AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E AS LEIS 10.639/03 E 11.645/08

No ano de 2003 e, posteriormente em 2008, o Governo Federal dá um passo importante no sentido de implementar políticas públicas que favoreçam uma nova ordem nas relações étnico raciais em nosso país, o que ocorre com a publicação da Lei 10.639/03 e 11.645/08, que torna obrigatório a inclusão da temática da cultura indígena, afro-brasileira e africana na educação básica.
Sistematicamente diferentes governos de matrizes ideológicas diferentes, viabilizam o desenvolvimento de ações afirmativas em relação às políticas anti-racistas no Brasil, favorecidas pela divulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, se antecipando na busca de formas que possibilitem um melhor entendimento acerca de posturas visando à convivência em meio à diversidade. Assim sendo, este momento do nosso trabalho faz uma apresentação do conteúdo dessas diretrizes e da referida Lei.
A pertinente discussão das questões raciais na educação brasileira atualmente, apesar da universalização do ensino básico, principalmente para crianças de até 14 anos, quando se traz para o Ensino Fundamental, obrigatoriamente, crianças de seis anos de idade, temos ainda muitas diferenças de acessibilidade e manutenção de crianças negras e brancas no sistema público do ensino brasileiro. Segundo Cavalleiro (2005), as pessoas negras no Brasil estudam em média 4,2 anos, enquanto para os brancos esse período se amplia para 6,2 anos. Já na faixa de 14 e 15 anos há um total de 12% a mais de negros analfabetos em relação a brancos da mesma idade, sendo que cerca de 15% das crianças brancas de 10 a 14 anos de idade estão no mercado de trabalho, contra 40% das crianças negras.
As preocupações do governo em promover a Lei 10639/03, apresenta-se como uma resposta na área de educação, no sentido de implementar políticas de ações afirmativas, de reparações e de reconhecimento e valorização da história cultural e da identidade afro-brasileira, num momento histórico em que ampla parcela da população mundial intensifica propostas no sentido de uma convivência igualitária entre povos de diferentes etnias, incluindo os negros e seus descendentes.
Nesse sentido, as medidas propostas no âmbito da legislação específica, buscam ressarcir os descendentes de africanos dos danos materiais, sociais, políticos, morais e educacionais, sofridos não apenas no período escravista, mas também na história brasileira contemporânea, desde que são notórias as sistemáticas formas de discriminação dessa população até os dias de hoje. Além disso, vivenciamos cotidianamente políticas explicitas de branqueamento da população, políticas de privilégios de elites brancas pós-abolição, o que torna imperioso combater o racismo e todo o tipo de discriminação na sociedade como um todo, e no seio da escola em particular.
Nessa perspectiva, a Resolução CP/CNE nº 1/2004, adverte que:
(...) deve-se garantir à população negra o ingresso, a permanência e o sucesso na educação escolar, bem como a valorização do patrimônio histórico afro-brasileiro e as condições para manter estudos continuados, tornando o afro-descente cidadão responsável e participante, apto a desempenhar funções com qualificação profissional. (RESOLUÇÃO CP/CNE Nº 1/2004, PUBLICADA NO DOU Nº 118, 22/6/2004, SEÇÃO 1, p. 11).

Outro elemento do relatório mencionado é desconstruir o "Mito da Democracia Racial" na sociedade brasileira, o qual difunde a crença de que os negros não atingem os mesmos patamares que os brancos por falta de competência e/ou desinteresse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica criou para os negros em nosso país, ou que simplesmente o racismo não existe, uma vez que é recorrente casamentos entre negros e brancos. Dessa forma é importante que se reconheça a adoção de políticas educacionais e estratégias pedagógicas de valorização da diversidade nos diferentes níveis de ensino, respeitando e divulgando os processos históricos de resistência pelos africanos escravizados e por seus descendentes brasileiros, nas formas individuais e coletivas.
Segundo a Lei 10.639/03 e 11.645/08, deve-se reconhecer e exigir, que se questionem as relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e os indígenas. Reconhecer e respeitar as pessoas, sua descendência e sua história. Por fim, tantas formas de desqualificação como, por exemplo: apelidos depreciativos, brincadeiras de mau gosto, piadas que sugerem incapacidade, ridicularização dos seus traços físicos, textura dos cabelos, depreciação da religiosidade africana, dentre inúmeras formas de estigmatização desse povo.
Dessa forma, o reconhecimento e a valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende necessariamente das condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas, o que se configura no quadro de uma reeducação das relações entre brancos e negros, designadas como relações étnico-raciais.


A RECEPTIVIDADE À LEI 10639/03 E 11.645/08: UM OLHAR SOBRE AS ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL EM TOCANTINÓPOLIS TO

Tendo em vista a necessidade de se verificar como ocorre na prática a receptividade da Lei Nº. 10.639/03 e 11.645/08, buscamos, nesse momento do trabalho, analisar os dados coletados numa pesquisa realizada em quatro escolas que ministram o Ensino Fundamental, de Tocantinópolis-TO, situando turmas de sexto ao nono ano, buscando identificar possíveis ações que viabilizam ou não a articulação de práticas pedagógicas dos professores da disciplina de História.
Um dos objetivos foi conhecer o perfil desses professores, bem como suas perspectivas quanto à alteração do currículo escolar, em cumprimento ao que determina a Lei 10.639/03 e 11.645/08, a partir de um levantamento prévio sobre o nível de formação dos mesmos, na perspectiva de conhecer mais sobre o preparo teórico/prático desses profissionais em relação à temática.
Buscou-se pesquisar sobre a formação inicial dos professores de História e sobre os reais condicionantes que afetam a formação teórica e prática desses docentes, com base nas circunstâncias em que os cursos de licenciatura foram ofertados. Com efeito, desenvolvemos a pesquisa buscando respostas para algumas hipóteses levantadas inicialmente, cujos resultados passamos a discutir à luz do referencial teórico escolhido.
Conforme visto anteriormente, em nove de janeiro de 2003, foi sancionada a Lei Nº. 10.639/03, alterando alguns artigos da Lei Nº. 9.394/96, ao instituir a obrigatoriedade do ensino de História da África e dos afro brasileiros no currículo escolar do ensino fundamental e médio em instituições públicas e privadas. Tal medida revela, para a educação, um momento de extrema importância, de sorte que, possibilita às escolas desenvolverem práticas voltadas para a vivência do respeito às diferenças que separam os negros/as e brancos/as, tal como ressaltado pela socióloga Maria Lúcia de Santana Braga, técnica do Ministério da Educação e Cultura, no quinto ano de celebração da Lei, sustentando que:

O reconhecimento da contribuição da população negra na construção da cultura e da sociedade nacional é um problema de justiça, que somente será possível solucionar com a mudança do padrão de valores culturais. Portanto, a escola é o espaço no qual uma nova estrutura de sentimentos humanista, anti-racista e democrática poderá se desenvolver e contribuir para a emancipação tanto da população negra como também de toda a sociedade brasileira (BRASIL, 2008).

Depreende-se de tais afirmações que a população negra não é uma parte irremediavelmente marginalizada da sociedade, uma vez que é perceptível o papel relevante que assumem os/as negros/as na história da formação da sociedade brasileira. É conveniente ressaltar, no entanto, que se no passado estes/as foram excluídos/as de uma vivência educacional que lhes possibilitasse o acesso à cultura, com o advento da Lei em discussão, especialmente pelo impulsionamento dado à cultura da história da África e dos afro-brasileiros, reserva espaço para que se compreenda, com mais propriedade, as particularidades de uma cultura que, ao longo dos tempos, vem sendo negada.
Vale registrar aqui uma breve, porém pertinente expressão utilizada no relato de Arsenia Rodrigues (2007), sobre a aplicabilidade da Lei 10639/03, aludindo a um encontro de professores e movimentos sociais, na cidade de Salvador ? BA, sustentando que a Lei referenda o direito à informação sobre quem somos ou, pelos menos, de onde viemos. Tal chamamento condiz com a perspectiva e a reivindicação de que não se deixe à parte, que não se dê por ignorada a presença e a contribuição de um povo que, pelo infortúnio de ser tirado do seu seio social, tenha as suas origens esquecidas e apagadas para a vida em sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As políticas de ação afirmativa em educação refletem a preocupação do poder público brasileiro, no que concerne a uma nova ordem nas relações inter-étnicas em nossa sociedade, o que é corroborado através da promulgação da Lei 10639 tornada público em 2003, sistematizada através das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, obrigando aos sistemas de ensino, público e privado, incorporarem no currículo a disciplina "Ensino de História e Cultura afro-brasileiras", promovendo, assim, uma educação das relações étnico-raciais que favoreça o diálogo entre as diferentes matizes culturais brasileiras.
Nessa perspectiva realizamos este trabalho cujo objetivo foi refletir sobre a Lei 10639/03 bem como as Diretrizes que a sustentam, tendo em vista a pertinência do tema. Para que isso fosse possível realizamos uma pesquisa bibliográfica quando selecionamos um expressivo material teórico, apoiado numa gama de autores comprometidos com a urgência da implantação dos dispositivos contidos no texto da referida Lei e suas Diretrizes.
Além dessa, fizemos uma pesquisa empírica em quatro escolas que atendem alunos do Ensino Fundamental em classes do sexto ao nono ano e seus professores que ministram a disciplina de História, constatando que estes enfrentam sérias dificuldades em levar para a sala de aula uma abordagem realmente significativa para seus alunos.
Percebemos que estes professores conhecem a Lei de forma superficial, e que dentre as dificuldades está a falta de eventos que discutam o assunto, como é o caso de seminários e também de acesso a material teórico especializado.
Sendo assim, trouxemos duas formas de auxiliar estes professores em suas limitações e necessidades, com algumas recomendações e também um quadro onde relacionamos alguns artigos, livros, sites e também filmes, os quais abordam a Lei em estudo, suas Diretrizes, pois acreditamos ser essa a forma de colaborarmos com estes profissionais que prontamente concordaram em colaborar com nossa pesquisa.
Finalizamos acreditando termos cumprido nossos objetivos, e o material relacionado nos tópicos "Recomendações" e "Material de apoio ao Professor", serão sistematizados em material impresso e encaminhados às escolas pesquisadas visando auxiliar os professores, no sentido de transformarem suas aulas numa forma de sensibilizar e educar nossos adolescentes e jovens para novas e valorosas formas de convivência em meio à diversidade, uma vez que a característica mais relevante de nossa sociedade são as diferentes culturas que deram origem à nossa sociedade, como ela realmente é, ou seja, a "mistura" de culturas aqui introduzidas desde a época da colonização, ainda no século XVI.

REFERÊNCIAS

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______. Lei nº. 11.274, de 6 e fevereiro de 2006. Altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 anos de idade. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www6.senado.gov.Br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action>. Acesso em: 09 abr. 2008.

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