Doutrinariamente, sabe-o toda a gente, que a aquisição da propriedade imóvel se dá de dois modos. Um, refere-se ao modo originário, quando o adquirente recebe esse título de forma direta e independente do antigo proprietário, sem com este manter qualquer vínculo. Outro se concebe de modo derivado, reclamando a vinculação do adquirente a outra pessoa, pressupondo um ato ou um negócio jurídico de transferência da propriedade para o adquirente.

Nesse sentido a sempre esmerada observação de Washington de Barros Monteiro, para que “... os modos de adquirir a propriedade dividem-se em originários e derivados. Nos primeiros, a aquisição é direta e independente de interposição de outra pessoa, o adquirente faz seu o bem, que lhe não é transmitido por quem quer que seja. São modos originários a aquisição da propriedade por ocupação, a especificação e a acessão. Nos segundos, a aquisição tem como pressuposto um ato de transmissão por via do qual a propriedade se transfere para o adquirente. Tais são a transcrição e tradição” (Curso de direito civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, 3ª vol. p. 101).

 

Em se tratando da natureza jurídica da expropriação, isto é, da forma de aquisição originária da propriedade, significa dizer que quaisquer direitos reais relativos ao imóvel sub-rogam-se no valor do bem.

 

O entendimento doutrinário majoritário é no sentido de que qualquer das espécies de expropriação será sempre o modo de aquisição originário, o que significa que o título de domínio do expropriante não deriva de um título anterior. Não há a transferência da propriedade do expropriado para o adquirente. Não há relação entre adquirinte-expropriado-bem. A relação é linear (adquirinte-bem).

 

O insigne Pontes de Miranda perfilha seu ponto de vista, ao afirmar: " a desapropriação acompanha o bem; e desliga-o de qualquer apropriação desde esse momento". (Comentários à Constituição. V/435 e 436).

 

O Egrégio Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, por sua 3ª Câmara, em acórdão publicado pela RT 442/172, deixou estabelecido o seguinte: "a desapropriação é uma aquisição originária da propriedade e não derivada, não havendo qualquer vinculação entre o adquirente da propriedade e o que vem a perdê-la. Esse o magistério de Viveiros de Castro, Ruy Cirne Lima e Pontes de Miranda, mencionados no exaustivo estuda da natureza jurídica do instituto, promovido Marco Aurélio Greco ( cf. RDP 16/180 e ss)" ( Grifo nosso).

Instituições do Direito Civil, Caio Mário da Silva Pereira Vol. IV, 12ª edição, Ed. Forense

 


Mantendo-se ainda a linha de pensamento prefacial, a título de conceituação do instituto, tem-se a arrematação como sendo “um ato do processo de execução, antecedido de edital, no qual em hasta pública, ou leilão são adquiridos os bens penhorados, por terceiros, através de pagamento em dinheiro ou com adjudicação ao credor, tendo por finalidade a satisfação da obrigação.” A arrematação é, “destarte, um ato de transferência dos bens penhorados no processo de execução, apregoados pelo leiloeiros e adquiridos pelo licitante pelo maior lance” (Pinto Ferreira. Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 1998, pág. 300).

Para o mesmo professor Pinto Ferreira, “adjudicação é a transferência judicial, o ato em que o credor recebe a coisa penhorada, como forma de pagamento total ou parcial do seu crédito... O credor pode, então, requerer sejam-lhe adjudicados, isto é, transferidos para seu domínios, por preço não inferior àquele constante do edital de leilão ou praça” (ob. cit., p. 301).

Essa posição doutrinária, esboçada por Pinto Ferreira, seria bastante exauriente e adequada, não fosse o equívoco, data venia, de tratar a excussão dos bens em hasta pública como ato de “transferência” da propriedade, quando evidentemente não o é, como se verá.

Observe-se, por primeiro, que eventual negócio jurídico havido em hasta pública se dá apenas entre o particular adquirente e o Estado. Sem maiores delongas, pode-se resumidamente tratar a arrematação como verdadeira expropriação jurisdicional, assemelhando-se muito com o instituto da desapropriação versada no direito administrativo e agora, também, no direito civil quando revigorou a posse pro labore (a respeito, confira-se nosso artigo intitulado Anotações sobre a posse pro-labore do novo Código Civil publicado em Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre; Revista Bonijuris, Paraná e Revista Justilex, Brasília, além de diversos sites e revistas outras). De sua vez, a adjudicação pode representar negócio jurídico atípico, acolhendo elementos da dação em pagamento e da novação.

Afora isso, conquanto estejam esparsamente tratadas em normas de direito essencialmente material, não se exige muito esforço de raciocínio para se vislumbrar que o objetivo dos institutos da arrematação e da adjudicação é, apenas, a satisfação do crédito ostentado pelo credor. Este, devendo se valer da soberania estatal para buscar no patrimônio do devedor a satisfação de seu crédito o fará coercitivamente na fase procedimental adequada.

 

Pedro Migliolli

Consulnegi – Consultoria de Negócios e Gestão de Idéias

www.consulnegi.com.br