Breves comentários à nova Lei do Mandado de Segurança

Por ADÃO DE ASSUNÇÃO DUARTE | 18/02/2010 | Direito

                                                                                                    * Adão de Assunção Duarte

            Sem discussão pública, sem debate democrático adequado, surgiu um novo diploma legal sobre o Mandado de Segurança.

            No dia 07 de agosto de 2009, foi sancionada a Lei n. 12.016, disciplinando o Mandado de Segurança em nosso país, entrando em vigor praticamente de imediato, porque em 10.08.2009, data de sua publicação. A ligeira Ementa da nova lei expressa textualmente:

            Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências” -  Quer nos parecer sejam desnecessários os vocábulos individual e coletivo, se não existe outro tipo nesse assunto. A nosso ver, bastava tão somente: “Disciplina o mandado de segurança e dá outras providências”...

            O novo diploma legal foi sancionado pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, após lhe ser solicitado  vetar alguns dispositivos que se entendem nocivos e prejudiciais à notável ação constitucional, embora ele tenha vetado outros pontos que nos pareceram menos lesivos.

            Infelizmente, a nova lei elitiza e dificulta o Mandado de Segurança e, na prática o desmoraliza, inferiorizando-o  e diminuindo sua alta importância no mundo processual. Iluminados juristas do Sistema, legisladores ou não, contribuíram para isso ao elaborarem o projeto de lei que tramitou sem a publicidade e o debate necessários e adequados a um diploma legal dessa significação...  Vejamos algo a respeito. 

            O art. 7º , inciso III, tratando do despacho da Inicial pelo juiz e da concessão da liminar,  lembra o seguinte: 

            “...facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica” (negritos nossos).

            Nesse aspecto, o Mandamus  torna-se elitista, discriminatório contra os mais frágeis economicamente porque se precisarem de uma liminar através desse remédio jurídico, deverão prestar caução, fiança (não diz qual) ou depósito (sem dizer de que, onde, se em Banco, pessoa física etc). Como o pobre ou o carente irá prestar fiança, caução ou  depositar algum numerário? E qual será o objetivo desse depósito, fiança ou caução? “assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica”!  Como se a essa entidade se devesse algo indenizável, por usar uma ação constitucional... Logo, qual a necessidade que o ente administrativo possui desse pagamento? É, assim, um objetivo sem fundamento e mais que tudo humilhante.

            Nesse caso, como entende a OAB, estaria sendo criado um apartheid judicial. Entendo que se estaria violando o magnífico princípio constitucional do acesso à Justiça e se se trata de Mandado de Segurança, estar-se-á, com a nova lei, dificultando-lhe o uso, elitizando-o e desmoralizando-o (depende de dinheiro para se conseguir liminar, mandado de segurança é para os ricos etc seriam alguns comentários críticos possíveis).

            O caput do artigo 14 da lei diz que “Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação”..  Total inutilidade, porque sempre da sentença cabe apelação e isso já vem no Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 513, por exemplo.

            O  § 1º do mesmo artigo  estabelece que “concedida a segurança, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição”.       

            É isso um grande retrocesso, já que se os tempos modernos anseiam pela completa extinção do chamado “recurso de ofício” (há muito deveria haver desaparecido), é muito estranho o dispositivo legal ampliar, estender o uso desse tipo de procedimento, burocratizando e complicando ainda mais o “Writ”. O chamado “recurso de ofício”, nesse processo,  é traço marcante do grande atraso processual, de maior burocracia para essa ação constitucional, levando mais um ato processual ao Juiz da causa, ao Judiciário, portanto, ato este totalmente dispensável, já que existindo as partes, quem interessar recorrer que recorra.

            O § 2º desse artigo estabelece:  estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer” ... É um dispositivo desnecessário, inútil, porquanto essa autoridade sempre recorreu ou pôde recorrer, como impetrada ou impetrado no Mandamus...

            O §3º do mesmo artigo contém outra restrição ao espírito do Mandado de Segurança ao estabelecer:

            “A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar”.

            O instituto da execução provisória, que pode ajudar bastante nessa fase, com essa nova determinação legal, sofreu enorme restrição, séria limitação, ainda mais agora no século XXI quando muito mais se indefere pedido de liminar nos processos que a comportam...  

            O artigo 14, entretanto, prossegue a triste sina de prejudicar o Mandado de Segurança, tirando-lhe força, diminuindo-lhe a importância e prejudicando os titulares dos direitos por ele protegidos... Eis o que estabeleceu o § 4º do mesmo:

            “O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial” – negrito nosso...

            É uma determinação elitista, defendendo o poder dominante, administrativo, político e econômico, porque veda, impede que os servidores, beneficiários de sentenças concessivas de Mandado de Segurança, possam receber os chamados “atrasados”, e isso possibilita a acumulação de capital (na linguagem do grande Karl Marx) nas mãos do poder, nos cofres do mundo estatal, caracterizando aquele costumeiro enriquecimento ilícito... Não seria uma clara e violenta apropriação sobre recursos alheios?  Como se verifica, esse Governo, com os iluminados que o assessoram dentro nos três poderes, trataram e tratam muito mal a notável categoria dos Servidores Públicos.   Esses iluminados elaboradores e o sancionador dessa lei  esqueceram-se de que os servidores, na fase de execução, ainda irão encontrar o entrave maior na demora causada pelo  monstro chamado Precatório, um obstáculo ao próprio Estado de Direito e uma violência horrorosa contra a cidadania e contra a dignidade da pessoa humana...

            O art. 15 é direcionado mais e mais ao Poder, à Máquina Governamental, ao Estado em si, ao Município, à intrincada e complexa Pessoa Jurídica de Direito Público e ao Ministério Público visando requerer a suspensão de execução da liminar e da sentença em Mandado de Segurança...  E é ainda concedido o direito de repetir o pedido de suspensão (§ 1º a 5º) prevista nesse interessantíssimo artigo, burocratizante, elitista, discriminatório e mais benéfico ao Poder, nos seus pormenores, particularidades  e parágrafos).   

            Uma pérola para quem pensava em usar menos recursos nos processos brasileiros, vem no art. 18:

            Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada” – negritos nossos.

            Três espécies de recursos num processo só, numa instância só!

            O art. 25, de uma redação estranha, estabelece que “não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios,  sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé”. 

            Não se sabe o motivo pelo qual se inseriu aí a aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé, ainda mais agora neste novo século quando existe uma certa psicose pela  litigância de má-fé...    No caso deste artigo de lei, ela seria para quem requer pagamento de honorários? Ou para quem quiser usar embargos infringentes? Por que razão sem razão foi inserida aí a litigância de má-fé junto a dois outros assuntos tão díspares? 

            Não foi equívoco, nem engano, nem esquecimento, mas foi algo feito de propósito, jogando os embargos infringentes primeiro e o assunto contra o pagamento de honorários advocatícios no meio para que um número menor de pessoas visse, pois sabiam os elaboradores do projeto de lei  que haveria posição contrária a essa vedação à verba honorária...

            Na realidade, o Mandado de Segurança é uma peça muito técnica, exige cuidados extraordinários para sua elaboração por parte do advogado e não se sabe porque o Estado, o Governo entende que não se lhes deve pagar honorários, se se sabe que o labor do advogado é um trabalho difícil, honroso, complexo, mas  significativamente importante...

            Uma das razões seria o alto número de mandados de segurança que poderia onerar demais a autoridade apontada como coatora...  Ocorre, porém, que como a execução de sentença é geralmente requerida contra a Pessoa Jurídica a que pertence a autoridade indicada como impetrada, claro que esta não seria onerada pelo pagamento das despesas.  

            A boa notícia é a de que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), examinando o assunto, providenciou a elaboração de uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra alguns dispositivos dessa lei, o inciso III do art. 7º por exemplo  (caução, fiança e depósito que poderão ser exigidos), o art. 25 etc   

            Aguardemos que tenha sucesso, encontrando o Supremo Tribunal Federal num belo momento de lucidez, porquanto a sua vitória é a vitória de todo o povo brasileiro, especialmente dos que podem precisar de usar o notável remédio constitucional do Mandado de Segurança.

            Nesta oportunidade, esta é  nossa colaboração ao assunto, ao aperfeiçoamento legislativo deste país e ao fortalecimento do Mandado de Segurança, lembrando a sua alta relevância e o seu grande significado. 

     Salvador, Bahia, agosto/outubro de 2009.
     *Adão de Assunção Duarte

     Advogado, Professor Universitário,
     Juiz Federal aposentado.