Gabriel Fefin Machado  


  1. INTRODUÇÃO  

           No texto em questão (A alma e o corpo de Henri Bergson), percebemos logo de início o assunto a ser discutido: a alma e o corpo. Com isso, vários autores já tentaram se arriscar falando sobre o tema, mas o que Bergson traz não é somente uma exposição de um pensamento metafísico tradicional, que reforça o dualismo substancial que vem desde René Descartes (e até mesmo antes dele, na Antiguidade), ou nem mesmo dá de ombros para a ciência de sua época. Dentro do texto, que na verdade é tirado de uma conferência, Bergson trata o assunto não querendo impor seus ideais e submeter uma resposta para esse dado ainda incognoscível, mas sim utiliza de todos os meios que têm para investigar a relação do espírito com o corpo. Em sua escrita, ele se torna um homem cauteloso e cuidadoso com as palavras, sabendo muito bem em que meio ele estaria entrando, algo que afetaria tanto um lado quanto o outro, tanto idealistas quanto realistas, metafísicos e cientificistas. Portanto, para verificarmos sua trajetória argumentativa, esse texto foi dividido em três partes: Introdução, Desenvolvimento (parte I e II) e Conclusão.

 

  1. DESENVOLVIMENTO 

2.1. Parte I 

          Nessa primeira parte falarei sobre a primeira metade do texto, em que podemos compreender que Bergson tentou antes de tudo explicitar suas intenções e colocar argumentos tanto científicos, utilizando a neurociência, psicologia e biologia, quanto metafísicos, que ele mesmo não ousou explicar de maneira sistemática, e sim, por sua observação. Uma das primeiras afirmações foi a do movimento “voluntário”, sendo o outro lado das ações que são efetuadas de dentro para fora que é expresso e movido mecanicamente (como reações motoras) por fora e pelo nosso Eu por dentro, nossa consciência. O corpo realiza as ações na matéria que a consciência por si só não consegue, contudo, a matéria só existe no presente, deixando traços no passado, que são perceptíveis somente pela mente. Uma se prende ao espaço e tempo presente, o outro se esvai para longe além dessas categorias e utiliza o passado e presente para criar algo no futuro, ele é o próprio tempo. Como Bergson diz:

[...] a matéria está no presente e, se é verdade que o passado aí deixa seus traços, são traços de passado apenas para uma consciência que os percebe e interpreta o que percebe à luz do que ela recorda: a consciência, ela sim, retém o passado, enrola-o sobre si própria na medida em que o tempo passa e prepara com ele um futuro que ela contribuirá para criar. (BERGSON, 1974, p. 203) 

           Além disso, no decorrer do texto, ele se pergunta sobre a relação da mente com o corpo, e onde ela se daria. E para isso, primeiro ele teria que mostrar que há relação. Então, argumentando sobre as lesões e doenças que afetam o corpo, encontramos o questionamento: as lesões que ocasionam perdas da capacidade cognitiva são constituídas por lesões no cérebro ou na mente? Bergson faz toda uma trajetória para mostrar que a lesão é no cérebro e que seria improvável que algum tipo de doença chegaria a afetar o raciocínio em si, a mente por si mesma, pois ela mesma não se encontra em lugar algum, e quando se afeta a estrutura que a sustenta, ela também há de balançar. E, segundo Bergson (1974, p. 207), “[...] a consciência está incontestavelmente acoplada a um cérebro, mas não resulta de nenhum modo disto que o cérebro desenhe todos os detalhes da consciência, nem que a consciência seja uma função do cérebro”. Essa é a relação pela qual afirma juntamente com a ciência e a experiência.  

           Além do mais, para apoiar sua forma de pensamento contrária às da época, onde cita os extremos da ciência e da metafísica tradicional que impõem sua visão sobre a alma e o corpo. Na primeira o cientista, por não conseguir apreender nada além do que se vê, diz que a mente se encontra no cérebro, diz Bergson (1974, p. 207) expondo o pensamento de um cientista pelo qual se vê enviesado pelo cientificismo, “[...] apenas vejo o cérebro e apenas posso apreender o cérebro; vou então proceder como se o pensamento não fosse mais do que uma função do cérebro; assim, avançarei com mais audácia, terei mais chances de chegar mais longe”. E para a metafísica tradicional seguindo o pensamento de um paralelismo rigoroso em que o que ocorre na mente também ocorre no corpo e vice-versa, também seguido por um cartesianismo, diz Bergson: 

A única hipótese precisa que a metafisica dos três últimos séculos nos legou sobre este ponto é justamente a de um paralelismo rigoroso entre a alma e o corpo, a alma exprimindo certos estados do corpo, ou o corpo exprimindo a alma, ou corpo e alma sendo duas traduções, em línguas diferentes, de um original que não seria nem um nem outro: nos três casos, o cerebral equivaleria exatamente ao mental. (BERGSON, 1974, p. 208). 

 

2.2. Parte II 

           Sendo assim, a outra metade do texto implica na perspectiva do pensamento em relação ao cérebro. Já foi falado muito sobre isso, mas agora, Bergson vai por outras linhas, ainda recorrendo ao que vimos anteriormente, da mente ir além do corpo, de não se moldar a uma única moldura, em que o cérebro não determina o pensamento e o mesmo é em larga medida independente do outro. O cérebro é o que emite sinais para o movimento simples e mecânico do corpo (movimentos voluntários), mas Bergson coloca o questionamento sobre o cérebro ser órgão do que? Da escolha? Do pensamento? Na verdade, o cérebro é o órgão da atenção à vida, ele que faz a passagem do mental para o real, se concentra na realidade material e passa através de sua ligação com a ideia, uma paralisação do pensamento na realidade. E, ainda, “[...] a ideia é a imobilização do pensamento; ela nasce quando o pensamento, em vez de continuar seu caminho, faz uma pausa e volta-se sobre si mesmo” (BERGSON, 1974, p. 211). Assim, além de vermos uma relação mente e corpo, vemos também uma contribuição, que se complementa para a criação da vida.  

           Em seguida, o que conseguimos tirar dessa reta final é que Bergson mostra a realidade como um fluxo, e quando se perde, por exemplo, alguma capacidade cognitiva por conta de uma lesão cerebral, a própria realidade que era mais concreta por conta da fixação das coisas pelo cérebro filtrando a mente, se torna caótica por estar sem limites, a mente flui sem se imobilizar a nada, e por isso, não consegue compreender muito o que está a sua frente. Nenhuma ideia é imobilizada e se torna um caos de pensamentos, por conseguinte, Bergson faz toda essa argumentação em cima do próprio pensamento imobilizado pela ideia, como uma forma de alinhar-se com a realidade por meio do corpo.

 

  1. CONCLUSÃO

        Ao fim do texto, a lembrança é trazida de novo ao debate. É admitido por Bergson que certa parte do funcionamento da memória pode ser encontrada no cérebro junto com o processamento auditivo e linguístico, todavia, não somente se limita a isso, pois o funcionamento da lembrança e a construção do futuro ainda não foram explicados pelo cérebro, só sabemos do processo que perpassa por lá. A lembrança e seu acúmulo estariam em lugar nenhum já que não se corresponde mais a um corpo dentro de um espaço, mas sim ao espírito, na consciência, na memória. Na linguagem, uma palavra só é dita como “palavra” pelo seu processamento gradual no presente e o precedente dito anteriormente no passado. Uma forma colocada por Bergson para mostrar a vida interior, como um falar com vírgulas, mas sem pontos finais. A função do cérebro é, portanto, segundo Bergson (1974, p. 217), “[...] o serviço de manter nossa atenção fixada na vida; e a vida, ela, olha para a frente; ela somente se volta para trás na medida em que o passado pode auxiliar a esclarecer e a preparar o futuro”. E o cérebro para a memória: “[...] ele não serve para conservar o passado, mas primeiramente para velá-lo, depois para deixar transparecer o que é praticamente útil.” (BERGSON, 1974, p. 217). Essa é a função do cérebro frente ao espírito.  

           Em suma, Bergson tenta mostrar que como o mental ultrapassa o cerebral, quando o corpo se esvai, a mente tem chances de sobreviver, diferentemente de uma perspectiva de equivalência entre corpo e mente que é abordada pela metafísica tradicional, onde a sobrevivência não teria como triunfar, pois o corpo e a mente não se sustentariam quando um se desmanchar. Assim, Bergson dá a optar por duas escolhas para com a filosofia e sua abordagem em relação aos assuntos tratados aqui: ou o puro raciocínio, que visa o resultado definitivo, pois é suposto perfeito; ou uma observação paciente que fornece apenas resultados aproximados, que podem ser corrigidos indefinidamente. E, pelo o que parece, Bergson escolhe a segunda. Mas não obriga a ninguém o seguir, e sim orienta-nos a escolher por nós mesmos.

 

  1. BIBLIOGRAFIA 

BERGSON, H. Os Pensadores: Cartas, conferências e outros escritos, 1ª ed. São Paulo: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1974.