Ozória da Silva Sampaio1
Rosemary Sampaio da Silva 2
1 Formada em História pela Universidade Tiradentes, Pós-Graduada em Metodologia do Ensino de História pela Faculdade Serigy.
2 Formada em Pedagogia pela Universidade Tiradentes, Pós-Graduada em Psicopedagogia Institucional pela FANESE e Mestranda em Educação pela Universidad Del Norte -Asunción-PY.

Segundo a declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, feita pela Organização das Nações Unidas (ONU), tem-se como definição de violência contra a mulher, "qualquer ato de violência com base no gênero, sexo, que resulta ou que é provável resultar em dano físico, sexual, mental ou sofrimento para a mulher, incluindo as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade, ocorrida em público ou na vida particular". Portanto, podemos dizer que a violência é a ação de um sujeito que, ao subjugar um outro, seja pela força física, pelo assédio moral ou sexual, obriga-o a fazer algo que por sua livre e espontânea vontade não faria. Ao tentar situar as ações das mulheres que iniciaram a busca reivindicatória para eliminação dos mais variados tipos de maus tratos de que têm sido vítima, pode ser demasiadamente perigoso e até certo ponto, limitante quanto ao ponto de vista, de quando tiveram início os movimentos de valorização à sua própria dignidade. Seja como cidadã ou como coparticipante de um meio social na qual está inserida, com direitos e deveres tanto quanto o sexo masculino os tem como cidadão. Embora, não se encontre muitos escritos antigos de idéias emancipatórias da mulher, percebe-se a presença pessoal feminina em carne e osso, sempre atuante e incisiva, mesmo quando um poder, dito maior, lhe oprime e a faz calar pela força. Não lhe tira, porém, o valor nem a subjuga na luta contra o poder opressor ou da submissão no qual o marido lhe condicionou por ter nascido mulher. Vê-se neste termo - "marido" - uma necessidade masculina de externar e, incrustar no inconsciente coletivo, uma relação de dominação e de poder que denota o idealismo do homem.
Esta ideia, palavra ou termo - marido - é nada mais que uma alusão a: "Senhor - Produtor - Dominador", em detrimento a "mulher", vista não com um sentido feminino de cidadã, mas com uma concepção ideológica de " Senhora - Reprodutora - Dominada". A conexão entre a linguagem "marido e mulher" não produz o real pensamento e significado: "cidadão e cidadã", mas foge ao real valor e condutas estereotipadas por uma sociedade fundada em princípios andrógenos ditatoriais que a sociedade outorga, inclusive com legislação própria para este fim.
Em muitas sociedades o homem é considerado superior à mulher em inteligência, capaz de fazer com melhor qualidade as coisas relacionadas com as atividades intelectuais, que exigem raciocínio lógico, e que a mulher além de inferior intelectualmente deve ser submissa. É a predominância do jogo de poder do qual ela ainda não se libertou. Detentor de um profundo egoísmo, o homem quer ser servido e vê na mulher uma serviçal para as tarefas consideradas inferiores como cozinhar e lavar roupas, cuidar da casa e dos filhos, além de transformá-la em objeto de seus desejos e prazeres sexuais, desconsiderando os desejos e o bem estar dela. Esta idéia mesquinha leva-o a pratica de toda sorte de violência contra a mulher, independente de idade, grau de instrução e condição social.
Por outro lado, a representatividade feminina dada às divindades lhe sugere uma condição matriarcal, mantenedora da maternidade, da reprodução, da intercessora para com os seus filhos e filhas. Isso fortalece a idéia de uma cuidadosa, trabalhadora diária. E esse trabalhar, diário, remete-nos ao pensamento grego e a forma de explicar a vida por meio dos mitos e, dentre estes, é preciso enfatizar o Mito de Sísifo, muito absorvido pelas sociedades patriarcais, com o intuito de massificar e condicionar o "fazer diário da mulher ao mesmo trabalho ou castigo atribuído a Sísifo". Um trabalhar repetitivo que nunca terá fim: o cuidar da casa, dos filhos, da alimentação, do marido, entre outras coisas que nunca se dará por terminado. Esta visão remete o sexo feminino a um segundo plano, na história da construção social, embora muitas delas tenham contribuído para a vitória em muitas lutas e guerras.
Daí é preciso pensar a partir de Simone de Beauvoir:
"(... ) identificar a Mulher ao Altruísmo é garantir ao homem direito absoluto à sua dedicação, é impor às mulheres um dever-se categórico... Não se deve confundir o mito com a apreensão de uma significação; a significação é imanente ao objeto; ela é revelada à consciência numa experiência viva ao passo que o mito é uma ideia transcendente que escapa a toda tomada de consciência".( BEAUVOIR, Simone 1987)
Há de se fazer uma reflexão: a vivência familiar vivida na relação do poder, permitirá desenvolver a idéia equivocada de que a mulher apenas reproduz. E se o homem olhar apenas
por este ponto de vista, jamais poderá conhecer um mundo totalmente diferente que ela tem dentro de si. E a herança deixada aos filhos será o aprendizado errôneo das relações familiares pautado num padrão de violência social vivido no lar que será reproduzido e praticado ao longo dos anos.
Ao refletir sobre o século XX, principalmente entre os anos 30 a 80, percebe-se anos de transformações em que a justiça social pairou em lugar mais alto entre as expectativas de todos. E tudo isso se deu não por uma vontade exclusiva do homem, mas por que as muitas mulheres resolveram sair da inércia, da submissão e refletir sobre sua condição social por meio de questionamentos, reflexões, literatura e divulgação de sua situação.
A mulher ainda vive nos dias atuais num clima de opressão e submissão, sendo violentada sob as mais variadas formas. Ainda está longe da prática da igualdade de direitos entre homens e mulheres. O fenômeno é mundial, e mesmo em países considerados de primeiro mundo onde o progresso intelectual e econômico é notório, a discriminação é uma realidade. Ainda há violência física na Suécia desigualdade de salários no Japão, pensões inferiores na Inglaterra, e exploração nos trabalhos domésticos na Alemanha. E Burín ainda afirma:
" los conocimientos aportados por los Estúdios de la Mujer nos han nutrido com coneptos tales como la diferencia entre sexo y gênero sexual; com la noción de que las diferencias entre los gêneros sexuales masculino y femenino conllevan desigualdades jerárquicas; con estúdios de las relaciones de poder entre ambos géneros sexuales; con el reconocimiento de la relación entre diversos procesos histórico-sociales y el desarrollo de la subjetividad femenina; com la relevancia otorgada a la vida cotidiana como arena donde se despliegan las múltiples formas de opresión, subordinación y marginación de las mujeres; con el reconocimiento, gracias a una perspectiva multidisciplinaria, de la incidência de diversas prácticas sociales sobre la constitución de las subjetividad femenina" ( BURIN ,1987 : 57).
Diz a mitologia grega sobre a criação dos homens que se sentindo ameaçados de perder seu poder, tiveram a brilhante idéia de criarem a mulher para levar os homens à perdição. Por esta razão foi criada, a partir de uma estátua de bronze uma forma humana, capaz de sensibilizar e encantar o homem e que recebeu de cada deus um dom. Apolo lhe deu a voz macia, Mercúrio lhe deu a língua, Atena lhe ofertou um belíssimo vestido que permitia perceber suas formas suaves, Vênus lhe deu a beleza infinita, e assim, recebendo dons que a deixavam cada vez mais formosa foi criada Pandora.
De Zeus, Pandora recebeu uma caixa que deveria entregar aos homens, com a missão de destruir a raça humana. Pandora desceu a terra, encontrando Epimeteu que se apaixonou
por ela ficando perdidamente encantado com sua beleza e formosura. Esquecendo a promessa que havia feito ao seu irmão Prometeu que nunca receberia nada que fosse dado por Zeus, Epimeteu recebe de Pandora a caixa na qual foram colocados todos os males da humanidade, como o orgulho, a ambição, a crueldade, a traição, as doenças, as pestes. No fundo da caixa havia um único bem capaz de salvar a humanidade, a esperança. Mas a um gesto de Zeus, após saírem todos os males, Pandora fecha a caixa impedindo que a esperança seja recebida pelos homens. Assim, perdeu a raça humana, o paraíso e a felicidade que poderia conquistar com sua inteligência e seu trabalho. Culpa da mulher, dirão muitos.
Também no relato bíblico da perda do paraíso, tem a mulher como a grande vilã. Eva descumprindo ordem de Deus toma do fruto proibido, tenta a Adão e o leva a comer do fruto proibido. O resultado é de todos conhecido. O pobre homem fora vítima da astuta mulher.
Com a pregação do Evangelho por Jesus Cristo, tem início um longo e penoso trabalho de resgatar a dignidade da mulher. Foi o grande revolucionário judeu que deixou claro que a mulher da mesma forma que o homem, tinha uma alma e que poderia alcançar o reino dos céus. Jesus, rompendo com os preconceitos da época dialogava com as mulheres, a exemplo da samaritana Joana de Cusa, de Marta e de Maria, irmãs de Lázaro. Jesus não apoiou o apedrejamento da mulher adúltera e até a defendeu. E aqui abrimos um parêntese para lembrar que ao lado de uma mulher adúltera existirá sempre um homem adúltero.
No Brasil, pesquisas revelam que a cada 10 mulheres, 25 sofrem violência física, das quais 90% acontecem no ambiente familiar. Vê-se, de logo, o alto índice de violência doméstica, a maioria praticada pelos maridos ou companheiros, padrastos, pais e irmãos. A maioria dos casos não é denunciada, havendo denúncia de apenas 1/3. As mulheres têm medo de sofrer represálias, temem um escândalo com abalo de sua reputação no meio social, ou não sabem a quem recorrer. Insegurança, medo, indiferença das autoridades públicas e da sociedade, impunidade, dentre outros fatores, contribuem para que não haja a denúncia. Homens e mulheres são iguais em direitos, mas diferentes em funções biológicas. O homem, por outro lado, não pode exercer a maternidade, a gestação e o parto que são funções tipicamente femininas. A amamentação que é função da mulher tem uma organização física diferente da organização física do homem. Há, portanto, diferenças vitais como estas que têm que ser observadas, respeitadas e tuteladas pela lei.
Em vigor no Brasil, desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei nº 11.340/06, conhecida como "Lei Maria da Penha" em homenagem a uma mulher vítima de violência doméstica, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres. Impressionam os números onde, mais que apanhar de seus companheiros, sofrem toda gama de violência que vai desde a humilhação culminando com a agressão física. Esse tipo de violência é, talvez, a mais preocupante, porque, literalmente, a vítima, nesses casos, por absoluta falta de alternativa, é obrigada a dormir com o inimigo. É um tipo de violência contundente que ocorre onde deveria ser um local de recesso e harmonia, que imperasse o respeito e o afeto, que é o lar, o seio familiar.
Observa-se no artigo II da referida lei:
"( ...) Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social." (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.)
Conforme é de conhecimento de todos e bem define as autoras do livro Transgressão e Violência, são inúmeras as consequências psicológicas que uma mulher pode sofrer, após ser agredida pelo seu companheiro, dentre elas, destacamos: a queixa, o medo, a angústia, o sentimento de culpa, a falta de iniciativa, a redução dos campos de interesse, que também são endossadas por Mabel Burín, conforme citamos abaixo:
" (... ) El trabajo de madre y esposa propicia em el aparato psíquico de las mujeres cierto tipo de experiências relacionadas con lo que se denomina "expectativas y obligaciones difusas". Las actividades femeninas em el hogar involucran contacto y preocupación contínua con las necesidades de los niños y de los adultos masculinos, o sea , requieren conexión y dependencia com los otros, más que separación y autonomía. El trabajo de reproducción y mantenimiento de la vida familiar está caracterizado por su continuidad repetitiva y rutinaria, y no supone secuencias o progresiones especificadas. Por el contrario , el trabajo em la vida extradoméstica - el "trabajo masculino" - más probablemente se realizará por contrato , delimitado com mayor especificidad , y seguramente contendrá ya sea uma expectativa de producir determinado producto o bien de realización denro de una progresión definida . ( BURIN, Mabel 1987 : 241-242 ).
Em Teresa Batista cansada de guerra, romance escrito por Jorge Amado em 1972, o livro conta a história de uma jovem obrigada a se prostituir. Órfã de pai e mãe, criada pela tia Filipa, é vendida ao Capitão Justiniano (Capitão Justo) que tinha predileção por adolescentes virgens. O capitão a estupra cruelmente, e a faz sua escrava sexual. Na estória Teresa apaixona-se por outro e para ficar com ele mata o capitão, mas o amante a abandona. Já na prisão, Teresa é atendida por um advogado enviado por ordem de um certo Dr. Emiliano que
dela tinha se compadecido quando em uma visita ao capitão. Após ser resgatada por ele, Teresa tem um breve período de paz. Mas o doutor morre e a deixa sem guarida. Teresa se dá conta, então, que a vida não pára. É preciso continuar...
Na obra, mais um personagem de Jorge Amado criado com base no inconformismo do ser humano, na disputa entre os sexos, na insurgência e não aceitação aos "destinos", na prevalência de valores, na submissão à cultura, na rejeição à adversidade, na contradição e dualidade do próprio ser humano, enfim, na sua ambigüidade de pensar e agir diferentemente. Uma mulher cuja personalidade indomável se choca contra as convenções e se rebela contra o destino que lhe tentam impor. E luta contra uma sociedade contundente que exclui uns e elege outros conforme os padrões vigentes em dado momento ou situação histórica.
Ficção ou verdade? Não importa. Importa mais entender este trabalho como uma abordagem aos aspectos subjetivos da relação homem x mulher que desde o surgimento do ser humano têm imposto ao sexo feminino uma condição de subserviência. Impondo-se como formas de racionalidade, seja no desenvolvimento dos povos desde os tempos tribais ou nas culturas mais atuais e avançadas, tal relação muitas vezes se escuda sob formas ou alegações racionais, humanitárias, ideais, mas, são exercidas com formas e técnicas brutais, irracionais ou enlouquecidas. Como aborda Otávio Ianni:
"(... ) a fúria do tirano, o terrorismo de estado, a guerra, o massacre, o escravismo, o fundamentalismo, o tribalismo, o nazismo, sempre envolvem alegações racionais", ... mas se exercem ... "em geral, na fúria da violência... destruição do "outro", "diferente", "estranho", com o que se busca a purificação da sociedade, o exorcismo de dilemas difíceis, a sublimação do absurdo embutido nas formas da sociabilidade e jogos das formas sociais".( OTÀVIO, Ianni)
Retornando no tempo, em seu conhecido livro "O Segundo sexo", Simone de Beauvoir faz um estudo sobre a mulher e o seu papel na sociedade. Como uma perspectiva histórica e mística, sempre apoiada em suas próprias experiências de vida, Simone mostra, sempre e de alguma forma, como a mulher escravo do homem. E recusa a idéia, de ser tudo isto, da natureza feminina. E, ainda assim, sua essência na literatura, nas artes, na pintura, no endeusamento constante, inclusive, sempre comparada à virgem Maria.
Embora com uma forma carregada de alusões teóricas apóia - se sobre um sem número de exemplos concretos, mas oferecendo conclusões realistas. Fica a idéia de que é apenas pelo trabalho que a mulher diminuiu grande parte da subserviência e que a colocava
em degraus inferiores ao homem ou que é com este poder que lhe há de garantir a liberdade concreta.
Romper com os elementos subjetivos como: ausência de proteção, insegurança, dependência econômica e moradia, fazem parte de reestruturação mental dessas mulheres em sua totalidade como resposta aos maltratantes e de suas relações em que vivem subjugadas.
Compreendendo estas diferenças e que elas se complementam os sexos opostos devem viver em comunhão, num processo de doação recíproca, para que sejam felizes, e não em disputa pelo poder e pelo domínio. Compreender esta realidade é questão de educação e de sensibilização. Lembremos que podemos tirar da caixa de Pandora a esperança, colocá-la em nossos corações para enfrentar o grande desafio de acabar com a violência sob todas as modalidades, em especial a violência contra a mulher.
REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICAS:
AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: a violência denunciada . São Paulo, Cortez, 1987.
BURÍN, Mabe. Introducción : mujeres y salude mental. Em Burin, Mabel, comp. Estúdios sobre la subjetividad femenina. Mujeres y salud mental. Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1987.
CORIA, Clara. El sexo oculto del dinero. Formas de la dependência femenina. Buenos Aires, Siglo veinte, 1987.
DE BEAUVOIR, Simone. El segundo sexo. I: Los hechos y los mitos. Buenos Aires, Siglo veinte, 1987.
FROMM, Erich, El amor a la vida . Barcelona , Paidós, 1984.
IANNI, Octávio. Violence in contemporany society. Estudos de Sociologia, Araraquara, n.12, p. 7-28, 2002.
Lei nº. 11.340, de 7 de Agosto de 2006 - Maria da Penha. Brasil.
MOLINAS, Marlene; SOTO, Clyde; UBALDI, Norma. Transgresion y violência : el maltrato a la mujer en la relación de pareja. Centro de Documentación y Estúdios. Área Mujer. Asunción, 1989.