AS PALAVRAS DAS IMAGENS 6

ANTÓNIO SALVADO
Nasceu em Castelo Branco, a 20 de fevereiro de 1936

"BEIRA BAIXA

Onde as searas cruzam o granito
e a voz do longe é feita de suor.

A suave beleza solitária
das oliveiras raras numa encosta.

A estranha consolação das giestas
tão floridas em campos desolados.

E o verde esperança filho da sem esperança."
ANTÓNIO SALVADO
In: Interior à Luz, 1995

"UMA ÁRVORE

Vives entre o ar.
De noite vais da terra
às estrelas.
Quando estiveres morta, ainda
farás crescer uma chama."

In: "A cidade longínqua" , MÀRIUS TORRES

...E A SOMBRA

Bebes o sol a estiar
Meu passo cansado e lento.
Ah! se chegar ao pomar
Tiro à sede o teu alento!

UMA VISTA DA ESTRELA (e mais redondilhas do tempo)

Lembra, acaso, tua mãe,
No mundo quando chegaste.
Vê que o tempo que ela tem
Está em ti, sem mais contraste!

Olhos iguais ora abertos
O teu tempo contarão
E olha como estão certos
Do tempo que te darão!

ESTRELA, com mais vistas do Souto da Casa:

Estela ou Estrela? Bela?
Neve, cinzas, glaciar...
Neste repouso a estrela
Não é sorte nem olhar!

O rio Ocresa, perto de Castelo Branco:

"A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla."
DAVID HUME, Ensaios

CONTEMPLO O SEIXO E O RIO

Contemplo o seixo e o rio,
Sustido na travessia.
Toco o musgo macio,
No leito. Que alegria!

CASTELO BRANCO, CIDADE…

Castelo Branco, cidade,
Enche-me a vista de azul!
Campos largos, claridade
Na senda de norte a sul.

RUÍNAS

Na janela que alimenta a luz
Do musgo, dos ratos e do verdete
Veio mostrar-se a hera envergonhada
Por ser o adorno do banquete!

AINDA É O INVERNO…

Ainda é o inverno e se esta terra já canta!
O viço não é eterno mas volta sempre e encanta!

Ao longe a neve branquinha provoca o sol passageiro.
A flor que canta no prado aperta os dois por inteiro!

SENHORA DA LUZ…

Há duas faces na cruz
Coando o sol que declina.
A Virgem em contraluz
Benze de longe a colina.

Cai a tarde com magia.
As cores lembram o rol
Dos mundos de todo o dia
Peneirados pelo sol.

É a Senhora da Luz,
Tem neve e verde, felizes.
Do outro lado Jesus
Governa estes matizes.

Junto ao busto do Dr. Sousa Martins, Guarda:

O QUE É ISTO?

O que é isto com poemas, e flores
mortas, e cera e seios incolores?

Dou-te o retrato que estará no túmulo
Quando a dor já tanta atingir o cúmulo.

DIA DE MANIFESTAÇÃO (2 de março de 2013)

Ouvi os passos tão silenciosos
Com o grito entupido, bem no peito.
A água bateu leve. Bateu muito.
E o que era férreo vai desfeito!

SENTADO NUM CANTO DESTA SALA...

Sentado num canto desta sala
Vejo ainda a mesa bem disposta,
O pai sentado e um berço que m’embala,
Vento, sinos e o verde duma encosta!

MARAVILHAS!

E os livros? Vi-os crescer,
Criança, bem pequeninos!
Agora, a envelhecer,
Ganharam outros destinos!

O QUE É UM VERSO, AFINAL?

O que é o verso, afinal? Metro e rima deve ter
em palavras a dizer, ou liberdade total?

Sim! Livre e emocional, o verso a acontecer
tece as palavras tal qual precisa p’ra dar prazer!

Preciosidade!

“ARTE POÉTICA” de Q. HORACIO FLACCO,
Traduzida, e illustrada em Portuguez por CANDIDO LUSITANO
Lisboa, na Officina Rollandiana, XDCCLXXVIII (1778)

“XXIX
(…) Ao douto imitador dou por conselho,
Que nunca aparte a vista do modelo
Da vida, e dos costumes, e que delle
Saiba extrahir os toques verdadeiros.
Huma Comedia às vezes, tendo bellas
Sentenças, e costumes bem pintados
Inda que arte não tenha, graça, e metro,
Agrada muito mais, e encanta o povo
Do que huns versos sem succo, e de palavras
Hum jogo, que não tem mais que harmonia.” (p.p. 149-151)

HORÁCIO (65-8 a. C.)

Livros da infância:

O CAPUCHINHO VERMELHO…

Tenho um livrinho aqui ao pé do peito
Donde saiu o capuchinho vermelho
Que foi sorrateiro mostrar-se ao lobo
Desdentado medroso do espelho

Que o capuchinho vermelho
Lhe levou sem ser suspeito
De passar pela floresta
Onde o lobo estava a jeito

De enganar o capuchinho
Combinado com a avó velha
Que sabia que o lencinho

Vermelho q’ela lhe dera
Ajustaria ao focinho
Severos olhos de fera.

"Prisioneiro, diz-me quem foi que fez esta inquebrável corrente que te prende?"
RABINDRANATH TAGORE (Poeta indiano, 1861-1941)

À jovem cameleira que floriu nestes dias (10 de março de 2013):

ÉS SÓ MILAGRE DE LUZ?

És só milagre de luz,
Beleza sem ser com ela?
Tens sorte no teu valer:
És sempre linda, camélia!

Verás o sol e a noite,
Encanto de primavera,
Madrugadas e fulgor,
E tempestades! Espera!

 AS NUVENS...

Sobem aos céus, caprichosas,
Levam preces e barcaças!
Medonhas, o que adivinham?
Desgraças? Só ameaças?

TRÊS COMPANHIAS (Séc. XIX)
 e três registos ao de leve:

JOÃO DE DEUS (1830-1896)
“Um beijinho bem saudoso
Bem mimoso, não me dá!
Não me mata este desejo?
Dá-me um beijo? Diga lá?” (“Conto Infantil”)

ALEXANDRE HERCULANO (1810-1877)
“Mas qual há coração de donzela,
Que responda a um suspiro de amor,
Quando vibra nas cordas sonoras
Do Alaúde de pobre cantor?” (Ninharias poéticas, em "Lendas e Narrativas")

CAMILO CASTELO BRANCO (1825-1890)
“Em vez de vires aqui
Dar-me um beijo envergonhado,
Eu fico sendo culpado
Dando-te beijos a ti” (“Boémia do Espírito”)

Cada qual grande na sua arte…

A COMEÇAR NO POETA...

A começar no poeta,
João de Deus foi maior;
Camilo foi no romance;
E Herculano…historiador.


KAFKA (15 de março de 2013)

"Nada, a não ser uma espera, este eterno desamparo."
DIÁRIOS (15 de março de 1914)

Memória da Escola Primária, vista de hoje, como dantes…

PRIMEIRAS LETRAS DE ALBA…

Primeiras letras de alba…
Dias nascentes vibrantes!
Meu canto bebe a saudade
Desses instantes bastantes!


NO BELO CENÁRIO DA SENHORA DA LUZ…

Tudo muito efémero?
As árvores vão renascer;
A cruz, a pedra perdura;
O vulto, nem neve, sequer!

À VISTA DA CIDADE …

Tu, que escondes as casas à distância,
Com almas inquietas e dormentes,
Podes sorrir,
Que mesmo a terra morta
Dá flores.

Oh audácia das sementes!

(em Fundão)

Incêndio, no Souto da Casa (17 de março de 2013). Tristeza duma família, mas palpitou a solidariedade!

NOITE PAVOROSA

Noite pavorosa!
O frio bateu à porta,
E as chamas alvoreceram.
O sono foi espavorido
À rua com as crianças.
“Ó mãe, o calor conforta!”

ESPELHO…

Espelho, porque me olhas
Tão hesitante e furtivo?
Eu queria fugir de ti,
Mas estou contigo cativo!

A imagem que me mostras
Sou eu. Tenho vaidade?
Porquê, se é ilusão
E mesmo assim é verdade!

Existo, sem existir,
Por isso tu és espelho.
Ah! se soubesses trair,

Eu dar-te-ia um conselho:
Com os anos a fugir,
Que me mostrasses bem velho!

(Colheita das palavras das minhas imagens do facebook, em 20 de março de 2013)