A título de introdução, vale dizer que as reformas processuais vigentes, também no que concerne às atividades executivas, visaram ao atendimento dos princípios da celeridade e da economia processual (art. 5º. LXXVIII, CRFB), como corolários da efetiva atuação jurisdicional.

Tais preceitos, contudo, não significam que a atividade executiva possa descambar para a arbitrariedade, evidentemente dissociada das garantias impostas pela Constituição da República, onde o executado seria mero objeto da atuação persecutória do Estado, que investiria contra o seu patrimônio sem o respeito a princípios básicos como, por exemplo, o da isonomia, art. 5º., caput, da CRFB e o da menor onerosidade da execução, art. 620 do CPC.

As relações processuais entre exeqüente e executado devem se pautar pelo equilíbrio, preservando-se as suas garantias processuais formais à luz das garantias constitucionais, de modo que a satisfação do credor não seja atingida a qualquer custo. Nesse sentido, leciona com maestria o Mestre Luiz Guilherme Marinoni :


A percepção de que a técnica processual deve ser estruturada de acordo com as necessidades do credor, e de que a legislação delineia de maneira distinta a execução conforme a natureza do devedor, é que permite que seja feito juízo realmente crítico dos procedimentos executivos. Não se trata de analisar os procedimentos executivos simplesmente à luz das garantias processuais formais, mas sim averiguar se a diferenciação desses procedimentos ? ou a sua uniformização ? está atenta aos direitos e de acordo com os valores da Constituição Federal. Toda técnica, como é evidente, só é legítima quando obedece a determinados fins. Isso significa que, para a análise da técnica processual executiva, é preciso estabelecer de que forma a execução deve se comportar para atender aos direitos e aos valores da Constituição Federal. Ou melhor: é preciso analisar a legitimidade das formas diferenciadas de execução ? se essa diferenciação está de acordo com a ideia de isonomia ? e, ainda, se a tentativa de uniformização da forma processual executiva, diante de necessidades distintas, não traduz afronta aos valores da Constituição Federal.

E as necessidades distintas, conforme afirma o citado Mestre, diante do procedimento executivo, implicam sopesar entre a efetividade da prestação jurisdicional, com o recebimento do crédito pelo exeqüendo e o respeito às garantias constitucionais do executado.

Uma das formas, assim, de promover o cumprimento voluntário da obrigação executada vem prevista no artigo 745-A, do CPC . Como se extrai de uma leitura singela do referido dispositivo legal, no prazo para a interposição dos embargos à execução de título extrajudicial, o devedor, após efetuar o depósito de 30% do valor em execução ? inclusive custas e honorários de advogado ? poderá requerer o parcelamento (em seis prestações mensais) do restante da dívida acrescida de correção monetária e juro de 1% ao mês.

A dúvida, portanto, reside na condição de o credor aceitar receber sua dívida de forma parcelada para a concessão do benefício ao executado, ou seja, trata-se de um direito potestativo do executado ou não?

A doutrina e jurisprudência pátrias debatem a questão sem, ainda, consenso. Mister revelar que, doutrinariamente, pode-se perceber três linhas principais de pensamento a respeito do tema: 1) Trata-se de direito potestativo do devedor ao qual o credor (a atividade do magistrado, nessa hipótese, restringir-se-ia ao exame dos requisitos de admissibilidade do requerimento, parágrafo 1º. do artigo 745-A, do CPC) deve se submeter por imposição legal, ressalvando-se a necessidade de contraditório, momento em que poderá argüir questões relacionadas apenas ao preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, como, por exemplo, a regularidade do depósito de 30% do valor em execução ; 2) O dispositivo legal possui nítido caráter de direito material, devendo ser apreciado em cotejo com as regras do direito das obrigações, mormente a descrita no artigo 314 do Código Civil, ou seja, se o exeqüente pleiteia o pagamento de uma prestação à vista (título executivo extrajudicial) não está obrigado a recebê-la em prestações, dependendo de sua autorização o parcelamento da dívida; 3) O dispositivo legal concede ao devedor o direito potestativo de submeter o credor ao fracionamento da dívida, porém, em contraditório, este poderá argüir além das questões relativas aos requisitos legais, a suficiência financeira do executado para solver de imediato a dívida , ou seja, a hipossuficiência do devedor passa a ser requisito obrigatório para a concessão do benefício.

Em que pese uma tendência majoritária da jurisprudência em adotar a primeira posição , e, como se disse, haver séria controvérsia acerca do tema, penso adequar-se melhor às exigências constitucionais e a um processo justo a terceira corrente, que já encontra amparo em sede doutrinária .

Insta salientar que o dispositivo apreciado possui natureza jurídica de direito potestativo, sujeitando o credor ao parcelamento da dívida mediante o preenchimento das condições: o depósito prévio regular, requerimento de parcelamento realizado no prazo dos embargos e estado de hipossuficiência do devedor.

Tal assertiva encontra consonância com os fins pretendidos pelo legislador de uma atuação com vistas à efetividade jurisdicional, preservando-se a celeridade e a economia processuais. Nesse sentido assevera, novamente, o renomado professor Marinoni : "A efetividade somente possui relevância quando objetiva dar concretude aos valores protegidos pela Constituição Federal.".

Assim, deve-se oportunizar ao devedor a possibilidade de pagamento do valor devido de acordo com as suas possibilidades (se ele não tem condições financeiras de arcar com o pagamento integral de imediato - hipossuficiência), fato que não inviabilizará o direito do autor, que receberá a prestação (30% de imediato e o restante em seis parcelas mensais, com juro e correção, permitindo-se o vencimento antecipado da obrigação e o prosseguimento das atividades executivas em caso de inadimplemento de quaisquer das parcelas).

De fato, não se deve considerar como um prejuízo ao exeqüente o fato de poder receber sua dívida em, no máximo seis meses, quando não houve, anteriormente, uma longa fase de conhecimento, como nos casos de cumprimento de sentença, títulos executivos judiciais.

Vale salientar, ainda, que a submissão do requerimento do executado ao consentimento do credor proporcionaria, também, violação à isonomia que deve nortear as relações processuais, na medida em que haveria sério desequilíbrio dessa relação. Isso porque, ao manifestar-se pelo requerimento de parcelamento do quantum executado, após o pagamento do valor prévio legal, o devedor renunciaria ao direito de interpor os embargos à execução, justamente porque reconheceu a existência da dívida ? situação análoga à prevista no artigo 269, II, do CPC ? havendo verdadeira preclusão lógica. Nessa toada, inegável o prejuízo ao executado, que também ficaria privado do valor depositado previamente.

Não se deve olvidar, também, que não se vislumbra ofensa ao direito subjetivo do credor não receber o pagamento nos moldes do artigo 314 do Código Civil. Como se disse, o artigo 745-A do CPC possui inegável índole substantiva, uma vez que estipula nova forma de extinção das obrigações, devendo ser reconhecido como limitador do direito estampado naquele dispositivo desde a sua entrada em vigor. Desnecessária seria a regra caso se tratasse de mero ajuste entre as partes, uma vez que, mesmo na fase executiva, não haveria óbice legal à eventual transação e, por conseguinte, à homologação judicial do parcelamento da dívida, independentemente de disposição legal.

Tem-se, assim, dispensada a anuência do credor para a concessão do benefício legal ao devedor, em que pese a necessidade de efetivação do contraditório para que se faculte ao exeqüente a possibilidade de se desconstituir a regularidade dos requisitos legais impostos para o parcelamento da dívida, ou mesmo, apenas para anuir com esse fracionamento.

Dentre esses requisitos, há que se reconhecer, também, como já se revelou, a hipossuficiência do devedor. Assim, as questões relativas à regularidade dos pressupostos legais, bem como à hipossuficiência do executado, devem ser suscitadas por ocasião da manifestação do credor em contradita, no prazo do artigo 185, do CPC.

Contra a possibilidade de o credor rejeitar o requerimento do executado ante sua condição financeira suficiente ao adimplemento de toda a obrigação, argumenta-se que haveria ofensa ao princípio da legalidade (artigo. 5º., II, da CRFB), uma vez que tal requisito não estaria estampado no artigo 745-A, do CPC.

Insta salientar, contudo, que, segundo a moderna doutrina constitucional (neoconstitucionalismo), não há qualquer tipo de hierarquia normativa entre princípio e regra, sendo ambas espécies do gênero norma. Nesse sentido, quando o devedor possui condições financeiras de quitar in totum a dívida e não o faz, preferindo a via do parcelamento, tal medida revela verdadeiro intuito procrastinatório e ofende os princípios da boa-fé objetiva, do devido processo legal (processo justo), da lealdade processual, da cooperação entre as partes entre outros. Assim, deve-se entender que o dispositivo, como norma, deve abranger tanto as regras (estampadas nos artigos da lei) como os princípios (mandamentos de otimização) , e estes estão contidos, implicitamente, no citado artigo de lei, devendo ser observados.

Como último argumento acerca da prescindibilidade da anuência do credor para a concessão do parcelamento da dívida executada, importante revelar que o anteprojeto da Lei 11382/2006 trazia em seu bojo o parágrafo primeiro do então artigo 745-B com a seguinte redação: "Aceitando o exeqüente a proposta, levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos, podendo o executado requerer o cancelamento do registro eventualmente lançado em entidade de proteção ao crédito.". Note-se, assim, que o legislador, na versão aprovada da Lei, fez constar no parágrafo primeiro do artigo 745-A, "sendo a proposta deferida pelo juiz...", demonstrando, inequivocamente, sua intenção de dispensar a anuência do credor ao requerimento de parcelamento ao excluir da Lei vigente a possibilidade de submissão do parcelamento ao crivo do exeqüente, como prevista no anteprojeto.

É nesse sentido que se entende ser dispensável a concordância do exeqüente com o requerimento de parcelamento da dívida, devendo, porém, ser-lhe facultada a possibilidade de contraditar, podendo aduzir questões relativas ao preenchimento dos requisitos estampados no artigo 745-A, do CPC, bem como a necessidade de se verificar o estado de hipossuficiência do executado, como se viu acima.

Outra questão, não menos tormentosa, relaciona-se à possibilidade de se estender, por analogia, o benefício do artigo 745-A do CPC à fase de cumprimento de sentença (execução fundada em título judicial).

A jurisprudência orienta-se num e noutro sentido, mas atende à boa técnica processual o entendimento segundo o qual é incabível a analogia.
Primeiro, porque, na execução de título extrajudicial não há a fase prévia de conhecimento. Não seria viável, assim, a aplicação de tal dispositivo na fase de cumprimento de sentença, logo após uma (provável) longa fase de conhecimento, permitindo-se ao executado, que já teve a possibilidade de promover ampla defesa, inclusive transacionar, procrastinar em mais seis meses o pagamento da dívida, mormente em função da sumariedade da fase de cumprimento de sentença.

Nesse sentido o Mestre Humberto Teodoro Junior :

Com o parcelamento legal busca-se abreviar, e não procrastinar, a satisfação do direito do credor que acaba de ingressar em juízo. O credor por título judicial não está sujeito à ação executiva nem tampouco corre o risco de ação de embargos do devedor. O cumprimento da sentença desenvolve-se sumariamente e pode atingir em breve espaço de tempo, a expropriação do bem penhorado e a satisfação do valor da condenação. Não há, pois, lugar para prazo de espera e parcelamento num quadro processual como esse.

Segundo, porque, na fase de cumprimento de sentença já existe método legal previsto para promover o pagamento da dívida voluntariamente, qual seja, a imposição da multa de 10% prevista no artigo 475-J, do CPC, não havendo que se falar, assim, em lacuna legal e utilização da analogia.

Assim, leciona a Professora Maria Helena Diniz :

Para integrar a lacuna o juiz recorre, preliminarmente, à analogia, que consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou específico por uma norma jurídica uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado.

Em terceiro está a própria imposição legal de que o requerimento deve ser realizado no prazo dos embargos (e não da impugnação ao cumprimento da sentença), medida processual presente apenas na execução de dívida oriunda de título extrajudicial. Nesse propósito parte da jurisprudência pátria tem se manifestado pela inaplicabilidade subsidiária do artigo 745-A na fase de cumprimento de sentença .

Outra parte, principalmente os Tribunais do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro (este mais recentemente) posicionam-se a favor da aplicação subsidiária do parcelamento legal, com fulcro no artigo 475-R, do CPC.

Ressalte-se que o argumento da utilização do artigo 475-R não parece válido para a solução da questão (em que pese largamente utilizado pela doutrina e jurisprudência), uma vez que sua aplicação decorre de lacuna legal no procedimento de cumprimento de sentença. Isso porque, a própria norma revela que só haverá aplicação subsidiária das regras da execução extrajudicial "no que couber". Assim, por exemplo, no caso de ausência de previsão legal sobre determinado fato, situação jurídica que ensejaria a interpretação analógica o que, como já se explicitou, não ocorre, ante a previsão expressa do pagamento da multa de 10% para instar o devedor ao adimplemento voluntário da obrigação, medida que tem o mesmo propósito daquela estampada no artigo 745-A, do CPC, sendo, portanto, inconciliáveis dentro do mesmo procedimento.

Frise-se, por fim, que apesar de não haver, ainda, um posicionamento consagrado a respeito do tema, nem mesmo dentro dos colegiados dos Tribunais de Justiça, entendo adequar-se à boa técnica processual não se considerar a possibilidade de aplicação subsidiária do artigo 745-A, do CPC na fase de cumprimento de sentença, porquanto se trata de instituto criado exclusivamente para provocar o adimplemento voluntário da obrigação nas execuções de valores decorrentes de títulos executivos extrajudiciais.

Bibliografia:

(1) Marinoni, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2004; p. 610.

(2) Novelino, Marcelo. Direito Constitucional para Concursos, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.71-77;

(3) http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11704 acessado em 24/05/2010;

(4) http://www.tj.ms.gov.br/webfiles/producao/GP/artigos/20081211082526.pdf, acessado em 24/05/2010;

(5) Humberto Theodoro Junior, A Reforma da Execução do Título Extrajudicial, Ed. Forense, 2007, p. 217.

(6) Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro; São Paulo, Ed. Saraiva, 1997, p. 64.