INTRODUÇÃO

Renata Meneghini[1]

Se nos perguntarmos quando começa o desenvolvimento da criança, temos que levar em consideração o momento de sua concepção, o contexto sócio-histórico de seu nascimento, estrutura familiar e sócio-cultural da mesma, atividades escolares, etc.; só então saberemos como e porque cada criança é como se apresenta ao mundo.

Qual a concepção de criança que temos? Pensemos que a criança que temos hoje é um ser bio-psíquico-social, com uma identidade própria; é uma criança com desejos, projetos e ações.

A criança de hoje é diferente da criança descrita por Ariès (1981) como um adulto em miniatura, sem sentido de infância; é somente no fim da Idade Média (por volta do século XV), que a criança é vista num estágio específico de desenvolvimento, diferente dos adultos, mas ainda como um ser frágil e ingênuo (ARIÈS,1981).

A criança e sua família só irá ganhar maior importância no século XX , com a História Nova, onde vemos serem descritas num cotidiano de homens comuns que constroem sua própria história; a história de seus integrantes voltada para as sensibilidades, compartilhando novas visões de mundo (ÁRIES, 1981).

Segundo o autor a escola aparece influenciada pelas Igrejas, leis e pelo Estado, como forma de dar à criança o lugar certo, sem uma definição de idade específica para a criança ingressar na vida escolar, sendo diferente para a elite e o povo. Portanto trata-se de uma escola não-laica, sem referenciais exatos (falta estudos sobre as crianças), discriminatória, que sustenta as idéias da época (ARIÈS,1981).

É somente no século XIX que a escola passa por reflexões que levam a sociedade da época a repensar a educação de suas crianças, os educadores estão preocupados com a aprendizagem, principalmente quanto à idade das crianças, e a separação dos alunos por turma.

É com a História que nos deparamos com crianças e jovens nos séculos anteriores, comparando-os com os existentes nos dias atuais. A História nos remete à nossa identidade e nos eleva à reflexão de quem somos nós realmente, o que queremos, o esperamos de nossas crianças e jovens e que adultos queremos formar.

O ser humano se faz a partir de sua própria identidade, entretanto, até hoje deparamo-nos muitas vezes com crianças e adolescentes que são vistos como projeções de expectativas dos pais ou que são protegidos ou mimados, reinventando o hábito de fins da Idade Média.

Entretanto o ser humano não nasce pronto, ele é um contínuo de avanços e retrocessos, onde o desenvolvimento leva em conta fatores genéticos e sócio-culturais, onde a língua e a linguagem, são influenciados pelo meio e influenciam o ser em formação. Temos que pensar o que queremos para nossas crianças e adolescentes em termos de formação e visão crítica reflexiva da realidade; um ser diferente daquele descrito por Àries (1982), que desde criança tinha contatos com jogos, brinquedos, eventos sociais idealizados para os adultos.

Entretanto cabe à sociedade como um todo pensar no coletivo que quer proporcionar aos nossos jovens, para isto a escola precisa acreditar nas potencialidades de seus jovens no sentido de estimulá-lo a procurar o trabalho educacional significativo, em grupo, como uma construção social, e bem não material da sociedade.

O presente escrito tem como objetivo de realizar uma retomada do desenvolvimento humano, perante as várias linguagens sociais que constroem o indivíduo que queremos formar: família, escola e outros grupos. Deste modo pensamos e almejamos uma formação que resgate valores sociais, construindo um ser pensante com ações e planos para o presente e o futuro, jovens que reflitam sobre comportamento e lancem mão de ferramentas cognitivas-afetivas-sociais para reconstruir a realidade.

O objetivo geral deste trabalho é refletirmos sobre as fases da puberdade e adolescência, estabelecendo relações entre pensamento e linguagem na trajetória do desenvolvimento humano, bem como verificarmos rapidamente, por hora, como as profecias dificultam o desenvolvimento do indivíduo.

 Piaget e Vygotsky nos ajudarão a entender o desenvolvimento humano e a linguagem como instrumento social para estabelecimento de relações sociais, seja entre pares, seja entre as gerações anteriores.

Para o desenvolvimento infantil é necessário recorrer ao que Bassedas, Huguet e Solé (1999), dizem sobre três aspectos essenciais: a maturação (mudanças que ocorrem nos indivíduos), estritamente ligada ao crescimento; desenvolvimento das funções humanas (linguagem, raciocínio, atenção, estima, etc.); aprendizagem (maneira de agir de acordo com a cultura).

Segundo as autoras, o ser humano é o único ser vivo que planeja suas ações, com diversidades em que cada um constitui um ser único com suas particularidades físicas e psíquicas. A criança nasce com uma herança genética que lhe dará condições para desenvolver-se, pois seu cérebro traz informações para mover-se, falar, aprender, etc..

Assim não podermos afirmar que o desenvolvimento para aprendizagem ocorre em único sentido, pois ele é o resultado da condição genética e o ambiente social em que a criança está inserida. Deste modo entendemos por que a escola deve agir a partir do princípio de que o aluno é capaz de realizar as atividades propostas, precisa de estímulo e motivação, de um desafio para seu desenvolvimento global, seja motor, cognitivo, afetivo.

Já que estamos formando nossas crianças integralmente, por que não investirmos numa educação crítica e reflexiva que desenvolva junto da criança noções de valores sociais e culturais para a convivência em sociedade? Toda criança tem um potencial a desenvolver, mas para isso temos que pensar no potencial dos educadores e familiares.

Partimos da perspectiva que Vygotsky (1984; apud BASSEDAS, HUGUET E SOLÉ, 1999), que defendeu que para ocorrer aprendizagem é fundamental que o ambiente escolar desenvolva as potencialidades da criança com a mediação de um adulto, aproximando-a de seu desenvolvimento efetivo (aquilo que sabe realizar sozinha).

Chamo atenção para a capacidade da criança e do adolescente aprenderem das mais diversas formas, explorando ambientes desde a mais tenra idade, compreendendo a fantasia da realidade, entrando em contato com as regras sociais, desafiando o sistema social, mas observando junto da mediação de um adulto, as conseqüências deste desafio.

Recorremos a Piaget em Bassedas, Huguet e Solé (1999) para retomarmos definições de aprendizagem do teórico que nos alerta para a apreensão de mundo através da assimilação que fazemos dos objetos e pessoas que nos cerca, e a acomodação – pequenas mudanças que a criança e o adolescente leva-os a acrescentar novas informações nos esquemas mentais para adaptar-se às diversas situações da realidade.

As instituições escolares precisam pensar nas experiências e desafios que proporcionarão aos seus alunos, possibilitando desafios no cotidiano, bem como em situações fora da rotina normal, que ajuda-os a ter uma visão do seu local de convivência e do mundo, o que despertará para uma formação de normas sociais. A criança desde muito pequena, aprende que as normas sociais são negociadas dentro de um padrão aceito pelo meio, aprendendo por imitação dos mais velhos e adultos.

Desta forma a aprendizagem ocorre de acordo com as habilidades do indivíduo mais experiente na interação, engajando o mais novo no desafio de imitar e compartilhar das interações sociais, conforme o parceiro menos experiente desenvolve suas próprias habilidades ocorre uma aprendizagem onde ambos têm um papel diversificado na interação social. Se for um adulto, estará atuando na zona de desenvolvimento potencial da criança, oferecendo à criança um contexto desafiador, onde ela pode fazer coisas sozinha, avançando em suas capacidades.

Desse modo o desenvolvimento humano se dá pelas e nas interações sociais. De acordo com La Taille (1992) sob a visão de Piaget, é nas interações sociais que a inteligência humana se desenvolve, pois o ser humano não pode ser pensado fora do contexto social em que nasce e vive.

É neste sentido que chamo atenção para a realidade da escola, ela deve proporcionar atividades dinâmicas que não só o professor fale, exponha e explique, mas uma dinâmica que leve os alunos a pesquisarem, interagirem, trocarem idéias e conteúdos, tornando-os deste modo significativos, para isto é essencial o trabalho em grupo em sala de aula. Pensando o pré-adolescente de aproximadamente de 10-12 anos, tudo é prático e simbólico, lida com os mais diversos meios de comunicação e não pode exercer na sala de aula um papel passivo, que a paralisa diante do conteúdo; este jovem tem muito a oferecer dentro da escola, um potencial riquíssimo, seja cognitivo, artístico, social, afetivo.

Este púbere e adolescente está no momento de pleno desenvolvimento físico, marcado pela aquisição da imagem corporal definitiva e fase onde sua personalidade irá ganhar uma estruturação; é uma época de sinais de transformações biológicas, no qual o corpo passa por muitas modificações (sinal de pêlos, barba, penugem). O corpo está influenciado pela ação hormonal, sendo a transição da perda do corpo infantil e aquisição do corpo adulto, uma fase em que o jovem está desenvolvendo sua identidade, e para afirmá-la fica frente ao espelho se valorizando, tem uma relação de independência dos pais, mas ainda dependem muito deles para mantê-los.

Quanto ao desenvolvimento cognitivo o jovem encontra-se na fase que Jean Piaget denomina de período das operações formais, onde há grande capacidade de formar esquemas conceituais abstratos (amor, fantasia, justiça), com uma capacidade de raciocínio hipotético-dedutivo. Mas este jovem já foi criança e passou por todas as fases do desenvolvimento cognitivo até chegar nas operações formais (fase sensória-motora – exploração; pré-operacional e operações concretas – sem entendimento para entendimento empírico e prático).

Já o desenvolvimento afetivo é cercado de conflitos internos e a busca de equilíbrio emocional, em função do crescimento físico rápido e maturidade sexual vinculado, como já disse, à busca da aceitação da aparência física, das habilidades acadêmicas, esportivas, sociais e do amor. Aproximadamente do 10-12 anos, o adolescente seguro relaciona-se bem com o grupo e envolve-se afetivamente, já o adolescente insatisfeito fica na defensiva, irritado, depressivo, amargurado e usa a solidão como fuga pelo medo de não ser aceito.

Segundo Sigmund Freud, o jovem encontra-se na fase genital do desenvolvimento, fase em que tudo volta-se para a sexualidade e sensualidade, um período de pleno desenvolvimento com adaptações biológicas e psicológicas realizadas. Entretanto o jovem em fase genital já desenvolveu sua oralidade, controle de esfíncteres, elaborou a "disputa" com o pai ou a mãe na fase fálica – Complexo de Édipo e Electra.

Perante o desenvolvimento sexual do jovem de 12 anos, no social a relação com os pais continua sendo importante, mas é muito ambivalente, com questionamento das regras, notas, vestimenta, trabalhos domésticos, entretanto ocorre ainda a busca de diálogo, apoio, conselhos, carinho.

O desenvolvimento humano segundo Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1992), é um processo sócio-histórico mediado pelos sujeitos mais competentes, que tem a (co)responsabilidade de dar um significado para as ações, incluindo aí o professor.

O adolescente começa a identificar-se com o grupo de iguais e tudo que não está contemplado neste grupo, torna-se motivo de conflitos, inclui-se aí os professores que são desafiados o tempo todo para auto-afirmação; cabe ao educador saber como interagir com este jovem, como conquistá-lo, o que fazer para que na escola haja aprendizagem significativa construindo vínculos saudáveis. São vários momentos de dependência e individuação do adolescente que só irá acabar por volta dos 25 anos de idade, dependendo de seu ambiente sócio-econômico familiar.

É na juventude (18 a 25 anos) que as principais características do jovem (estruturas intelectuais, morais e físicas) atingem o auge; é uma fase onde diminuem as mudanças fisiológicas, onde há o ingresso na vida social plena, estabilização afetiva, início na vida matrimonial (escolha de um parceiro, namoro, noivado), de um trabalho e dos estudos

Superiores, onde começa a surgir o auto-sustento social, psicológico e econômico. Época da plenitude do desenvolvimento físico, onde a mulher atinge altura máxima aos 18 e o homem aos 21 anos, sendo que o jovem apresenta força, energia e resistência.

A juventude vai aproximadamente de 18 a 25 anos, onde afetivamente é a etapa que pode desenvolver a genitalidade ou intimidade, com um companheiro(a), partilhando confiança mútua; é também o momento de trabalhar, ter filhos e lazer, sendo que isto tudo marca o fim da adolescência e início da vida adulta.

O jovem irá ao encontro com o outro (amigo ou parceiro) mediatizado por uma tarefa (jogo ou trabalho), por isto a escola deve preocupar-se em colocar o jovem em contato com seus parceiros para que o professor perceba e observe esta interação, sendo que o jovem faz tudo para ser aceito no grupo, tenta ser criativo, e preocupa-se muito com o que o outro pensa dele. É uma época onde o fracasso pode levar ao isolamento, e a ausência da construção de um projeto de vida ou de um parceiro ou trabalho, podem levar à dependência familiar e favorecer as flutuações afetivas, falta de experiências vitais e as idealizações.

A vida adulta se dá aproximadamente aos 25-30 anos, sendo o momento de sair do lar, com maior independência psicológica e econômica dos pais, e estabelecimento de contato com instituições de estudo, trabalho, etc.. É uma fase de cobranças e de estresse com as cobranças sociais e de si mesmo, pois o jovem adulto assume outros papéis como de marido ou esposa, pai ou mãe e profissional.

Cabe-nos discutir aqui que linguagem o adolescente possui, que garante seu pertencimento a um grupo, e que através da linguagem o indivíduo cria e recria processos mentais, que ajudarão também na sua convivência social e afetiva, pois quanto mais elaborada, mais fácil é seu contato com o mundo. A escola precisa desenvolver espaços para e com o adolescente/jovem, no sentido de fazer parte de seu mundo, de falar sua "língua", ajudando-o a construir um projeto de vida, resgatando sua auto-estima, criando dentro da escola um espaço de convivência, crescimento e desenvolvimento, um lugar prazeroso, e não mais um lugar para passar o tempo.

Segundo Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1992), a linguagem humana é fundamental na mediação entre sujeito e objeto de conhecimento, com a função de realizar um intercâmbio social e simplificar e generalizar a experiência, cujo significado é compartilhado pelos usuários da mesma; um conjunto de atributos de um objeto permite a aplicação generalizada do seu conceito (por exemplo, um "triângulo" deve ter três lados) e da presença de um mesmo conjunto de atributos relevantes com um mesmo nome para vários objetos (por exemplo ginástica, pode ser esportiva, localizada, olímpica).

O pensamento verbal não é natural, é um processo histórico-cultural fornecido pelo grupo cultural do indivíduo, que irá determinar a língua ou sotaque que a pessoa irá falar, entretanto, existe no indivíduo uma base biológica para o desenvolvimento da linguagem.

Oliveira (1992) chama atenção para a teoria de Vygotsky sobre a relações de pensamento e linguagem serem influenciados pela mediação cultural no processo de construção de significados por parte do indivíduo, na internalização de conhecimentos produzidos socialmente; cabe à escola construir situações onde o desenvolvimento cognitivo pautado no pensamento e linguagem possam proporcionar momentos de relações com o outro. Assim nossas funções psicológicas são construídas ao longo da história social do homem, sendo as funções psicológicas flexíveis o suficiente para as imensas possibilidades da realização humana (VYGOTSKY, apud OLIVEIRA, 1992).

Cabe à escola criar uma linguagem próxima dos jovens alunos no sentido de conquistá-los para o conteúdo desenvolvido, pois a linguagem tem papel fundamental nas relações com o outro, e a escola constitui o grupo social mais vivenciado depois da família; um educador preocupado com a linguagem que irá discorrer com seus alunos, estará refletindo o quanto suas atividades são atraentes no sentido das relações diretas neste contexto serem permeadas pelo simbólico e imaginário.

O mundo apresentado às crianças e adolescentes se faz pela linguagem e ela influencia muito no processo de desenvolvimento do aluno e da relação eu-outro, com seus significados e valores sociais. Por isso o educador tem que saber antes mesmo que linguagem usar com seu alunado, o que faz, como faz, e porque faz determinada atividade, pois o que não for dotado de significado para o professor, muito menos será ao aluno.

Tudo que indivíduo aprende na sociedade desde pequeno (nomear pessoas e coisas) passa pelo crivo de relações sociais, mediadas pela linguagem, e que se tornará parte da estrutura mental, o que também inclui memória, afeto, etc.. Deste modo a criança, o adolescente e o adulto carregam para a vida suas vivências mediadas pela capacidade lingüística e sociais.

Assim é por meio da linguagem que construímos nossas relações sociais e afetivas, e o desenvolvimento só avançará se existir um fator mediador de nossas vivências – a linguagem; o desenvolvimento tem a palavra como ferramenta, mas não é a única, existe o pensamento, a memória, e outros que fazem do nosso processo de crescimento e amadurecimento um (des)contínuo de vai e volta, de avanços e retrocessos, num processo dinâmico.

No contínuo e descontínuo do processo de desenvolvimento é necessário que os parceiros mais experientes das crianças e adolescentes, familiares e professores, possam considerá-los seres culturais e simbólicos, respeitando o que cada criança é, única e singular, e que adolescente e adulto se tornará, também com suas particularidades, potencialidades, etc..

Espera-se que esse processo lingüístico seja construído num coletivo onde família-escola-sociedade pensam em um projeto pedagógico com o propósito de tornar o ambiente significativo, por isto precisamos recorrer à Psicologia da Educação para uma base teórica que ajudará a entender o adolescente na escola, respeitando comportamentos, estilos e linguagens diferentes, sem deixar de colocar o jovem em contato com a linguagem padrão e os conteúdos oferecidos. Para isto o professor deve ter um rol didático que estimule este jovem aos desafios de aprender, não só o conteúdo, mas aprender a ser e fazer.

Carrara (2003) escreve sobre algumas contribuições da Psicologia à Educação, pois ela enquanto ciência é que pode dar respostas às dificuldades quanto à aprendizagem, desempenho, compreensão, avaliação, motivação, desenvolvimento.

A Psicologia é uma pluralidade de concepções teóricas, epistemológicas e metodológicas, por isso o autor irá falar da educação e das possíveis teorias que poderiam ajudar a entender o cotidiano da educação, com ajuda da Sociologia, Filosofia, Antropologia e de tantas outras ciências.

Segundo Carrara (2003) a Psicologia pode ajudar o educador desde que ele escolha uma linha teórico-conceitual para olhar para seus alunos. Penso aqui que o educador também tem que refletir sobre quais linhas da pedagogia pairam suas ações, se seriam crítico-social, libertadora, tradicional, etc., aceitá-las como ele próprio concebe e colocá-la em ação.

Cabe então ao educador, diante da diversidade da Psicologia, pensar numa postura profissional e uma escolha de base teórica psicológica que, trabalhe valores voltados para o exercício pleno da cidadania.

A Psicologia no meio escolar não pode ser utilizada como um apêndice do processo educacional (seria inoperante) e nem pode ser confundida com o processo educacional em si, pois representaria uma psicologização em contexto com várias facetas.

Entretanto a Psicologia aplicada à educação0 nos oferece a Psicanálise para entendermos a afetividade de nosso jovem estudante. Pain (1992, apud CARRARA, 2003) e Visca (1987, apud CARRARA, 2003) representam a abordagem afetivo-cognitiva; a primeira articula Psicanálise à teoria piagetiana e ao materialismo dialético, considera o inconsciente na construção do conhecimento, onde as dificuldades de aprendizagem são vistos como sintomas de problemas que podem mostrar uma situação interna conflitante; o não aprender não significa que não há aprendizagem, pois numa linha dinâmica de análise o educador organiza o conhecimento, acaba não tendo controle definitivo sobre parte dos efeitos sobre o aluno. VISCA (1987, apud CARRARA, 2003) trata da abordagem técnico-teórica denominada epistemologia convergente, que integra ensinamentos de Piaget, Psicanálise, Psicologia Social e Pichon-Rivière sobre os aspectos cognitivos, afetivos e ambientais da aprendizagem. A Psicanálise contribui para a compreensão dos conflitos do aluno, principalmente sobre sua subjetividade, seus desejos e particularidades (CARRARA, 2003).

Cabe-nos a reflexão sobre o quanto a Psicanálise ajuda o professor a compreender o desenvolvimento de seu aluno, enxergar suas necessidades e desejos, e refletir sobre suas práticas, e ainda sobre a dinâmica do grupo, suas linguagens particulares.

Temos dentro da Psicologia também o Behaviorismo Radical que é uma concepção que propõe a análise do comportamento por Skinner, e no contexto escolar, o comportamento do professor e aluno são vistos como eventos naturais; o comportamento do professor e do aluno têm causas, não ocorrem gratuitamente; o professor também aprende ao ensinar; a relação professor-aluno é bidirecional, afetando-se reciprocamente; todo professor e todo estudante devem caminhar em busca de consequências positivas; professor e aluno são pessoas únicas, devendo-se promover o ensino personalizado quando possível; deve-se buscar ao máximo condutas pró-sociais (CARRARA, 2003).

O Behaviorismo é bastante objetivo e claro, entretanto, cabe no contexto escolar, dinâmico e não-linear, pensarmos que nem sempre conseguimos diante à diversidade de personalidades, orientar as relações sempre em prol de condutas pró-sociais.

A Psicologia voltada à educação nos fornece também a teoria Histórico-Cultural, com base em Vygotsky o qual defende que, para que as funções psíquicas humanas se desenvolverem internamente no indivíduo (linguagem, pensamento, memória, conduta, linguagem escrita, cálculo, etc.), é preciso vivenciá-las antes nas relações entre pessoas. Então os educadores precisam identificar elementos culturais a serem assimilados pelos alunos para desenvolver ao máximo suas aptidões, habilidades e capacidades (CARRARA, 2003).

Jean Piaget é outro teórico que contribui muito para a Psicologia voltada à educação e Dongo-Montoya (2003, apud CARRARA, 2003), traz muitas reflexões sobre a educação, onde todo educador deve conhecer o que vai ensinar, mas também as operações da inteligência que o aluno utiliza para o raciocínio lógico-matemático, conhecimento físico, social e cultural, desenvolvimento moral e da linguagem.

A teoria piagetiana nos faz refletir sobre os lugares de ensinar que a escola proporciona aos seus alunos, onde perceber as operações que o aluno utiliza para aprender requer vários materiais, ambientes diversificados, abertos e fechados, ou seja, conhecimento empírico e prático, como aprender velocidade e atrito, jogando bola, saltando, e tc..

Peguemos então a importância de considerar uma linha psicológica que proporcione ao educador e à equipe pedagógica a possibilidade e ação de organizar um projeto pedagógico que trave vários diálogos – levar o aprendiz a uma condição de quem age, observa, aprende, elabora e reelabora conceitos cognitivos, afetivos, sociais e culturais, tornando-o realmente um ser pensante.

A escola tem o papel de preparar o aluno para as suas relações com a natureza e com outros homens visando à transformação da sociedade por intermédio de uma educação

crítica. Para isto é necessário que os conteúdos de ensino possuam um caráter político, como proposto, os conteúdos sejam extraídos da problematização da prática de vida dos educandos, pelos "temas geradores" – tendência libertadora; os métodos de ensino são o diálogo entre educador-educando e vice-versa, onde o professor é um animador, incentivando a aprendizagem autogerida pelos alunos e participando quando da necessidade de uma informação sistematizada.

Assim os passos da aprendizagem se dão pela problematização da prática, compreensão

das vivências, para um caminho crítico da realidade, onde a avaliação não só de conteúdos, ocorre pela avaliação das relações e auto-avaliação. Aqui a relação professor-aluno se dá pelo diálogo, numa relação horizontal, onde o aluno pode expressar seus conhecimentos prévios e compreender, refletir e criticar; ensinar a "ser presença no mundo", assim como diz Freire (2003).

Não podemos apenas apontar a falta de potencialidades dos alunos, profetizando que ele "não tem capacidade para aprendizagem", pois este é um problema da escola em conjunto com a família, pois se a criança não aprende, não podemos dizer que é culpada, e julgá-la como incapaz.

É importante ressaltar que a visão crítico-social de educação poderá também garantir desenvolvimento das potencialidades dos jovens, pois ela visa a apropriação dos conteúdos culturais universais incorporados pela humanidade, mas reavaliados constantemente face às realidades sociais. Aqui é importante garantir ao aluno o acesso aos conteúdos (continuidade) e proporcionar elementos de análise que possam fazer com que o aluno ultrapasse a experiência, os estereótipos e as pressões da ideologia dominante.

Precisamos deste modo verificar para o desenvolvimento de uma visão crítica-reflexiva da criança e adolescente, não podemos recorrer à educação bancária como colocado por Paulo Freire (1993), a qual não colabora na atualidade, para uma criança sintonizada com as mídias e os mais variados estímulos. Esta criança precisa ser pensada como alguém que tem capacidade para atuar no mundo, agindo em prol de seus objetivos e uma visão de como realizar seus projetos. Na busca destes projetos a escola infalivelmente precisa pensar o projeto pedagógico de maneira integrada, onde dirigentes, professores, funcionários, e família agem com o indivíduo em desenvolvimento, e em prol do mesmo.

Deste modo a criança não é mais ingênua, como aquela pensada no ensino familiar e instrucional da Idade Média e dos séculos posteriores, como colocado por Ariès (1981) na introdução deste trabalho.

Referências

ARIÈS, P.. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

BASSEDAS, E.; HUGET, T.; SOLE, I. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.

CARRARA, K.. Algumas contribuições da Psicologia à educação. Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação em Psicologia da Educação. UNESP, 2003.

FREIRE, P.. Educação "bancária" e educação libertadora. Em Introdução à Psicologia Escolar, Maria Helena Souza Patto (org.). São Paulo: T. A Queiroz, 1993, 2ª Edição.

FREIRE, P.. Educação e esperança. Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação em Filosofia da Educação. UNESP, 2003.

OLIVEIRA, M. K. de.. Vygotsky e o processo de formação de conceitos. Em Piaget, Vygotsky e Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.



[1] É psicóloga e mestre em Psicologia da Educação, atua como professora universitária e consultora em recursos humanos.

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