realizado concomitante com jovem e sua família pois a violência que o ato infracional cometido pode ser reflexo da realidade vivida em família, o desemprego, a falta de moradia, a qualidade de vida ou seja, a ausência de políticas publicas que atendam as necessidades básicas dos indivíduos.  Tornando muitas das vezes o ilícito como um mecanismo sedutor para superação de dificuldades, ou escape para as mazelas da vida.

Os autores Reis e Neves (2007, p. 57-67) trazem o pensamento abaixo que nos remete a reflexão nas condições em que adolescentes vivem e que contradizem a Lei Federal nº 8069/90 e a Constituição Federal de 1988 nos vários artigos citados nesta pesquisa:

[...] Apesar de a internação ser prevista no Estatuto como educacional. Os adolescentes ali internados são alvo de torturas sangrentas sob a “justificativa” (como se esse tipo de crime pudesse ser justificado) de que é preciso ter conhecimento do regime disciplinar da instituição. [...] Essas sessões de violências são reportadas no relatório da ONU sobre tortura no Brasil. [...] Podemos, a partir da analise concreta da realidade dos adolescentes brasileiros em conflito com a Lei, ver nitidamente que o Estatuto da Criança e do Adolescente preserva o que há de mais cruel em relação ao código de 1927. Reatualizamos o conservadorismo, mantendo nossas crianças e adolescentes em situação degradante.

A sociedade brasileira, de forma geral, continua responsabilizando essas crianças e suas famílias pela situação de miséria que os leva a cometer atos infracionais. Cada vez mais se criminaliza a pobreza e responsabilizando a família por ações são de responsabilidade do Estado.

Destarte, o que temos de concreto é uma legislação que podemos afirmar engloba de forma humanizada os direitos e deveres individuais e coletivos de crianças e adolescentes e que inclusive no plano legal apresenta uma dimensão inclusiva social do adolescente em conflito com a lei, o tornando o foco das ações e não o ato que cometeu, tendo assim um caráter educativo e ressocializador.

Mas não esquecendo que ainda há muito por se fazer na efetivação dos direitos preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente. E embora a referida legislação represente uma conquista em relação ao seu conteúdo diante a trajetória sócio-histórica e jurídica de adolescentes em conflito com a lei, ou em situação de risco, deve se resguardar para que seja efetivamente executado de forma legítima.

Todavia o histórico de violência institucional, tortura e praticas violadoras do Direitos humanos se tornam banais e cotidianas nas instituições de caráter de cumprimento da medida de internação.  Tornado espaços de revolta e vingança, aproximando o jovem ainda mais da vida criminosa do que apresentando-lhes alternativas de uma vida digna em sociedade.  Nesse sentido a medida de internação e as violações de direitos humanos se tornam banais numa perspectiva fatalista, atrelada a má utilização dos recursos financeiros voltados para as instituições que atendem a medida de internação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O fato é que todo ser humano tem direitos inerentes, consolidados em leis, neste caso principalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas que muitas vezes são violados, causando sérios problemas na vida dos adolescentes em conflito com a lei, que precisam refletir sobre suas ações, mas de maneira digna e cidadã.

“A política estadual deve se responsabilizar para que o atendimento do adolescente em medida de privação de liberdade seja executado por uma política de recursos humanos que elimine radicalmente o modelo de atendimento até hoje praticado”. (VOLPI, 2008, p. 37).

No entanto, a implementação integral do Estatuto da Criança e do Adolescente ainda representa um desafio para todos os atores envolvidos e comprometidos com a garantia dos direitos da população infanto-juvenil, em especial no que diz respeito à medida socioeducativa de internação e as violações de direitos que a permeiam, destacando o que tange a responsabilidade do Estado frente as violações de Direitos Humanos. 

Apresenta-se como um grande desafio a elaboração e execução de políticas públicas voltadas a população juvenil como também uma política de atendimento ao jovem que cumpre a medida sócio educativa de internação.  Política respeitando as características regionais haja vista a condição continental do Brasil e suas diferenças como também as diferentes formas de envolvimento do jovem na criminalidade, que tal política seja pensada efetivada sob a perspectiva do sistema de garantias de direitos sendo articuladas ações concretas de acompanhamento e emancipação desse jovem no retorno ao convívio familiar e comunitário.

A referida lei estabelece inovação de uma política de atendimento muito mais vasta, baseada numa noção de cidadania de direitos e deveres, envolvendo questões concernentes ao arcabouço jurídico legal, saúde, condição psicossocial, cultura, lazer, profissionalização e proteção no trabalho.  Deste modo o Estatuto da Criança e do adolescente objetiva concretizar as conquistas alcançadas no plano jurídico e político, contribuir para a construção da cidadania dos adolescentes em conflito com a lei ao mesmo tempo em que os responsabilizam pelo ato cometido.

Ficando a utilização deste instrumento como a materialização destas conquistas e para defesa e efetivação dos direitos dos adolescentes em conflito com a lei os oportunizando seu pleno desenvolvimento, de acordo com os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, assim como oportunidade de reconstrução de seu projeto de vida.  Todas essas ações devem ser pensadas junto com a família ou referencias comunitárias desse adolescente, e com a rede sócio assistencial e educacional que será fundamental para que todo o trabalho realizado durante a execução da medida seja continuado, deixando de ser uma nova experiência de violência e tortura violadora continua de direitos para ser uma reflexão sobre o ato cometido, ao seu final tornando-o efetivamente um cidadão numa perspectiva de uma dignidade e emancipação. 

Neste sentido, pretende-se contribuir para a discussão a partir de indagações acerca a medida de internação, a violação dos direitos humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de buscar caminhos para uma possível mudança da realidade proporcionando reais oportunidades de recomeço para esses adolescentes.  Por outro lado, a relevância se destaca por ser uma expressão da questão social que toma proporção cada vez maior no cenário nacional, sendo necessário refletir sobre as políticas sociais públicas de prevenção a criminalidade e de intervenção nas praticas dos agentes que tutelam esses jovens em Instituições que hoje não cumprem o papel de ressocialização e sim reforçam praticas de tortura, violência, fragilização de vínculos familiares haja vista que não estão capacitados para trabalhem na perspectiva da garantia de direitos e sim da manutenção e reprodução de atos violentos, não se percebendo como atores importantes na mudança de conduta e comportamento e não como agentes de custodia de infratores.

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