RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar a origem da Teoria Linguística Análise do Discurso, bem como mostrar seu objeto de estudo, seus aspectos relevantes e sua importância para que se conceba a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade social.

Palavras-chave: Linguagem – Discurso – Sujeito – Interdiscurso – Prática social.

CONSIDERAÇÕES INICIAS

Com o surgimento da Lingüística no século XIX e com o lançamento do Curso de Lingüística Geral de Ferdinand de Saussure, no início do século XX, os estudos desenvolvidos sobre a linguagem foram tomando dimensões diferentes, ou seja, foram surgindo diversas outras disciplinas no campo da linguagem. Saussure é considerado o precursor da lingüística, pois além de contribuir para o surgimento de uma nova ciência, seus postulados teóricos deram origem ao estruturalismo, como também contribuíram para instigar muitos questionamentos a respeito da lingüística do século XX e, conseqüentemente de suas obras.

Os inúmeros embates que se faziam em torno das obras de Saussure foram provocando discussões sobre a epistemologia da Lingüística, já que para ele, a língua se constituía como algo abstrato e homogêneo, e seu objeto de estudo se restringia à própria língua.

Esta visão sistemática da língua, tratando a fala de forma irrelevante foi posta em discussão, no final dos anos 60, mais precisamente na França, em uma conjuntura intelectual e política, em que as discussões em torno da Lingüística se davam de maneira mais ampla. Assim, de acordo com esses intelectuais da época, a linguagem não poderia estar limitada a este sistema reducionista (GREGOLIN, 2003).

Nesse sentido, os elementos excluídos por Saussure como: a fala, o sujeito, a ideologia e a história foram trazidos para os embates lingüísticos. Nesse contexto, simultaneamente, surgem várias teorias que rompem com o conceito de linguagem de Saussure e sugerem uma análise subjetiva e que transcende os limites da frase. Sobre esse fato Brandão (1998, p.11) discorre:

Estudiosos passam a buscar uma compreensão do fenômeno da linguagem não mais centrado apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado fora desse pólo da dicotomia saussureana. E essa instância da linguagem é o discurso. Ela possibilitará operar a ligação necessária entre o nível propriamente lingüístico e o extralingüístico.

É nesse contexto de discussão acerca dos estudos lingüísticos que, em meados da década de 1960, surge na França uma nova abordagem lingüística nos estudos da linguagem denominada de Análise do Discurso. Um dos precursores da Análise do Discurso[1] francesa foi Michel Pêcheux, que coloca em destaque o discurso como objeto de estudo.Na visão de Pêcheux, a AD prioriza outros elementos que vão além do ato comunicativo, isto é, a língua não quer apenas transmitir informações, não quer apenas anunciar algo, mas leva em consideração o contexto social, histórico e ideológico em que um determinado enunciado foi produzido. O discurso transpassa uma exterioridade da linguagem e abarca elementos ideológicos e sociais.

Compreendemos, portanto, que o discurso é a materialização da linguagem e carrega consigo as manifestações ideológicas de ordem sócio-histórica enunciadas pelos sujeitos do discurso, por isso mesmo a AD se situa em três regiões do saber cientifico: a Lingüística, para explicar os processos de enunciação; o Materialismo Histórico para explicar os fenômenos sociais e o assujeitamento do sujeito pela ideologia e a Psicanálise que explica a subjetividade e a relação do sujeito com o simbólico (GREGOLIN, 2003).

Com os estudiosos da Nova História[2]surgem às propostas de análise do discurso do cotidiano, levando em consideração outros objetos discursivos. É nesse contexto, que segundo Gregolin (2003), a AD deixa de dar prioridade ao discurso político, à materialidade da escrita e parte para outras formas, outros regimes de materiais.

ANÁLISE DO DISCURSO EM FOCO

A unidade da AD é o texto, já que nele se materializa a discursividade, constituindo assim, o discurso. É através da visão da materialização da língua no texto em sua discursividade, isto é, é em funcionamento que o texto produz sentido e nele podemos compreender as cargas ideológicas que determinam as formações discursivas. Para Orlandi (2006, p.16) "pensar o texto em seu funcionamento, é pensá-lo em relação às suas condições de produção, é ligá-lo a sua exterioridade". Isto implica dizer que o discurso não pode ser analisado sem levar em consideração as condições de produção do mesmo, uma vez que as palavras em si mesmas não apresentam sentido e, além disso, a construção de sentido depende também de aspectos extralingüísticos em "que a própria textualidade traz nela mesma sua historicidade, isto é, o modo como os sentidos se constituem, considerando a exterioridade inscrita nela e não fora dela" (ORLANDI 2006, p. 16).

Se o texto constitui como base da AD, isso nos leva a crer que a AD apreende a linguagem como interposição necessária entre o homem e a realidade a qual está inserido, e que esta interposição é feita através do discurso, isto é, pelas práticas discursivas nas quais o sujeito se insere, sendo capaz de transformar e transformar-se. Assim, o objeto de estudo que constitui a AD é o discurso, visto que através dele, é possível tanto a permanência do homem na realidade a qual está inserido quanto a sua transformação.

É inconcebível analisar um discurso desconsiderando as condições de produção, uma vez que estão intimamente ligadas à constituição do discurso. Isso quer dizer que o sentido de um enunciado depende das condições históricas e sociais e da situação em que o sujeito que o produz se encontra.

As condições de produção do discurso também estão relacionadas com as relações de poder e de lugar ocupado pelo sujeito do discurso e pelos interlocutores, o que nos leva a acreditar que a força do discurso de um locutor é determinada pela sua posição social.

Ratificando essa idéia, Brandão (1998) diz que Pêcheux via os protagonistas do discurso não na sua forma física, mas na representação dos lugares ocupados na estrutura social pelo sujeito do discurso. Nesse contexto, compreendemos que Pêcheux pretendia mostrar que os sujeitos acabam revelando, nos seus discursos, marcas dos lugares que ocupam. Isso se justifica pelo fato de estarmos em uma sociedade organizada em torno de um padrão hierárquico no qual algumas classes sociais se sobrepõem a outras e, por isso, há também sujeitos que ocupam lugares mais elevados, conforme uma determinada organização institucional. É por essa razão que o lugar ocupado por um médico é superior ao do paciente, o lugar de um engenheiro, superior ao do operário.

O discurso é o meio pelo qual a ideologia se manifesta, é por meio do discurso que o sujeito revela suas marcas pessoais construídas na sua relação com o meio. Dessa forma, compreendemos que as relações sócio-histórico-ideológicas que se materializam no discurso vão constituir as formações discursivas, determinando assim, o que pode ou não ser dito "a partir de um lugar social historicamente determinado", conforme revela Brandão (1998, p. 90). Nesse sentido, vemos que os enunciados mudam de sentido segundo o lugar ideológico, as posições defendidas por quem as empregam.

O sentido de um enunciado numa determinada formação discursiva varia de acordo com o lugar ideológico e a posição ocupada pelo sujeito numa dada condição de produção. Assim, entendemos que a formação discursiva não pode ser definida apenas como aquilo que pode ou deve ser dito num determinado enunciado e espaço, mas também como aquilo que não pode ou não deve ser dito num determinado contexto de enunciação. Vemos, dessa forma, que as formações discursivas não devem ser consideradas isoladamente, mas partindo da visão de que elas interagem entre si, já que o discurso é produzido mediante a sua relação com o outro e, conforme já mencionamos, a partir das posições ideológicas daqueles que o produzem

Se para a AD o texto é visto num contexto mais amplo, incluindo os aspectos sócio-histórico-ideológicos dos interlocutores, bem como, as condições de produção em que está inserido, não podemos pensar o texto inserido na AD como algo translúcido, pois conforme menciona Orlandi (2006), o agrupamento de formações discursivas forma um complexo com dominante[3] e "esse complexo com dominante das formações discursivas é o que chamamos interdiscurso, que também está afetado pelo complexo de formações ideológicas". (ibid, p. 18)

Isso implica dizer que o interdiscurso define a formação discursiva, visto que, um falante ao se inserir num espaço discursivo faz uso de palavras, proposições, expressões que dentro da formação discursiva dê sentido ao seu discurso e para isso é necessário que ele recorra a outros discursos para dar sentido ao que pretende enunciar. É mediante esse fato que compreendemos o que Brandão (1998) enfatiza quando declara que uma formação discursiva é heterogênea e que é perpassada por diversas outras formações discursivas e é em conseqüência disso que toda formação discursiva se define a partir de um interdiscurso.

Segundo essa ótica, compreendemos que todo discurso está relacionado com outros, isto é, todo discurso é heterogêneo já que o sujeito não é autor/dono daquilo que diz, tudo que é dito já foi enunciado por alguém em um contexto e condição deprodução diferentes. Orlandi (2006) acrescenta que é pelo interdiscurso que o sujeito é capaz de evidenciar, dar significações ao seu discurso, como também é através de seu funcionamento (do interdiscurso) que o sujeito não consegue reconhecer o seu assujeitamento, já que esse assujeitamento se dá de forma tão transparente que acaba criando a imagem ilusória de que o sujeito é dono do que diz.

A autora ainda ressalta que o interdiscurso é essencial para dar sentido ao que se pretende dizer. Em outras palavras, entendemos que para que uma palavra, numa determinada formação discursiva, tenha sentido é necessário que ela derive do já dito e que traga consigo um sentido pré-construído e que ao ser enunciada construa um efeito de já dito para poder sustentar o que se pretende enunciar, dizer.

Ainda a respeito do interdiscurso na AD, Brandão (1998) aborda que todos os discursos têm sua identidade estruturada através da relação interdiscursiva e não de forma independente, os discursos surgem baseados em outros já existentes. É em virtude dessa relação interdiscursiva que entendemos que um discurso jamais deve ser julgado como autônomo, já que ele está sempre se remetendo a outros discursos, e, conseqüentemente, seu sentido será construído por meio dessa relação de trocas.

É por esta razão que Gregolin (2001, p. 18) afirma que "o interdiscurso designa o espaço discursivo e ideológico no qual se desenvolvem as formações discursivas em função de relações de dominação, subordinação, contradição". Isso nos leva a entender que o interdiscurso é um campo de encontros e confrontos de sentidos, ou seja, o sujeito para dar sentido e legitimizar o que está enunciando faz emergir nas formações discursivas outros discursos historicamente utilizados ou os rejeitam em outros contextos discursivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito se tem discutido sobre a linguagem nas últimas décadas. Pesquisas e estudos estão sempre proporcionando novas e diferentes reflexões sobre o que de fato é linguagem e nesses embates, nessas convergências e nessas releituras, feitas a cerca de outros campos do conhecimento que tratam da questão da discursividade desde os anos 60, e que tornam instável esse conceito de língua, discurso, sujeito e sentido é que hoje não se pode conceber a linguagem com essa visão simplória apenas como troca de informação, hoje a linguagem além de código, é discurso, a linguagem não é vista apenas como organismo de comunicação, de transmissão de idéias ou como base do pensamento; linguagem é uma ação social, ou seja, o discurso deve ser analisado numa visão além de seus aspectos formais, levando em conta os aspectos extralingüísticos a fim de chegar à construção de sentidos, considerando toda a complexidade em que ele é produzido: contexto social, histórico e ideológico

Portanto, não cabe mais perceber a linguagem apenas centrada na língua (abstrato e homogêneo), e sim, numa visão bem mais ampla, já que o processo de interação verbal se dá por meio da produção do discurso, mesmo porque ao produzirmos um enunciado, falamos num contexto de produção específico, além de tudo, num ato enunciativo, participamos de um jogo de imagens que criamos a respeito de nosso interlocutor e vice-versa, e a Teoria Linguística Análise do Discurso teve papel preponderante para que vejamos a linguagem hoje não somente como código, mas, sobretudo como prática social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas, SP: UNICAMP, 1998.

GREGOLIN, M. R. V. Análise do discurso: os sentidos e suas movências. In: GREGOLIN, M. R; CRUVINEL, M. F. & KHALIL, M. G. (org.) Análise do discurso: entornos dos sentidos. Araraquara, SP: Cultura Acadêmica, 2001.

__________. Olhares oblíquos sobre o sentido no discurso. In: GREGOLIN, M. R & BARONAS, R. Análise do discurso: as materialidades do sentido. São Paulo, SP: Claraluz, 2003.

ORLANDI, E. P. Análise do discurso. In: ORLANDI, E. P & RODRIGUES, S. L. Introdução as ciências da linguagem


[1] Doravante AD

[2] Os teóricos da Nova História: Michel de Certeau, Jaques Le Golf e Pierre Nora. A Nova História interessa-se por todos os homens e não somente os grandes homens envolvidos em grandes acontecimentos políticos, marcando assim, a entrada das "massas" na escrita da História.

[3]Entendemos esse termo como aquilo que o sujeito traz numa relação construída na coletividade sócio-histórico-ideologica.