A multa é uma das modalidades das penas adotadas pelo Código Penal e se revela no pagamento pelo condenado ao fundo penitenciário, com o cálculo inovador do direito brasileiro, aplicado em dias-multa.

O artigo 49 do Código Penal prescreve:

"A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias – multa.

Livro relacionado:

§1º. O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.

§2º. O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária."

Segundo José Antônio Paganella Boschi[1], em seu livro das Penas e seus Critérios de Aplicação, a pena de multa é bastante antiga, aparecendo na Bíblia – Êxodo, XXI e XXII. – e adotada na Grécia e na Roma antigas, onde era aplicada para reparação do dano ex delicto.

Acompanhando as lições do referido autor, na sua feição atual (em dias), a multa surgiu, pioneiramente, no Código Criminal de Império Brasileiro de 1830 (art. 55) e, depois de ter desaparecido por um bom tempo, retornou ao direito positivo brasileiro, com a Reforma da Parte Geral do Código Penal por meio da Lei 7.209/84 (arts. 49 e segs. do CP).

Vale ressaltar que antes dessa reforma, todavia, já vigoravam leis cominando a pena de multa, como por exemplo, o Código Eleitoral (Lei 4.737/65), as antigas leis de tóxicos, hoje a Lei 11.343/06, o Código Florestal e Lei dos serviços postais, Leis 4.771/65 e 6.568/78, respectivamente.

Nas leis extravagantes em que se prevê a cominação da pena de multa em salários mínimos, não se aplica o sistema de dias-multa. Há quem sustente ser inconstitucional a fixação com base no salário mínimo, a teor do artigo 7º, IV, da Constituição Federal, que vedou a sua vinculação para qualquer fim, mas essa corrente é minoritária.

Assim como acumular bens, ganhar dinheiro e produzir riqueza fazem bem ao homem, inversamente a perda de dinheiro e a redução de bens e de riqueza lhe causam muito mal. A pena de multa começou a nascer no exato momento em que o homem primitivo descobriu essa verdade. E por essa razão a multa, do latim mulcta sempre teve um significado de expiação, retribuição, castigo.[2]

Em colocação pontual, Cezar Roberto Bitencourt[3] ensina que duas são as características essenciais, tradicionais, da pena de multa em todos os países: 1º) a possibilidade de sua conversão em pena de prisão, caso não seja paga; 2º) seu caráter personalíssimo, ou seja, a impossibilidade de ser transferida para os herdeiros ou sucessores do apenado.

Entretanto, no Brasil, a Lei 9.268/96, que deu nova redação ao art. 51 do Código Penal, impossibilitou a conversão da multa em prisão, aplicando-se-lhe as normas de legislação relativa à divida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

A técnica utilizada pelo nosso Código Penal para cominação foi a utilização do termo puro em simples de "e/ou multa". Assim, inseriu-se um capítulo específico e retirou a expressão "multa de...". Em decorrência, os tipos penais não trazem mais, em seu bojo, os limites mínimo e máximo da pena cominada, dentro dos quais o julgador deveria aplicar a sanção necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime, afirma no mesmo trabalho, Código Penal Comentado, Bitencourt.

É o que se infere do artigo 58 do Código Penal:

"A multa, prevista em cada tipo legal de cada crime, tem os limites fixados no art. 49 e seus parágrafos deste Código.

Parágrafo único. A multa prevista no parágrafo único do art. 44 e no §2º. do art. 60 deste Código aplica-se independentemente de cominação na parte especial."

A referência atual é o artigo 44, §2º do Código Penal, onde reza ser a condenação igual ou inferior a 1 (um) ano substituível por multa ou uma pena restritiva de direitos; se superior a 1 (um) ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

A pena de multa poderá ser aplicada isoladamente, sendo a pena única; cumulativamente com a pena privativa de liberdade; alternativamente à pena privativa de liberdade; em substituição à pena privativa de liberdade, mas cumulada com restritiva de direitos.

Também em substituição à reclusão e detenção, para ser aplicada como pena única, em caso de condenação à pena privativa de liberdade não superior a um ano, desde que igualmente presentes as condições de favorabilidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, a teor dos artigos 44, §2º, e 46, todos combinados com o artigo 60, §2º, do CP, que, em razão do advento da Lei 9.714/98, deve agora ser reinterpretado, visando à harmonia de tais dispositivos legais.[4]

Nesse sentido, Bitencourt[5] afirma que o Código Penal previu duas hipóteses em que, preenchidos os demais requisitos, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela multa quando a primeira não for superior a seis meses, independentemente de tratar-se de crime doloso ou culposo; e nos crimes culposos cuja pena seja igual ou superior a um ano de detenção, poderá ser substituída por multa e uma pena restritiva de direitos. Afirma ainda que embora a lei indicar a possibilidade, o juiz é obrigado a aplicá-la quando o condenado preencher os requisitos.

A pena de multa possui vantagens e desvantagens. Primeiro, porque o condenado à pena pequena não é levado à prisão, não o retirando do convívio com a família e do convício social. Ainda, o Estado não gasta com encarceramento e aufere renda extra. De outro lado, afeta mais duramente o pobre do que o rico, a maioria não tem como pagar a multa e não intimida como a pena privativa de liberdade.

A individualização da pena pecuniária deve obedecer a um particular critério bifásico: a) firma-se o número de dias-multa (mínimo de 10 e máximo de 360), valendo-se do sistema trifásico previsto para as penas privativas de liberdade; b) estabelece-se o valor do dia-multa (piso de 1/30 do salário mínimo e teto de 5 vezes esse salário), conforme a situação econômica do réu.[6]

Nesse diapasão, a jurisprudência se divide em duas correntes. A primeira aplica a pena de multa considerando, apenas, a condição financeira do condenado, sem considerar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal. A segunda corrente afirma que a pena de multa há de ser aplicada considerando, além da situação econômica, as circunstâncias judiciais, como se faz no sistema trifásico de aplicação da pena privativa de liberdade. É a posição de Mirabete, Damásio, Bitencourt, Boschi, além do Nucci, conforme transcrição acima.

Muito importante lembrar que as decisões devem ser motivadas, respeitando o artigo 93, IX, bem como individualizadas, artigo 5º, XLVI, ambos da Constituição Federal.

O pagamento da multa deve ser dentro de dez dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado, e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais – artigo 50 do Código Penal.

Previu ainda o supracitado artigo, em seu parágrafo primeiro, que a cobrança da multa pode efetuar-se mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando: 1) aplicada isoladamente; 2) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos e 3) concedida a suspensão condicional da pena.

O desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família - §2º, artigo 50 do CP. Já o artigo 168 da Lei de Execução Penal, impõe o limite de descontes: máximo – quarta parte da remuneração; mínimo: um décimo da remuneração.

Grande divergência ocorre na doutrina quando se discute a competência para a execução da pena de multa. Bitencourt[7], por exemplo, afirma a legitimidade como sendo do Ministério Público. Vera Regina de Almeida Braga afirma que a atribuição para a execução é dos Procuradores dos Estados, perante as Varas da Fazenda Pública, depois de inscrição da sentença no Livro da Dívida Ativa, na forma indicada para a cobrança da dívida ativa. Por sua vez, Boschi[8] concorda com Bitencourt e afirma, que, por outro lado, a sentença penal condenatória inscrita no Livro da Dívida Ativa é, data venia, um absurdo, porque, constituindo a sentença título executivo judicial certo e líquido, ela já preenche os requisitos em nome dos quais a dívida tributária é inscrita no Livro próprio.

Gilberto Ferreira[9] também é do entendimento que a multa será cobrada através da ação de execução, nos termos dos arts. 164 e seguintes da Lei de Execução Penal e de acordo com as regras da Lei Processual Civil. A execução será efetuada em apenso aos autos da própria ação penal, salvo se forem penhorados bens imóveis, quanto então se processará perante o juízo cível (art. 165).

Nucci[10] entende que a dívida deve ser executada pelo Ministério Público, na Vara das Execuções Penais, embora seguindo o rito procedimental da Lei 6.830/80, naquilo que for aplicável.

A opinião que vem se formando é no sentido de que a interpretação literal da lei não pode prosseguir. A própria exposição de motivos da Lei 9.268 em nenhum momento faz referência à mudança da natureza da multa não paga. Pelo contrário, afirmou que o projeto visava facilitar a cobrança da multa criminal, através de um procedimento adequado e infenso às dificuldades que atualmente se opõem à eficácia desta forma de reação penal.

A exposição de motivos nem ao menos menciona a expressão "dívida ativa", demonstrando claramente que a intenção da alteração não foi modificar a natureza da pena pecuniária por ocasião de sua execução forçada.

[...]