1 INTRODUÇÃO

Neste artigo serão investigadas cientificamente as razões que levam as pessoas a adornar o seu corpo, assim como os motivos pelos quais elas vestem e têm vestido roupas no decorrer da história da humanidade, motivos estes que, afinal de contas, alavancam o mercado da moda no Brasil e no mundo.
Em seu livro "Moda e Comunicação", Malcolm Barnard relata que a moda, o modo de vestir dos indivíduos, é também uma forma de se comunicar com outros seres de uma mesma sociedade, e através desta comunicação causar sensações e significados (impacto, carisma, revolta, contestação, alienação, conformismo, estabilidade, padrões sociais, etc.).
Teufelsdröckh imaginava que "a finalidade primeira das roupas não era o aquecimento ou a decadência, mas o ornamento". Ou seja, este autor considera os trajes como portadores de um papel na produção e reprodução da sociedade, tanto a atual como as sociedades passadas.
E é esta idéia de moda comunicando conceitos e significados que é assimilada neste estudo baseado na pesquisa bibliográfica de vários autores importantes nesse foco de estudo, principalmente Malcolm Barnard, mas com apoio de outros pesquisadores da moda e da sociedade.


2 PROTEÇÃO E PUDOR

Lurie afirma que "colocamos roupas por algumas mesmas razões por que falamos". Neste sentido, a indumentária é vista como oferecendo proteção contra o tempo e alguns exemplos factuais são fornecidos sobre a indumentária de proteção pode tornar-se elegante.

No caso do abrigo, a necessidade física básica é a do conforto corporal e, como ressaltam Polhemus e Procter (1978, p. 09), essa necessidade básica de conforto corporal "induz as pessoas mundo afora a criar várias formas de abrigo". De acordo com esse ponto de vista, a indumentária, sem ser necessariamente moda, é uma resposta à necessidade física de abrigo.

Mas a roupa protege ainda mais: a vestimenta protege o corpo do frio, do calor, de "acidentes que incidem em ocupações perigosas e esportes", inimigos humanos ou animais, e perigos físicos ou psicológicos. (FLÜGEL, 1930, 70-71). Além disso, ainda há necessidades humanas básicas para as quais a indumentária é a resposta cultural, e onde culturas diferentes oferecem diferentes respostas àquelas necessidades.

Rouse (1989) faz referência às moças dos anos 60, que enfrentavam nevascas e temperaturas abaixo de zero vestidas somente de minissaias curtíssimas e casacos; este exemplo serve para acautelar contra o fato de encarar a proteção como a função primordial da indumentária, afinal há quem use roupas para outras finalidades, como será visto neste paper.

A argumentação a favor do pudor, por exemplo, gira em torno da idéia de que algumas partes do corpo são indecentes ou vergonhosas e deveriam ser cobertas para não serem vistas. Essa visão foi resultado da influência do cristianismo, que enfatiza a alma em oposição ao corpo, e de acordo com essa visão, esconder o corpo por meio de roupas associa-se ao desejo de evitar sentimentos de pecado e vergonha. É uma forma de reconhecimento da nudez como uma condição vergonhosa, e que leva ao uso da roupa. Por isso também se diz que uma das funções da indumentária é distinguir o masculino de feminino. Rouse (1989) ressalta que as crianças têm de aprender quais as partes de seu corpo que são vergonhosas e precisam, portanto, ser cobertas (ROUSE, 1989, p. 09).

Claro, isso não quer dizer que não existam outros conceitos de vergonha ou pudor. Até mesmo dentro de uma única cultura ou sociedade, podem ser encontradas interpretações diferentes de pudor ou decência. "Os primeiros missionários encorajavam com freqüência os seus convertidos a adotar a vestimenta ocidental", já relatavam Roach e Eicher (1965, p.10).

Por isso a vergonha é um conceito relativo. Polhemus e Procter (1978, p. 10) contam a história das mulheres Masai, "cujos órgãos genitais são apenas cobertos por uma saia de couro absurdamente pequena" enquanto que estas mesmas mulheres morreriam de vergonha se alguém, mesmo seus maridos, as visse sem os brincos de latão. Na nossa sociedade isso seria um absurdo, mas basta imaginarmos a mulher brasileira na praia, vestida com biquínis minúsculos e ?entupidas? de acessórios para entendermos que muitas vezes o pudor fica em segundo plano. É realmente uma questão cultural.

Os argumentos que ressaltaram o pudor como sendo uma função da moda e da indumentária enfatizaram a humanidade do usuário; já os argumentos que ressaltam o impudor tendem a enfatizar a animalidade do usuário. Como destacado por Holman (1980, p. 08), alguns trajes ou vestimentas executam a função de camuflagem, de modo a não chamar atenção para quem os veste.


3 IMPUDOR E ATRAÇÃO

Rudofsky (apud ROUSE, 1989, p. 11) defende que "vestimentas de homem e de animal servem muito ao mesmo propósito ? a seleção sexual". De acordo com ele, a mulher deve manter o seu parceiro "permanentemente excitado, mudando sua forma e cores". Já Laver (apud BARNARD, 2003) emprega o que chama de princípio da sedução, princípio da utilidade e princípio da hierarquia, afirmando basicamente que o traje feminino mostra a atratividade sexual feminina ao passo que a roupa masculina exibe o status social do homem. As posições de Rudofsky e Laver têm sido também associadas a "teoria do deslocamento da zona erógena", trazendo a idéia de que a indumentária e a moda são resultado da maneira pela qual áreas diferentes do corpo são vistas como atraentes em diversos momentos da história.

Steele (1985) diz que a moda tem mais a ver com a maneira pela qual um estilo vem depois do outro, como uma espécie de progressão quase "natural" que vem ao encontro dos ditames particulares do pudor em voga na época. E cada época tem realmente, seus valores, seus princípios.

Mesmo não desejando negar que muito da indumentária e da moda tem por fim exibir e realçar a atratividade sexual ou social, tanto masculina quanto feminina, não se pode omitir que muitas culturas não-européias emprestaram pouco ou nenhum valor a esse tipo de exibição. Nem se pode negar que existem variações sobre o que é tido como atrativo sexual ou social entre as culturas que a valorizam. (BARNARD, 2003, p. 90).

De acordo com as variações culturais, algumas partes do corpo são expostas mais que as outras, a fim de não chamar atenção para o que se deseja encobrir. Logicamente, na cultura ocidental moderna, já nascemos aprendendo a não ?andar pelados?, as meninas já são excessivamente forçadas a não usarem saias muito curtas quando crianças, enfim, muitos valores dos adultos já vão sendo embutidos na mentalidade de formação das crianças de forma que estas se tornem os míni-adultos que as ensinaram.


4 COMUNICAÇÃO E STATUS

A moda, de acordo com Barnard (2003) comunica. Moda, indumentária e vestuário são considerados fenômenos culturais, maneiras pelas quais uma ordem social é experimentada e comunicada. Deste modo, a função unificadora da moda e da indumentária serve para comunicar a afiliação de um grupo social, tanto para aqueles que são seus membros quanto para os que não o são. Inclusive as funções de proteção, camuflagem, pudor e impudicícia são formas de alguém comunicar uma posição numa ordem cultural e social, tanto para os outros membros da ordem a que pertencem, quanto para aqueles que estão fora dela.

Roach e Eicher (1965) sugerem que a sobrevivência emocional dos seres humanos depende também de sua habilidade para alcançar um equilíbrio entre conformar-se à sociedade e preservar um senso de identidade própria. Mas não é fácil; a moda também comunica a emoção, o sentimento. Tanto que a aquisição e o uso de roupas novas é uma forma, cada vez mais documentada, pela qual algumas pessoas tentam alterar o seu humor.

Também observa-se que indumentária e moda são frequentemente usadas para indicar importância ou status, e as pessoas emitem comumente julgamentos a respeito da importância e do status das outras com base no que estão vestindo. E isso é um comportamento social tido como aceitável, pois todas as culturas têm um grande cuidado em marcar claramente o status de seus membros.

Às vezes o status relata o papel social de cada indivíduo: "O papel social das pessoas é produzido pelo seu status e concerne aos diversos modos pelos quais esperamos que elas se comportem", diz Barnard (2003, p. 96). Neste sentido, o conhecimento do papel representado por uma pessoa é necessário para que possamos ter para com ela um comportamento compatível com aquilo que ela representa ser.

Portanto, a moda e a indumentária podem refletir o tipo de organização econômica em que uma pessoa vive, assim como o seu status no interior daquela economia. Por exemplo, branco e azul, no contexto do colarinho, indicam status econômico; trabalhadores de colarinho-branco são geralmente considerados como tendo um status mais elevado do que os de colarinho-azul. Esse exemplo também demonstra uma relação de poder. Exemplos da relação entre moda, indumentária e ?poder? incluem a juventude do fim dos anos 60 e princípio dos 70, quando os jovens adaptavam sua moda e indumentária para tentar refletir os novos papéis entre os diferentes grupos sociais.

Mas a sociedade se manifesta de várias formas. Flügel (1930, p. 71) refere-se ao emprego de amuletos e outros adornos mágicos para repelir malefícios mágicos e dos espíritos. Assim, tanto sendo usados de modo permanente ou como medida temporária, o traje e a indumentária podem indicar adesão ou afiliação a um grupo religioso específico ou até mesmo a uma seita.

Como relatado por Barnard (2003), em muitos rituais ocidentais espera-se que, enquanto o ritual está sendo efetuado, aqueles que estão nele envolvidos usem algo diferente do seu traje habitual. Um exemplo é o candomblé, religião brasileira que se diferencia pelos trajes volumosos e cheios de significado.

O lazer também empresta sua importância para as funções da moda e da indumentária. Como ressalta Barnard (2003), enquanto o ritual é formal e regido por regulamentos, o lazer é tido como mais informal, mesmo quando não regulamentado. "É interessante observar que, enquanto os membros das classes sociais mais baixas se vestem com mais apuro para sair, os pertencentes às classes sociais mais altas geralmente se vestem com menos apuro". (BARNARD, 2003, p. 105).

Por último e não menos importante, cabe trazer à discussão a visão de Flügel (1930) que "advogava", de acordo com Barnard (2003, p. 106) os prazeres que se podem obter do fato de não vestir roupa alguma, e de sentir o sol e a brisa sobre a pele nua. Obviamente, aí está uma concepção da roupa, ou da ausência de roupa, como uma fonte de prazer, o que na sociedade ocidental dita ?civilizada? é tido como um devaneio, um ato sem o menor sentido. Para compreender essa visão psicológica e libertária basta observar o que os adultos dizem quando vêem crianças nuas; a maioria dos indivíduos tenta vestir a impudicícia infantil a ponto de mostrar às crianças que ?isso não é jeito de se andar por aí?, revelando assim uma genuína expressão cultural do nosso mundo ironicamente "moderno".


5 CONCLUSÃO

Várias funções são dadas e destinadas à moda e à indumentária, inclusive proteger o corpo de elementos externos como frio, chuva, calor, etc. Mas também há outras funções igualmente importantes, como a questão do pudor, da vergonha, da atração que se pode conseguir ou afastar através do uso das vestimentas.

Mas também pode servir para definir classes sociais, diferenças econômicas e status. Na visão de Barnard, parte do papel ou função da roupa, do vestuário ou indumentária, é tornar a sociedade possível, ser parte da produção e reprodução de posições de poder relativo dentro de uma sociedade.

Todos os posicionamentos prestados às funções da moda e da indumentária buscaram explicar o modo através do qual o mercado da moda caminha atualmente, as origens do motivo pelo qual os indivíduos se vestem, e também o motivo pelo qual se exibem através do que vestem.


6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARNARD, M. Moda e Comunicação. Tradução de Lucia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
FLÜGEL, J. C. A psicologia das roupas. São Paulo: Mestre Jou, 1966.
HOLMAN, H. A handbook to literature. Indianapólis: Bobbs-Merrill, 1980.
LAVER, James. A roupa e a moda ? uma história concisa. Tradução de Glória Maria de Mello Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LURIE, A. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
POLHEMUS E PROCTER, 1978. In: BARNARD, M. Moda e Comunicação. Tradução de Lucia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
ROACH E EICHER, 1965. In: BARNARD, M. Moda e Comunicação. Tradução de Lucia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
ROUSE, R. Mexican Migration to the United States: Family Relations in the Development of a Transnational Migration Circuit. Ph.D. Dissertação de Antropologia: Stanford University, 1989.
RUDOFSKY. In: ROUSE, R. Mexican Migration to the United States: Family Relations in the Development of a Transnational Migration Circuit. Ph.D. Dissertação de Antropologia: Stanford University, 1989.
STEELE, V. Fetiche: moda, sexo e poder. Rio de Janeiro, Rocco, 1985.