RESUMO

Ainda que de forma breve, se procura demonstrar a distância que se criou no Brasil entre as determinações legais que regem o Sistema Único de Saúde (SUS) e a realidade vivenciada pela população, sobretudo no tocante à qualidade do serviço disponibilizado, que contrasta com a normatização legal vigente. Além de analisar os pontos positivos e negativos do mesmo. Para abordar esse tema, foi utilizada uma metodologia comparativa da realidade brasileira com a de outros países, considerando a peculiaridade de cada nação, e com que foi proposto na lei que firma o SUS. Os resultados dessa análise são a má administração financeira do sistema de saúde, o privilégio das redes privadas em detrimento ao interesse público, a falta de consolidação da carreira do profissional da saúde e os ambientes inadequados ao exercício de suas atividades, o monopólio do mercado de trabalho realizado por vários médicos e a burocracia para a promoção e a recuperação da saúde. Como soluções para esses problemas são o voto, para melhor escolher os representantes da sociedade, a paralisação dos andamentos que transferem recursos públicos para as redes particulares que não estão de acordo com o SUS, a auditoria mais eficaz, com características de um jornalismo investigativo, que investiga, descobre e denuncia as falhas, o aumento das vagas e de faculdades para o curso de medicina, obtendo mais médicos e diminuindo o monopólio dos mesmos no processo da oferta e procura, e a melhora da educação, a qual leva mais conscientização social para o cidadão.

Palavras-chave: Saúde. Sistema Único de Saúde (SUS). Estado de Bem-estar Social. Determinações Constitucionais. Educação.

1 O SISTEMA DE SAÚDE DO BRASIL, EUA, FRANÇA, CANADÁ, CUBA E INGLATERRA

Para avaliarmos os pontos positivos e negativos do sistema de saúde do Brasil devemos conhecer e comparar a realidade brasileira com a de outros países. Avaliar algo baseado somente na própria experiência nacional é levantar pontos de vista limitados e, no caso, microssocial. Precisa-se de uma perspectiva macrossocial, que procure vislumbrar a complexidade do sistema na sua totalidade, todavia considerando que cada país tem a sua história e ela constrói de uma maneira toda particular a trama de relações sociais e políticas que definem um patamar de direitos.
Com um intuito semelhante a esse, foi desenvolvido um documentário intitulado "Sicko", que é um filme feito por Michael Moore no ano de 2007, onde se discorre sobre o Sistema de Saúde dos Estados Unidos da América (EUA), comparando-o a alguns sistemas de outros países, como a França, o Canadá, a Cuba e a Inglaterra.
Ao decorrer desse documentário verificou que no Canadá, França, Inglaterra e Cuba há tratamento gratuito de saúde de ótima qualidade para todos os cidadãos por conta dos impostos que todos pagam. Em contra partida, o EUA é o avesso da saúde pública dos países mencionados, isso porque não é assunto real de interesse do Governo.
Mas por que em certos países o Governo se interessa pela saúde e em outros não? O próprio filme demonstra que nos países que têm o sistema de saúde de qualidade, como na França, o Governo tem medo do povo, já que este reivindica e exige; porém onde os cuidados da saúde são precários, como nos EUA, o povo tem medo do Governo e aceita todas as suas imposições. No geral, o que foi demonstrado como algo eficaz na melhoria de um país foi a arma já conhecida: o voto. O povo tem a força do voto como arma para exigir do Governo investimentos no bem-estar geral, mas muitos países não a usam. (MOORE, 2007)
Assim, ao levarmos essa análise para a realidade brasileira, se vê uma saúde pública de qualidade ruim, que é procurada apenas pelas pessoas que não possuem nenhum Plano de Saúde, apesar dos avanços positivos que se obteve desde a Constituição Federal de 1988, destacando o ano de 1990, no qual se fundou o Sistema Único de Saúde (SUS), através da Lei nº 8.080.
Nessa realidade, o Brasil possui seus princípios estabelecidos na Lei Orgânica de Saúde, com base no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, os quais são a Universalidade, a Equidade, a Integralidade, a Regionalização e a hierarquização, a Resolubilidade, a Descentralização, a Participação dos conselhos e a Complementariedade do setor privado, mas esses itens agem de forma muito abaixo da qualidade que deveria ser, se os compararmos com os do Canadá, França, Inglaterra e Cuba e com que foi proposto na lei que firma o SUS.
Nesses anos de SUS, os avanços não escondem as dificuldades que ameaçam a própria manutenção das conquistas. Ninguém desconhece que, nas condições atuais, há limitações importantes à efetivação dos princípios e das diretrizes do Sistema Único de Saúde. Teoricamente, o conceito do SUS é ótimo, mas na prática não é vivenciado tudo que se diz na Lei nº 8.080, a qual dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Muito ainda precisa ser feito.
Confirmando esse mau uso da política, temos em questão a má administração financeira, a qual é à base de financiamento das ações e dos serviços públicos de saúde, onde se evidencia a segmentação da atenção à saúde dos brasileiros para uma possível apartheid no sistema de saúde, no qual os ricos e os remediados utilizam serviços privados, consideravelmente financiados, em parte com subsídios públicos, enquanto os pobres utilizam serviços públicos de saúde, nitidamente subfinanciados. Essa circunstância piora quando os prestadores de serviços de saúde impõem sua oferta ao sistema, ao invés de compactuarem com base nas necessidades de saúde identificadas pelos gestores. Por isso, é imprescindível paralisar os andamentos que transferem recursos públicos para as redes particulares, que atendem aos interesses de empresas de planos de saúde e seguros privados, além de fabricantes de insumos. Deve-se combinar também com mais investimentos em redes públicas, já que os prestadores privados de serviços sabem que o SUS depende imensamente deles e, por isso, conseguem impor condições de negociação sempre a seu favor. (ABRASCO, 2010)
A Lei Nº 8.080 (1990, inciso 2º do Art. 4º), diz que "A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar". E o Art. 15 afirma que A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão em seu âmbito administrativo, entre outas, a atribuição da elaboração de normas para regular as atividades de serviços privados de saúde, tendo em vista a sua relevância pública. Dessa forma, é conhecida a participação do setor privado na saúde pública de maneira legal, porém é visível e preocupante a incapacidade do Estado de assegurar que as operadoras e os prestadores de serviços atuem dentro dos limites do respeito ao interesse público.
É indispensável também uma fiscalização das verbas para saúde que não se resuma somente nas notas fiscais, auditorias convencionais e similares, mas igualmente em uma auditoria mais eficaz, uma fiscalização do ambiente físico, ou seja: quando uma determinada prefeitura realizar um levantamento do que foi gasto, do que se investiu na saúde, como mais leitos, equipamentos, melhoria na estrutura física de um hospital; faz-se preciso, sem aviso prévio, a chegada de um agente fiscalizador para analisar e ver pessoalmente se a realidade desse hospital em relação aos gastos acusados nas notas são válidos e lógicos, assim veremos se um determinado sistema de saúde melhorou de acordo com o investimento feito ou se há alguma incoerência entre o gasto, implicado na nota fiscal, e o resultado do mesmo na prática, somando isso com o bom-senso e a crítica ao superfaturamento. Se, por exemplo, as notas fiscais acusarem investimentos com quatro leitos para um determinado hospital ou existir contratos com um médico e dois enfermeiros para uma unidade de saúde e na prática o agente não vê esse gasto financeiro materializado como leitos hospitalares e não haver os profissionais, que foram contratados, atuando corretamente nos seus horários discriminado legalmente, o Órgão competente tomará as providências cabíveis. Esse agente também não deve ter vínculo algum com a região a ser fiscalizada e assim o tornando mais imparcial nos seus critérios de avaliação, além de ser responsável pelo resultado de sua fiscalização, respondendo pela mesma, se caso ocorra algum erro. Essa inspeção seria quase que um jornalismo investigativo, que investiga, descobre e denuncia as falhas.
Outro ponto importante, para a melhoria da prática do SUS, é a necessidade de consolidar uma carreira dos profissionais de saúde, além de uma política de pessoal que assegure aos trabalhadores da saúde condições adequadas ao exercício de suas atividades. É inaceitável a falta de estabilidade do quadro do pessoal da saúde, o que compromete a continuidade dos programas de saúde e, sobretudo, a criação de um vínculo sólido entre as equipes de saúde e as populações das comunidades às quais devem servir. (ABRASCO, 2010)
Além disso, é imprescindível aumentar vagas e faculdades para o curso de medicina, para que certos médicos não monopolizem o mercado, os quais ditam regras, como escolher quantas horas vão trabalhar numa ESF, e assim o Município, mesmo irregular, ter que aceitar as suas condições, por não existir outros profissionais que substituam os tais médicos, gerando o fenômeno da Lei da Oferta e da Procura, quando se passam a buscar mais um produto qualquer, elevando o seu preço, fazendo com que o consumidor pague mais se deseja adquirir o mesmo. Com outras palavras: fazendo com que o contratante (Município) aceite as ofertas dos médicos se deseja adquirir os seus ofícios.
Seguinte parte do problema também está na gestão e organização do sistema e dos estabelecimentos de saúde, que além da burocracia, que, mesmo mal feita, se preocupa mais com os processos administrativos do que com os resultados na promoção e na recuperação da saúde, tem profissionais sem qualificação e usando cargo de confiança. (ABRASCO, 2010)
Mais um fato a ser entendido é o princípio da integridade que é quase completamente relegado ao discurso acadêmico, pois no exercício encontramos processos individualistas, biologicistas, curativitas e hospitalocêntricos, com poucas exceções. Assim, vemos a atuação dos poderosos complexos econômico-industrial da saúde, ou seja, interesses comerciais dos produtores e fornecedores de medicamentos e equipamentos hospitalares. Por isso, carece igualmente de uma fiscalização eficaz.
Lembrando ainda que as conferências e conselhos, consagrados legalmente, não têm sido capaz de assegurar um debate substantivo sobre as políticas de saúde e os rumos do SUS. Questões corporativas têm dominado a pauta de discussões.
Por último, mas não menos importante, é a relativa desmobilização da sociedade civil brasileira, que se reflete nas possibilidades de avanços do SUS. De acordo com o filme "SiCKO", as melhorias no sistema de saúde envolve também o medo do Governo perante ao povo, o qual, este, reivindica e exige melhorias, por ter consciência do seu papel social. Entretanto a mentalidade solidária e coletivista daqueles quatro países mencionados, os quais têm uma qualidade de saúde exemplar, não entrou na filosofia da vida do povo brasileiro, assim vale mais resolver problemas pessoais e de seus familiares e que o restante resolva os seus, se possível.
Logo, parece que a causa do sofrimento no Brasil não é necessariamente os milionários donos dos Planos de Saúde, mas também o egoísmo e a falta de consciência social de cada cidadão, que só podem ser transformados através de outra ação: a educação. Ela é um dos pilares que sustentam a sociedade e como tal pode e deve plantar nos indivíduos, desde cedo, a consciência da responsabilidade pelo desenvolvimento e convívio harmônico em sociedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 1990. Seção 1, p.18.055.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA (ABRASCO). Carta de Salvador: uma agenda estratégica para a saúde no Brasil. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2010. 1 p.

SICKO. Produção de Michael Moore. Estados Unidos da América: The Weinstein Company e Dog Eat Dog Films, 2007. 1 DVD.