ASPECTOS GERAIS DA SOCIEDADE ANÔNIMA

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

De acordo com grande parte da doutrina que aborda o tema, um dos primeiros cenários do surgimento das sociedades anônimas foi o das grandes navegações. A bem ver, foi nesse contexto histórico que despontou a necessidade da mobilização de grandes investimentos econômicos, tendo como escopo a descoberta e manutenção de terras novas. Percebe-se que esses investidores eram seduzidos pelo propósito de acumular suas riquezas a partir da conquista de terras novas e, com isso, teriam o retorno financeiro esperado.
Com vistas nisso, nota-se que, ao passo em que as demais sociedades empresárias surgiram para atender aos empreendimentos de pequeno ou médio porte, a sociedade anônima foi criada para suprir os interesses econômicos dos negócios com elevados investimentos. Ou seja, as companhias nasceram para atender as expectativas de crescimento econômico de seus investidores, para isto estes eram estimulados a investir capitais financeiros na sociedade empresarial, para que, todos juntos, formassem um grande empreendimento.
Em verdade, existem duas características da sociedade anônima que servirão como mecanismos apropriados para atrair esses capitais: a limitação da responsabilidade e a negociabilidade da participação societária (COELHO, 2004). Resta claro que estas características trazem mais segurança aos investidores em relação à proteção ao seu patrimônio pessoal.
Convém frisar que a sociedade anônima era cada vez mais difundida devido às suas características fortes e propícias aos interesses de grandes investidores, entretanto, o que mais lhes chamava a atenção era a possibilidade de aplicação da regra da autonomia patrimonial.
Sem a separação entre o patrimônio dos investidores e o da sociedade empresária, o empreendimento econômico não seria um grande atrativo para aqueles. Portanto, a grande importância do contexto histórico para a sociedade anônima é de ter consolidado a distinção da sociedade empresária dos seus sócios, firmando o interesse destes em mobilizar vultosos investimentos financeiros sem, precisamente, responder com seu patrimônio e, ainda, podendo se desfazer do empreendimento econômico sempre que entendesse ser desfavorável à sua conveniência a atividade empresarial.
Com efeito, para regulamentar a constituição e funcionamento das sociedades anônimas no Brasil, após a criação de alguns decretos, foi promulgada a lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que tratou de manter, em sua estrutura, o caráter distintivo das sociedades anônimas.

2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Analisando o art. 1º da lei 6.404/76, a sociedade anônima, ou companhia como também é chamada, terá seu capital dividido por ações e a responsabilidade pela atividade exercida pelos acionistas será limitada até o preço das ações subscritas ou adquiridas por cada um dos mesmos.
Em outras palavras, a sociedade anônima é a sociedade empresária que limita a responsabilidade dos seus sócios, chamados de acionistas, até o valor da emissão de suas ações.
Segundo Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (1997, p.19) "os direitos dos sócios estão organizados em conjuntos padronizados denominados ações, em número e classes fixados no estatuto social com abstração da identidade dos seus titulares, e incorporados a valores mobiliários".
Ao examinar minuciosamente cada característica apresentada pelo artigo supra, o fato de a sociedade anônima ter seu capital dividido por ações talvez seja a característica mais distintiva das demais sociedades empresárias.
Seu capital é formado exclusivamente por ações, que são, em regra, plenamente negociáveis entre os acionistas ou entre os interessados em participar da companhia, ou seja, a participação do sócio ou acionista se dá através da subscrição ou aquisição de ações.
Destarte, sobre o conceito de capital social da companhia, Fábio Ulhôa Coelho (2004, p. 64-65) explica que: "é bastante complexo, mas, grosso modo, trata-se de uma referência à contribuição que os sócios dão para a sociedade desenvolver a atividade econômica dela".
Completa, Modesto Carvalhosa (1997, p.5, 1v.): "o seu capital divide-se em partes que não são iguais quanto ao seu valor, permitindo-se a emissão de ações com o valor nominal igual a emissão de ações sem valor nominal".
No que tange à responsabilidade limitada dos sócios ou acionistas, o texto do art. 1º da Lei das S/A é cristalino, pois nos remete a idéia de que o sócio ou acionista responderá pelos riscos da atividade exercida pela sociedade no limite do preço da emissão das ações subscritas ou adquiridas. É uma das características mais importantes da sociedade anônima, porque reflete a regra da autonomia patrimonial.
É relevante ressaltar que a autonomia patrimonial age, no contexto da sociedade anônima, como um princípio basilar, necessário para o seu desenvolvimento, haja vista que é essa regra que atrai a participação dos acionistas na estrutura da companhia. Sobre o tema, assevera Cesare Vivante (2003, p.99):
A sociedade anônima é uma pessoa jurídica que exerce o comércio com um patrimônio unicamente constituído pelas subscrições dos sócios. O que constitui o seu caráter essencial, o que a distingue das precedentes formas de sociedade, está em que nenhum dos sócios é obrigado pessoalmente a responder pelas dívidas sociais: não oferece em garantia o patrimônio particular dos sócios ou de algum deles, mas simplesmente o próprio (grifos nossos).
Vale dizer que, em regra, será o patrimônio da pessoa jurídica que responderá pelas obrigações contraídas por ela. A distinção entre estes patrimônios é a principal proposta das sociedades anônimas e, em razão disso, mais apreciada pelos grandes investidores, por ser menos arriscado aos seus interesses financeiros.
Finalmente, a terceira característica é o preço de emissão das ações e conceitua-se como o valor despendido pelo subscritor ou adquirente. O preço de emissão das ações tem o fito de estabelecer o valor máximo que o acionista pode vir a perder no caso de insucesso da atividade econômica exercida pela sociedade empresarial.

3. NATUREZA INSTITUCIONAL

A depender do tipo societário que será criada, a sociedade empresarial poderá adotar a natureza jurídica contratual ou institucional.
Por natureza contratual da sociedade empresária entende-se que é aquela formada pela união das vontades dos seus sócios consubstanciada num contrato, documento denominado de contrato social, que seguirá o regimento do direito contratual, no que for aplicável.
Em sua antítese, a natureza institucional também se caracteriza pela convergência de interesses de seus sócios, todavia não seguirá as regras do direito contratual, uma vez que as manifestações de vontade se consolidam no documento chamado estatuto social.
Compreende-se, então, que a principal distinção entre a natureza contratual e a institucional é a aplicabilidade ou não das normas do direito contratual, haja vista que em ambos os casos deve preexistir manifestação de interesses entre os sócios para ser constituída qualquer sociedade empresarial.
As sociedades empresariais que adotam a natureza contratual são as simples, em nome coletivo, em comandita simples e limitada, enquanto que as que adotam a natureza institucional são as sociedades anônimas e em comandita por ações.
Em vista disso, é pacífica a natureza institucional das sociedades anônimas, restando demonstrado, em vários artigos da lei 6.404/76, que o instrumento que regulamenta as relações sociais dentro das companhias é o estatuto social.

4. ÓRGÃOS SOCIETÁRIOS

Com o objetivo de impedir que as atribuições da sociedade anônima favorecessem a uma pessoa ou a um grupo de pessoas, a lei 6.404/76 previu a criação de determinados órgãos, sem prejuízo de o estatuto social prever a criação de outros que entender ser conveniente para a companhia. A sociedade anônima divide sua estrutura em vários órgãos a fim de que o conjunto, de forma concatenada, funcione em benefício de todos os acionistas e da própria sociedade.
Nesse mesmo sentido, Trajano de Miranda Valverde (1953, apud CARVALHOSA, 1997, p.519, v.2) ensina que:
Essa distribuição e separação de competências pelos diversos órgãos necessários da companhia visa a garantir o seu normal funcionamento e a tornar exeqüível o controle de legalidade dos atos praticados por esses mesmos órgãos.
Conforme assegura Fábio Ulhôa Coelho (2004, p.191), a estruturação que sofre a sociedade anônima terá dois enfoques diferentes a depender do tipo de profissional que a analisará. Aos administradores interessará a estruturação em órgãos quando relacionada à "adequada divisão de trabalho, à racionalidade do fluxo de informações, à agilidade no processo decisório, à economia de custos etc". Em contrapartida, para os juristas, a importância dessa estruturação se refere à "importância para o atendimento de formalidades ligadas à validade ou eficácia dos atos da sociedade, dos agentes que nela trabalham, dos acionistas etc".
O que deve ser levado em consideração é que, malgrado seja obrigatório por lei o desdobramento da sociedade anônima em assembléia geral, conselho fiscal e diretoria, no que concerne aos órgãos de coordenação, superintendências, chefias, dentre outros, a companhia poderá criá-los livremente, a depender de sua conveniência e/ou necessidade.
Para concluir, uma importante observação deve ser levantada: a pessoa jurídica se desmembra em diversos órgãos e, ainda que estes sejam deliberativos, os mesmos não são dotados de personalidade jurídica própria. Em verdade, é a sociedade anônima, no seu conjunto de órgãos, a titular de direitos e obrigações.
Desta forma, nota-se que o que se deseja aqui é desvincular a figura da pessoa jurídica dos seus componentes, outras pessoas, físicas ou jurídicas, responsáveis pelas deliberações competentes a cada órgão instituído. Assim, quando tais órgãos praticam qualquer ato ou emitem um pronunciamento, é a própria companhia que está agindo e não seus componentes.
Portanto, é importante destacar que será sempre a sociedade anônima a responsável por qualquer ato praticado pelos seus órgãos, haja vista que, em regra, cabe a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

4.1 Assembléia Geral

Apesar de a sociedade anônima ser formada por diversos órgãos dotados de carga deliberativa, a assembléia geral é o órgão deliberativo máximo da estrutura da sociedade anônima, conforme conceituação apresentada pelos autores que abordam o assunto.
A assembléia geral é o órgão responsável por reunir todos, senão a maioria, dos seus acionistas para decidirem sobre os assuntos de interesse da companhia. Por isso, é considerada por Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto (2006) como órgão indispensável, supremo e soberano da companhia, cuja competência ou função não pode ser substituída por qualquer outro órgão.
Não obstante a assembléia geral possa ser convocada para discutir e votar todo e qualquer assunto de interesse da sociedade, nos termos do art. 121 da lei 6.404/76, com muita propriedade, Fábio Ulhôa Coelho (2004, p. 195) afirma que "quando o tema pode ser objeto de válida deliberação por qualquer outro órgão social, por mais relevante que seja aos interesses dos acionistas, a assembléia não tem sido convocada". Por conseqüência, existem determinadas matérias que somente podem ser apreciadas por este órgão, apresentadas no rol da competência privativa da assembléia geral, prevista no art. 122 da mesma lei.
Dentre as competências elencadas pelo art. 122, para este trabalho, merece destaque o inciso II, que trata da atribuição da assembléia geral para eleger ou destituir os administradores e conselheiros fiscais da companhia. Conforme este artigo, sempre que entender necessário para os interesses da companhia, os acionistas poderão se reunir em assembléia geral para deliberarem sobre a eleição ou destituição dos membros dos órgãos da administração ou do conselho fiscal.
Modesto Carvalhosa (1997, p.525, v.2) sabiamente sintetiza sobre a competência prevista no inciso II do art. 122, acima referido:
A competência privativa da assembléia geral refere-se efetivamente à eleição e a destituição dos membros do conselho de administração e os do conselho fiscal. Quanto à diretoria, somente competirão à assembléia de acionistas as funções de colégio eleitoral, em se tratando de companhia fechada com capital fixo e, mesmo assim, quando o estatuto desta não instituir o conselho de administração.
Quanto às espécies de assembléia geral, o art. 131 da lei 6.404/76 diz que podem ser de duas distintas: assembléia geral ordinária (AGO) ou assembléia geral extraordinária (AGE).
A assembléia geral ordinária tem época de realização e matérias a serem discutidas e votadas previstas no art. 132 da Lei das S/A. Reger-se-á conforme prevêem os arts. 133 e 134 da mesma lei. José Edwaldo Tavares Borba (2004, p.363) elucida que "a assembléia-geral ordinária (AGO), como o próprio nome sugere, é aquela que ocorre rotineiramente, devendo ser realizada, todos os anos, dentro dos quatro meses que se seguem ao término do exercício social".
Em sua contraposição, a assembléia geral extraordinária será convocada sempre que a companhia achar necessário deliberar sobre matérias de seu interesse, nos termos já mencionados, não característicos das AGO. Ainda esclarece Tavares Borba (2004, p.367) dizendo que "a assembléia-geral extraordinária (AGE) tem competência ampla, podendo-se convocá-la a todo tempo, para apreciar qualquer matéria".
Portanto, a AGO traz em seu bojo matérias preestabelecidas, sendo realizadas uma vez por ano, até os quatro meses seguintes ao término do exercício social (previsto no estatuto social da sociedade), ao passo que a AGE tem por objeto as matérias residuais, ou seja, não discutidas em sede de AGO.

4.2 Órgãos da Administração

Segundo o art. 138 da Lei das S/A, a administração da sociedade anônima competirá à diretoria e, se dispuser o estatuto social da companhia, também ao conselho de administração.
Analisando o referido artigo juntamente com o art. 145 da mesma lei, uma importante conclusão pode ser extraída: "administrador" não é apenas o membro do conselho de administração (quando a lei quer chamá-lo, denomina-o conselheiro), mas qualquer membro da diretoria ou do conselho que esteja incumbido nessas funções. Isto é, a figura do administrador pode fazer parte tanto do conselho de administração quanto da diretoria, que, por conseqüência, são chamados de órgãos da administração.
Além disso, a partir da simples leitura do caput do art. 138, somos levados à certeza de que o conselho de administração não é um órgão obrigatório na estrutura da sociedade anônima, ressalvados os casos previstos no seu § 2º, ou seja, quando a companhia for aberta ou de capital autorizado. No entanto, com clarividência é mostrada a obrigatoriedade da criação do órgão da diretoria no contexto estrutural da companhia.
Com base nisso, convém ser tratado ainda nesse tópico sobre dois sistemas que podem influenciar a estruturação da sociedade anônima: monista e dualista. O sistema monista rege que, dentro da estrutura da companhia, apenas a assembléia geral será o órgão competente para fiscalizar e supervisionar a diretoria, inexistindo, nesse caso, o conselho de administração. Por outro lado, quando seu estatuto social prever a criação do conselho de administração o sistema será dualista, e, então, serão compartilhadas entre este órgão e a assembléia geral as funções de fiscalização e supervisão do executivo.
Desse modo, a competência privativa para eleger ou destituir os membros do conselho de administração ou da diretoria dependerá do sistema que seguirá a sociedade anônima, de dualista ou monista, respectivamente. Contudo, a competência para eleição ou destituição dos membros do conselho fiscal independe do sistema que adotar a companhia.
Por fim, o art. 139 da lei 6.404 prevê que "as atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos da administração não podem ser outorgados a outro órgão, criados por lei ou pelo estatuto", deixando claro que cada órgão da estrutura da sociedade anônima tem sua competência preestabelecida no próprio estatuto social ou na lei.

4.2.1 Conselho de Administração

Conforme já elucidado, o conselho de administração é um órgão facultativo dentro da sociedade anônima, com exceção, apenas, da companhia aberta, de capital autorizado ou de economia mista, previstas em lei. É criado conforme a conveniência e/ou necessidade da companhia, desde que prevista sua criação no seu estatuto social.
Tal como a assembléia geral, o conselho de administração é um órgão deliberativo e é composto por, no mínimo, três acionistas pessoas naturais, eleitos ? e/ou destituídos a qualquer hora ? pela assembléia geral (art. 140, lei 6.404/76), chamados de conselheiros.
Com acurácia, Fábio Ulhôa Coelho (2004, p.215) evidencia que a função do conselho de administração é de "agilizar o processo de tomada de decisão, no interior da organização empresarial".
Assegura, ainda, José Edwaldo Tavares Borba (2004, p.384-385) que "formando um colegiado, reúnem-se os conselheiros periodicamente, a fim de orientar, em termos gerais, os negócios da companhia, bem como para acompanhar e fiscalizar a atuação dos diretores".
Em outros termos, quando a sociedade anônima adotar o sistema dualista, o conselho de administração será responsável pela eleição dos diretores, bem como, juntamente com a assembléia geral, terá a função de fiscalizar e supervisionar os trabalhos do órgão da diretoria, conforme será visto a seguir.
No que concerne à competência do conselho de administração, é relevante ressaltar que somente as matérias não privativas à assembléia geral poderão ser objetos de discussão e votação por aquele órgão. Ou seja, afora os assuntos de interesse social passíveis, apenas, de deliberação pela assembléia geral, o conselho de administração tem matérias que podem ser objeto de suas atribuições e elas estão previstas no art. 142 da Lei das S/A.

4.2.2 Diretoria

É uníssona a doutrina ao identificar a diretoria como o órgão executivo da sociedade anônima. Pelo art. 143 da lei 6.404/76, este órgão deverá ser composto por duas ou mais pessoas naturais, acionistas ou não. Através do §1º do art. 143, nada obsta a possibilidade de que até um terço dos membros do conselho de administração possam ser eleitos para cargos de diretores.
Ainda pelo caput desse mesmo artigo, a diretoria terá em sua estrutura membros eleitos pelo conselho de administração, se existir, ou pela assembléia geral. Observe-se que o órgão que instituir os membros da diretoria será o responsável por fiscalizar e supervisionar suas atividades, competindo, inclusive, destituir os mesmos, quando verificado qualquer incompatibilidade na permanência do diretor em seu cargo.
Ademais, com base no art. 144 da Lei das S/A, com muita perspicácia Fábio Ulhôa Coelho (2004) observa que os diretores têm duas importantes competências, uma interna e outra externa. A primeira se refere ao ato de dirigir a empresa, enquanto que a segunda remete ao fato de serem eles os únicos representantes legais responsáveis por manifestar a vontade da própria companhia, competência esta privativa deste órgão, conforme o que dispõe o art. 138, § 1º da lei supramencionada.
Em suas anotações sobre o § 1º do art. 138, Lazzareschi Neto (2006, p.244) observa que:
A representação da companhia é privativa dos diretores e se faz nos termos do art. 144. O conselho de administração não tem poderes de representação da sociedade, nem pode, em nome dela, contrair obrigações. Tomadas as deliberações pelo conselho de administração, caberá a diretoria executa-las.
Malgrado o art. 144 da Lei das S/A determinar que "competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular" (grifos nossos), essas funções não deixarão de ser privativas dos diretores, mas deverá o estatuto social ou o conselho de administração estabelecer quem será o diretor eleito que representará a companhia.
Sobre o tema, Ricardo Negrão (1999, p.386) resume: "cabe à diretoria representar judicial ou extrajudicialmente a companhia e, no silêncio do estatuto, qualquer diretor tem poderes pra representá-la".
Nesse diapasão, a primeira parte do art. 144 não vai de encontro ao §1º do art. 138 da lei 6.404/76, mas se completam. Assim, compete privativamente aos diretores a representação legal da pessoa jurídica, porém, quando o estatuto ou o conselho de administração não determinar o diretor que representará a sociedade anônima, caberá a qualquer um dos diretores fazer a representação.

4.2.3 Responsabilidade dos administradores

Enquanto o art. 145 da lei 6.404/76 deixa claro quais são as normas comuns aos conselheiros e aos diretores da sociedade anônima, adiante, o art. 153 destaca quais são os deveres dos administradores no exercício de suas funções dentro da companhia.
De acordo com o referido artigo, o administrador deve zelar pelas atividades da pessoa jurídica com a mesma dedicação que empregaria aos seus próprios negócios. Vale dizer que, para Tavares Borba (2004, p.401-402):
Os administradores têm vários deveres para com a sociedade, podendo-se afirmar que o primeiro de todos esses deveres é o de bem administra-la; deve-se o administrador agir com a competência, eficiência e honestidade que seriam de se esperar de um homem "ativo e probo" que estivesse a cuidar de seu próprio negócio.
Outrossim, certifica Fábio Ulhôa Coelho (2004, p.244) que "administrador diligente é aquele que emprega na condução dos negócios sociais as cautelas, métodos, recomendações, postulados e diretivas da ?ciência? da administração de empresas".
A par desses entendimentos, quando o administrador age com fins diversos dos interesses da companhia (art. 154, Lei das S/A); quando descumpre seu dever de lealdade (art. 155); quando intervém em qualquer transação comercial ou social em que seus interesses pessoais conflitam com os interesses da companhia (art. 156), entre outros deveres, os mesmos responderão conforme o § 2º do art. 158, cabendo, inclusive, a solidariedade da responsabilização.
Ainda seguindo Tavares Borba (2004), as condutas dos administradores, no exercício de suas funções dentro da sociedade anônima, podem ser observadas por três ângulos distintos: o da responsabilidade administrativa, a civil e a penal. A primeira responsabilidade é decorrente da má gestão simplesmente, não gera processo formal e atinge o administrador ao destituí-lo do cargo, por exemplo. A segunda, a responsabilidade civil será acarretada quando os atos de má gestão praticados pelo administrador gerar perdas de danos à companhia, quando proceder conforme a parte final do caput do art. 158 e os incisos I e II. Por último, a responsabilidade penal ocorrerá quando o administrador realizar qualquer conduta tipificada como crime, daí porque o Código Penal prevê alguns crimes praticáveis por administrador da sociedade empresarial em estudo.
Resta claro, então, que a responsabilidade que é gerada aos administradores com a inobservância e descuido no cumprimento de suas funções é a administrativa, contudo, se causar prejuízos agindo com dolo ou culpa ou com violação da lei ou do estatuto, a responsabilidade será civil, respondendo pessoalmente pelos danos que gerar.

4.3 Conselho Fiscal

Em atenção ao caput do art. 161 da Lei das S/A, o conselho fiscal será um órgão obrigatório dentro da sociedade anônima, todavia, seu funcionamento dependerá do que for previsto no seu estatuto social, se permanente ou presente apenas nos exercícios sociais em que for instalado por pedido dos acionistas.
O conselho fiscal é formado por, no mínimo, três e, no máximo, cinco membros, acionistas ou não, e por suplentes no mesmo número, eleitos em assembléia geral.
Segundo Fábio Ulhôa Coelho (2004, p.228) o conselho fiscal "é órgão de assessoramento da assembléia geral, na votação de matérias atinentes à regularidade de atos administração da companhia" (grifos nossos). Porém, suas funções não se restringem apenas às matérias em votação, mas, também, ao acompanhamento da gestão da companhia, conforme o art. 163 da lei 6.404/76, que apresenta o rol das competências do conselho fiscal.
Por evidente, o conselho fiscal não pode interferir nas decisões do conselho de administração ou da diretoria, sendo-lhe permitido, apenas, solicitar informações e esclarecimentos destes órgãos e opinar sobre suas deliberações apenas no âmbito da adequação contábil.
Finalmente, vale dizer que, por se tratar se órgão criado para fiscalizar a regularidade dos atos dos órgãos da administração, o art. 162, caput e §2º, da mesma lei apresentam os requisitos e os impedimentos para ser membro do conselho fiscal.

5. PODER DE CONTROLE

Quando a sociedade anônima é criada, de um lado existem os empreendedores, conceituados como pessoas interessadas na exploração de uma atividade econômica empresária, e do outro existem os investidores, pessoas dispostas a investir um determinado capital na atividade explorada com a finalidade do retorno financeiro.
Como se sabe, a participação societária, tanto dos empreendedores quanto dos investidores, é mensurada pela quantidade de ações que cada um possui. No entanto, para exercer o poder de controle, o acionista não precisa, necessariamente, deter a maior parte do capital social, mas tão-somente a maioria das ações com direito de voto.
Ressalte-se que, a depender do que previr o estatuto social da companhia, as ações poderão dar o direito a voto, como é possível nas ações ordinárias, ou não, como pode ocorrer nas ações preferenciais.
Em outras palavras, o comando da companhia é exercido pela quantidade de ações ordinárias que o acionista possua, bastando-lhe deter mais de cinqüenta por cento das ações com direito de voto. Sendo assim, verificar-se-á o chamado controle majoritário.
Percebe-se que, em muitos casos, a sociedade anônima já é criada pelos empreendedores para ser comandada por eles mesmos. Sua intenção é de explorar a atividade econômica, abrindo a companhia para internalização de vultosos capitais, para que ela prospere, mas de permanecer no comando de todas as decisões da sociedade anônima.
Lembra-nos bem Fábio Ulhôa Coelho (2004) quando diz que os empreendedores dispõem de alguns instrumentos para organizar o seu poder de controle, como o acordo de votos, a limitação do número de votos por acionista (nos termos do § 1º do art. 110 da lei 6.404/76), entre outros.
A propósito, Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (2005, p.25) questionam: "mas por que a maioria deve comandar?". E, então, com muita sabedoria respondem:
Parte-se, sem dúvida, do postulado de que a sociedade existe no interesse dos sócios, e como ninguém, em princípio, está investido na prerrogativa de decidir pelos interesses alheios, prevalece sempre a vontade do maior número, julgando cada qual segundo o seu próprio interesse.
Com vistas nisso, não obstante a maioria ter o poder de comandar e direcionar o caminho a ser percorrido pela companhia, mesmo o acionista detentor de uma única ação, como o melhor exemplo de minoria, pode convocar uma assembléia geral, nos termos da alínea "b", § único do art. 123 da Lei das S/A. Por essa razão que a nosso ver, a relação entre maioria e minoria entre os acionistas se reflete no maior ou menor grau de influência na condução da atividade empresarial. O poder de controle transcende a esfera interna da companhia, repercute, principalmente, nas obrigações firmadas por ela.
Por tudo analisado, "controla uma sociedade quem detém o poder de comandá-la, escolhendo os seus administradores e definindo as linhas básicas de sua atuação" (BORBA, 2004, p.334)
A partir daí, partimos para o art. 116 da mesma lei que prevê a figura do acionista controlador como sendo uma pessoa, física ou jurídica, ou como um conjunto de pessoas. Neste último caso, o controle da companhia é feito através de um acordo entre os acionistas que detêm a maioria das ações com direito a voto.
Dentre os direitos dos acionistas controladores estão o poder de dirigir as atividades sociais, eleger a maioria dos administradores e os membros do conselho fiscal e o de guiar os órgãos da companhia.
Os acionistas controladores têm o direito de usar efetivamente o seu poder de dirigir as atividades sociais porque estas são movidas por decisões suas e, se mal governadas, comprometem toda a coletividade de pessoas que investiram no ramo empresarial adotado pela companhia.
O poder de eleger os conselheiros (e/ou diretores, se a companhia adotar o sistema monista) e os conselheiros fiscais da sociedade anônima decorre do fato de os acionistas controladores terem a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral, uma vez que este é o órgão responsável para eleger e destituir tais membros, nos termos tratados anteriormente. Com efeito, é garantido aos mesmos o poder de orientar o funcionamento dos órgãos da sociedade anônima.
Indubitavelmente, as atividades, principalmente, dos órgãos da administração estão relacionadas com o que preceitua a primeira parte do § único do art. 116, ainda da lei 6.404/76, transplantemos em sua essência: "o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social".
Quais são as funções dos conselheiros e dos diretores senão o de fazer com que a sociedade empresária ponha em prática o objeto para que foi criado e de garantir sua função social? A bem ver, sendo membros escolhidos por meio das decisões dos acionistas controladores, direta (conselheiros administrativos) ou indiretamente (diretores) ? ainda com base no sistema dualista ?, nada mais coerente que estes sejam responsáveis pelas atribuições daqueles órgãos.

5.1 Responsabilidade do acionista controlador

Primeiramente, de acordo com Tavares Borba (2004, p.337-338):
O acionista controlador deve conduzir-se de acordo com os padrões éticos e jurídicos que informam a atividade empresarial, desenvolvendo toda a sua ação no sentido de servir à sociedade e promover os interesses dos acionistas em geral, dos empregados e da comunidade em que atua a empresa.
A par dessa situação, por se tratar do exercício de um poder legítimo, o acionista controlador, ou o grupo de controladores, deverá obedecer a certos limites impostos pela lei, tendo em vista que o art. 117 da lei 6.404/76 prevê a responsabilidade pelos danos que venha a causar, quando verificado o abuso do poder de controle.
Todas as hipóteses de exercício abusivo do poder do acionista controlador estão dispostas nas alíneas do § 1º do art. 117. Dentre elas estão a de orientar a companhia para fins estranhos ao seu objeto social, promover a liquidação de companhia próspera e de promover a alteração estatutária que não tenha por fim o interesse da sociedade empresarial. Todavia, merece ainda mais atenção as responsabilidades elencadas nas alíneas "d", "e", e "g" do referido artigo.
A alínea "d" trata do ato de eleger membros da administração e do conselho fiscal que sabe ser inapto, moral ou tecnicamente, para o cargo. Isso reflete nos danos provocados pelos atos desses membros, cuja responsabilidade deverá recair sobre o acionista controlador que o elegeu, pois sabia de sua inaptidão para exercer as funções.
Deverá responder de igual forma o acionista controlador que agir de acordo com o que prevê a alínea "e", pois todos os órgãos da estrutura da sociedade anônima apenas são norteados pelos controladores, devendo agir sempre de acordo com os interesses da companhia e nos limites impostos pela lei ou estatuto. Desta forma, quando os membros eleitos agirem por imposição do acionista controlador a praticar qualquer ato ilegal ou que venha a prejudicar aos demais acionistas e até a própria companhia, não há outra alternativa a não ser imputar a responsabilidade a quem induziu a prática do ato lesivo.
No entanto, malgrado a mesma alínea trate da responsabilização do acionista controlador simplesmente por tentar induzir os membros da administração e fiscais, não entendemos assim, pois a mera tentativa de indução não garante que o ato praticado decorreu da vontade do controlador, mas do próprio agente que o realizou.
Por último, dispõe a alínea "g" que o acionista controlador usa abusivamente de seu poder quando aprova ou faz aprovar contas irregulares que venham a lhe favorecer ou deixar de apurar denúncia que saiba ou deva saber procedente, a respeito da conduta dos administradores e fiscais que elegeu. Não há dúvidas que o controlador, também nesse caso, deva responder pelo seu ato (ou omissão).
Diante do exposto, resta claro que deverá ser imputada a responsabilidade nas alíneas "d" e "g" por atos próprios (eleger, aprovar, deixar de apurar) dos acionistas controladores, enquanto que na alínea "e", apesar de próprio o ato de induzir, o ato ilegal é praticado por terceiros.

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Diário Oficial [da República Federativa da União], Brasília, 16 dez. 1976.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 9ª ed. rev., aum. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

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