De Trump para Biden, com Amor (2021)
Publicado em 04 de novembro de 2021 por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho
De Trump para Biden, com Amor Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho *Artigo escrito e publicado em 2021 Há alguns anos, escrevi um artigo intitulado “Obama, a Mídia e a Quarta Guerra”, em que defendia a saída das tropas dos EUA do Afeganistão, eis que, não obstante a legitimidade da intervenção (decorrente do 11 de Setembro), o regime Talibã, protetor da al-Qaeda e de Osama bin Laden, já havia sido derrubado, e por isso não havia mais razão para os americanos continuarem militarmente a ocupação. Em simultâneo, propugnava a permanente cooperação entre os serviços de inteligência ocidentais e afegão, a fim de combater potenciais terroristas. Apesar do acontecido nos últimos meses, reitero essa posição. No meu entender, o presidente Biden fez bem em remover as Forças Armadas dos EUA do solo afegão, pois, se não o fizesse, jamais teríamos, no curto prazo, uma perspectiva mais robusta de quando as atrocidades envolvendo o Ocidente teriam um ocaso. Fez o correto, embora de forma brutalmente desorganizada, caindo numa armadilha preparada pelo antecessor, Donald Trump. Em fevereiro de 2020, Donald Trump, em uma exceção ao princípio de que os EUA “não negociam com terroristas” (pelo menos, não com os que não estejam ao seu lado), assinou um acordo com o Talibã, comprometendo-se a retirar as tropas americanas do Afeganistão até a corrente época - tendo única como condição de aplicabilidade a não hostilidade do grupo fundamentalista para com os militares dos EUA. Trump sabia que dito instrumento jurídico abriria as portas para a retomada, do poder central do país, pelo grupo fundamentalista. Por isso, não fazia qualquer sentido inserir cláusulas permitindo que os serviços de inteligência dos EUA e demais países ocidentais permanecessem atuantes no país. A retirada teria que ser total, caso contrário o Talibã não seria parte no acordo, de modo a permanecer atacando as tropas americanas. Com a saída completa - ao menos no papel - o Talibã conseguiria não somente retomar, mas permanecer no comando do Afeganistão. Sim, a saída total se concretiza apenas no papel, formalmente, retirando-se os militares, mas os serviços de inteligência dos EUA e seus aliados ocidentais continuarão a atuar no país centro-asiático (por isso mesmo são chamados “serviços secretos”). Trump assinou o acordo com tal raciocínio em mente, e é claro que precisava manter confidencialidade a respeito da atuação secreta, algo que Biden, também, deverá obedecer. Assim, Trump poderia chamar a si o crédito de ter iniciado o fim da mais longa guerra da História dos EUA, pavimentando sua eventual permanência ou futuro retorno à Casa Branca: afinal, o acordo foi assinado no início de 2020, ano de eleição presidencial nos EUA. Com o respectivo crédito, teria mais chances de se reeleger, o que, se ocorresse, faria com que as terríveis cenas de pessoas inocentes tentando escapar do Talibã pelo aeroporto de Cabul, mesmo que a ele vinculadas, não o viessem a lhe afetar, já que nos EUA o mesmo cidadão só pode, ao longo da vida, ser presidente duas vezes, sucessivas ou intercaladas. Desta forma, no hipotético futuro mandato, tão e terríveis fatos lhe seriam indiferentes. Mas, se não se reelegesse - como não se reelegeu - o trágico desfecho ficaria, como de fato ficou, associado à inaptidão do seu sucessor (no caso, Biden), que, repita-se, jamais poderia invocar a seu favor que os EUA e aliados lá continuam e continuarão secretamente (tanto continuam e continuarão que o próprio Biden acaba de anunciar que a prioridade, agora, é enfrentar Rússia e China, que, não por coincidência, já cortejam o novo governo Talibã). E isso pode ser fatal para a campanha de Biden à reeleição em 2024, em especial se considerarmos que, ao deixar a Casa Branca pela última vez, Trump afirmou que “voltaremos de alguma forma”. Trump, antes de ser presidente, nunca havia sido eleito para nada. Provou-se um péssimo líder internamente, e no xadrez da política externa é uma águia míope: tem uma visão moralmente limitada, muitas vezes tosca, que só enxerga os próprios interesses e de seu partido, o Republicano. Mas essas limitações não o impedem de obter os resultados que deseja. Pode ter lido várias vezes “O Príncipe”, de Maquiavel. Leitura que, ao que parece, não é hábito dos presidentes democratas.
